Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de eliminação do trabalho infantil.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Necessidade de eliminação do trabalho infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2000 - Página 19899
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), INDICAÇÃO, SUPERIORIDADE, INDICE, RECRUTAMENTO, CRIANÇA, MERCADO DE TRABALHO, BRASIL, VIOLAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, ESTABELECIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ATIVIDADE, INDUSTRIA CARBONIFERA, LAVOURA, SISAL, CANA DE AÇUCAR, AMPLIAÇÃO, MELHORIA, SISTEMA, INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL, ATRAÇÃO, MANUTENÇÃO, MENOR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
  • ELOGIO, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, FORNECIMENTO, BOLSA DE ESTUDO, FAMILIA, MANUTENÇÃO, FILHO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, PROJETO.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, COBRANÇA, GOVERNO, EFICACIA, COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um indício expressivo do grande desenvolvimento econômico e social de uma nação reside na eliminação do trabalho infantil. Causa, assim, enorme mal-estar verificar a ocorrência de um grande número de crianças trabalhadoras em nosso País, ao mesmo tempo em que se anuncia o corte dos recursos governamentais destinados ao combate dessa mazela.

Estatísticas recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência - UNICEF - indicam haver no Brasil cerca de três milhões de crianças entre 10 e 14 anos recrutadas para o mercado de trabalho. A Constituição de 1988 proibiu de forma explícita o emprego de menores de até 14 anos em qualquer tipo de atividade, salvo na condição de aprendiz - art. 7º, inciso XXXIII. É flagrante, portanto, a violação de garantias e direitos fundamentais estabelecidos no texto constitucional em favor da população infantil.

Com a emenda constitucional que instituiu a reforma da Previdência Social, o limite de idade constante da mencionada proibição elevou-se para 16 anos. A ofensa contra a proteção garantida pela Carta aos menores da faixa etária indicada se transformou, assim, em ato ainda mais repulsivo.

Dos três milhões de crianças trabalhadoras do Brasil, mais de 800 mil podem fazer tarefas que a Organização Internacional do Trabalho - OIT - classifica como a “pior forma de trabalho infantil”. Do total, 86% dos trabalhadores têm entre 10 e 13 anos. Em números absolutos, São Paulo é o lugar onde há mais menores empregados: 952 mil na área urbana e 113 na área rural. Já em números relativos, a Bahia lidera, com 345 mil trabalhadores de 5 a 17 anos nas cidades e 552 mil no campo.

Um terço das crianças que trabalham no País são meninas com escolaridade média de 2,4 anos. Entre as piores formas de trabalho estão a escravidão, a sujeição por dívida, a prostituição, a produção de material pornográfico, o tráfico de drogas e atividades que prejudicam a saúde, a integridade física e moral das crianças.

Os teatros de semelhante tragédia são vários, mas situam-se de forma acentuada nas tecelagens, no cultivo da mandioca, nas lavouras de laranja, nas plantações de tabaco, nas colheitas do sisal. As jornadas de trabalho chegam a 12 horas diárias.

A brutalidade do regime imposto a meninos e meninas não se revela apenas nos graves comprometimentos da saúde. Vai além, pois retira-os das escolas, quer dizer, condena-os à ignorância e os priva das proteínas, sais minerais e fontes energéticas encontradas na merenda escolar. Pode-se avaliar a extensão social do problema quando se sabe que, no Nordeste, há 1,5 milhão de crianças envolvidas em atividades produtivas. A maioria apresenta lastimável estado de saúde: são portadores de anemia, exibem graves seqüelas da subnutrição e, não raro, sofrem os efeitos de mutilações decorrentes de acidentes de trabalho.

A necessidade de reverter esse quadro infamante é impositiva, não apenas por configurar insurreição criminosa contra a Constituição, mas, acima de tudo, por reduzir à abjeção mais obscena seres humanos mal desabrochados para a vida. Formas intoleráveis de trabalho infantil constituem abusos tão graves dos direitos humanos que o mundo deve encará-las da mesma forma como encara a escravidão, injustificável sob qualquer circunstância.

