Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre episódio envolvendo a fazenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em Minas Gerais, a questão da reforma agrária e o MST. Reflexão sobre os efeitos, no Estado do Paraná, da redução do financiamento agrícola. Anúncio da aprovação, ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de projeto de sua autoria referente ao nepotismo no Brasil. Questionamento à posição brasileira diante da denominada questão paraguaia.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA JUDICIARIA. POLITICA AGRICOLA. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre episódio envolvendo a fazenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em Minas Gerais, a questão da reforma agrária e o MST. Reflexão sobre os efeitos, no Estado do Paraná, da redução do financiamento agrícola. Anúncio da aprovação, ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de projeto de sua autoria referente ao nepotismo no Brasil. Questionamento à posição brasileira diante da denominada questão paraguaia.
Aparteantes
Alvaro Dias, Heloísa Helena, José Alencar, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2000 - Página 18645
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA JUDICIARIA. POLITICA AGRICOLA. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DENUNCIA, INFERIORIDADE, VALOR, DECLARAÇÃO DE BENS, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, IMPRENSA, MINISTERIO PUBLICO, AUSENCIA, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, RECURSOS, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • CRITICA, SENADO, AUSENCIA, PROVIDENCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, EDUARDO JORGE, EX-CHEFE, SECRETARIA GERAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DISPENSA, DEPOIMENTO, JOSE EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA, EX SENADOR, EX MINISTRO DE ESTADO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, FISCALIZAÇÃO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, JUSTIÇA FEDERAL, CRIAÇÃO, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF).
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, FINANCIAMENTO, AGRICULTURA, BRASIL, FALENCIA, PRODUTOR RURAL, AUMENTO, PARTICIPANTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, COMBATE, NEPOTISMO, EXIGENCIA, JUSTIFICAÇÃO, CONTRATAÇÃO, PARENTE.
  • QUESTIONAMENTO, PRISÃO, LINO CESAR OVIEDO, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, CRITICA, POSIÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, a primeira pessoa com quem conversei ao chegar ao Senado hoje foi o Senador Pedro Simon. E, numa espécie de transferência eletromagnética ou osmótica, estou imbuído, neste momento, de seu espírito conciliador.

Pretendo fazer uma proposta para a solução do impasse de Minas Gerais. Trata-se de uma proposta simples, extraordinariamente singela. Proponho-me, Senador Bernardo Cabral, como pessoa física, a comprar a fazenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso exatamente pelo mesmo valor declarado no Imposto de Renda e doá-la para reforma agrária. Se não me engano, Sua Excelência declarou ao Imposto de Renda ter adquirido a fazenda por qualquer coisa ao redor de R$1.600,00. Ora, como o salário líquido de um Senador, após os descontos a que nos submetemos, é de cerca de R$4.500,00, eu compraria a fazenda do Presidente e ainda me sobraria alguma coisa para viver durante o mês.

Na verdade, estou indignado com a falta de aprofundamento por parte da imprensa e do Ministério Público em relação a essas questões. Por que até hoje ninguém aprofundou essa história de uma fazenda comprada por R$1.600,00? Por que até hoje, Senador Agnelo Alves, a imprensa brasileira, principalmente as redes de televisão, não chamaram ainda o ex-Senador José Eduardo de Andrade Vieira a fim de que aprofundasse sua denúncia a respeito do caixa dois da primeira campanha do Presidente da República, de US$100 milhões? Como diz Eduardo Vieira, o ex-Ministro da Agricultura do Governo do Presidente Fernando Henrique: “Não se guardam US$100 milhões no travesseiro da Luciana nem no colchão da D. Ruth”.

O ex-Ministro, tesoureiro da primeira campanha, afirma com todas as letras que o caixa dessa quantia, até morrer, era o Sérgio Motta, e que, posteriormente, esses recursos foram administrados pelo Sr. Eduardo Jorge Caldas, que cuidava até das despesas pessoais do Presidente da República. Mas isso não se aprofunda. A imprensa estabeleceu uma autocensura em relação aos deslizes do Executivo federal. E o Senado não quis ouvir na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ou na Subcomissão o Senador Andrade Vieira, disposto a vir explicar por que afirmava que Eduardo Jorge Caldas era o tesoureiro do caixa dois. E como ele sabia da existência do caixa dois, foi dispensado pela maioria governista.

