Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de realização de reunião entre dirigentes da CNBB, representantes do MST e autoridades do Governo responsáveis pela reforma agrária. Justificativa à apresentação de Requerimento de Convocação do Ministro das Relações Exteriores, para prestar esclarecimentos sobre a participação do Brasil na articulação da concessão de asilo político ao Senhor Vladimiro Montesinos.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Registro de realização de reunião entre dirigentes da CNBB, representantes do MST e autoridades do Governo responsáveis pela reforma agrária. Justificativa à apresentação de Requerimento de Convocação do Ministro das Relações Exteriores, para prestar esclarecimentos sobre a participação do Brasil na articulação da concessão de asilo político ao Senhor Vladimiro Montesinos.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2000 - Página 18971
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), AUTORIDADE, GOVERNO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), LIDERANÇA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OBJETIVO, DEBATE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, CONVOCAÇÃO, ITAMARATI (MRE), OBJETIVO, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, GOVERNO FEDERAL, ARTICULAÇÃO, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, VLADIMIRO MONTESINOS, ASSESSOR, ALBERTO FUJIMORI, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PERU.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ARTICULAÇÃO, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, PAIS ESTRANGEIRO, PANAMA, VLADIMIRO MONTESINOS, ASSESSOR, ALBERTO FUJIMORI, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PERU.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, Srªs e Srs. Senadores, vim a Brasília hoje, ainda que esteja tão atento e participando da campanha para as eleições que se realizarão domingo próximo, dia 1º de outubro - data de extraordinária importância para a democracia no Brasil -, por dois motivos especiais.

O primeiro, porque fui convidado, juntamente com o Deputado Adão Pretto, para participar da reunião que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil promoveu hoje entre as autoridades do Governo Fernando Henrique Cardoso, sobretudo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra, e representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O convite que ambos recebemos foi de iniciativa do MST. Entretanto, o Presidente da CNBB, Dom Jaime Chemello, avaliou que a nossa presença poderia causar certo constrangimento, uma vez que não haviam sido convidados Parlamentares do Governo. E, se participássemos, teriam que ser acrescidas a presença de Parlamentares do Governo e do Líder, Senador José Roberto Arruda. Assim sendo, como estavam presentes a OAB, representada pelo seu Presidente, Reginaldo de Castro, a Conic, o MST e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, resolvemos então não participar. Mas essa foi uma das razões principais por que vim a Brasília.

O segundo motivo foi participar desta sessão plenária para comentar sobre a importância da realização das eleições municipais do próximo domingo e para apresentar o requerimento que V. Exª acaba de ler, de convocação do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, para prestar, perante o Plenário desta Casa, esclarecimentos referentes às razões que levaram o Governo brasileiro a articular a operação de asilo territorial, no Panamá, para o Sr. Vladimiro Montesinos, principal assessor do Presidente do Peru, Sr. Alberto Fujimori.

Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, na semana passada, todos ficamos impressionados - e obviamente o povo peruano - com a divulgação de uma fita de vídeo em que o Sr. Vladimiro Montesinos, principal assessor do Presidente do Peru e ex-chefe informal do serviço secreto peruano, foi flagrado subornando um deputado federal eleito pela oposição. Com isso, mergulhou o país numa crise de grandes proporções. Naquela cena, por cinqüenta minutos, o Sr. Vladimiro Montesinos procurava convencer o Deputado Federal Alberto Kouri, eleito pela oposição ao Presidente Alberto Fujimori, a votar em todos os projetos que fossem de interesse do Governo. A certa altura, na conclusão daquele diálogo, o Sr. Vladimiro Montesinos tira do seu bolso um maço de dinheiro, com aproximadamente US$15 mil, e o entrega ao Sr. Alberto Kouri.

