Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a corrupção no Brasil.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA NACIONAL.:
  • Considerações sobre a corrupção no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2000 - Página 20064
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, SITUAÇÃO, CORRUPÇÃO, IMPUNIDADE, PAIS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, BRASIL, PARTICIPAÇÃO, POLICIAL, POLITICO, JUIZ, EMPRESARIO, FISCAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ETICA, MORAL, CONDUTA, REPUDIO, CORRUPÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, FUTEBOL, EMPRESA, IMPEDIMENTO, INTERESSE PARTICULAR, PESSOAS, OBTENÇÃO, VANTAGENS, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante todo este ano tivemos o noticiário sendo ocupado por inúmeras denúncias de corrupção, mais especificamente no mês de abril, alavancadas pelas CPIs então em funcionamento - Narcotráfico, Bancos, Medicamentos e Judiciário. Essas denúncias tiveram maior espaço no noticiário nacional e todos nós acompanhamos as grandes mazelas da corrupção que envolve os diversos segmentos da vida pública.

Numa breve retrospectiva, poderíamos citar vários casos que foram noticiados, acompanhados pelo Congresso Nacional, alguns analisados, de forma satisfatória ou não, por CPIs que foram operadas principalmente no Senado.

Houve denúncias, e ainda hoje está acontecendo a investigação em torno do superfaturamento do Tribunal Regional do Trabalho, no Estado de São Paulo, com o desvio de R$169 milhões. Diante de todo aquele quadro, o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma declaração de causar espanto e estranheza a quem acompanhou o caso. Como mandatário maior da Nação, em várias oportunidades, Sua Excelência poderia muito bem ter atuado no sentido de ajudar a instalação de algumas CPIs que teriam contribuído em muito para acabarmos com a corrupção, ou pelo menos estarmos criando uma nova cultura anticorrupção.

A declaração do Presidente foi exatamente a seguinte: “o Brasil cansou da impunidade e da corrupção”. Diz ainda que “tem asco de tanta lama”, ao ler nos jornais os noticiários sobre esse assunto.

Para um assunto como esse, contudo, não basta estarmos espantados ou termos asco; é preciso que tomemos posições firmes no sentido de trabalhar e de construir uma nova cultura no trato da coisa pública e da indevida apropriação das coisas alheias.

As denúncias de novas irregularidades na Prefeitura de São Paulo também foram acompanhadas notadamente pelo noticiário nacional, com o envolvimento direto do Prefeito Paulo Maluf em obras superfaturadas.

O próprio Ministro Raul Jungmann admite que 75% dos latifúndios do País vivem situação de fraude fundiária - são fruto de grilagem ou propriedades que só existem no papel. Esse é um caso típico de corrupção, de que o Estado tem conhecimento e até teria estrutura para operar no sentido de colocar termo a essas irregularidades, mas lamentavelmente não tem agido dessa forma.

Outro assunto é o desaparecimento no Banco Central do processo que trata da quebra do Banco Nacional.

Várias outras denúncias ocuparam o noticiário brasileiro, como matéria de capa na revista Veja do dia 12/04, sob o título “Corrupção - O Brasil diz basta!”. A revista Veja arrola casos que envolvem policiais, políticos, juízes, empresários e fiscais. Fala do sentimento que se espalha na sociedade, de que não há a quem recorrer. Brasileiros sentem-se cercados por autoridades corruptas, prontas a delinqüir em troca de propina. E aí contam um caso dramático, em que vemos como até a própria vida é negligenciada, completamente desprezada, em troca de algum tipo de benesse, de algum tipo de vantagem ilícita por parte daqueles que não têm nenhum escrúpulo em tentar dar-se bem a qualquer preço. Refiro-me ao caso chocante das mães da maternidade pública carioca e dos doentes renais de São Paulo, que descobrem que a alta taxa de mortalidade vigente se devia ao uso de material de baixa qualidade, comprado como se fosse de primeira, para os chefes embolsarem a diferença.

Observem que comportamento inaceitável: pessoas com responsabilidade de direção administrativa, dentro de um hospital, compram material de segunda categoria, como se fosse de primeira, para pacientes de risco, embolsam a diferença e, em função da utilização desses materiais, tais pacientes vêm a óbito! Ou seja, pessoas inescrupulosas tiravam vantagem dessa compra. Para mim, não há qualquer diferença entre quem comete esse tipo de crime e aquele que saca uma arma e mata para roubar.

