Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A PRIORIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NA EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA. COBRANÇAS AO GOVERNO FEDERAL DE MAIORES INVESTIMENTOS NA AREA SOCIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CRITICAS A PRIORIZAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NA EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA. COBRANÇAS AO GOVERNO FEDERAL DE MAIORES INVESTIMENTOS NA AREA SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2000 - Página 18792
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, DESTINAÇÃO, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, INSUFICIENCIA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, EMPREGO, TRANSPORTE, SEGURANÇA PUBLICA.
  • CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, INVESTIMENTO, INDUSTRIA DE MATERIAL BELICO, ESPECIFICAÇÃO, CRESCIMENTO, VENDA, ARMA DE FOGO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REESTRUTURAÇÃO, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, OBJETIVO, MELHORIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta foi uma sessão que muito me enriqueceu, não no sentido de que aqui eu tenha tramado alguma forma de golpe contra o Erário, mas pela inteligência dos oradores que me precederam.

O discurso breve e tão cheio de experiências individuais do eminente Senador Pedro Simon, por exemplo, foi uma lição de conhecimento político e de transmissão de sua experiência humana e salutar.

Se fôssemos procurar uma linha comum, um tema comum a permear os vários pronunciamentos de hoje, eu diria que talvez fosse a questão da prioridade, das prioridades deste nosso mundo, das prioridades eleitorais, das prioridades governamentais. E quando falo em prioridade, vem-me sempre à lembrança a frase de um Ministro - Ministro de diversos governos e de diversas pastas -, o Sr. Bresser Pereira, que disse, na Câmara dos Deputados, que existe um discurso para as eleições e outro discurso para governar. Como se essa dualidade cínica fosse a coisa mais natural do mundo: uma mentira para enganar eleitores e outra para cumprir o seu mandato. Nunca mais me esqueci dessa frase de Bresser Pereira.

Como vamos falar em prioridades? Nas vésperas da eleição, todos repetem as mesmas palavras: “saúde, educação, transporte, habitação e segurança”. É por isso que há muito tempo não acredito em conversa de político, não acredito em prioridades verbais - elas são todas iguais. Há décadas, eu costumava dizer aquilo que, agora, nestas eleições, o norte-americano comum passou a compreender: “Se, nos Estados Unidos, o Partido Republicano e o Partido Liberal escolhessem dois irmãos gêmeos como candidatos à Presidência da República, só assim os eleitores norte-americanos, olhando para um e para o outro, vendo-os iguais, iam perceber que também os partidos, o Liberal e o Republicano, são iguaizinhos; conservadores e não conservadores são a mesma coisa. Aquelas eleições parecem-se muito com o carnaval brasileiro. Gastam-se milhões para enfeitar as convenções e a escolha se dá entre duas nulidades.

Há quanto tempos os Estados Unidos não têm um Presidente? Essas duas nulidades que o povo não conseguia entender têm a mesma proposta, têm os mesmo objetivos, a mesma formação, a mesma deformação; comportam-se internacionalmente da mesma forma, com os mesmos instrumentos. Portanto, em um país forte e potente como os Estados Unidos, com as suas estruturas já sedimentadas, não adianta prioridade. As prioridades no Brasil, assim como as prioridades nos Estados Unidos, estão postas pela nossa prática. Há uma estrutura viciada secularmente no Brasil, que se foi constituindo e que está sedimentada na burguesia insensível à repartição de renda, das mais execráveis do mundo, a um sistema educacional que sempre alijou e afastou os pobres. “Para que pobre precisa saber ler?” - perguntavam os nossos avós. Esse sistema educacional é obviamente uma herança arcaica, antiga, e que ainda está aí. De vez em quando, um fazendeiro fazia uma escolinha e contratava uma professora para ensinar os filhos de seus trabalhadores a ler.