Trata-se do flagrante de um crime gravíssimo, de um crime contra a democracia, a aspiração dos povos que querem ética na política em todas as Américas. É mais grave do que o gravíssimo crime do Sr. Nicolau dos Santos Neto. E, recentemente, o Brasil solicitou ajuda internacional para capturar cidadãos brasileiros com envolvimento em crimes contra o patrimônio, como o Juiz Nicolau dos Santos Neto. Como explicar, então, a postura do Governo brasileiro no caso Montesinos? Conforme largamente noticiado ontem, e hoje confirmado pelo Sr. Georges Lamazière, Porta-Voz da Presidência, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, foi peça fundamental para o bom êxito da concessão de refúgio ao Sr. Montesinos, colocando-o fora do alcance da Justiça peruana. Como explicar isso?

Um dos pilares da democracia assenta-se no pressuposto de que todos são iguais perante a lei. É inadmissível que o Brasil patrocine ações que visem a dar cobertura a autoridades flagradas em explícito desrespeito à lei, como é o caso. Configura-se, portanto, de fundamental importância a presença do Ministro Luiz Felipe Lampreia nesta Casa para explicar a postura do Governo Fernando Henrique Cardoso diante de tais fatos.

Cabe também ao Presidente Antonio Carlos Magalhães colocar na Ordem do Dia, para votação, o requerimento que foi lido. E peço a V. Exª, Senador Lauro Campos, que preside a sessão neste momento, que transmita ao Presidente da Casa este meu apelo para que, dada a importância do fato, na primeira sessão deliberativa da segunda semana de outubro, possa esse requerimento ser colocado em votação. Desse modo, terá 30 dias de prazo o Ministro Luiz Felipe Lampreia para vir prestar explicações sobre algo que até agora não me parece plausível.

O jornalista Janio de Freitas fez hoje uma coluna que merece ser aqui reproduzida: “O país dos maus papéis”. Na Folha de S. Paulo, à página 4, diz Janio de Freitas:

“A falsidade do argumento que levou o Brasil a ajudar a fuga e o asilo de Vladimiro Montesinos, o bandido controlador da corrupção peruana, não precisa de nada além da lógica mais simplória para desmascarar-se.

Caso Montesinos estivesse mesmo na iminência de dar ou tentar um golpe de Estado, com seus aliados militares, é porque estaria em posição de força no Peru. Mas a fuga, ao cabo de uma semana escondido, denuncia o oposto. Só a completa fragilidade, com falta de condições até para continuar simplesmente no país, poderia levá-lo ao último recurso que é a fuga.

Ao desempenhar o principal papel na articulação da fuga e asilo de Montesinos no Panamá, Fernando Henrique Cardoso não proporcionou a proteção brasileira a uma figura qualquer. O currículo de Montesinos merece ser lembrado, ainda que de maneira mais resumida.

Expulso do Exército por ter vendido à CIA segredos militares do seu país, relativos a um possível conflito com o Chile, foi presidiário por um ano. Denunciado pelo maior traficante de drogas do Peru, preso mais por equívoco, como receptador dos pagamentos para a proteção do narcotráfico”.

Interessante! E o Governo brasileiro resolveu prender, lá no Rio Grande do Sul, um sacerdote, representante da Farc, na hora em que estava solicitando a renovação de seu visto de permanência no Brasil. Ao que se sabe, ele não cometeu crimes no Brasil. Gostaria de fazer um parêntese: será que, com isso, o Brasil vai contribuir para o processo de pacificação na Colômbia?

Afinal de contas, lembremo-nos de que o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Tony Blair, estabeleceu diálogos com aquelas pessoas que, de alguma forma, mantinham e representavam o braço não armado do Ira com os parlamentares, buscando estabelecer um diálogo que viesse a propiciar condições de construção da paz na Irlanda do Norte.

Ora, se há aqui um representante da Farc que não está cometendo crimes, será que não seria até importante permitir que ele pudesse aqui dialogar sem ser preso? Mas ele foi preso nesta semana, enquanto Montesinos, acusado de tais crimes, foi auxiliado na sua fuga pelo Governo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Lauro Campos) - Padre Francisco Antonio Cadenas.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, obrigado. O Padre Francisco Antonio Cadenas é o representante da Farc que foi detido.