Portanto, que fique claro para quem nos escuta esta manhã que o Senado Federal não tem a menor intenção de aprofundar essas coisas, e essa não-intenção é demonstrada com toda clareza pelas medidas que vem tomando ou pelas medidas que não vem tomando. Por que não criar uma CPI em vez daquela Subcomissão sem poderes para aprofundar coisa alguma? Vejo o empate do nosso Presidente, Antonio Carlos Magalhães, a réplica do Presidente do meu Partido e Líder da nossa Bancada, Jader Barbalho. Resolveriam os dois o problema, iniciando a subscrição de um pedido de formação de uma comissão parlamentar de inquérito.

Mas nem tudo são nuvens negras nesta manhã. A reforma do Judiciário avança, agora relatada pelas mãos sérias e competentes do Senador Bernardo Cabral. Que se consolide um órgão externo verdadeiro de fiscalização do Poder Judiciário. Diriam: Mas vocês têm coragem para isso? Não é preciso coragem; é preciso apenas ter uma visão correta dos desvios do Judiciário e da necessidade que ele tem de ser fiscalizado por não-juízes, porque advogados não fiscalizam advogados; médicos não fiscalizam médicos. A visão corporativa se sobrepõe à necessidade da fiscalização.

Apresentei, por exemplo, um projeto de criação de um órgão externo do Judiciário, inspirado nos modelos português, espanhol e argentino. No entanto, numa manhã em que eu não estava presente, foi posto em votação e considerado inconstitucional. Será que irão considerar constitucional agora o projeto vindo da Câmara, que tem exatamente a mesma natureza?

Mas pretendo retomar a proposta. E, juntamente com os Senadores do Paraná - Álvaro Dias e Osmar Dias -, estamos propondo também a racionalização da Justiça Federal. A Justiça Federal está, em algumas regiões do Brasil, abarrotada de processos, não conseguindo mais dar vazão aos julgamentos necessários. Estamos propondo a criação de um Tribunal Regional Federal em Curitiba, trazendo para essa região também Mato Grosso do Sul. Estamos propondo a criação de um Tribunal Regional Federal em Belo Horizonte, desafogando o problema de Minas Gerais; outro em Salvador, na Bahia, e outro Tribunal Regional Federal no Pará, resolvendo o problema da Região Amazônica.

Talvez o do Pará pudesse ser apenas autorizado; o volume de processos na região amazônica poderia não justificar a sua criação imediata, mas, na lei, a autorização viabilizaria a iniciativa a qualquer momento, sem mais exame do Congresso Nacional. Estaríamos desafogando, com tranqüilidade, o funcionamento da Justiça Federal.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Requião, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Como não, Senador Pedro Simon, logo em seguida.

Quero trazer ao conhecimento do Plenário uma bobagem que corre no Estado do Paraná, levantada pelo Governador Jaime Lerner, ávido de adquirir prestígio nessa discussão dos tribunais. O Governador e algumas pessoas desinformadas nos diziam no Paraná, em uma reunião da OAB: o Paraná tem que reagir contra a hegemonia do Rio Grande do Sul, que não permitirá que se instale um Tribunal Regional Federal no Paraná, da mesma forma que São Paulo agirá em relação a Minas Gerais. Que tolice!

Tenho para mim a certeza de que contaremos com o apoio dos gaúchos e do conjunto dos Senadores. E por quê? Porque não se trata de uma quizila regional, mas de dar velocidade e agilidade à Justiça Federal, e não será aqui no Senado que situações informadas pela mediocridade postergarão ou retardarão a instalação desses necessários tribunais.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Requião, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Ouço V. Exª, com todo o prazer, Senador Pedro Simon.

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Roberto Requião, gostaria também que V. Exª me concedesse um aparte depois.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Bem depois, Senador. (Risadas.)