Infelizmente, isso vem acontecendo no nosso País.

A revista Veja publica a opinião da população e aponta alguns elementos interessantes. É importante analisarmos tais elementos, colhidos pela Veja nessa matéria publicada no dia 12 de abril, porque as pessoas, a partir de seus próprios referenciais e por suas próprias palavras, citam as razões da corrupção e o que pensam dela. Diz uma dessas pessoas: “o Brasil é refém da corrupção e da ignorância”, mas há também a opinião de que “a corrupção existe mesmo entre pessoas educadas, o que mostra que só a educação não resolve o problema”

Aqui é fundamental fazermos um parênteses, porque a corrupção praticada por pessoas de baixa escolaridade, pessoas simples, pessoas do povo - existe também a desonestidade nos meios empobrecidos e pauperizados da sociedade -, é sempre marginal, não chegando à sofisticação dos grandes golpes. A corrupção sofisticada é praticada exatamente pelas pessoas com alto grau de escolaridade e que são capazes de dar um golpe com inteligência, podendo vir a causar prejuízos de R$169 milhões, como o caso da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Tivemos um Senador, com altíssimo grau de inteligência, cassado em função do seu envolvimento nesse caso de corrupção tão conhecido e tão lastimável do nosso País.

As pessoas identificam, então, que a corrupção é algo praticado pelas pessoas sem escolaridade, mas também pelas que possuem conhecimento escolar. Entendo que a corrupção que causa maior prejuízo é principalmente a praticada pelos que têm “competência” para usar seus conhecimentos na realização de coisas nefastas aos interesses da sociedade.

Na matéria, as pessoas continuam afirmando ser fundamental um Judiciário ágil e forte e que a impunidade estimula a corrupção.

É claro que o delito é praticado em duas oportunidades: a primeira delas são as condições propícias e a outra, a quase certeza da impunidade. Na corrupção não é diferente, ocorrendo da mesma maneira.

Sem punir os corruptos serão necessários mais de 500 anos para sermos um país decente - essa é uma das conclusões a que chegam as pessoas interrogadas sobre a corrupção.

O famoso jeitinho brasileiro é uma forma simpática de iniciar o processo entre o que corrompe e o que é corrompido. Infelizmente, às vezes até nos vangloriamos de que, no Brasil, sempre conseguimos dar um certo jeitinho nas situações adversas. E as pessoas acabam cultivando e cultuando a cultura do jeitinho, que é uma forma, ainda que pequena, talvez até subliminar, de iniciação na cultura da corrupção. Isso parece começar a partir da introdução desses referenciais no inconsciente coletivo, aos quais devemos estar muito atentos, porque, se somos tolerantes com os pequenos delitos, por que não pensarmos que essa tolerância começa a acontecer com os grandes delitos? É a partir daí que começamos a não nos sentir estranhos ou incomodados com determinadas circunstâncias.

Uma barragem nunca rompe imediatamente; geralmente, começa com uma pequena infiltração, depois um pequeno vazamento, aí sim, ocorrendo o arrombamento da estrutura que segura aquelas águas represadas. O mesmo ocorre nos procedimentos ilícitos. Começa-se com uma pequena brecha, uma pequena infiltração e, quando se percebe, a tessitura social começa a ser corrompida, os indivíduos vão entrando por um caminho que os envolve, cada vez mais, numa espiral crescente de delitos e, quando se dão conta, já estão praticando os grandes delitos. Portanto, a população também identifica o jeitinho brasileiro como sendo um dos elementos que propiciam uma espécie de iniciação à corrupção.

E continua para dizer que “temos que ver a corrupção como algo intolerável, inaceitável”, chamando a atenção para o fato de que é preciso começar pela adoção de uma atitude moral de repulsa à corrupção.

“A corrupção começa no dia-a-dia, não é só na política”. Essa é uma conclusão muito interessante que parte da análise do universo da sociedade, da compreensão das mais diferentes formas de pensar e sentir a corrupção por parte da sociedade.