            Prossegue Janio de Freitas:

“Controlador do SNI de lá, articulou todos os tipos de corrupção que dominam o governo de Fujimori, inclusive a eleitoral. Mais recentemente, tornou-se o principal suspeito no descoberto contrabando de armas, via Peru, para a guerrilha colombiana. De reconhecida crueldade, foi o orientador da repressão brutal do governo Fujimori à oposição partidária, às organizações civis e à mídia independente.

O governo brasileiro é o grande responsável externo pela gravidade da situação peruana, por ter recusado apoio, na OEA, à exigência de nova eleição, dadas as evidências da fraude que deu Fujimori como vencedor pela terceira vez. Os fatos estão condenando a posição do governo Fernando Henrique, que comprometeu o Brasil com o regime mais corrupto e violento da atualidade latino-americana. Nova condenação virá em breve.

O argumento dado por Fernando Henrique à presidente do Panamá, Mireya Moscoso, para recuar na rejeição de asilo a Montesinos, é um artifício sem o menor contato com a realidade evidente. A fuga de Montesinos não é solução para a crise peruana, quanto mais a única solução. Talvez, seja até agravadora, porque nega ao povo peruano a possibilidade e vê-lo submetido a investigação e julgamento O grande corrupto, o grande criminoso está a salvo. Com a ajuda decisiva do Brasil, que articulou o seu abrigo no Panamá, para gozar em liberdade o produto dos seus feitos.

Fernando Henrique Cardoso estende ao âmbito internacional sua repulsa a investigações de corrupção. Os protegidos ainda lhe dão o título de grande benemérito. Mas o Brasil é que fica como o país dos papéis indecentes”.

Será essa apenas a opinião de um eminente jornalista independente e imparcial, que por vezes tem sido duro com o governo, mas que também sabe abrir exceções, porque elogia um ou outro ato do governo? Janio de Freitas tem sido duro, é verdade, mas tem sido a voz da palavra independente, da imprensa isenta, exemplo de jornalista que não se submete a pressões, sejam palacianas ou de grupos econômicos, e que honra o exercício do jornalismo. Age como agia, até há pouco infelizmente Aloysio Biondi, que, a propósito do Brasil privatizado, muito escreveu - acaba de ser lançado “Brasil Privatizado II”, uma coletânea de seus artigos.

Mas não se trata apenas da opinião desse eminente jornalista brasileiro. Permita-me, Senador Lauro Campos, aqui também mencionar - trechos, pelo menos - da reportagem publicada hoje no jornal Página/12, um dos principais jornais da Argentina. A reportagem é assinada pelo correspondente em Desde Lima, Carlos Noriega e tem a seguinte manchete “El hermano cruel de Fujimori ya tiene su asilo seguro en Panamá”. Vou traduzi-la livremente do espanhol:

“A fuga de Vladimiro Montesinos para o Panamá, sob proteção do governo peruano, da OEA e de uma insólita resolução suprema da presidência peruana dando por terminado seus “serviços” ao Estado ameaçaram ontem quebrar o diálogo entre o oficialismo, a oposição e a sociedade civil em busca de uma saída para a grave crise política que se sente nas bases para as eleições que estão anunciadas. Opositores e representantes da sociedade civil esperavam uma resolução de destituição, mas se depararam com uma de “renúncia” de Montesinos ao seu cargo de “assessor da alta direção do Serviço de Inteligência Nacional”, no qual o governo lhe dava as graças pelos “importantes serviços prestados à nação”.

A renúncia de Montesinos está aparentemente antedatada de 14 de setembro, o dia em que se difundiu o vídeo em que Montesinos aparece subornando o congressista Alberto Kouri.