Temos que perguntar ao mundo real quais foram as prioridades que o fizeram assim. Se perguntássemos e compreendêssemos as palavras das coisas, então o mundo dir-nos-ia. Qual é a prioridade número um do capitalismo? O capitalismo produziu 344 guerras, de 1740 a 1974, sendo 76 guerras internacionais, de acordo com Eric Hobsbawn. Qual é a prioridade? Qual é o gasto que a humanidade fez em maior quantidade neste século? De acordo com o Diretor do Pew, Instituto de Pesquisa dos Estados Unidos, ao ser perguntado sobre qual era o fato mais lamentável, mais assustador, com maior apelação que os entrevistados teriam visto ao longo deste século XX, nenhum dos entrevistados respondeu, para sua surpresa, que a coisa mais surpreendente eram as despesas de guerra. Disse ele que US$15 trilhões foram gastos apenas na Guerra Fria.

Não tenho dúvida de que esse fato, aparentemente normal, corriqueiro, em certo momento da minha vida assustou-me tanto que mudou a minha maneira de ver o mundo.

No início da minha carreira como professor universitário, li a seguinte declaração do maior economista do século: “Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro, capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra”. Seis vezes Lord Keynes disse que só a guerra é capaz de resolver os problemas do capitalismo, de levar, entre outras coisas, ao pleno emprego. “Embora a maior parte dos bens e serviços se destinassem à imediata e infrutífera destruição, assim mesmo constituíam riqueza”. É outra citação do mesmo Lord, a respeito da 1ª Guerra Mundial.

De modo que, então, quando as estatísticas alienadas de um mundo transtornado afirmam que os Estados Unidos hoje, por exemplo, têm dois ou três por cento de desemprego, isso é a maior mentira que existe no mundo. É só para enganar norte-americano. Nós não deveríamos mais ser enganados por isso. Como se pode considerar empregados, por exemplo, os dois milhões de seres humanos que têm suas vidas devoradas na Nasa? Se a Nasa dispensasse seus funcionários, que produzem para o espaço, produzem para a destruição, produzem para a danação, dois milhões de desempregados a mais haveria nos Estados Unidos. E se parasse de gastar na destruição, no espaço, de queimar recursos e queimar as vidas humanas, que foram gastas ali produzindo os artigos bélicos espaciais, as ogivas e toda a loucura... Isso faz parte do PIB americano. A destruição é computada como produção e como riqueza. Isso é uma loucura do ponto de vista humano. Deveria ser. Os economistas não querem saber de entender essas coisas. Vemos que as prioridades não são escolhidas por nós, pelas nossas boas intenções. As nossas boas intenções e as nossas boas intenções para com os nossos bons eleitores que vão votar em nós - esperamos - ditam logo: educação, saúde, transporte, segurança. São essas aí, da boca para fora. Na prática, a realidade nos afirma outra coisa. Por exemplo, estivemos aqui conversando muito hoje a respeito de planos muito interessantes sobre educação e saúde. Pois bem, vou ler só um pedacinho de um recorte - gosto de recortar coisas que me lembram que não estou enganado, desde 1957, quando percebi que o Capitalismo era centralmente isso, que a macroeconomia Keynesiana estava centrada numa economia de guerra. O seu pressuposto, que é atingir o pleno emprego, só se verifica durante a guerra - só dele li seis vezes isso, em diferentes livros e circunstâncias -, quando me convenci de que não poderia ser professor de um sistema que vive e gravita na guerra e cuja dinâmica se assenta nela. Para mim, desse momento em diante, deixei de ser qualquer liberal, qualquer neoliberal, qualquer apoiador desse sistema, para me transformar na possibilidade do meu oposto, quer dizer, passei a estudar seriamente outras opções. Passei a enfrentar Karl Marx e outros que propunham outras saídas para o ser humano que não a guerra. E é muito simples, é muito fácil, através de uma projeção psicanalítica, dizer que são eles, nossos inimigos e adversários soviéticos, que visam, através de suas concepções hegelianas, propor e realizar a guerra. E assim falavam, até que a União Soviética se desmanchou sem ter feito a grande guerra que os Estados Unidos e os antigos aliados afirmavam que faria. Afirmavam que faria para justificar, obviamente, o esforço bélico, a produção bélica, o orçamento bélico que sustentou a economia norte-americana e a economia capitalista até hoje.