Esse tipo de virtual escravidão infantil normalmente só é associado à Índia, ao Nepal e ao Paquistão. Entretanto, existe também em outras partes do mundo. No Brasil, por exemplo, o trabalho servil pode ser encontrado em vários locais, desde as minas de carvão vegetal, em Minas Gerais e na Bahia, até as plantações de cana-de-açúcar do Espírito Santo e do Nordeste do País, e na colheita de sisal, no interior da Bahia.

A situação das crianças que trabalham com o sisal é particularmente degradante em relação aos riscos que envolvem a atividade. A indústria do sisal é tão perigosa que mais de duas mil pessoas já perderam dedos, mãos e braços em máquinas obsoletas e sem segurança, conhecidas como desfibradeiras ou “paraibanas”. A situação de Nova Floresta, por exemplo, é reveladora: o Município tem 2.509 eleitores e 237 operários já perderam dedos, mãos e braços, inclusive adolescentes de 15 anos de idade.

O menino Jeremias Saturnino Lima, trabalhador do sisal em Santa Luz, tornou-se conhecido depois de aparecer em um programa de televisão afirmando que o seu grande sonho era deixar o sisal e, no futuro, “ser elegante”. Para Jeremias, ser “elegante” significava ter um futuro melhor.

Periodicamente, uma criança como Jeremias comove o País ao expor, em rede nacional, o drama de sua infância roubada. Em geral, acabam motivando gestos isolados de ajuda que, em que pese a nobreza das intenções, pouco alteram a situação da criança trabalhadora no País.

Qualquer iniciativa de erradição que não ofereça alternativas razoáveis para as crianças trabalhadoras - como programas que, apoiados em argumentos moralistas, simplesmente os tiram de um local de trabalho para onde acorreram devido à pobreza extrema - desencadeia uma avalanche de conseqüências negativas.

Refletindo um amplo consenso, a OIT considera que a alternativa isolada mais eficaz para conter o fluxo de crianças em idade escolar que são envolvidas nas formas abusivas de emprego ou de trabalho é a ampliação e a melhoria do sistema educacional, de modo a atraí-las e mantê-las na escola.

Inúmeras pesquisas citam, ainda, os custos da educação como um dos maiores problemas para as famílias pobres. Mesmo quando não há taxas de ensino, pode haver uma infinidade de outros custos: livros e materiais; uniformes e calçados; transporte e refeição. Isso sem mencionar a perda da renda proveniente do trabalho da criança.

Nesse sentido, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI - do Governo Federal revelou-se exemplar. O projeto consiste em fornecer uma bolsa às famílias para manterem as crianças na escola. O programa, que começou atendendo 3.740 crianças de até 14 anos, em 1996, beneficiou 145 mil crianças no ano passado e pretendia abranger 362 mil este ano. Em 1993, segundo o Governo, havia 4 milhões de crianças trabalhando no País, enquanto, em 1998, esse número teria caído para 2,9 milhões.

A despeito desses resultados positivos, o Governo decidiu cortar pela metade o valor das bolsas para as famílias que têm apenas um filho. Só em Pernambuco, onde está concentrada a metade das 145 mil crianças atendidas pelo programa, 37.294 delas vão receber metade do que ganhavam, segundo estudo do Governo do Estado. No Mato Grosso do Sul, cinco mil crianças que trabalhavam em carvoarias também vão ganhar 50% a menos.

Até o ano passado, famílias com duas crianças recebiam R$50 por mês para deixar o trabalho e freqüentar a escola. No Mato Grosso do Sul, a regra era diferente: R$50 por criança. Agora, quem tem só um filho ganhará apenas R$25 mensais.