Elogios e encobertamento resumem o conteúdo desse documento, no qual se pode ler [abro aspas para leitura de documento oficial peruano]:

“O Dr. Montesinos participou de maneira significativa no êxito da luta contra o terrorismo, nos sucessos contra o narcotráfico, no acordo de paz celebrado entre o Peru e o país vizinho, o Equador, e nas medidas de prevenção em matéria de segurança regional, assim como no âmbito da segurança cidadã”.

[No documento não se fez nenhuma menção ao crime de suborno que perpetrou contra a vontade do povo peruano. Além disso, sendo ele chefe do Serviço de Inteligência Nacional, dificilmente faria isso sem o conhecimento do Presidente Alberto Fujimori. ]

A resolução ignora as denúncias contra o assessor presidencial, que vão desde assassinatos e torturas até o narcotráfico. E sobre o delito de suborno, que precipitou sua saída e a crise institucional peruana, com o anúncio do Presidente Alberto Fujimori de convocar eleições antecipadas, não se disse uma só palavra. A Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos se retirou do diálogo mediado pela missão da OEA em sinal de protesto”.

            Aqui há um quadro em que se reproduz entrevista com Sofia Macher, Secretária Executiva da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos, que conversou com o Página/12 minutos depois de abandonar a mesa de diálogo entre o governo, oposição e sociedade civil, promovida pela OEA:

“ - Por que se retiraram do diálogo?

- É inaceitável que o governo e a OEA não tenham tido a honestidade e a transparência de nos informar na reunião anterior, de sexta-feira, na qual se tratou de saídas para o caso Montesinos, acerca das gestões que vinham sendo realizadas para conseguir asilo para Montesinos. Isso é inaceitável.

- Qual a sua opinião sobre a explicação de que a proteção a Montesinos era para defender a democracia de um perigo de golpe de Estado?

- Não se está fortalecendo a democracia, o que se está fazendo é ceder diante de uma chantagem.

- O diálogo será retomado?

- Isso nós vamos avaliar.

- O que é necessário para que isso aconteça?

- Mantém-se intacto todo o aparato de fraudes das eleições passadas. É preciso que sejam modificadas as condições da transição. Essa transição não pode seguir com Fujimori e com a maioria atual do Congresso.

            Voltando à reportagem:

“A indignação se apoderou dos membros não-oficiais que participavam do diálogo. Rechaçaram com energia a resolução de renúncia referendada pelo Presidente Fujimori, mas que parecia escrita pelo próprio Montesinos. E também protestaram junto ao chefe da missão da OEA, o ex-Chanceler da República Dominicana, Eduardo La Torre, pela participação desse organismo na fuga de Montesinos. La Torre atribuiu essa atitude a “razões de Estado” e em sua explicação justificatória assinalou que Montesinos daria um golpe de Estado se não se permitisse que ele viajasse ao Panamá. Os representantes do governo avalizaram a versão. Dessa maneira, pela primeira vez desde que se instalou a crise, há onze dias, o governo admitia que existia uma insubordinação militar encabeçada por Montesinos que colocava uma alternativa: impunidade para Montesinos ou golpe de Estado. Não obstante isso, a viabilidade de ocorrência do golpe é questionável.

Ao término da reunião que se prolongou por três horas, o congressista e negociador em representação do Partido Aprista, Jorge del Castillo, expressou “a mais profunda indignação” dos partidos democráticos ante a resolução de “renúncia” de Montesinos.

“Es una resolución reñida com la verdad, la ética y la moral y no la podemos aceptar, como no la puede aceptar ningún peruano. Montesinos ha perpetrado un delito gravísimo y flagrante y no se le puede dar gracias por los servicios prestados”, assinalou Del Castillo.

            Concordo inteiramente com isso e expresso a minha solidariedade ao parlamentar Del Castillo. Creio ser esse também o sentimento do povo brasileiro - e também de toda a América Latina -, que se solidariza com o povo peruano.

