Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a educação brasileira com base nos dados do Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reflexões sobre a educação brasileira com base nos dados do Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2000 - Página 18463
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS, REFERENCIA, DADOS, ESTATISTICA, CENSO ESCOLAR, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DEMONSTRAÇÃO, PROGRESSO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, AUSENCIA, MELHORIA, ENSINO SUPERIOR, MANUTENÇÃO, SUPERIORIDADE, INDICE, ANALFABETISMO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, GOVERNO, ENSINO SUPERIOR, GARANTIA, NIVEL, UNIVERSIDADE, ATENDIMENTO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a divulgação recente dos números do Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação (MEC) traz à tona, mais uma vez, o velho dilema em que se debate a educação brasileira. O avanço inegável obtido em alguns setores se faz acompanhar de inexplicável retrocesso em outro. De fato, alguns resultados constatados em relação à educação fundamental e ao ensino médio não encontram paralelo no ensino superior, gerando um impasse de funestas conseqüências para o futuro do País.

O entendimento do significado dessa aparente dicotomia requer uma reflexão mais cuidadosa, que não se intimide com um certo ufanismo que parece acompanhar a divulgação dos resultados do Censo. Assim, é preciso analisar criteriosamente o retrato atual da educação brasileira, sem permitir que a generosidade de alguns índices encoberte o quadro da real situação do ensino em todos os níveis, uma vez que não se pode, a rigor, dissociá-los ou considerá-los realidades independentes.

Naturalmente, essa reflexão, se feita na profundidade desejável, excederia os propósitos e o espaço deste pronunciamento, para constituir um verdadeiro estudo sobre a matéria. Não sendo essa a nossa pretensão, convido-os, pois, para que façamos, tão somente, o levantamento da questão a ser debatida e aprofundada em fóruns mais adequados. Dessa forma, cumprimos, como Parlamento, um papel que nos foi delegado pelas eleições, que é o de garantir, de forma suprapartidária, o melhor projeto para a educação nacional.

Pelo menos no retrato revelado pelo Censo Escolar do MEC, a educação do Brasil está melhor: o País tem cada vez mais alunos matriculados em quase todas as fases de ensino. Esse retrato mostra, também, que a educação no País é pública. De cada dez alunos brasileiros - da pré-escola à educação de jovens e adultos -, nove estão em um colégio da rede oficial. E cada vez mais os municípios tomam a frente da educação infantil e fundamental. Já, na rede estadual cresce apenas no ensino médio. A principal explicação para isso é a Lei de Diretrizes e Bases - LDB, que determina que os estados são responsáveis pelo ensino médio, enquanto a educação infantil é responsabilidade prioritária dos municípios.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - Fundef, formado por 15% do total arrecadado pelos estados e municípios com o ICMS, IPI Exportação e Fundo de Participação dos Estados e Municípios, também explica os avanços obtidos no ensino fundamental.

Já havia registrado neste Plenário a importância do Fundef. Na ocasião apresentei o Projeto de Lei, Nº 67/2000, que visa melhorar o funcionamento do Fundef, especialmente quanto aos mecanismos de acompanhamento e controle da sociedade. O principal problema registrado na gestão do Fundef tem sido o desvio de recursos e o pouco controle da sociedade sobre a sua gestão. Nosso projeto, que está na Comissão de Assuntos Sociais nas mãos do Relator, Senador Antero Paes, visa corrigir essas distorções, ao fortalecer os conselhos de fiscalização e acompanhamento.

O Censo Escolar traz dados estatísticos, mas não avaliações sobre a qualidade do ensino oferecido na escola brasileira, o que dificulta uma reflexão mais aprofundada sobre os reais avanços.

Os indicativos demonstram dados significativos na consecução de objetivos importantes da política educacional, como a universalização do acesso à escolaridade básica. Porém, estamos ainda muito distantes de superarmos uma situação que ainda é caótica.

Embora a Constituição de 88 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reconheçam que todo brasileiro, independentemente da faixa etária, tem direito ao ensino fundamental, 13,3% da população com 15 anos ou mais é analfabeta, segundo dados do IBGE, de 99.

Se o critério for a escolaridade, a taxa sobe para 14,4%: 15,1 milhões de pessoas nunca freqüentaram a escola ou têm menos de um ano de escolaridade.

Esse desempenho coloca o Brasil entre os sete países latino-americanos com taxa de analfabetismo superior a 10%, ao lado da República Dominicana, Bolívia , Honduras, El Salvador, Guatemala e Haiti. O próprio MEC classifica a situação como "bastante crítica".

Passo, nos próximos minutos, a me deter à reflexões sobre a educação no nível superior. Como já ressaltei no início, os avanços que o Censo revela em relação ao ensino fundamental e médio não se verificam em relação ao ensino superior. Quanto a esse grau de ensino, os números disponíveis expressam as dimensões das assimetrias regionais da educação brasileira e nos ajudam a identificar o tamanho do desafio a ser enfrentado.

