Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a implantação do serviço voluntário em substituição ao serviço militar obrigatório. Solicitação de representação do Senado Federal em conferência a ser realizada pela Procuradoria de São Paulo sobre o aumento da violência.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a implantação do serviço voluntário em substituição ao serviço militar obrigatório. Solicitação de representação do Senado Federal em conferência a ser realizada pela Procuradoria de São Paulo sobre o aumento da violência.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2000 - Página 18783
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEBATE, PARTICIPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, GARANTIA, EFICACIA, SEGURANÇA INTERNA, PAIS.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, SERVIÇO CIVIL, SUBSTITUIÇÃO, SERVIÇO MILITAR OBRIGATORIO, APROVEITAMENTO, PESSOAS, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, SOCIEDADE.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, GESTÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CRIAÇÃO, SERVIÇO, VOLUNTARIO, BRIGADA, IMPORTANCIA, COLABORAÇÃO, DESEMPREGO, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, MOTIVO, EXTINÇÃO, PROJETO RONDON, RELEVANCIA, ALCANCE, NATUREZA SOCIAL, PROJETO, DEFESA, NECESSIDADE, RETORNO.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, LIDER, GOVERNO, ITAMAR FRANCO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMPENHO, CRIAÇÃO, PROJETO, COMBATE, FOME, MISERIA, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONVOCAÇÃO, SOCIEDADE, REALIZAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, PAIS.
  • SUGESTÃO, SENADO, DESIGNAÇÃO, REPRESENTANTE, PARTICIPAÇÃO, CONFERENCIA, INICIATIVA, PROCURADORIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, uma palavra, ainda que singela, sobre o orador que me antecedeu. S. Exª expôs uma tese que, realmente, é muito importante - e já tem sido debatida, discutida e analisada longamente -, mas a pergunta que se faz é: que formas poderiam ser utilizadas na implantação do que S. Exª fala?

Hoje, no Brasil, as Forças Armadas são constituídas para a defesa da soberania brasileira, ou seja, para a sua defesa externa. É a garantia da Nação. As suas forças auxiliares, como a Polícia Civil, a Brigada Militar e a Polícia Federal, coordenam as questões internas e existem com essa missão específica. Mas Marinha, Exército e Aeronáutica são instituições de garantia da defesa externa e da soberania nacional. Não seria, então, possível utilizar essas entidades para ajudarem a defender a garantia da ordem interna?

S. Exª o Parlamentar que me antecedeu disse, com muita felicidade, que na Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, onde estiveram presentes dezenas e dezenas de primeiros mandatários e autoridades do mundo inteiro, a presença das Forças Armadas nas ruas foi um exemplo extraordinário de ordem, uma demonstração importante de efeito positivo na manutenção da ordem no Rio de Janeiro.

É verdade que isso foi feito naquela semana, quando foi dada ao Rio uma feição que ele não tem. Mendigos, crianças de rua e até mesmo assaltantes foram retirados do centro do Rio e de todos os lugares por onde deveriam passar as caravanas das representações internacionais. Por assim dizer, foram proibidas de circular no centro do Rio todas as pessoas que pudessem chamar a atenção pelo abandono, pelo desemprego, inclusive pelo vestuário. Foram tomadas medidas nesse sentido, medidas que as Forças Armadas souberam fazer cumprir muito bem. Se pensássemos que isso poderia ser feito permanentemente pelas Forças Armadas, aí seria diferente. Logo, pensar que o problema do Rio ou São Paulo, seja lá o que for, é apenas das Forças Armadas está errado. Trata-se de um problema que merece o debate sobre as questões de segurança, que envolvem, em primeiro lugar, o aspecto social. Vários e imensos problemas sociais trazem como conseqüência a radicalização, o terrorismo, a violência, a morte e tudo o mais. Os dirigentes das Forças Armadas são contrários à tese de utilização de militares na defesa civil. Alguns chegam a ficar irritados, dizendo ser ridículo admitir-se que as Forças Armadas devam ser utilizadas para garantir a ordem interna. Quem garante a ordem interna são os órgãos auxiliares das Forças Armadas - a Brigada Militar e a Polícia Civil.