            A oposição exigiu que essa resolução seja tornada sem efeito e que se emita uma de destituição de Montesinos. Se isso não ocorrer, segundo Jorge Del Castillo, Fujimori ficará desqualificado do ponto de vista moral para continuar na Presidência. O governo, então, perguntou se a oposição se retiraria da mesa de diálogo caso a resolução não fosse modificada. Disse Del Castillo: “Não posso adiantar que isso venha a ocorrer, mas advirto que poderá suceder”. Essa foi a resposta de Del Castillo.

Ante a gravidade da situação, o Ministro da Justiça e negociador em representação do governo, Alberto Bustamante, anunciou o retrocesso do governo: “Vamos proceder à modificação da resolução”, assinalou em tom conciliador. A nova resolução se conhecerá hoje à tarde - está, portanto, a ocorrer -, quando deve ser retomado o tenso diálogo auspiciado pela OEA.

Do outro lado, um grupo de manifestantes com cartazes de “Panamá, não dê asilo a assassinos”, chega até à Embaixada do Panamá para protestar contra a proteção dada a Montesinos. Uma delegação formada pelo ex-congressista Javier Diez Canseco, o escultor Víctor Delfín, líder do movimento cívico Resistência, e José Ramírez, da Associação Pró-Direitos Humanos, ingressou para conversar com o embaixador panamenho e pedir-lhe que o Panamá negue asilo a Montesinos. O embaixador respondeu que o asilo territorial que seria dado a Montesinos não significaria uma proteção total e que seu governo considerará qualquer pedido de extradição contra Montesinos caso seja aberto um processo judicial. Entretanto, por agora parece muito difícil, tendo em conta que o poder de Montesinos se estende a la Fiscalía e el Poder Judicial - poder que, como o militar, não havia sido tocado.

Fico pensando nas razões que teriam levado o Presidente Fernando Henrique a fazer isso. E o que me impressiona é a gravidade de um processo que se instituiu no Brasil. E por recomendação de quem? Quem veio ao Brasil, Senador Lauro Campos, por volta de 1996 ou 1997, quando estávamos discutindo o direito de reeleição, que não havia no Brasil e na tradição das Constituições desde a Proclamação da República? Esse impedimento à reeleição era um dos aspectos mais saudáveis da nossa República e das nossas instituições democráticas. Havíamos seguido aqui o que Alexis de Tocqueville, em Democracia na América, recomendara aos Estados Unidos, e eles não seguiram.

Disse o autor que pode parecer de bom senso que, se um governante for bom, possa ter o direito de postular um novo mandato logo em seguida; disse ainda que poderia parecer de bom senso que um povo que tivesse tido um bom governante pudesse pedir que ele continuasse, elegendo-o novamente. Ressaltou, entretanto, Alexis de Tocqueville: “Será que essas vantagens não seriam sobrepujadas pelas desvantagens do processo do direito de reeleição?” Além disso, lembra que quando um chefe de estado, um chefe de governo coloca para si o objetivo da sua própria reeleição, ele se esquece de muitos princípios e passa a abusar da máquina administrativa e usar métodos de corrupção. Por essas razões, Alexis de Tocqueville conclui dizendo: “O direito de reeleição não é saudável para a democracia. Não o recomendo”.

Mas o nosso Presidente preferiu não seguir essa recomendação de um dos seus autores favoritos - por diversas vezes disse que gostava muito de Tocqueville. E recomendações de quem ele seguiu? De Carlos Menem, o Presidente argentino que tentou sua terceira reeleição - felizmente, foi derrotado -, e de Alberto Fujimori, que também tentou a sua terceira reeleição. Fujimori tão flagrantemente abusou dos métodos de corrupção, agora tão evidentemente comprovados diante do flagrante de Montesinos, que não houve alternativa senão a de dizer à nação, há onze dias, que havia desistido de ser presidente, convocar eleições para daqui a seis meses e dizer que deixará o poder até meados do ano que vem. Será que vai deixar o El Tino diante de tais atitudes, ou seja, ele se vergando ao Sr. Montesinos? Ele não é capaz de fazer justiça com respeito a um ato de corrupção dessa gravidade contra o seu povo e contra todo o povo da América Latina. Isso nos ofende!

