Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a situação do sistema penitenciário brasileiro.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA.:
  • Reflexões sobre a situação do sistema penitenciário brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2000 - Página 19848
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DEPOIMENTO, JOSE GREGORI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REFERENCIA, CRITICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INEFICACIA, ATUAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, EXISTENCIA, EXCESSO, LOTAÇÃO, PRESIDIO, PENITENCIARIA, OCORRENCIA, ABUSO DE PODER, UTILIZAÇÃO, TORTURA, DETERIORAÇÃO, VIDA, PRESO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, IMPORTANCIA, ADOÇÃO, PENA, ALTERNATIVA, OBJETIVO, AUMENTO, EFICACIA, SISTEMA PENITENCIARIO, MELHORIA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, “a situação prisional brasileira é crítica”. A declaração, transcrita de recente edição do jornal Correio Braziliense, é do ministro da Justiça, José Gregori. Embora traduza uma realidade tristemente antiga e quase que totalmente assimilada em nosso País, não revela, de modo algum, todo o drama e a aterradora gravidade das reais condições do sistema penitenciário brasileiro na atualidade.

Além disso, essa constatação não carrega a natural indignação que um quadro como este deve ensejar em qualquer autoridade pública ciente de seu papel. Antes, parece sugerir apenas mera constatação burocrática ao cabo da recepção de mais um relatório. Assim, aos olhos oficiais, o sistema carcerário nacional emerge como um tema secundário.

Aliás, como dileto amigo do príncipe, a afirmação do ministro da Justiça tão-somente reflete uma das características mais marcantes do governo Fernando Henrique Cardoso e de seu próprio titular: a formidável capacidade para constatar o óbvio, o evidente, operando pari passu com uma invulgar incapacidade de agir! A tautologia, a trivialidade e a simplificação oportunista da realidade brasileira se vão cada vez mais impondo como as grandes marcas do governo FHC, que chega à metade de seu segundo mandato, somando seis longos anos de poder, sem conseguir soluções efetivas para os graves problemas que castigam cotidianamente a sociedade brasileira.

Daí os oscilantes, mas constantemente desastrosos, índices de aprovação popular registrados pelo Presidente da República, a despeito do intenso trabalho de seus pressurosos assessores de Comunicação e dos recursos, dos fabulosos recursos públicos, que o Palácio do Planalto faz verter em publicidade oficial. Os homens da comunicação governamental, concedendo-lhes a presunção de boa-fé, aparentemente não leram sequer os clássicos de sua área. Se os lessem saberiam que autores são unânimes em afirmar que a propaganda de um mau produto jamais gera bons resultados. 

No vaivém medíocre e pusilânime que conseguiu imprimir ao fazer político nacional, devo admitir que governo tucano excele em sua capacidade de gerar diagnósticos, é francamente sofrível quando se torna prescritivo e assustadoramente incompetente quando se trata da implementação de políticas públicas que representem respostas positivas às verdadeiras necessidades da sociedade brasileira. Os grandes temas são apropriados pela retórica vazia do oficialismo, revelando um Governo que não está apto a promover as mudanças exigidas pela sociedade brasileira.

Mas o que me traz a esta tribuna, Sr. Presidente, é a calamitosa situação do sistema penitenciário nacional e sobre este tema quero deter-me, para mostrar e sublinhar a evolução perversa dos números que se registram no setor e a necessidade imediata de ação.

Há mais de dez anos, em 1989, ainda no final do governo Sarney, já era possível vislumbrar-se os números dramáticos dessa área. À época, os indicadores então disponíveis mostravam que mais de 250 mil mandados de prisão não podiam ser cumpridos por absoluta falta de vagas no sistema prisional.

Em uma década, esse número cresceu 20 pontos percentuais e hoje atinge a expressiva marca dos 300 mil mandados judiciais não-executados. Como se esses números não fossem suficientes e escandalosos, a superlotação nos presídios nacionais aponta para um déficit que cresce de maneira consistente: em 1995, havia uma deficiência da ordem de 76 mil vagas no País; dois anos depois, o número chegava a mais de 96 mil, de acordo com o Censo Penitenciário.

            Como mais um dado para essa reflexão, ressalto uma característica do sistema policial-penitenciário brasileiro que nos chama a atenção: trata-se da grande quantidade de presos provisórios em relação aos condenados. Tomando como exemplo o Estado do Pará, a proporção da população carcerária é 70% de presos provisórios, isto é, que aguardam julgamento, contra 30% de presos condenados. Ora, isso é mais um capítulo da ineficiência e morosidade do Poder Judiciário, causando mais esse mal à sociedade brasileira!

Esses dados, eloqüentes por si mesmos, indicam que devemos buscar rapidamente soluções mais adequadas e consentâneas, isto é, respostas efetivas condizentes com as nossas necessidades e possibilidades.