Quando fui Ministro da Agricultura, Governador de Estado e Líder do Governo, nessas três oportunidades tive a chance de sentar à mesa com as autoridades militares em várias discussões, nas quais debatemos esse assunto. Como Ministro da Agricultura, chamava a atenção para a dificuldade com a floresta Amazônica e com a imensa fronteira, praticamente imprevisível em sua garantia, com países como Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru. No que tangia ao meu Ministério, os chamados guardas de fronteira, as pessoas presentes ali para garantir a floresta, o Pantanal eram em um número insignificante. À época, havia o contrabando de jacarés, de drogas. Enfim, para manter a garantia daquelas fronteiras, era absolutamente impossível se imaginar que teríamos condições para isso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, naquela ocasião, tivemos uma reunião com o General Leônidas, Ministro do Exército, com o General Ivan, Chefe do SNI, com o Ministro da Marinha, com o Ministro da Aeronáutica, com o Chefe da Casa Militar, com o Chefe das Forças Armadas e com representantes de várias entidades e de vários Ministérios e debatemos a matéria. O General Leônidas dizia que as Forças Armadas são uma instituição que se mantêm tradicionalmente com os soldados, cabos e sargentos fixos em um lugar determinado, ali, no batalhão, no quartel, onde ficam, de onde saem e para onde voltam em curto período. Na verdade, estão ali sob a orientação constante e permanente da direção e do comando deles. Imaginar que um grupo de militares possa ser introduzido no meio da floresta Amazônica, onde ficariam um, dois ou três meses acampados ou em alguns casebres, de onde sairiam em busca de caçadores, contrabandistas e salteadores, etc. e tal, longe do batalhão, do quartel, longe da convivência de seus colegas, seria expor esses jovens soldados a, dentro de muito pouco tempo, perderem o controle e a identificação. Seria impossível fazer com que eles não se identificassem com o meio e não terminassem sendo presa fácil, pela compra, pelos favores, pelas vantagens, pela violência e todo o mal por parte dos vários grupos existentes. Há um meio termo que se pode discutir - dou razão ao então Ministro do Exército, General Leônidas. Outro argumento dado é o de que as tropas armadas têm um determinado tipo de comportamento: eles não foram treinados para garantir a ordem interna; não foram treinados para chegar a um determinado lugar, a um campo de futebol, por exemplo, ou onde há uma determinada crise eventual, para manterem a ordem. Eles foram treinados para garantir a ordem e para usar os meios necessários para que isso aconteça, sob qualquer tutela. Eles existem para garantir a lei e a ordem.

Por isso, as vezes em que as tropas do Exército têm saído para garantir a tranqüilidade em algum lugar onde haja crise, geralmente questões graves têm acontecido. Foi assim no Governo Juscelino, quando petroleiros invadiram uma usina, em Minas Gerais. Naquela ocasião, militares do Exército foram enviados para retirarem os petroleiros de dentro da usina. Os grevistas garantiam que esfriariam o forno geral de Volta Redonda, o que colocou em pânico o Governo. Caso isso acontecesse, haveria um prejuízo muito grande. Pura e simplesmente, colocaram as tropas do Exército nas ruas, e três ou quatro trabalhadores foram mortos - não me lembro o número exato. Houve uma crise tremenda, que, inclusive, mudou o resultado das eleições.

O PT chegou à Prefeitura de Porto Alegre, pela primeira vez, com Olívio Dutra, numa época em que nem se imaginava que isso pudesse acontecer. Tal fato ocorreu em conseqüência daquela invasão, da morte dos trabalhadores e do fato de o então Ministro da Justiça, o gaúcho Paulo Brossard não ter sido feliz ao explicar, por intermédio das redes de rádio e de televisão, as mortes e a presença das tropas do Exército para garantir o funcionamento do forno da Usina de Volta Redonda.

O debate proposto é importante demais e não pode ser jogado fora pura e simplesmente pelas razões que aqui foram expostas. Esse debate é imensamente significativo para que haja uma revisão profunda da organização das nossas Forças, que, de um modo geral, devem ser analisadas e investigadas. o que penso. Tenho uma tese a respeito e a defendo.