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - O Senador Pedro Simon anuncia uma intervenção longa, porque já avisa ao Senador Álvaro Dias que S. Exª poderá falar, mas bem depois.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Em primeiro lugar, as minhas felicitações a V. Exª, que, independentemente das crises que tem com a Justiça do seu Estado, a qual não lhe dá o tratamento que merece, mostra grandeza, ao buscar fórmulas para melhorar o exercício da Justiça em seu Estado. Meus cumprimentos, é um gesto louvável da sua parte. Peço-lhe desculpas, Senador Roberto Requião, mas houve um boicote da Secretaria-Geral da Mesa contra mim e preciso retirar-me. Pediria, então, a V. Exª que me desse dois minutos do seu discurso para uma afirmativa que considero da maior importância. Está havendo um desgaste muito grande com essas notícias de Minas Gerais; ninguém está ganhando com isso. Em primeiro lugar, isso é um absurdo dos Sem-Terra. Essa gente não sabe o que saiu para nós conquistar a democracia; não sabe o valor da liberdade. Essa história de brincar de colocar gente para tentar invadir as terras do Presidente da República, terras que possuem índice de produtividade, que possuem índice de normalidade; criar notícias e manchetes internacionais permanentes é uma irresponsabilidade do Movimento dos Sem-Terra.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador, há uma relação custo/benefício extraordinária. O Presidente pagou pela fazenda inteira R$ 1.600,00.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - É uma irresponsabilidade do Movimento dos Sem-Terra. Aliás, diga-se de passagem, vi uma fotografia na capa do Zero Hora de ontem, que me deixou apavorado. No prédio público, a Brigada devia estar pedindo a retirada dos manifestantes. A Brigada acabou saindo, e eles ficando. Lá estava, de novo, a foice, como aquela que terminou matando um soldado da Brigada na frente do Palácio; atrás da foice, estava a mãe com as crianças de um e dois anos. Acho que não fica bem. Penso que, em Minas Gerais, houve um erro total dos Sem-Terra. Em segundo lugar, estranha a função do Presidente da República. A terra não é dele, mas de seu filho. Lá está o Exército na frente das terras do filho dele. E o responsável pelo problema de invasão de terra nos Estados é o Governo Estadual. Aliás, é o “abacaxi” do Governador. Não podemos fazer reforma agrária, não podemos fazer nada, mas, na hora, eles invadem, e a Justiça manda o Governo Estadual resolver. Quer dizer, o Governo Federal fica olhando. Então, o Exército intervir da forma como está fazendo é um ato estranho - e está agindo desse modo, porque são as terras do Presidente da República, que, na verdade, são do seu filho. Isso deixa o Presidente em má situação, embora eu considere que tinha que acontecer. Quer dizer, penso que devemos tomar uma decisão, e, enquanto não a tomamos, o Exército não deve sair de lá. Em terceiro lugar, o Itamar Franco, Governador de Estado, tem razão, porque se está criando uma situação anormal no Estado de Minas Gerais: o Exército poderá entrar em qualquer local e em qualquer confusão que existir no Estado, apesar de sua atuação ser de âmbito federal. Coloquei a Brigada quando haviam tomado conta da universidade. Os estudantes foram brigar e berrar na frente do Palácio. Eu lhes disse: “Meus filhos, vocês são uns bobalhões”. Coloquei a Brigada para acalmar, porque o Comandante do 3º Exército havia-me telefonado para dizer que estava mandando o Exército. Mandei a Brigada, para que saíssem de lá, sem que houvesse intervenção do Governo Federal. Eu entendo que o Itamar não queira intrometer-se; também entendo que queira uma solução, mas dizer que mandará a Brigada contra o Exército não fica bem. Se eu fosse o Itamar - ou se pudesse dar-lhe um conselho -, desapropriaria a terra para utilização social, para fazer uma estação experimental, e o problema estaria resolvido; entraria com pedido de desapropriação das terras. O Estado não pode fazer reforma agrária, porque não tem autoridade para isso - só quem pode desapropriar para esse fim é o Governo Federal -, mas pode desapropriar para fazer uma estação experimental.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E poderemos dar à estação o nome de Estação Experimental Eduardo Jorge Caldas.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Não, o nome seria Fernando Henrique Cardoso, se fosse o caso.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - O nome está compatível.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu faria um apelo para equacionar essa situação: que os sem-terra parem com isso, porque só estão somando pontos negativos. Não estão ganhando nada perante ninguém, nem mesmo perante o “Zé Povo”; estão só perdendo. Segundo, o Presidente está perdendo; terceiro, o Governador também está perdendo. Se sou um sem-terra, retiro essas pessoas de lá correndo. Se sou o Fernando Henrique, vendo aquela fazenda; se sou Itamar Franco, desaproprio hoje, para transformar a fazenda em uma estação experimental - e dizem que as terras são muito boas para isso.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Penso que esse é o caminho. Mas que beleza de reforma agrária não faríamos no Brasil, em Minas Gerais, Senador José Alencar, se pudéssemos desapropriar as terras pelo preço que o Fernando Henrique declarou, no Imposto de Renda, tê-las comprado. Todas as terras da região. Seria uma reforma agrária maravilhosa e a preço extraordinariamente baixo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Talvez seja o preço que o Itamar pague pela desapropriação.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Preço corrigido pela tabela de juros, por exemplo, que o Governo usou para financiar a Embraer: 2,5% ao ano.

