Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protestos contra a campanha publicitária do Governo Federal que omite informações sobre o difícil acesso de jovens e crianças à educação.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • Protestos contra a campanha publicitária do Governo Federal que omite informações sobre o difícil acesso de jovens e crianças à educação.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2000 - Página 18789
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • PROTESTO, FRAUDE, PROPAGANDA, CAMPANHA, PUBLICIDADE, GOVERNO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, INFORMAÇÕES, DIFICULDADE, ACESSO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, EDUCAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, INEFICACIA, ATENDIMENTO, SERVIÇO, CRECHE, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, RETIRADA, POSSIBILIDADE, PARCELA, JUVENTUDE, ADULTO, INGRESSO, ENSINO FUNDAMENTAL, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, INFRAESTRUTURA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, NIVEL, ESCOLARIDADE, TRABALHADOR, PAIS.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, OBRIGAÇÃO, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRA. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu ia tratar hoje da propaganda enganosa e da demagogia do Governo Federal em relação a um suposto plano social. Em função do horário, já que vou ter que ir a uma reunião com a CNBB e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para tratar de uma outra demagogia do Governo Federal, que é a questão da reforma agrária neste País, não o farei, mas não poderia deixar de falar pelo menos de uma pequena parte - porque todas as pessoas falaram sobre a juventude, o adolescente -, que diz respeito à questão da educação e da propaganda enganosa que o Governo Federal tem feito e as declarações do Presidente da República.

Senador Lauro Campos, quando Cazuza disse aquela famosa frase “a burguesia fede” devia estar assistindo a declarações como essas ou talvez assistindo ao horário eleitoral. Isso porque observar a propaganda eleitoral dos amigos do Presidente da República, dos amigos do poder, requer, sem dúvida, um verdadeiro trabalho estatístico, pois precisamos medir o coeficiente de cinismo dessas pessoas. E é exatamente por isso que espero que o Presidente da República e os grupos políticos que estão destruindo este País possam ter uma belíssima derrota eleitoral, apesar de saber, de conhecer muito bem, quanto ele está gastando com a propaganda eleitoral dos Estados, fazendo uma suposta prestação de contas descentralizada, e conhecer também o balcão de negócios que é montado neste País para que essa “elitizinha” desqualificada, demagógica e cínica sobreviva politicamente.

Vou tratar de alguns dados relacionados à educação. Todos nós ouvimos as declarações do Presidente da República em relação à educação no País. Sua Excelência afirmou:

“Temos, hoje, quase todas as nossas crianças dentro das salas de aula, são 37 milhões de crianças estudando”;

“Meu Governo já distribuiu bolsas-escola para mais de um milhão de famílias”;

“No ensino médio, nos últimos seis anos, as matrículas cresceram 66%”;

“Em cinco anos, o número de alunos matriculados em cursos universitários aumentou mais de 40%”;

“O nível médio de instrução dos brasileiros vem aumentando substancialmente ano após ano”.

É evidente que o Presidente omitiu alguns fatos fundamentais na questão da educação. Sem dúvida, uma das maiores vergonhas deste País é o atendimento à criança de zero a seis anos de idade em creche e pré-escola. Para se ter uma idéia, Senador Lauro Campos, dessa população alvo apenas 2% estão sendo atendidos de alguma forma, e não necessariamente pelo setor público. A maioria dos serviços de creche e pré-escola são oferecidos pelo setor privado. Portanto, apenas 2% das crianças em idade de freqüentar creche e pré-escola vêm sendo atendidas, ou seja, apenas 2% de 21 milhões de crianças de 2 a 3 anos e 9 milhões de crianças de 4 a 6 anos.

O Presidente omitiu também que, conforme o art. 208, I, da Constituição, o ensino fundamental é o único nível que deverá ser oferecido obrigatoriamente e que envolve tanto as crianças de 7 a 14 anos, como aqueles que estão em defasagem escolar, ou seja, aqueles que deverão ser atendidos pela Educação de Jovens e Adultos. É realmente o cúmulo da demagogia o Governo ostentar como uma realização importante na área de educação a única coisa que é obrigatória - não é prioritária. E, mesmo assim, na área do ensino fundamental ficaram de fora os jovens e adultos deste País, que também não têm acesso ao ensino fundamental.

É importante registrar que, quando o Presidente sancionou a lei que criou o Fundef, principal meio de financiar o ensino fundamental, vetou o artigo que envolvia o ensino fundamental regular - de 7 a 14 anos - e o ensino fundamental de jovens e adultos - de 15 anos e mais -, boa parte ainda sem acesso à escola. E dessa população de 15 anos e mais, mais de 70% não têm acesso ao ensino fundamental, ou seja, 75 milhões de pessoas não têm acesso àquilo que a Constituição diz que é obrigatório.