O Ministério da Defesa, que reúne as três Forças Armadas, investiu R$140,5 milhões no primeiro semestre deste ano. No mesmo período, os quatro Ministérios da área social (saúde, educação, trabalho e previdência) investiram R$106,3 milhões. Assim, quais são as nossas prioridades? Saúde, educação, trabalho e previdência? Nós quase nunca falamos aqui e, quando falamos, temos pena do orçamento mínimo que se afirma ser dirigido para as necessidades do Ministério da Defesa. Para lá, foram R$140,5 milhões no primeiro semestre deste ano e, para saúde, educação, trabalho e previdência, R$106 milhões. Qual é a prioridade real também do Brasil? Obviamente, é esta prioridade que aí está. São esses Ministérios da Defesa que têm a prioridade real, aqueles que têm as maiores dotações no Orçamento. Os dados são do Sistema de Acompanhamento da Execução Orçamentária da União, atualizado periodicamente pela Câmara dos Deputados e aberto para acesso público.

Além disso, quando há o Orçamento, por exemplo - ele que não manda nada, pois é um palpite, é opinativo - que sugere aos tecnocratas que eles gastem de acordo com a vontade do povo, transmitida pelos Deputados e Senadores e objetivada no Orçamento, o que é que acontece? Aqui se esforça, se luta e se coloca, por exemplo, um recurso digno, em quantias satisfatórias, para fazer a reforma agrária ou para a área de educação, e o que acontece nesse Governo? No final do ano, apenas 20%, 10% desses magros recursos são gastos. Há uma sobra de recursos nessas áreas mais necessitadas, nas áreas sociais, de modo que nem aquilo que foi sugerido pela boa vontade dos Deputados e dos Senadores e que constam no Orçamento pôde ser objetivado, pôde ser transformado em realidade. Os recursos que sobram neste mundo de carências obviamente vão engrossar o excedente, o superávit do Governo Federal destinado ao pagamento das dívidas interna e externa.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1992, na página 234 de seu livro chamado As Idéias e seu Lugar: Ensaios sobre as Teorias do Desenvolvimento, afirma que é impossível - é impossível! - equilibrar o Orçamento e pagar a dívida externa.

           O que o Presidente Fernando Henrique, o seu governo e seus Malans e tecnocratas formados e deformados nos Estados Unidos, nas melhores universidades, exigem do povo brasileiro? Não apenas que equilibremos o orçamento e paguemos a dívida externa, mas que tenhamos um superávit primário no orçamento. O que o Senhor Presidente, Fernando Henrique Cardoso, quer do povo brasileiro é, pura e simplesmente, o impossível. Que nós, analfabetos, caipiras, botocudos e o diabo, nada saibamos sobre a situação é normal, mas Sua Excelência escreveu e reescreveu esse trabalho! Não faz tanto tempo assim, foi feito em 1992. O que Sua Excelência pretende de nós é o impossível e devemos realizá-lo de boca calada, sem protestos do MST, sem greves nem subversões, na mais perfeita ordem. Vamos fazer o impossível porque “Sua Majestade” quer que o façamos: pagar a dívida externa e mais do que equilibrar o orçamento.

           Há pessoas que crêem que ganhamos uma fortuna como Senadores. Realmente penso que talvez nem mereça os R$4.200,00 que recebo aqui no final do mês. Para confessar, tenho a dizer que nunca na minha vida assinei ponto. Sempre fui professor universitário de dedicação exclusiva, de modo que nunca assinei ponto na minha vida, é a primeira vez agora, eleito senador, e também tenho que assinar nas comissões a, b e c, e marcar a minha presença aqui neste painel do plenário. De modo que, ao atingir os 70 anos de idade, passei a assinar ponto. E os jornalistas estão atrás para fiscalizar, e se fosse apenas fiscalizar, mas eles não sabem nem apurar a nossa presença e acabam divulgando nos jornais qualquer coisa. Fico indignado com isso.