Como a mais chocante decorrência desse modelo esgotado, totalmente exaurido, o sistema penitenciário brasileiro mostra uma face que uma sociedade civilizada como a nossa não deve e não pode aceitar: a transformação das prisões em usinas de indignidades. Os seres humanos, que por circunstâncias da vida passam a integrar esse sistema, na condição de prisioneiros, são relegados às condições mais infamantes e infames possíveis.

Dois relatórios distintos, produzidos de forma independente pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e pela Organização das Nações Unidas apontam para a crescente deterioração da vida nas prisões brasileiras, com abusos e violações diárias sendo cometidos contra os presos, sem restar sequer um resquício de respeito pela dignidade humana.

E aqui destaco o importante trabalho efetuado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Marcos Rolim, que conclui recentemente a II Caravana Nacional de Direitos Humanos. O resultado da Caravana proporciona uma inacreditável radiografia de parte significativa da realidade prisional brasileira, reunindo detalhes da barbárie em que se transformou a vida dos prisioneiros brasileiros, em seis estados: Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná.

O documento realmente impressiona pela verticalidade de sua análise, pelo desvelamento do inusitado nível da violência dentro dos presídios, pelo modo como são tratados os condenados, evidenciando as arbitrariedades cometidas diariamente nas prisões brasileiras. A estupidez, a brutalidade, a animalidade tornaram-se lugares-comuns nos presídios nacionais. Enfim, como bem apontou o deputado Marcos Rolim, na parte introdutória de seu relatório, o que se revela é um sistema absolutamente fora da lei. Tenho, com certa freqüência, trazido aqui denúncias de torturas ocorridas dentro das prisões e mesmo fora delas, praticados por agentes e policiais inescrupulosos.

E é preciso deixar claro que quando um juiz singular ou um tribunal condena um cidadão pelo cometimento de um ilícito penal, ele não está autorizado, sob hipótese alguma, a impor-lhe, simultaneamente, a pena de desumanização. Não tem o direito de extrair do ser humano o que se constitui em sua própria essência: a humanidade. Lamentavelmente, é isso o que o modelo penitenciário brasileiro consegue promover junto a suas populações, a absoluta desumanização.

Há vários anos, estudos no âmbito do direito criminal têm apontado para a necessidade de a pena cumprir a função de agravar o criminoso, sem deixar de proporcionar-lhe, contudo, a oportunidade de refletir sobre a sua ação, fomentando e preparando a ressocialização, o reingresso na sociedade, como cidadão produtivo.

Nessa linha, um aspecto que exige a nossa atenção diz respeito à natureza das penas que vimos preferencialmente aplicando no Brasil. A clássica pena de privação da liberdade tem-se mostrado perfeitamente inócua, especialmente naqueles delitos que não atentem contra a vida. Por quê? Porque as prisões brasileiras se transformaram em verdadeiras escolas do crime, ou seja, em irônicos e perversos centros de educação continuada no crime, operando 24 horas por dia, sete dias por semana, a um custo extremamente elevado para o cidadão/contribuinte.

Em publicação produzida em 1998, sob o título O Brasil atrás das Grades, a Human Rights Watch, organização que se dedica à proteção dos direitos humanos em todo o mundo, afirma que os mais graves defeitos do sistema penal são em grande parte devidos à falta de vontade política e não à escassez de verbas. Embora não disponha agora de dados suficientes, sobretudo pela debilidade das estatísticas oficiais - o Ministério da Justiça, por exemplo, disponibiliza na Internet apenas o Censo Penitenciário de 1995 -, por tudo o que vimos neste pronunciamento, e considerados os distintos diagnósticos convergentes sobre a matéria, só posso concordar com a tese da carência de vontade política.

Portanto, Sras. e Srs. Senadores, entendo que devemos estudar séria e rapidamente a adoção, em larga escala, das penas alternativas, como multas pecuniárias, serviços comunitários e limitação de direitos. Estudiosos e pesquisadores, no Brasil e no Exterior, já demonstraram a efetividade desse tipo de sanção, que mantém o caráter dissuasivo, repressivo e corretivo do direito penal. Desse modo, verificado o ilícito, após o devido processo legal, a sociedade não deixará de responder com a sanção correspondente. Só que ao admitirmos as penas alternativas, estaremos reduzindo a população carcerária e, sobretudo, preservando a dignidade da pessoa humana, conferindo a chance concreta de recuperação e adequada reinserção do indivíduo na sociedade. Isso, efetivamente, significa ganhos individuais e coletivos.

Por todas essas razões, Sr. Presidente, alerto para a necessidade de também esta Casa do Congresso Nacional, por intermédio de seus integrantes, independentemente de filiação partidária, usar toda a sua influência, o seu peso político, para ampliar as margens de discussão sobre a realidade penitenciária nacional, buscando no curto, no curtíssimo prazo - porque se trata de uma urgência de caráter humanitário - o equacionamento desse problema, que afeta um dos segmentos mais vulneráveis da sociedade brasileira, hoje.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2000 - Página 19848