Estava, no sábado, no Município de Taquara, Rio Grande do Sul, onde assisti ao juramento à bandeira feito por cerca de 500 jovens. Eles completaram os dezoito anos e, não sendo possível ou não havendo interesse do Exército em mantê-los por um ano no serviço militar, estavam sendo excluídos e considerados de terceira categoria. E, antes disso, estavam fazendo o juramento à bandeira.

Vi aqueles jovens - todos homens, porque não existe o serviço militar feminino - felizes, fazendo um juramento como se aquilo fosse o que de mais importante tivesse ocorrido em suas vidas. Esse fato me chamou a atenção exatamente porque a tese que defendo é a de que, em vez do serviço militar obrigatório, em vez de o Governo dispensar essa infinidade de jovens que completam 18 anos, por não ter condições de mantê-los, poderia convocá-los, homens e mulheres, para prestar obrigatória e voluntariamente um serviço à sociedade. Não seria algo que os levaria a manter a segurança, mas que indiretamente serviria para isso e tudo mais que o valha.

Aconteceria o que já acontece hoje: muitos dos jovens das favelas, quando chamados para o serviço militar, utilizam o sapato ou vão ao dentista pela primeira vez, aprendem a ler e a escrever, aprendem o sentido de pátria e de sociedade e a razão de ser gente. Muita gente não se dá conta disto, mas o serviço militar, além de ensinar a servir, a marchar, a dar tiro, a amar a Pátria e tudo mais, presta uma primeira missão, que é a de mostrar a esses jovens que são criados na vila, ao abandono, que o mundo não é apenas aquela favela em que se encontram, aqueles frangalhos que vestem, aqueles dentes quebrados que têm. Eles passam a ver que a vida oferece coisas a mais, coisas que conhecem à distância, mas podem adquirir.

Esse é o primeiro grande serviço que o serviço militar presta aos homens humildes que vêm servir. Presta também um serviço importante, pois conheço muitos pais de classe rica - não essa classe rica, rica, mas a classe privilegiada -, no Rio Grande do Sul, que fazem questão de que seus filhos prestem o serviço militar, porque acham que ali seus filhos aprendem a ser gente, a conviver com os que têm mais e com os que têm menos, a ter disciplina, a fazer sua cama, a levantar na hora determinada, a obedecer ao horário e ao sistema de trabalho, a entender que a vida não é só aquela de filhinho do papai, que tudo tem e, portanto, de nada precisa.

Se utilizássemos esse serviço em conjunto com a Prefeitura municipal e com outras entidades que compõem a sociedade brasileira, teríamos condições, Sr. Presidente, de modificar profundamente o conceito da nossa sociedade. Meu Deus, o jovem chega aos 17 ou 18 anos, época em que quer trabalhar, ter sua casa e uma diversão sadia, mas onde está o emprego, a sua casa, a diversão sadia? O que a sociedade lhe proporciona? Muitas vezes, o pai desempregado. Muitas vezes, os pais afastados. Muitos deles são criados na rua, com a despreocupação com o fato de saberem ou não escrever, com a despreocupação com o seu presente e com o seu futuro. Se fosse criado esse serviço...

Quando fui Governador do Rio Grande do Sul, criei na Brigada Militar esse serviço. E uma das coisas mais emocionantes que tive na vida foi ver o resultado. Criado o serviço - só pegávamos gente simples, pobre -, crianças de 10 a 14 anos eram convidadas e vinham conviver na Brigada Militar, em um, dois ou três quartéis que tínhamos. Estudavam - era fundamental, eles tinham que estudar - e trabalhavam, ganhavam o seu sustento. Havia uma série de coisas dentro da Brigada que eles podiam fazer. E ainda exerciam tarefas de soldados da Brigada: aprendiam a marchar, a cantar e a fazer atividades específicas.

Lembro-me de que criamos o serviço e, muito pouco tempo depois, houve uma solenidade no Palácio Piratini. Que surpresa fantástica o Comandante da Brigada nos prestou, porque, quando assisti à entrada na Brigada dos jovens esfarrapados, praticamente sem nada na vida, que ali entraram para começar, não podia imaginá-los, um mês depois, de cabelo cortadinho, arrumado, com o fardamento de estudantes, cantando o Hino Nacional, declamando, iniciando um coral, fazendo manobras, empolgando, sendo a vedete maior daquela festa no Palácio Piratini.