A revista Veja desta semana traz uma matéria em que a corrupção é vista não apenas dentro do espaço de ação dos políticos em suas relações com as instituições públicas ou das empresas em suas relações com as instituições públicas. Chama-se a atenção também para a corrupção em outras áreas, como a corrupção nas empresas ou a corrupção no futebol, que vem sendo acompanhada de perto pela opinião pública - a propósito: foi proposta pelo Senador Álvaro Dias uma CPI para investigar o assunto.

A matéria mostra muito bem os diferentes focos de corrupção na tessitura social: desde as instituições públicas até o futebol e as empresas, as pessoas buscam tirar vantagens ilícitas, independentemente de estarem em espaço público ou privado.

“Os políticos são apenas a amostra do que é a sociedade”. Essa é também uma conclusão muito interessante. Não se pode pensar numa sociedade virtuosa, em uma sociedade divinizada e, ao mesmo tempo, em políticos e representantes satanizados. É claro que os representantes políticos são a representação da sociedade. Aqueles que fazem boas escolhas terão bons representantes; os que fazem as escolhas erradas terão maus representantes. Ninguém chega ao Congresso Nacional, ao Executivo ou a qualquer outro cargo eletivo se não for por uma delegação da sociedade. Pode-se questionar os critérios, os meios, as informações necessárias para se fazer essa escolha, mas, em última instância, é a sociedade que delega o mandato seja para o bom ou para o mau político. Se a maior parte for de maus políticos, é porque a sociedade optou, a maior parte dela, por eles; se a menor parte for de bons políticos, é porque houve uma pequena parte da sociedade que se comprometeu com essa representação positiva. Nós até podemos, como falei anteriormente, questionar se temos o devido preparo para fazer essa escolha, mas no sistema democrático as pessoas chegam aqui porque obtiveram uma delegação do povo.

Estamos anestesiados, nossos valores éticos estão, de certa forma, em choque. No entanto, pelo alto grau de exposição que começa a se observar com relação aos fatos de corrupção, começa-se a perceber o aumento da indignação da sociedade, embora essa indignação não seja ainda forte o suficiente para ser convertida em mecanismos de defesa institucionais, em agilidade para as estruturas, principalmente dentro do Poder Judiciário, de modo a, por intermédio da punição, produzir exemplos para que as pessoas se sintam intimidadas diante da possibilidade de praticar delitos relacionados à corrupção. De qualquer forma, a indignação tem sido muito grande por parte de sociedade.

Ainda com relação à corrupção, cito artigo da revista Veja desta semana. Segundo a revista, o FBI calcula que, só nos Estados Unidos, US$ 400 bilhões por ano sejam desviados de empresas para os bolsos de funcionários desonestos e seus comparsas. Esse artigo é interessante, porque contesta o senso comum segundo o qual a corrupção é associada, quase exclusivamente, ao universo da política. No meio privado brasileiro, uma empresa especializada na investigação de fraudes empresariais mostrou recentemente que a roubalheira vai pelo mesmo caminho também dentro das empresas.

Foi feito também um estudo sobre o perfil do corrupto dentro das empresas: quando se trata de uma pessoa mais jovem, ela permite desvios ilícitos mais ou menos em doses homeopáticas; quando já tem uma certa idade, geralmente dá um grande golpe, porque talvez sinta que não tem muito tempo a perder e, então, tenta, numa única cartada, “resolver” os seus problemas de ascensão social.

Envolvendo o futebol, acompanhamos um caso mais ilustre. Observamos péssimos resultados no espaço esportivo associado, pela maioria do povo brasileiro, com a sua auto-estima, as suas esperanças, o seu desejo de brilho que muitas vezes é ofuscado e reprimido pela falta de oportunidades - espera-se do mundo dos esportes, especialmente do futebol, a realização que não acontece no cotidiano. O caso Wanderley Luxemburgo é uma vergonha, uma decepção muito grande associada a esse espaço de realização popular. São várias as faces do escândalo posto para a sociedade: desde a sonegação de impostos até fraudes na venda de passes de jogadores.