Ouço, agora, o Senador Álvaro Dias.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Senador Roberto Requião, ainda que outros estejam na minha frente, inclusive, o Senador Álvaro Dias...

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Cedo a vez a V. Exª.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Gostaria de aproveitar, agora, a oportunidade, considerando o aspecto em questão, embora o discurso de V. Exª aborde, além desse, outros aspectos, como a reforma do Judiciário.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Será um prazer conceder o aparte a V. Exª, Senador José Alencar.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Agradeço aos Colegas. Como mineiro e representante do meu Estado nesta Casa, eminente Senador Roberto Requião, estou preocupado com tudo o que está acontecendo; não, com um confronto da Polícia Militar do meu Estado com o Exército Nacional. Essa é uma preocupação que jamais esteve em minha mente. Estou preocupado com as tradições do meu Estado, especialmente com aquelas ligadas à sua respeitabilidade. O Estado de Minas Gerais sempre foi respeitado por todos os Estados da Federação e capaz de levar uma grande contribuição à causa pública, em qualquer momento da história do País. Preocupa-me muito que os próprios órgãos da imprensa tenham feito chacota desse episódio. É preciso que haja um número maior de assessores. Ouvi o eminente Senador Pedro Simon, que é amigo do Governador Itamar Franco, de quem foi Líder - nesta Casa ou no Congresso, se não me engano -, sugerir algumas atitudes. Provavelmente, todos os que se dispõem a levar um conselho ao Governador Itamar Franco deveriam fazê-lo, de fato. Não tenho dúvida de que S. Exª recebê-los-ia muito bem porque pertenceu a esta Casa durante 16 anos e tem por ela maior apreço. Obviamente, tenho a impressão de que o que é dito aqui lhe cala profundamente no coração. É preciso que voltemos a respeitar Minas Gerais. Hoje, lendo os principais jornais do País, verifiquei com que dose de crítica o assunto é abordado. Parece uma brincadeira nacional! O Estado de Minas Gerais está hoje a braços com um problema sério de déficit, para este ano, estimado em R$1 bilhão. Nesta Casa, sou autor de um projeto de resolução que reduz o comprometimento dos Estados para amortização da dívida sem nenhum perdão, apenas prolongando um pouco mais o prazo, a fim de ajudá-los. Correspondi-me com todos os Governadores. Já tenho recebido resposta de alguns que se dizem esperançosos de que meu projeto vingue. No entanto, há momentos que duvido da nossa representatividade. Às vezes, abandonamos a representação do nosso Estado - que nos cabe - para defender recursos que possam ajustar um pouco mais o setor público nacional no pagamento das exorbitantes taxas de juros. Precisamos de um terço do valor das ações da Petrobras que foram vendidas, para atender a todos os Estados da Federação. Preciso que cada um dos companheiros do Senado conheçam melhor meu projeto, para que possamos ajudar a todos os Estados que estão sofrendo.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Vamos conhecê-lo, Senador José Alencar. Agradeço seu aparte.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Eminentes Senadores Roberto Requião, Álvaro Dias, Heloísa Helena e Pedro Simon, agradeço a todos por me terem permitido fazer uso da palavra, ainda que a minha vez não fosse essa.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - A minha intervenção acaba sendo uma sucessão de apartes. Peço alguma tolerância da Mesa para que eu possa conceder aparte aos Senadores Heloisa Helena e Álvaro Dias e, ao mesmo tempo, completar as idéias que me trouxeram à tribuna.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Presidência só pede aos aparteantes que sejam mais sucintos.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador José Alencar, há 15 anos, o Governo Federal destinava cerca de R$20 bilhões ao financiamento da agricultura. Hoje, esse montante oscila, no máximo, entre R$5 bilhões e R$8 bilhões. Essa indiferença em relação ao campo causa no Paraná o fechamento, a liqüidação, o desaparecimento, por dia, de vinte unidades produtivas agrícolas, duzentas em dez dias, seiscentos por mês, 7.200 por ano.