           Durante o período que não precisava assinar ponto, todos sabem, perguntem na Universidade de Brasília, o expediente começava às oito e eu chegava às sete, colocava a água do café para esquentar. A pessoa encarregada dessa tarefa chegava às quinze para as oito e a água já estava fervendo, porque o Professor Lauro já havia chegado. Eu chegava às sete horas, uma hora antes do expediente. Nunca precisei de ponto para cumprir as minhas obrigações e para gostar daquilo que fazia na universidade. E para falar a verdade, nunca recebi tão pouco pelo meu modesto trabalho.

           Em 1976, quando voltei da Inglaterra, onde não fui passear, disse à minha esposa que o carro que tirara no consórcio era exatamente do mesmo valor do que recebera naquele mês como pagamento do meu salário na Universidade de Brasília. Eu recebia naquela ocasião o valor equivalente a um carro médio 0 km por mês, o que deve corresponder hoje a cerca de R$16 mil. E, como Senador, recebo líquido, inclusive daquilo que o Partido recebe, pouco mais de R$4 mil. E tenho que ler nos jornais e escutar no rádio que estamos ajudando a assaltar os cofres públicos. Em seis anos de Senado, fui uma vez ao exterior.

           O Sr. Sérgio de Otero, aquele que desmontou o Serviço Federal de Processamento de Dados - Serpro, arrasou-o e privatizou-o para fornecer dados materiais e contratos para escritórios privados que fazem aquilo que o Serpro fazia. Inclusive a esposa dele recebeu uma parte dessa privatização em seu escritório de computação. S. Sª, li no jornal, foi 11 vezes ao exterior no mesmo período em que estou no Senado e que fui apenas uma vez, e gostou tanto que comprou um avião com o seu salário de funcionário do Serpro.

           Temos, então, que escutar essas coisas, presenciar tudo isso, mas não temos condições. Não falo quanto ganho aqui. Ninguém acredita... Em certo momento, fizemos um levantamento no meu gabinete e apenas a moça que serve café recebia menos que eu.

           Gostaria apenas de terminar voltando ao velho assunto e chamando a atenção para um fato que não seria preciso ter bola de cristal para saber que aconteceria.

           Com o término da chamada guerra fria, o que iria acontecer? Guerras seriam fomentadas. As brasas das guerras seriam acesas pelo mundo, a fim de encontrar mercado para a produção de armas centrada nos Estados Unidos, a grande prioridade.

           Na Folha de S.Paulo, de 22 de agosto de 2000, página A-15 lê-se:

“Os países produtores de armas arrecadaram no ano passado os maiores ganhos que a indústria bélica produziu desde 1996. O setor movimentou US$30.3 bilhões e os Estados Unidos consolidaram-se como o maior produtor mundial de armas.”

           Isso é o que revela um relatório governamental divulgado ontem nos Estados Unidos. Os documentos produzidos pelo serviço de pesquisa do Congresso dos Estados Unidos mostram que os produtores norte-americanos foram os que mais lucraram com a venda de armas. Eles obtiveram em 1999 US$11.8 bilhões, seguidos da Rússia, US$4.8 bilhões; da Alemanha, US$4 bilhões; da China, US$1.9 bilhão, e da França, US$900 milhões.

É natural no mundo subdesenvolvido, por questões de petróleo, como esta que está acontecendo, haja um foco de guerra aqui, outro ali. Guerras são feitas. Quero até me lembrar de um discurso feito aqui pelo Presidente José Sarney há cerca de um ano e meio, em que S. Exª mostrava o perigo do Mercosul tal como estava sendo conduzido, e as discrepâncias, as lutas que conduziam à tentativa de acender a beligerância entre o Brasil, a Argentina e outros países da América do Sul para vender armas.

E agora o Brasil já se dispôs a ser o terreiro, o arsenal para as armas obsoletas que os Estados Unidos já não conseguem mais armazenar. O Brasil já fez tratativas nesse sentido e vai se dispor a receber essa velharia, que não mais poderá ser usada com o objetivo final de eliminar parte da humanidade por meio de guerras, todas elas muito bem fundamentadas, muito bem justificadas.