E, até hoje, existem centenas de jovens que são arrancados da rua. Muitos, não à beira do precipício, mas já entrando na criminalidade, saem e mudam os seus destinos. E de repente são jovens sadios, que buscam e encontram uma profissão, que buscam e encontram uma razão de ser na sua vida, que saem dali já empregados. Uns ficam na Brigada, outros querem ser soldados, outros querem uma ocupação, mas todos querem ser gente, querem uma chance, uma oportunidade de ser gente e não menino de rua.

Se a Brigada Militar consegue fazer isso no Rio Grande do Sul - sei que já faz isso em vários outros Estados - por que não se permitir a criação de um serviço, mas não um serviço militar obrigatório, um serviço civil para homens e mulheres, que o prestariam durante um ano à sua Pátria, provavelmente remunerados, mas prestariam numa série enorme de ocupações junto à prefeitura, com a direção dos colégios, com a direção de uma série de entidades sociais, caritativas. E aí vale o que o meu querido Senador afirmou: esse serviço poderia ser feito por jovens, mas por pessoas especificamente preparados para aquilo.

Defendo intransigentemente o trabalho voluntário. No mundo inteiro, no Primeiro Mundo, uma das coisas mais importantes é o trabalho voluntário. Nos Estados Unidos, ao lado do prêmio que eles têm da academia, das premiações que eles têm de vários setores, há os que recebem prêmios por serviços voluntários, e eles fazem questão de colocar o quadro ode premiações.

Olha, conseguindo fazer isso... Quanta gente que se aposenta com pouco mais de 40 anos, quantas pessoas de 50 anos ganham o necessário, o suficiente, mas gostariam de ter uma atividade útil, gostariam de ajudar, colaborar e hoje, simplesmente, não podem! E não podem porque a legislação proibia isso. E proibia porque a pessoa entrava na Justiça - e a Constituição diz que não existe trabalho gratuito - demonstrando que prestava um determinado serviço e exigia que lhe fosse pago tanto tempo quanto trabalhou sem receber.

No Rio Grande do Sul, sob inspiração do Sr. Jorge Johannpeter, criou-se exatamente uma entidade de serviço voluntário, cuja fórmula é interessante. De um lado, há uma equipe de voluntários que recebe os pedidos de entidades que precisam de trabalho para o seu estabelecimento - basicamente entidades sociais, como creches, escolas e uma infinidade de instituições que necessitam de colaboração. Ou seja, de um lado, uma espécie de oferta de serviço, como se fosse uma publicação de quem quer trabalhar; de outro a de quem precisa de trabalho.

Digamos que haja uma senhora que foi funcionária pública, com grandes conhecimentos de assistência social, e que tem duas tardes, duas vezes por semana para trabalhar naquela entidade.

De outra parte, é um cidadão que foi um grande coordenador, dirigiu o corpo médico do hospital, aposentou-se. Esse cidadão pode, num hospitalzinho popular, feito ali de emergência para atender os mais necessitados, ir lá e dar organização, coordenação, metas para que o hospital possa se transformar em realidade.

É impressionante verificar-se a satisfação dessas pessoas: trabalham porque querem, estão ali, vivendo!

Há alguém que disse que nada pior do que os primeiros dias da aposentadoria. Se ele não começar a trabalhar logo em qualquer outra coisa, vai começar a freqüentar os médicos e as doenças vão começar a aparecer. Eu conheço mulheres de amigos meus que ficaram sempre na expectativa e tinham ciúmes dos maridos, porque esses viviam trabalhando até tarde, e sonhavam com suas aposentadorias. Sobrevindo a aposentadoria, as mulheres se apavoraram porque não conseguem mais conviver com o marido em casa, porque esse lhes infernizava a vida, tomando conta da copa, do supermercado, do orçamento doméstico, de tudo.

Quantas vezes aconteceu de mulheres chegarem e pedirem: “por favor, arrume alguma coisa para o meu marido fazer, pode ser qualquer coisa, até de graça; nós estamos ótimos, a única coisa que não está bem é ele, que, não tendo o que fazer, de um jovem bacana que era, virou um velho ranzinza que não agüentamos mais lá em casa”.