Estamos vendo a agricultura abandonada. Há um gênio da raça que foi Ministro que nos empurrou garganta abaixo a famosa Lei Kandir, a qual reduziu o imposto dos cereais e dos minérios não processados de 13,5% para zero, do óleo para zero. Tínhamos impostos de 8,5% e de 13,5% para o óleo de soja e para os grãos, e o Brasil se transformou num exportador de grãos e de minérios não processados. A Ásia é hoje um pólo de esmagamento de significação mundial e, conseqüentemente, centenas de milhares de empregos desapareceram aqui. Estamos sendo muito mal cuidados no que se refere a isso. Eu, pessoalmente acredito que o MST não deveria invadir prédios públicos - penso que isso é uma bobagem -, mas penso que deveria, sim, ocupar espaços públicos, como as praças, para mostrar que a agricultura está abandonada, que há pessoas que querem trabalhar a terra e não têm essa oportunidade, que não existe projeto concreto de reforma agrária no Brasil.

Discutem-se quantos assentamentos o Governo fez, mas não ouço falar nos desassentamentos, sendo que, desde o início do Plano Real, já contabilizam mais de um milhão de unidades produtivas rurais abandonadas. Quantas pessoas em cada unidade produtiva? Uma família? Duas? Se é uma família, são cinco milhões de pessoas sem possibilidade de sobrevivência; se são duas, são dez milhões de brasileiros.

O MST pode cometer os seus erros, mas terá sempre, da minha parte, o apoio necessário - um apoio crítico, em alguns momentos, mas o movimento não pode ser abandonado.

Aqueles que tratam com chacota o ex-Presidente Itamar Franco, que talvez tenha realmente desbordado alguns limites, não tratam com a mesma chacota a compra da fazenda do Fernando Henrique por R$1.600,00. Então, há um direcionamento nesse processo.

Lembro, quando Eduardo Jorge Caldas esteve aqui no Congresso Nacional e nada respondeu, que, no dia seguinte, o bufão da Globo, Arnaldo Jabor, tentava ridicularizar a mim e ao Senador Pedro Simon. Mas, posteriormente, tudo foi se consolidando e o Brasil inteiro sabe hoje que Eduardo Jorge Caldas é o caixa dois do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

No entanto, ocupei esta tribuna hoje para anunciar à Casa que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ontem, aprovou um projeto de minha autoria que inicia o processo de liquidação do nepotismo no Brasil, obrigando todas as pessoas que nomearem um parente até segundo grau a justificarem a nomeação, com todos os predicados e títulos do nomeado por escrito. Isso abre espaço para uma ação popular contra uma nomeação indevida ou mesmo para a ação do Ministério Público. Também muito importante: extinguimos uma taxa judiciária completamente amalucada que vigia aqui no Distrito Federal. A taxa judiciária é por um serviço divisível, onde se individualiza o usuário do serviço. Inventaram uma taxa judiciária com critérios de imposto para construir primeiro o prédio do Tribunal de Justiça e depois o prédio da Ordem dos Advogados do Brasil, que é uma instituição privada, de caráter público, mas privada. E conseguimos liquidar isso ontem. Da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania o projeto vai para a Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, também pretendia abordar, nesta manhã, a questão paraguaia. Há um Presidente paraguaio, nomeado pelo Supremo Tribunal Federal porque era Presidente do Senado, mas que continua Presidente apesar do seu mandato de Senador ter-se extinguido por decurso de tempo. Não é mais Presidente do Senado e sequer é Senador. E continua Presidente do Paraguai. Eu gostaria de examinar a prisão do general Lino César Oviedo, que conheci quando fui Governador de Estado. Pela experiência e convivência, tenho a impressão de ser ele um homem honrado e correto. Ele tem, talvez, um único defeito: é um nacionalista paraguaio; é um paraguaio que não quer a subordinação do Paraguai aos Estados Unidos e que tem teses muito interessantes sobre o Mercosul e sobre a importância do Brasil nesse processo, sobre um mercado latino americano para se contrapor à Alca. Talvez por isso ele esteja preso.