O corte do valor da bolsa não é a única mudança no programa. Até o ano passado, as crianças recebiam a bolsa dos 7 aos 14 anos, o que garantia que concluíssem os oito anos de ensino fundamental. Segundo os novos critérios, a criança terá direito à bolsa por dois anos, renováveis por mais dois. Ou seja, uma criança que entrou no programa aos 7 anos terá de sair aos 11 anos.

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil começou no Mato Grosso do Sul, onde conseguiu tirar cerca de 5 mil crianças das carvoarias e plantações de mate. No ano seguinte, foi estendido a Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. O alvo eram as crianças que trabalhavam em canaviais, em Pernambuco, e no beneficiamento do sisal e em pedreiras na Bahia. Hoje, o programa chega até as salinas do Rio de Janeiro.

Além do corte no valor da bolsa, haverá corte também na verba da chamada jornada complementar - período além das aulas em que as crianças têm atividades recreativas e reforço escolar. Até o ano passado, o Governo Federal desembolsava R$25 por criança para a jornada complementar. O dinheiro ia para os municípios. Agora, o valor caiu para R$20.

Ano passado, o programa gastou R$82 milhões para atender 145 mil crianças. Este ano terá 182 milhões para uma meta de 362 mil crianças. O universo de crianças cresceu 150%, e a verba, 97,6%.

Esse desajuste representa um enorme retrocesso no combate ao trabalho infantil. Crianças que trocaram o trabalho precoce em carvoarias, plantações de sisal e de cana-de-açúcar pela sala de aula estão prestes a fazer o caminho inverso.

Mais que a sustentação pura e simples da iniciativa, o que é necessário, em verdade, é seu incremento e consolidação até a gradual eliminação da participação de crianças em atividades que lhes tragam prejuízos de quaisquer natureza, física, moral, emocional ou psicológica.

São várias, portanto, as frentes em que se há de exercer, e de forma o tanto quanto possível continuada, para que se torne realmente eficaz, a luta pela erradicação do trabalho infantil, cuja exploração, ainda que interligada a fatores sócioeconômicos, que não podemos ignorar, não deve, evidentemente, remanescer, resgatando-se a infância para atividades que são próprias, centradas no binômio aprendizagem-lazer.

É inadmissível, portanto, a redução dos parcos recursos destinados ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, uma vez que não se pode imaginar qualquer outra iniciativa governamental que possa ter prioridade sobre essa forma perversa de aviltamento da infância brasileira.

Cumpre, por isso mesmo, Srªs e Srs. Senadores, que o combate a essa prática não se esgote na ação pura e simples dos órgãos governamentais e assistenciais. A luta deve adquirir a necessária dimensão nacional. Para tanto, é indispensável a ação do Congresso Nacional, induzindo ao esclarecimento público e pressionando o Governo para recolocar a criança na sala de aula, de onde ela não deve ser retirada para uma inserção precoce no mundo do trabalho, em condições manifestamente adversas ao equilíbrio de seu crescimento físico e mental.

Parece haver consenso de que o trabalho infantil é, predominantemente, o resultado da combinação da baixa renda familiar com a exclusão escolar, o que aponta para soluções do tipo de suplementação da renda familiar associada à orientação do tempo disponível da criança e do adolescente para a participação em atividades educativas.

            Assim, se já conseguimos implantar um programa de erradicação de trabalho infantil que atende às principais recomendações dos estudiosos e especialistas da matéria, não podemos permitir que esse programa tenha sua abrangência e efetividade comprometidas por uma redução arbitrária de recursos.

Manifestamo-nos, pois, por meio dos diversos mecanismos de que dispomos, sobre a necessidade de se destinar mais recursos para o Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.

Espero, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Fundo para Erradicação da Pobreza, criado por este Senado, seja aprovado pela Câmara dos Deputados, e que seja transformado em bolsa de estudo, para que essas crianças possam efetivamente ter um aprendizado condigno e ser retiradas do trabalho muitas vezes escravo que praticam.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2000 - Página 19899