O trabalho voluntário é fantástico para pessoas que podem vir a trabalhar, a colaborar com este País, onde há milhões de pessoas que nada têm para fazer, que não têm trabalho, que não têm ocupação. Há muita gente da classe média alta e até da classe rica, que também nada fazem, que não conhecem o outro lado da vida, da sociedade, porque assim foram criadas.

Temos debatido muito neste Congresso Nacional o serviço voluntário. Além do meu projeto, existem vários outros, inclusive do Presidente do Senado, Sr. Antonio Carlos Magalhães. Projetos também existem na Câmara dos Deputados e no Executivo, mas até agora não chegamos a um entendimento ideal.

O Brasil já teve o chamado Projeto Rondon, um dos projetos mais espetaculares que eu conheci. Lá em Roraima, vi o Projeto Rondon em exercício. Universitários, da Universidade de Santa Maria, durante 1 ou 2 anos, saíam da universidade e iam prestar serviços em Roraima - estudantes de Medicina, Direito, Engenharia, Odontologia e Farmácia. E ali, auxiliando as corporações e entidades, eles colaboravam com a integração do Brasil. Que coisa fantástica! Que trabalho emocionante, Sr. Presidente.

Ali em Roraima, há dois gaúchos que são Deputados Estaduais até hoje. A maioria, praticamente, ficou lá, não voltou. Integraram-se, casaram. O médico e o engenheiro atuam lá. Nós andamos e vimos o trabalho extraordinário que foi feito. Eu juro que não entendo por que extinguiram o Projeto Rondon. Dizem - e é difícil acreditar - que foi por falta de verba. É difícil acreditar que um projeto dessa profundidade, desse alcance, desse significado, tenha acabado por falta de verbas. Esse é outro projeto que precisa e deve voltar. Nesse estudo do contexto geral da nova sociedade, ele é um projeto importante que volta.

Coloco o meu projeto de serviço voluntário dentro da tese da busca da ética no Brasil. Quando a gente vê que o Brasil está alcançando a liderança entre os países líderes de corrupção... Quando a gente vê que a credibilidade praticamente desapareceu do contexto da nossa sociedade... Quando a gente vê que não se sabe mais o que fazer para que a lei exista para ser cumprida... Quando a gente vê que, hoje, o roubo e a violência não são feitos mais de forma individual, pessoal, voluntária, amadora, mas por verdadeiras quadrilhas... Quando a gente vê que essas quadrilhas são quadrilhas mesmo - de um lado tem senador, deputado, juiz, promotor, militar, empresário, jornalista... Há pessoas influentes de todos os lados metidas na máfia desse grupo. Quando a gente vê que, geralmente, essas quadrilhas utilizam menores, até para matar, para distribuir a droga, para distribuir o material criminoso, para ficar cuidando quando vem ou não o militar... A utilização dos jovens nos morros do Rio de Janeiro, onde os policiais não entram, quem comanda é a quadrilha.

Quando criamos a comissão para “erradicar” a miséria e a fome, um grupo foi ao Rio de Janeiro. Lá chegando para conhecer, foram convidados a entrar numa barca, de onde poderiam ver melhor, a distância, um dos mais avançados núcleos de violência de um desses grupos, no alto do morro. Contam os Senadores que se aproximavam, quando, de repente, veio um barco da Marinha em sentido contrário e obrigou-os a se retirarem, porque tinha havido uma determinação do comando da violência, dizendo que, se avançassem até onde teriam de ir, vinha bala do outro lado. E os Senadores voltaram, recuaram, vieram embora, porque quem comandava o morro, a quadrilha, os impediu de chegar lá.

Quando a gente vê essa situação da maneira que está... Eu nunca poderia imaginar a CPI do Tóxico na Câmara dos Deputados: o que ela apresentou, o que viu, o que mostrou...

Sr. Presidente, eu não sei, mas penso que vivemos o compromisso de fazer alguma coisa; ver o que vimos, saber as coisas que sabemos que existem e nada tentar fazer é algo que considero profundamente decepcionante para o cidadão que está nesta Casa.