Infelizmente, estamos percebendo que não é apenas na política que existe o viés da corrupção: também no futebol, também nas empresas a tessitura social precisa de um tratamento. E esse tratamento, do meu ponto de vista, só poderá chegar a um resultado satisfatório se fizermos um grande investimento na ética ao longo do processo de formação do jovem, ao longo do processo de construção de uma identidade política, de uma postura diante da vida. Viver numa civilização em que o ter tem mais importância do que o ser leva as pessoas a se permitirem fazer qualquer coisa para ter aquilo que acham que pode lhes trazer satisfação ou realização. Esse desejo egolátrico, posto acima de outras aspirações, só pode levar a uma desestruturação do ponto de vista moral. E é isso que conseguimos com essa cultura do ter em detrimento do ser: as pessoas lançam mão de quaisquer meios para realizar essa sua ansiedade de ter as coisas para serem importantes, e não serem importantes como uma essência natural, ontológica do seu processo de formação, de aquisição de conhecimento, da sua postura diante da vida.

Lamentavelmente, se não fizermos o devido investimento nos valores éticos, nos referenciais morais que não permitam, em hipótese alguma, tirar vantagens que sejam ilícitas, sejam elas quais forem, vamos continuar com uma tessitura social completamente deteriorada, ainda mais se as instituições não tiverem a devida agilidade.

Quando as pessoas individualmente não agem no sentido de evitar o delito, as instituições, o poder de Estado deve estar preparado para fazer valer a lei, aquilo que foi socialmente pactuado, para fazer valer o pacto social da convivência democrática e do respeito a determinados valores. Mas quando essas instituições não funcionam, o que se observa, infelizmente, é um estímulo ainda maior para que as pessoas pratiquem delitos nos mais diferentes campos da vida, não só na vida pública, mas, inclusive, dentro das empresas ou dentro de seja lá quais forem os espaços que ocupam.

Apesar de ser a política o espaço mais visível da corrupção, onde a corrupção aparece com maior força, onde a imprensa tem melhor acesso - como é espaço público, é assim que deve acontecer - é o que tem dado maior contribuição para que a corrupção seja visível e a sociedade possa, conhecendo a dimensão do problema, indignar-se e exigir medidas e punição. E as CPIs têm sido um exemplo muito forte disso.

Portanto, Sr. Presidente, se durante todos esses meses tivemos uma exposição muito grande dos vários casos de corrupção nos mais diferentes espaços das relações sociais, seja no campo das instituições públicas, seja dentro das instituições privadas, poderemos tirar talvez um saldo positivo de tudo isso: a sociedade hoje busca pelo menos mostrar sua indignação, ainda que não orgânica, ainda que esporádica, do meu ponto de vista, diante desse fenômeno. E essa indignação é mostrada, como muito bem colocou a revista Veja, a partir da percepção da sociedade de que o jeitinho brasileiro premia a esperteza, considera inteligente e bem-sucedido aquele que consegue driblar, de forma correta, determinadas circunstâncias que não lhe são favoráveis. Quaisquer circunstâncias que não nos são favoráveis devem ser resolvidas pelos meios lícitos e nunca pelos meios ilícitos. Pelo menos é isso que boa parte da sociedade pensa, uma parte - a parte saudável - dos políticos pensam. Há instituições que ainda conseguem funcionar preservando valores éticos de respeito, de honestidade - isso já virou sinônimo de bobagem, pois são honestas, e por isso bobas, as pessoas que não sabem utilizar as oportunidades que lhes aparecem diante da vida.

Portanto, aqueles valores que devem ser cultivados para que tenhamos uma cultura política, uma cultura empresarial, uma cultura das relações sociais que não sejam permissivas em relação aos ilícitos, ou seja, que não funcionem como forma de resolver as adversidades, têm que ser trabalhados junto aos jovens, crianças e adolescentes nas escolas. Existem casos de prática de ilícitos que são cometidos unicamente motivados pelo desejo de poder, de ter e de acumular riquezas de forma desenfreada, lançando mão de todas as formas possíveis. É o caso, por exemplo, da compra de material de baixa qualidade para ser utilizado em pacientes de risco, para embolsar a diferença. Como disse no início, não vejo diferença alguma entre esse crime e aquele do indivíduo que saca um revólver e atira em outro para tomar-lhe uma jóia ou o dinheiro.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2000 - Página 20064