De cada 100 jovens entre 18 e 24 anos que tentam ingressar no ensino superior nas regiões Norte e Nordeste, apenas cinco são bem sucedidos. Esse número representa em média duas vezes menos alunos naquelas regiões do que nas demais. Em números absolutos, o cenário da espiral concentradora é ainda mais devastador quando se considera que a região Sudeste detém mais vagas no ensino superior do que a soma de todas as outras regiões juntas. No Pará, as universidades teriam que abrir 600% a mais de vagas para suprir a demanda até 2004. Em Belém, quatro em cada 100 jovens chegam ao ensino superior. No interior do Estado, é apenas um em cada 100. Na Argentina, são 30 para cada 100.

Sabendo-se que o desequilíbrio econômico regional é um dos mais graves problemas do País, estranha-se que não exista, até hoje, uma iniciativa voltada para a solução desse problema, articulada a uma política de qualificação de recursos humanos.

Hoje, no Brasil, a região Sudeste concentra 69,7% dos cursos de pós-graduação - mestrado e doutorado - e a região Sul 13,5%. Distribuídos nas outras regiões estão, pois, menos de 20% do total dos cursos de pós-graduação de todo o País.

Poder-se-ia argumentar que esse quadro resulta da distribuição populacional no Brasil. Mas isso não é verdade. A relação entre o número de programas de pós-graduação e a população residente é desigual. Segundo os dados, em 1996, o número de cursos por milhão de habitantes apresentava a seguinte relação: Norte: 3,39 cursos por milhão de habitantes; Centro-Oeste: 8,06; Nordeste: 4,87; Sul: 11,21 e Sudeste: 19,86. A relação média brasileira é de 12,33 cursos por milhão de habitantes - e todas as regiões, à exceção do Sudeste, estão abaixo dessa média.

Ora, o desequilíbrio regional é razão direta do desequilíbrio no desenvolvimento. Não há como negar a relação entre o desenvolvimento e a quantidade de conhecimento posto à disposição da sociedade pelas suas unidades geradoras. Particularmente, quando se fala em desenvolvimento sustentável, cuja principal característica é trocar a agressividade no trato dos recursos naturais pela ação inteligente que permite o máximo aproveitamento dos recursos disponíveis.

A Amazônia, como sabemos, é uma região de ecossistema diferenciado, de equilíbrio delicado e que necessita de um desenvolvimento específico. Não será possível realizar esse desenvolvimento sem que sejam colocados à disposição da sociedade os meios necessários, gerados diretamente da pesquisa e da qualificação de recursos humanos para essa Região.

Os problemas da universidade na Amazônia me dizem respeito mais de perto, naturalmente. Entretanto, isso não significa desconhecer a abrangência e a generalidade da crise do ensino superior no País. A recente greve das universidades públicas paulistas deixou claro um dilema que necessita ser enfrentado: é possível e desejável manter um ensino e uma pesquisa de qualidade numa sociedade periférica?

É claro que alguém poderia argumentar que, diante do volume de pesquisas realizadas em nações como os EUA, o que se faz de ciência aqui é muito pouco. Isso certamente é verdade, mas há que considerar que, em algumas áreas, o Brasil é competitivo e que, em outras, se o País não desenvolver estudos próprios, ninguém o fará. É o caso, por exemplo, de todas as ciências humanas aplicadas ao Brasil e também do combate a doenças e pragas agrícolas que afetam mais o País.

De resto, é consenso que a inserção futura do Brasil no mundo depende diretamente da qualidade de seus quadros de nível superior. Por qualquer ângulo que se considere, não é desejável para o País que as universidades públicas, que respondem por mais de 90% da produção científica, se deteriorem.

O Brasil deve à universidade pública a quase totalidade das pesquisas que, nas últimas décadas, permitiram o desenvolvimento do País, o avanço tecnológico e o bem-estar social. A engenharia que ergueu cidades, a agricultura que adaptou culturas inteiras ao solo e ao clima brasileiros e o conhecimento do meio ambiente, da história e da geografia nacionais, foram realizações de professores ligados a instituições de ensino superior federais ou estaduais. Sem essas instituições, o Brasil seria um outro país, infinitamente mais atrasado e pior para se viver.

O fato inconteste é que, sem uma universidade pública digna desse nome, o Brasil dificilmente chegará ao fim das próximas décadas na posição em que todos sonhamos vê-lo. Dado o consenso dessa afirmativa, parece inacreditável que esteja em curso uma política deliberada de destruição da universidade pública.

Assim, Sras. e Srs. Senadores, é legítimo exigir que o Governo dê a devida atenção, apresentando à sociedade brasileira um projeto de universidade à altura de nossos anseios de desenvolvimento e coerente com o esforço que vem sendo empreendido nos demais níveis de ensino.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2000 - Página 18463