Por isso, o discurso do meu colega foi muito importante, mas apenas abriu o debate e iniciou a discussão quando disse que devemos aproveitar as Forças Armadas para manter também a ordem interna. Na verdade, temos de fazer uma reformulação ampla e total em toda essa questão. Temos de fazer uma reformulação ampla e total na organização da sociedade brasileira. Isso pode ser missão quase impossível, isso pode ser tarefa considerada inimaginável, mas a verdade é que temos de começar. Tenho dado um exemplo singelo.

Que pena, Sr. Presidente: na semana que vem é o final da campanha municipal, e todos estaremos, cada um na sua região, cumprindo o nosso dever de participar das campanhas municipais. Na semana que vem, por iniciativa da Procuradoria de São Paulo, vai-se realizar em São Paulo uma semana espetacularmente importante: os procuradores mais importantes do mundo inteiro estarão em São Paulo; os chefes de procuradorias, os encarregados do setor, dos Estados Unidos, da Itália, da Alemanha, da Inglaterra, da Rússia, da China, do Japão, todos estarão discutindo essa matéria, ali em São Paulo.

Sr. Presidente, eu pediria que V. Exª anotasse a proposta que faço, para que o Senado Federal se fizesse representar nessa conferência. Que alguém nos represente. Mesmo que não seja possível a participação de parlamentares, que alguém possa nos representar. Acho que fomos convidados, mas caso não tenhamos sido, um telefonema nosso aos organizadores do congresso bastará para que obtenhamos permissão para dele participar. Pediria, portanto, Sr. Presidente, uma representação nossa nesse congresso.

Quem faz um congresso como esse, trazendo os mais importantes, os mais ilustres e os mais brilhantes do mundo inteiro, costuma gravar as palestras e os debates. Provavelmente tudo ficará registrado nos anais do evento, mas seria importante que nós do Senado, o nosso serviço especial do Senado se oferecesse para acompanhar os trabalhos e colher essas informações para que tenhamos, a posteriori, acesso aos resultados e às propostas apresentadas. Fico magoadíssimo comigo mesmo por não poder assistir às palestras que serão apresentadas pelos chefes de procuradorias provenientes dos mais variados países, como Índia, Canadá e China.

Acredito ser este o congresso mais importante desse setor já realizado no Brasil. Aliás, dizem que no mundo inteiro é a primeira vez que essas forças se organizam nesse tipo de trabalho. Infelizmente não estou com o nome dos procuradores de São Paulo aqui, mas dou nota dez à Procuradoria de São Paulo pelo espetacular trabalho que eles vão realizar. Reitero, Sr. Presidente: de alguma maneira temos que participar desse congresso.

Proponho-me a apresentar uma moção a fim de convidar esses procuradores de São Paulo para que, daqui a um, dois meses, quando voltarmos do recesso branco, na Comissão de Constituição e Justiça, exponham algumas teses importantes que tenham sido apresentadas nesse congresso.

Isso precisa ser feito. Toda caminhada começa com o primeiro passo. Não adianta imaginarmos que temos uma tarefa enorme a fazer e ficarmos um, dois dias para começá-la. Temos que começar.

Lembro-me do meu filho mais velho, quando teve que iniciar sua preparação para o vestibular. Ele não dormiu aquele dia. Ficou apavorado e me mostrava: “Olha, pai, tudo isso que está aí tenho que aprender até janeiro para fazer o vestibular”. Disse-lhe: “Meu filho, se você colocar isso, como fez, sobre a mesa, na frente da sua cama, para olhar antes de dormir e tornar a olhar quando acordar, realmente você entrará em pane e nunca começará. Esconda esses livros e comece pelo primeiro, um por um, etapa por etapa”.

No Brasil acontece algo semelhante ao que aconteceu com meu filho, Sr. Presidente. Chegamos aqui e expomos as mazelas do país e queremos que, no dia seguinte, as coisas estejam certas. Não é possível! Mas se tivermos um plano, uma proposta, um esquema e começarmos a executá-lo ponto por ponto, vírgula por vírgula, item por item, detalhe por detalhe, poderemos chegar lá. Poderemos fazer a reforma tributária, a reforma administrativa, a reforma política, a reforma social, a reforma jurídica, a reforma ética e a moral - etapa por etapa, ponto por ponto.