Por isso, Sr. Presidente, venho aqui falar com tamanha indignação. Essa indignação é maior na medida em que constato que o Presidente Fernando Henrique, esquecendo-se da sua trajetória e do seu passado, foi o grande estimulador do Presidente Fujimori para tentar a sua terceira reeleição. Uma coisa, Presidente Lauro Campos, foi o Presidente João Figueiredo, em 30 de julho de 1981, dar a Ordem Cruzeiro do Sul, Grau Grande Colar, para Alberto Fujimori, que estava no seu primeiro mandato. Afinal, dois presidentes que se entendiam nos seus métodos: o nosso General Figueiredo, não eleito diretamente, e o Presidente Fujimori. Outra coisa foi o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial ao Peru, em junho de 1999, condecorar, com a Ordem Rio Branco, Grau Grã-Cruz, o Presidente Alberto Fujimori, que já estava querendo ser candidato pela terceira vez. Fernando Henrique talvez tenha pensado: “será que pelo exemplo, se eu condecorá-lo, o povo brasileiro vai achar que eu também posso ser candidato pela terceira vez?” Mas não contente com isso, eis que o Presidente da República também resolveu condecorar quatro ministros do Governo Fujimori: o Ministro Cesar Lima Victoria Léon, com a Ordem Cruzeiro do Sul, Grau Grã-Cruz, em 25 de agosto de 1999. E, neste ano de 2000, mais precisamente no dia 18 de abril - porque o Presidente visitava o Peru oficialmente, ou pelo menos foi publicado em 19 de abril de 2000, e a informação é oficial do Sistema de Condecorações do Ministério das Relações Exteriores - Siscon -, condecorou o Ministro César Saucedo Sánchez, Ministro do Interior do Governo Alberto Fujimori, com a Ordem Cruzeiro do Sul, Grau Grã-Cruz. Também foram condecorados com a Ordem Cruzeiro do Sul, Grau Grã-Cruz: Efrain Goldenberg, Ministro de Economia e Finanças; Fernando de Transegnies Granda, Ministro das Relações Exteriores; Fernando Rojas Semanez, Embaixador; Alberto Bustamante Belaúnde, Presidente do Conselho de Ministros; Alberto Galvez de Rivero, Diretor do Cerimonial do Estado; Alejandro Ugarte Velarde, Primeiro Secretário; Arturo Montoya Stuya, Diretor Nacional do Protocolo e Cerimonial; Carlos Alfredo Garcia, Terceiro Secretário; José Romero Cevallos, Embaixador Subsecretário da América; Juan Carlos Gamarra, Chefe de Gabinete do Vice-Ministro; Julio Cardenas Velarde, Ministro-Conselheiro, Chefe de Gabinete; Manuel Cacho-Sousa, Conselheiro, e Manuel Vidal, Presidente da Câmara de Comércio; Nestor Popolizio, Ministro-Conselheiro; Roque Benavides, Presidente da CNIEP; Victor Caso Lay, Procurador-Geral da República; e Victor Castillo Castillo, Presidente da Corte Suprema de Justiça.

O que fizeram com a Ordem Cruzeiro do Sul Grau Grã-Cruz? Era necessário parabenizar quem está hoje sendo levado às cordas, para o canto do ringue, sem alternativas, pois foi inteiramente flagrado no seu método de corrupção? Será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso acha normal que o Chefe do SNI pague US$15 mil para que um Parlamentar da Oposição passe para o lado do Governo e passe a votar nos projetos do Governo? Será que isso é considerado normal para o Presidente, para o Palácio do Planalto, para o General Cardoso, que ocupa cargo equivalente ao do Sr. Montesinos?

Senador Lauro Campos, espero que, dada a gravidade do assunto para todas as Américas, o Ministro Luiz Felipe Lampreia venha a este plenário e esclareça o episódio.