O Presidente omitiu também os índices de evasão escolar e as condições de infra-estrutura das nossas escolas. Senador Lauro Campos, 57% das escolas do nosso País não têm torneira; 30% das escolas do nosso país não têm sanitário; 80% das escolas do Nordeste não têm abastecimento de água. A qualificação dos professores é algo inadmissível, que tem levado ao aumento da evasão escolar e à ausência de condições adequadas de trabalho. Há índices altíssimos de licenças médicas tiradas pelos trabalhadores de educação, especialmente pelos professores, em função das suas condições salariais. É gigantesco o aumento do número de professores que tiram licença médica relacionada a distúrbios mentais. Isso, sem dúvida, é gravíssimo.

O Presidente afirma que 1 milhão de famílias foram atendidas, como se isso fosse fundamental numa população-alvo de setenta milhões de famílias brasileiras em estado de pobreza.

Quanto à evasão escolar, nosso aluno quase não evade e a maioria passa 14 anos para cursar as 8 séries do ensino fundamental. Isso, com certeza, é reflexo das condições sociais e econômicas do alunado, resultado de uma rede de ensino onde a maioria das escolas não tem torneira, sanitário, material didático, quadra de esporte e outras condições básicas de infra-estrutura. O MEC reconhece essa situação, quando firma acordos internacionais para financiar programas de construção escolar - aqueles acordos financiados com instituições financeiras multilaterais, porque o Brasil discursa que não tem recurso já que o dinheiro do País, todos sabemos, é para financiar a agiotagem internacional.

No ensino médio, dizem que as matrículas aumentaram em 66%, mas o Presidente “esqueceu” de falar que, em 1996, segundo dados do IBGE e do Censo Escolar, o Brasil possuía em torno de 16 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 19 anos e apenas 25% estavam dentro de qualquer alternativa de escola, e que, no ensino médio, mais de 70% da demanda não era atendida. E ainda querem que esses jovens não fiquem violentos; ainda querem que esses jovens não sejam jogados na marginalidade como último refúgio.

O País não tem alternativa de emprego, não dinamiza a economia local, não gera emprego, não gera renda, a juventude não tem expectativas e, além do mais, não tem perspectiva de ficar na escola. Setenta por cento da demanda do ensino médio não era atendida e 16 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 19 anos não têm relação alguma com a escola.

É importante que seja dito que, no Orçamento, o nível de ensino sempre foi colocado em segundo plano, apesar de a Constituição definir, em seu art. 208, II, que o ensino médio público e gratuito deveria ser progressivamente universalizado. Porém, esse processo de progressividade deveria ter começado em 1988, quando foi promulgada nossa Constituição.

Quanto ao ensino médio e à Educação de Jovens e Adultos, o nosso Presidente - nosso não, não me ponham uma culpa dessa -, o Presidente do País e os seus assessores mais próximos fazem questão de omitir um fenômeno da maior importância que vive o Brasil nessa década e que merece uma atenção especial da política pública para a área social, que é a chamada “onda do adolescente”, o que, na verdade, é uma modificação demográfica gigantesca. Sérios estudos do grupo de demógrafos, inclusive do Cebrap de São Paulo, afirmam e chamam a atenção das autoridades brasileiras para o crescimento da população jovem que, até o ano de 2005, atingirá o maior contingente de jovens de 15 a 19 anos já visto na história do Brasil desde a Colônia, o que tende a não se repetir com o controle da natalidade e a longevidade alcançada por parte da população brasileira. Esse fenômeno deveria estar preocupando enormemente o Presidente: o que fazer com 20 milhões de jovens, quando mais de 60% ainda estão fora da escola, não têm trabalho, não têm projetos de vida a se engajar? Sem dúvida, acabam, diante de tanta desclassificação e ausência de condições objetivas de vida, criando um bom propósito para a violência e a marginalidade no nosso País.

O Presidente também esqueceu de mencionar - esqueceu não, o cinismo é que encobre as palavras que deveriam ter sido ditas - que nos 75 milhões que compõem a nossa população economicamente ativa, a chamada classe trabalhadora brasileira, a média de anos de escolaridade é de apenas 3 anos e meio. Mesmo assim, o Presidente vetou o financiamento da Educação de Jovens e Adultos dentro do Fundef e fez a reforma do ensino médio e do ensino profissionalizante contando principalmente, como já disse anteriormente, com recursos internacionais, recursos esses que significam o aumento da nossa dívida. Fora o analfabetismo de mais de 13.3% da nossa população. Eu sei que importa pouco, porque sabemos que o problema...