É isso que falta no Brasil, Sr. Presidente. Nós todos, principalmente nós da oposição, vimos muito facilmente a esta tribuna para demolir a sociedade, o governo, para apontar as coisas que estão erradas, as maluquices que existem. Fazemos isso e vamos para casa com a consciência tranqüila por termos feito a nossa parte.

Os parlamentares da base governista agem de maneira semelhante. Não há governo, por pior que seja, que não tenha executado uma série de obras, uma série de realizações, que não tenha feito uma estrada, uma escola, um hospital, enfim, algo de positivo. O parlamentar vem à tribuna, salienta a obra, discorre sobre ela, elogia-a e vai para casa tranqüilo.

Se não houver união e cooperação, se não houver vontade de realmente melhorar por parte de todos, se lá pelas tantas não nos esquecermos de nossas origens, se não buscarmos o nosso objetivo, que é único - uma pátria melhor -, ficará difícil.

Às vezes me pergunto se conosco aqui, no Congresso Nacional, não acontece algo semelhante ao que ocorreu na torre de Babel. Eles eram muito vaidosos e muito importantes e, quando procuraram fazer uma torre tão alta que chegasse até ao céu, de repente, perceberam que cada um falava uma língua diferente e ninguém mais se entendeu.

Será que não é mais ou menos isso que acontece no Congresso Nacional? Vem o Senador Lauro Campos e faz sua exposição fantástica, brilhante, competente, correta, economicamente justa, linha por linha, vírgula por vírgula. Vem a Senadora Heloísa Helena e traz o problema social, vivido na porta das fábricas e nas favelas de Alagoas - vem aqui S. Exª e o apresenta linha por linha, ponto por ponto. Vem o Pedro Simon e expõe a questão que trouxe dos pampas do Rio Grande do Sul; apresenta-a e a debate. Parece que cada um fala uma língua diferente, usa uma linguagem diferente, mas cada um de nós se sente satisfeito porque fez a sua parte - e fez. Damo-nos por satisfeitos porque cumprimos nossas obrigação - e cumprimos.

Quando vamos dormir, paramos para pensar e chegamos à conclusão de que fizemos o que tínhamos que fazer. Mas será que melhoramos um pouco o nosso País, será que efetivamente contribuímos para que algo melhor acontecesse em nossa pátria ou está tudo igual ao que era antes? Isso é importante, Sr. Presidente.

Quando líder do Governo Itamar Franco, eu procurava muito a oposição, procurava as entidades e as levava ao palácio do governo, fazia o entrosamento do governo com a sociedade. Quando o Senador Suplicy me procurou para tratar de um projeto para combater a fome, que o Lula queria entregar ao governo, ao Ministro da Fazenda, fui ao Presidente Itamar.

Fui ao Presidente Itamar e terminamos fazendo uma reunião. Nela esteve presente o Lula e mais quinze pessoas de sua equipe - ele organizou uma equipe e o Itamar estava com oito ministros. Foi quando nasceu o projeto que procuraria combater a fome. Esse projeto nasceu de um entrosamento, de uma comunicação que parecia impossível entre o Lula e o Presidente da República. Para compor o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, buscaram não um ministro, não o PMDB ou o PSDB: foram buscar Betinho e Dom Mauro Morelli, este para ser presidente e aquele, coordenador do projeto. Entregaram para a sociedade um magnífico projeto.

Isso poderia nunca ter acontecido se tivéssemos ficado apenas na aparência. O Suplicy iria à tribuna e faria o seu pronunciamento, mostraria o projeto, e diria: “Temos um grande projeto para combater a fome”. E eu viria para a tribuna, como líder do governo, e diria: “Meus cumprimentos. Quero dizer que mostrarei o projeto para os homens do governo para ver o que eles podem fazer.” E terminaria assim. Em vez disso, durante um mês, membros do PT e membros do governo sentaram juntos, trabalharam, e surgiu um enorme projeto que está em curso até hoje.

Sr. Presidente, defendo apaixonadamente essa tese do trabalho comunitário e do trabalho solidário. O projeto mais importante que realizei no meu governo - com o Itamar teríamos conseguido implementá-lo -, que é o que eu pretendia que o Fernando Henrique fizesse no projeto da fome, do Betinho, já que o Governo deveria ir além, em um projeto muito maior, era igual ao projeto solidariedade, do México. Representando o Brasil, chefiei a comissão que foi à posse do novo Presidente do México. Fiquei lá durante três dias para conhecer esse projeto e me emocionei, porque, embora infinitamente maior, era algo que eu tinha feito no Governo do Rio Grande do Sul.