O meu tempo já está vencido, então não vou dizer quantas guerras os Estados Unidos deflagraram a partir dos treze Estados fundadores da Federação. Quantas vezes os Estados Unidos entraram em estado de beligerância, fizeram a guerra sem antes a declarar, tal como aconteceu no execrável episódio de Pearl Harbour, em que os japoneses não declararam guerra aos Estados Unidos e desfecharam o primeiro ataque? Os Estados Unidos fizeram isso várias vezes ao longo de sua história.

Desse modo, Sr. Presidente, gostaria de enfatizar que nossas prioridades reais não são dadas por cabeças de políticos que proclamam suas boas vontades e que agitam suas bandeiras, que os conduziriam a novos mandatos. As prioridades reais não são decididas nesta Casa nem naquela de Sua Majestade, o Presidente da República.

O Exército brasileiro, digno de tantos encômios e senhor de tantas tradições, agiu muito mal, do meu ponto de vista, ao se transformar numa espécie de guarda pretoriana de filhos do Presidente da República. Guarda pretoriana! Não é para isso que nosso Exército existe, para proteger a propriedade privada de alguém que é filho do Presidente da República, deslocando tropas e desconhecendo fronteiras de um Estado da nossa Federação, o Estado de Minas Gerais, para se instalar numa fazenda que seria dos filhos do Senhor Presidente! Nem mais do Sr. Sérgio Motta e do Presidente Fernando Henrique Cardoso a fazenda é atualmente, de acordo com declarações não desmentidas por ele.

Em 1925, meu pai comprou três mil hectares perto dessa fazenda Ponte Alta, do Presidente Fernando Henrique, situada no Município de Buritis. A nossa é um pouco acima, no antigo Município de Unaí, que hoje foi desmembrado. Recebi de herança 400 hectares e quero agora transferi-los para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Dou a minha autorização e, se quiserem, passarei em cartório essa autorização para que ocupem as minhas terras.

Sempre considerei que a verdadeira escritura da propriedade privada é aquela passada pelo trabalho humano. Como fui lá apenas quatro vezes, nunca trabalhei lá, apenas por ser filho de um antigo proprietário, não vou me considerar, com hombridade, dignidade e coerência, proprietário da terra. Eles podem ocupá-las e, com seu trabalho, dignificarão essa terra que, por acaso ou por herança, recebi. Proporei aos meus dois irmãos que façam o mesmo. Dessa forma, a gleba vai perfazer um total aproximado de 1.200 hectares e poderá ser oferecida sem choro, sem vela, sem clamor, sem Exército e sem Polícia, e pacificamente, para que o trabalho tranqüilo possa inseminá-la, trabalhá-la, justificá-la.

Sinto muito que o Exército tenha-se prestado ao papel de guarda pretoriana. Procurei na Constituição e não vi nenhuma atribuição constitucional nesse sentido. É totalmente arbitrária essa atitude que o Exército nacional adotou, ao defender terras que nem sequer estavam realmente ameaçadas pelos sem-terra presentes nas cercanias. De qualquer maneira, ainda que houvesse invasão, não se poderia chamar o Exército, a guarda pretoriana para defender essa propriedade. Como todos somos iguais perante a lei, qualquer um que venha a se considerar ameaçado em sua propriedade terá o mesmo direito de chamar a guarda pretoriana, o Exército nacional, para defender a sua propriedade. Por que os filhos do Presidente têm mais direito do que qualquer cidadão?

Neste momento, para terminar, quero lembrar que as relações entre o Poder Executivo - hipertrofiado, despótico, autoritário - e os demais Poderes devem ser revistas urgentemente. Não é possível que um Ministro do Supremo Tribunal Federal, que foi Ministro deste Governo e Deputado desta bancada governista, agora vista uma beca e dê um parecer afirmando que essa fazendinha vagabunda, que ninguém sabe de quem é - parece que é dos filhos do Presidente da República -, é um símbolo nacional, equiparada à bandeira nacional e aos demais símbolos da Pátria, e que, portanto, a presença daqueles trabalhadores ali ofendia esse símbolo! Essa é a justificativa do voto proferido por um Ministro do egrégio Supremo Tribunal Federal. A que ponto chegamos!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2000 - Página 18792