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Pois não, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Gostaria apenas de acrescentar uma ligeira observação a esse discurso tão bem fundamentado que V. Exª está pronunciando. O Governo que aí está é um Governo de brasileiros contrariados. Uns gostariam de estar em Paris; em Londres, outros; e ainda outros nos States, que eles tão bem conhecem. São, portanto, brasileiros contrariados. E V. Exª, que veio da verdade, do mundo real - e não sai dele -, sabe quão absurda é essa proposta, que se renova, de resolver o nosso problema educacional substituindo o quadro de giz, que foi destruído, por uma televisão em cada sala de aula. Essa é a tese predileta do Ministro da Educação, agora apoiada pelo Presidente da República. O que acontecerá? Naturalmente, os professores, tendo abandonado a sua peregrinação pelas salas de aula, devido a esse salário miserável, serão substituídos pela televisão. Mas que programa será oferecido aos nossos pacientes alunos? Só pode ser programa de violência. De modo que é muito triste presenciarmos essas propostas de pessoas desgravitadas, totalmente alienadas da nossa realidade, de brasileiros contrariados de serem brasileiros, de terem que agüentar isto aqui. Porque a sua vontade, o seu desejo é estar lá num bom restaurante de Paris, na Via Veneto, ou nos Estados Unidos, em Nova Iorque, fazendo as suas palestras, as suas conferências sobre o imaginário. Pedi o aparte apenas para me congratular com esses dados que vêm desmentir um Presidente que já falou quatro vezes que é mentiroso. Quatro vezes Sua Excelência declarou-se mentiroso! Como alguém pode escutar e dar fé a alguém que se declara mentiroso? Não foi só “esqueçam tudo o que eu escrevi” - ele devia me indenizar pelos livros que comprei e pelo tempo que gastei lendo livros que achei que fossem sérios -; ficou faltando alguma coisa. Não é só mandar esquecer. É preciso indenizar e parar de fazer outras edições, de continuar enganando com novas edições. Isso aconteceria se houvesse aquilo que V. Exª sabe que falta tanto neste País. Muito obrigado.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª, meu querido companheiro Lauro Campos. Fica aqui, mais uma vez, o nosso protesto. E não se trata de falta de lei, porque não é preciso que haja um projeto mirabolante, faraônico para a educação. O que falta, de fato, é o cumprimento da lei, porque, mesmo com os problemas da nossa legislação, se ela fosse cumprida, com certeza teríamos um impacto, uma situação de miserabilidade bem menor, especialmente na educação.

O Congresso Nacional predispõe-se a ser um anexo do Palácio do Governo, predispõe-se a não fiscalizar nada - nem fiscaliza aquilo que a opinião pública olha estarrecida como fato abominável, que são os crimes contra a administração pública, a exploração de prestígio, o tráfico de influência, enfim, a roubalheira mesmo do dinheiro público, nem fiscaliza aquilo que está devidamente enquadrado como políticas sociais, como políticas obrigatórias para o cumprimento do papel do Estado. Fica aqui, mais uma vez, o nosso protesto.

Sei que o problema do Congresso não é de fala nem de discurso. Aqui, se formos realmente ver, a Torre de Babel não se dá pelo que as pessoas falam, porque todos falam a mesma fala, todos se apresentam comprometidos com as políticas públicas, com as políticas sociais, com os pobres e miseráveis deste País. No horário eleitoral é tudo absolutamente igual.

O grande e real desafio do povo brasileiro é medir se existe coerência ou abismo entre o que as pessoas falam e a realidade das suas histórias de vida. Mais cedo ou mais tarde, o povo brasileiro vai conseguir identificar e punir essas personalidades. Sei que jamais serão punidas com a dor, a humilhação e o sofrimento de milhares de pessoas neste País, que não têm uma casa para morar, que ficam embaixo de uma lona quando conseguem comprá-la, que quando chove não conseguem se deitar para dormir, porque se deitariam na lama, e os ratos comem, mordem seus filhos.

Aqui nesta Casa todos viram essa realidade, porque todos precisaram do voto do pobre para chegar ao Senado Federal. Todos já viram uma favela, já tocaram uma pessoa pobre e miserável. Em época de eleição, então, é fantástica a demagogia, a hipocrisia dessa elitizinha cínica. Mas, depois, os tapetes azuis suavizam mentes e corações e, infelizmente, os eleitos acabam não se predispondo a ajudar essas pessoas. Espero que um dia sejam punidos e espero continuar acreditando na democracia.

Sei que não vivemos numa democracia, porque sem justiça social não há democracia. Democracia não é simplesmente o Congresso estar com a porta aberta, os funcionários trabalhando e nós, aqui, falando. Isso não é democracia coisíssima nenhuma, porque uma democracia em que o Congresso Nacional não cumpre nem com sua obrigação, que democracia é? Nem há justiça social, nem a democracia representativa existe, porque, se não cumprimos a nossa obrigação constitucional, não existe democracia. Existe uma farsa, um faz-de-conta da democracia.

E aí defendemos o Estado democrático de direito, porque estamos transitando nos tapetes azuis do Congresso Nacional sem cumprirmos as nossas obrigações enquanto o povo está submetido a dor, fome, miséria, humilhação, desemprego, sofrimento.

É uma pena que muitas das personalidades que dão sustentação a esse modelo cruel e perverso não possam ter a possibilidade de passar pelo menos um dia vivenciando o constrangimento, a humilhação, a fome e o sofrimento que tantas pessoas pobres e miseráveis vivem neste País!

É só, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2000 - Página 18789