Tenho a convicção de que esse episódio é um passo importante para varrermos das Américas o instituto da reeleição. Não estou convencido de que a reeleição sirva até mesmo aos Estados Unidos da América, como não serve ao Peru, não serve ao Panamá, desserve à Argentina e desserve ao Brasil, como temos visto nas eleições municipais deste ano. Felizmente, são muitos os Parlamentares do PFL, do PSDB, do PMDB, do PPB, do PTB que já estão convencidos de que o instituto da reeleição é uma porta aberta para o abuso do poder por parte de quem está na chefia do Executivo no período do processo eleitoral, e, sobretudo, uma forma de ferir o anseio pelo aperfeiçoamento das instituições.

O processo de rodízio anual de lideranças praticado pelo Partido dos Trabalhadores no Senado Federal e na Câmara dos Deputados tem sido altamente saudável. E que coisa bonita, Senador Lauro Campos! V. Exª é testemunha. V. Exª tem dito: “Companheiros, vocês podem se eleger à vontade, porque não quero ser Líder”. Mas V. Exª tem o direito, poderá sê-lo na próxima oportunidade se assim aspirar, pois está mais do que na sua vez. Como é bonito o rodízio: eu fui Líder, assim como os Senadores José Eduardo Dutra e Marina Silva e, este ano, é a Senadora Heloísa Helena. Imagine se tivéssemos sempre o mesmo Líder, se eu insistisse em permanecer no cargo por ser o mais veterano, por achar que sei mais do que os outros, e não desse oportunidade aos colegas. Devido ao sistema de rodízio, a Senadora Heloísa Helena, totalmente excluída pela imprensa alagoana, rompeu com esse processo, porque a imprensa nacional agora noticia o seu trabalho, fala sobre sua combatividade.

Como é bom o rodízio de lideranças! Que pena que o Presidente Fernando Henrique não preferiu seguir o exemplo de Nelson Mandela, que, quando instado por seus colegas a ser candidato à Presidência e a colocar um Vice para sucedê-lo, caso quisesse sair no meio do mandato, respondeu: “Olha amigo, Senador Mkwayi”, isso me foi contado pessoalmente pelo Senador Zimasile Hilton Mkwayi, “tenho observado muito os chefes de Estado que tanto querem permanecer no poder. Eles, normalmente, acabam se desgastando muito. E eu prefiro concluir o meu mandato com o povo querendo muito que eu continue.” E, assim, Mandela não quis disputar a reeleição, ainda que a nova Constituição sul-africana assim o permitisse. Ele concluiu o seu mandato, passando o bastão ao seu sucessor, que teve 67% dos votos, mais do que os 65% obtidos por Mandela. E ele saiu da Presidência querido pelo povo, além de ser uma voz fortíssima não apenas na África do Sul, o seu país, mas em todo o mundo. Periodicamente, Nelson Mandela é chamado para mediar conflitos nos países da África e em outras regiões do mundo. A sua voz permanece com um peso extraordinário, como teria seguido forte a voz do Presidente Fernando Henrique, se não tivesse tentado a reeleição. Quem sabe, poderia voltar à Presidência em 2002! Mas Sua Excelência preferiu não seguir a nossa recomendação.

Sr. Presidente, há aqui emendas à Constituição, como a do Senador Roberto Requião, prevendo o fim da reeleição. Esse episódio deve servir como um grande estopim para que a matéria tramite com urgência nesta Casa.

Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, concluo a minha fala como Senador, mas solicito o direito de usar da palavra como Líder do Bloco, uma vez que a Senador Heloísa Helena não está e sou Vice-Líder do PT e do Bloco. Gostaria de falar sobre as eleições que ocorrerão domingo próximo, a não ser que venha a prejudicar qualquer Senador ou que V. Exª queira falar. Nesse caso, presidirei a sessão.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2000 - Página 18971