Não consigo entender o que o Brasil ganha com a prisão de Lino Oviedo, que foi absolvido pelos Tribunais paraguaios e condenado por um Tribunal de exceção montado por seu adversário político, Wasmosy. Não sei o que ganha o Brasil com isso e, principalmente, não sei o que ganha o Brasil sustentando a farsa democrática de um Presidente do Senado que assumiu a Presidência e não a abandona, apesar da existência de um Vice-Presidente eleito pelo voto direto e apesar de não ser mais Presidente do Senado e sequer Senador.

Eu pretendia abordar esses temas, mas os apartes interromperam o fluxo e a articulação lógica do meu pronunciamento. Encerro, com a aquiescência da Mesa, concedendo um aparte breve ao Senador Álvaro Dias e, posteriormente, à Senadora Heloísa Helena, que haviam manifestado a intenção de acrescentar algo ao pronunciamento que faço.

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Roberto Requião, meu aparte chega um pouco tarde, pois diz respeito à primeira parte de seu pronunciamento. Mas, com muita satisfação, cedi a vez ao Senador José Alencar. Quero apenas apresentar alguns dados que justificam a apresentação da emenda que estamos encaminhando ao projeto de reforma do Poder Judiciário. Trata-se de contribuição favorável à descentralização da Justiça, sem o que não tem muito sentido essa reforma, porque ela é fundamental para tornar a Justiça mais eficiente, mais ágil, mais barata, mais próxima do cidadão. Para sustentar a argumentação de V. Exª, apresento alguns números importantes. O Tribunal Regional Federal da Quarta Região, que tem sede em Porto Alegre, acumula hoje 140 mil processos; dez juízes são responsáveis pelo julgamento de 140 mil processos. E mais: encontram-se tramitando em primeira instância 451 mil processos, dos quais quase a totalidade subirá para aquele Tribunal em grau de recurso. Portanto, serão 140 mil mais 451 mil processos a serem julgados por dez juízes. Quanto tempo levaríamos para fazer justiça nesses casos? Quanto tempo os cidadãos esperariam pela Justiça? Portanto, essa emenda que apresentamos conjuntamente tem o objetivo de contribuir para que a descentralização do Poder Judiciário possa tornar a Justiça mais eficiente em nosso País.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Essa emenda terá uma tramitação tranqüila. Tiro essa conclusão a partir do comportamento do Plenário no momento em que colocamos a tese em discussão, a partir da receptividade do Relator da Reforma do Judiciário e da contribuição e do aval dos Senadores do Rio Grande do Sul.