O meu projeto era simples, Sr. Presidente. No Rio Grande do Sul, a nossa gente ia aos bairros, às vilas - gente e entidades que queriam fazer alguma coisa -, apresentava uma proposta e a levava à Metroplan. Aprovada a proposta, o governo elaborava o projeto, fazia a fiscalização e entregava um cheque. Esse cheque era entregue aos presidentes dessas entidades no Palácio do Piratini, em reuniões nas quais estavam presentes duas a três mil pessoas. As entidades faziam a obra, e o governo coordenava, dava assistência e fiscalizava.

Quantas creches, quanto calçamento, quantas ruas, enfim, quantas obras foram feitas especificamente pelos interessados, pelas entidades interessadas, sem empreiteira, sem nada. Os próprios interessados faziam: o governo dava o dinheiro, elaborava o projeto, fornecia o engenheiro, o arquiteto, o cidadão, o pedreiro que fazia a fiscalização e eles executavam. E a felicidade daquela gente era muito grande, porque se não fosse assim eles levariam não sei quantos anos e não sei nem se sairia. Não era uma grande obra e não era uma obra pequenininha, mas era uma obra importante.

Havia, pois, a participação da sociedade. No meu governo era feito assim: não precisava ter ficha no MDB nem em partido nenhum. O cidadão se apresentava como cidadão naquela entidade e a obra era realizada. Era proibida qualquer participação de cheiro político-partidário naquele trabalho. O nome da obra era “Ação nas Vilas”. Tenho saudade de um projeto como esse, Sr. Presidente, porque é agindo assim que vamos mudar a sociedade, e não da maneira como se está fazendo.

Aquele belo trabalho do tempo do Betinho e do Bispo D. Mauro Morelli ainda continua, e é brilhante e excepcional a competência e a seriedade da Primeira Dama, mas não tem mais o mesmo estilo, porque a sociedade deixou de participar, transformando aquele trabalho em um trabalho governamental.

As bolsas de alimentos, geralmente, são distribuídas pelo prefeito, e distribuídas pelo prefeito nem sempre têm aquela imparcialidade de quando eram distribuídas pelos funcionários do Banco do Brasil ou até por funcionários militares que se reuniam em um conselho do Município e faziam a distribuição, à margem de qualquer outra conceituação.

Que bom seria, Sr. Presidente, se o Presidente da República, um sociólogo, que dizem que tem uma conversa que encanta serpentes, de repente, usasse esse seu encantamento para um projeto que fosse o da sociedade brasileira, e que pudéssemos respirar um pouco, por algum tempo, sem termos que estar permanentemente preparados, como estamos, para ficar na defesa, para combater as coisas que estão erradas, mas sim que todos estivéssemos agindo no sentido de fazer as coisas que estão certas.

Isso é possível, é viável, Sr. Presidente. Depois de terminadas essas eleições municipais, que o Presidente está ansioso por ganhá-las, se Sua Excelência fizesse um projeto dessa natureza, com esse objetivo, para a sociedade, ele sairia muito melhor do seu Governo do que se continuar insistindo na questão de honra de que tem que fazer o seu sucessor e que este deve sair do grupo que o apóia, tendo, portanto, que fazer tudo o que for necessário para essa vitória.

Sr. Presidente, se Deus tocasse o Presidente, e ele, entendendo a sua missão, chamasse a sociedade e dissesse “tenho mais de dois anos de mandato, mas como não tenho mais vida política posterior, termina minha vida política daqui a dois anos, durante esse tempo convoco a sociedade para tentarmos fazer essas transformações, essas modificações, esse trabalho obreiro, missionário e messiânico”, isso seria o que de melhor poderia acontecer. No entanto, vemos as manchetes permanentes sobre quem é o sucessor, se vão fechar em torno do Serra ou do Governador do Ceará, o Sr. Tasso. Mas ao invés disso, se ele partisse para esse projeto, o grande projeto de redenção nacional, penso que a sua imagem perante a sociedade mudaria.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2000 - Página 18783