Senadora Heloísa Helena, tenho o prazer de interromper sua conversa com o Senador Eduardo Suplicy e, para encerrar o meu tempo, conceder-lhe um aparte.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Roberto Requião, eu não ia entrar no pronunciamento de V. Exª, mas acabei sendo motivada a fazê-lo por algumas considerações que foram feitas em relação ao Movimento dos Sem-Terra. Uma dessas considerações foi feita pelo Senador Pedro Simon, e com ela concordo inteiramente. S. Exª teve oportunidade de corrigir as bobagens ditas pelo Advogado-Geral da União, que afirmou que Governador de Estado não pode desapropriar terras. Ele teve oportunidade de corrigir a bobagem dita, já que Governador de Estado não pode desapropriar terra para fins de reforma agrária, mas pode fazê-lo para fins de interesse público. Até espero que o Governador Itamar Franco faça isso mesmo para acabar com essa celeuma.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E que o faça pelo preço declarado no Imposto de Renda, nem um tostão a mais.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - É claro.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senão o Governador Itamar Franco estaria incorrendo em crime de responsabilidade, pagando ao Fernando Henrique mais do que ele diz ter pago pela terra.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Com certeza, ele não faria isso. A propósito, vou apresentar hoje um projeto em relação à quebra de sigilo bancário e fiscal até três anos após se ter deixado o cargo de agente público, para que possamos identificar muitos mistérios de enriquecimento espalhados por este País. Mas gostaria de fazer uma consideração sobre o Movimento dos Sem-Terra, que é, sem dúvida, um dos mais belos movimentos deste País. Esse Movimento nasceu, cresceu e se tornou esse gigante que é hoje em função da mais absoluta incompetência, decadência e insensibilidade da elite política e econômica. O Governo Federal é incompetente para estabelecer uma política agrícola, como bem V. Exª disse. Pela primeira vez na história do País, perdemos mais de 320 mil estabelecimentos rurais.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Mais de um milhão, Senadora. Os dados são de Guilherme Dias, ex-Diretor-Geral do Ministério da Agricultura.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Só no último ano.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Só no último ano. Desde o início do Plano Real, mais de um milhão de unidades produtivas foram abandonadas. No Paraná, são abandonadas 20 unidades produtivas agrícolas por dia, o que dá um total de 7.200 unidades agrícolas produtivas por ano. Então, não há que se falar em assentamento, porque a política agrícola do Governo é de desassentamento.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - É claro. A incompetência, a decadência e a insensibilidade do Governo Federal acabam gerando essa situação. Primeiramente, não há uma política agrícola para o País, e, em segundo lugar, não se faz uma reforma agrária, deixando-se de cumprir o que está na Constituição. O Governo Federal é covarde e incapaz de fazer desapropriação de terras, como manda a Constituição. Não são estatutos de partidos de esquerda ou o Movimento dos Sem-Terra que determinam isso, mas sim a Constituição Federal. A incapacidade e a covardia do Governo Federal diante do latifúndio improdutivo deram impulso ao Movimento dos Sem-Terra. João Pedro Stédile, uma liderança muito importante do Movimento dos Sem-Terra, vem sendo recebido nas estradas deste País de uma forma belíssima: é recebido com chuva de pétalas de rosa e com água de cheiro; é recebido por pessoas com o coração pulsando de coragem, solidariedade e esperança. João Pedro Stédile disse uma frase maravilhosa: “Se quer acabar com o Movimento dos Sem-Terra, faça a reforma agrária!”. Quem quiser acabar com o Movimento dos Sem-Terra deve fazer a reforma agrária. Para complementar, Senador Roberto Requião, quero dizer ao Senador José Alencar que Minas Gerais continuará tendo o respeito do povo brasileiro, como sempre teve, e o Governador Itamar Franco contribui para isso. Há uma velha teoria, hoje muito desprezada: a da curvatura da vara, conhecida por muitas pessoas simplórias do interior, como eu. É uma teoria muito antiga de um velho filósofo, conhecida por qualquer pescador. Diz ela que, quando as coisas estão muito tortas para um lado, para buscar o equilíbrio, alguém deve radicalizar para o outro lado. Portanto, acabamos tendo que dar parabéns ao radicalismo do Governador Itamar Franco, que, infelizmente, tem sido um dos poucos que consegue, de forma altiva, neste País, enfrentar o Governo Federal. Desculpe-me por ter me prolongado, Senador.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senadora, agradeço-lhe o aparte e quero concordar com V. Exª.

O Movimento dos Sem-Terra é um movimento soberbo. Ele tem cometido seus erros, mas é impossível esperar de um Movimento um comportamento que seja do agrado do conjunto da população; é impossível esperar que ele não cometa erros. Mas esse Movimento tem, da minha parte, a mais absoluta solidariedade. Quando ponho na balança os erros e os acertos do Movimento, concluo que, se ele não existisse, as elites brasileiras, o Governo e o FMI teriam se esquecido dos milhões de trabalhadores que não conseguem sobreviver. E todas as pessoas que realmente são favoráveis à reforma agrária devem entender isso. Fico imaginando o que seria do Raul Jungmann sem o Movimento dos Sem-Terra: não poderia dar um passo, não teria um tostão nos destaques orçamentários, não poderia ter uma ação positiva a favor da reforma agrária no Brasil. Suas ações são modestas, mas são possíveis pela pressão do Movimento.

O Presidente Itamar Franco pode ser pesado nessa mesma balança. Os seus acertos serão sempre maiores que os seus erros. Ele está acuado, ele não conta com mídia. A mídia, que acha a atitude do Itamar Franco ridícula, não tratou da mesma forma o calote, o trote, o passa-moleque que o Congresso Nacional sofreu com a venda das ações da Petrobras, numa noite em que a bancada do Governo postergava a votação do projeto do Senador Osmar Dias e em que, em Nova Iorque, o Governo entregava a Petrobras a preço vil. Daquela data até hoje, houve uma valorização das ações daquela empresa de 74%.

Como vê V. Exª, Senador José Alencar, nossos companheiros podem cometer erros, podem, em determinados momentos, até ultrapassar a barreira entre a seriedade e o ridículo, mas a razão sempre estará do lado deles. O importante é que um político cometa erros ou acertos, mas jamais perca a decência, a conduta corajosa e a razão. E a razão, neste momento da vida nacional, está com o ex-Presidente Itamar Franco e com o MST.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2000 - Página 18645