Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo para aprovação, amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, de projeto de sua autoria, que estabelece normas para a municipalização dos terrenos de marinha.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Apelo para aprovação, amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, de projeto de sua autoria, que estabelece normas para a municipalização dos terrenos de marinha.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2000 - Página 20105
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REMARCAÇÃO, FAIXA, TERRENO DE MARINHA, TRANSFERENCIA, CONTROLE, DESTINAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DESTINAÇÃO, PRIORIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, ENFITEUSE, TERRENO DE MARINHA, OPORTUNIDADE, CIDADÃO, POSSE, IMOVEL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, registro meu agradecimento ao Senador Carlos Patrocínio pela cessão de seu tempo.

Volto a esta tribuna para falar dos terrenos de Marinha, tema de interesse de grande parte das famílias residentes nas áreas urbanas próximas ao litoral. Com esse primeiro e forte argumento, destaco a importância da aprovação, amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, de projeto de minha autoria que estabelece normas mais claras para a administração e destinação social desses bens.

Ressalto, inicialmente, o diálogo com o Poder Executivo, visando ao aperfeiçoamento da proposta. Antes, porém, lembro que, logo que cheguei a esta Casa, apresentei uma emenda constitucional simplesmente eliminando a figura dos terrenos de Marinha. Posteriormente, vendo a dificuldade de sua tramitação, apresentei um outro projeto de lei reconceituando aquela definição. Como conseqüência das conversas com o Executivo, foram apresentadas quatro emendas ao texto a fim de atender às preocupações dos Ministérios do Orçamento e Gestão e do Meio Ambiente e Defesa, por intermédio do Comando da Marinha, sem descaracterizar o seu objetivo.

A Emenda nº 1 garante o retorno da faixa de Marinha aos 33 metros originais e a utilização, como parâmetro, da preamar-média de dois mil, a fim de que possamos virar o milênio com essa questão resolvida. Basta lembrar que a legislação vigente sobre o assunto é de um Decreto-Lei datado de 1831, época em que a geografia das cidades, principalmente as litorâneas, era completamente diferente.

Outra objeção colocada pelo Executivo, e que deu origem à Emenda nº 2, foi a extensão da aplicação do Decreto-Lei nº 9.760, e alterações posteriores, às áreas que serão transferidas aos municípios, até que estes, dentro de sua autonomia constitucional, legislem sobre a destinação dos imóveis, o que considerei absolutamente razoável. Em vista disso, apresentei a emenda.

A Emenda nº 3 permitirá que o produto da arrecadação seja destinado, além da proposta original de capitalização dos fundos de previdência dos servidores municipais - constante do meu projeto original -, também ao abatimento do estoque de dívidas junto à União. Assim, seria atendida a preocupação maior do Governo Federal no sentido de ajustar as contas desses entes federados, promovendo a distensão da atual pressão do déficit da Previdência e do endividamento municipal nas contas públicas de nosso País.

A quarta Emenda incluiu os imóveis ocupados irregularmente entre os que serão transferidos aos municípios, a fim de que tenham tratamento jurídico adequado, não ficando no limbo, motivando ocupações clandestinas com o intuito de regularização judicial posterior.

O projeto entrou na pauta da última reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, com parecer favorável do eminente Senador Jefferson Péres, reconhecido neste Parlamento pelo desvelo com que defende a coisa pública e o interesse do cidadão. O parecer só não foi votado em face de um pedido meu ao próprio Relator, atendendo ao apelo do Comandante Viveiros, Assessor Parlamentar da Marinha, para que pudesse ser traduzida ao Legislativo a preocupação do Executivo com a preservação das áreas destinadas a treinamento das Forças Armadas e à sinalização da navegação. Trata-se de dois temas nos quais temos todo o interesse - particularmente eu que vivo numa cidade portuária -, pois é importante uma boa sinalização em relação à navegação.

Dessa forma, debruçamo-nos sobre todos os argumentos para que pudéssemos encontrar, juntamente com o relator, a alternativa que deixasse claro o intuito de preservação do domínio das citadas áreas pela União.

A solução foi encontrada no sentido de que as áreas em discussão sejam preservadas como sendo de domínio da União. Dessa maneira, a matéria pôde retornar à pauta da CAE, Comissão de Assuntos Econômicos, devendo ser votada e aprovada - se Deus quiser - na reunião de amanhã.

É indiscutível que a motivação preponderante para a instituição e a manutenção dos terrenos de marinha como bem público sempre foi de natureza econômica. Não se relaciona com a segurança nacional, com o meio ambiente ou coisas do gênero. Dos interesses da Coroa Portuguesa na extração do sal e da pesca, passou-se a uma visão meramente fiscalista em que esses terrenos, pela via da enfiteuse, foram considerados através dos anos fonte de recursos para o Erário.

A situação tornou-se curiosa quando se têm presentes os chamados terrenos acrescidos de marinha, surgidos em decorrência de aterramento natural ou artificial de áreas litorâneas, como terrenos no Rio de Janeiro, em Vitória, em Florianópolis, em São Luís. Com o crescimento urbano, existem hoje em cidades como Rio de Janeiro, Florianópolis, Vitória, Belém, Salvador, São Vicente, São Francisco do Sul, Joinville, entre outras, inúmeras construções e prédios edificados em áreas distantes centenas de metros da praia. Mas, por força dessa histórica preamar-média de 1831, instituiu-se que tais edificações estão situadas em terrenos de marinha, estabelecendo que os donos desses imóveis, quase sempre pessoas que agiram de absoluta boa-fé quando adquiriram o bem, tenham de pagar foros anuais à União e jamais venham a ter o domínio pleno de seu patrimônio.

Sob a ótica da administração municipal, essa manutenção de larga faixa de terreno sob o domínio da União é um verdadeiro estorvo. Fala aqui alguém que já foi prefeito. Muitas delas não têm qualquer destinação específica. Estão tomadas por lixo, pelo abandono, e, em função desse quadro, o município nelas não pode construir sequer uma praça pública, uma escola, um posto de saúde, uma via pública ou um conjunto habitacional destinado à população de baixa renda.

Qualquer das iniciativas depende hoje de um ato complexo, e já percorri a burocracia diversas vezes - por isso, falo com tranqüilidade -, envolvendo autoridades federais, estaduais e municipais. E o resultado são ocupações desordenadas do entorno dos centros urbanos. Se olharmos o mapa do Brasil e as cidades brasileiras, veremos essa situação. Esse quadro gera sérias conseqüências para as administrações municipais, que se vêem obrigadas a enfrentar situação consolidada em busca muitas vezes de soluções emergenciais, verdadeiros remendos para aquilo que poderia ser facilmente ocupado com planejamento urbano, dentro do Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano, Sr. Presidente.

Sob a ótica do cidadão, fica muito difícil explicar que o imóvel pertencente à sua família por muitas gerações nunca foi efetivamente dela. É um pouco daquele herdeiro - só o direito de uso - e é também um pouco da União, uma parte de cada um. Na verdade, se algum agente da Secretaria do Patrimônio da União se dignasse a explicar aos moradores dessas áreas o parâmetro que define o seu imóvel como terreno de marinha, provavelmente teria que apontar para algum prédio e afirmar: “Ali, naquela distância, era mar em 1831 ou uma proximidade do mar”. Isso demonstra o arcaísmo desse conceito.

Sr. Presidente, por mais boa vontade que tenha, o cidadão de bom senso não se dobraria a tal argumentação, uma vez que o mar hoje quebra em praias localizadas muitas vezes a dezenas ou a centenas de metros do ponto onde há anos se construiu, por força de aterramento, a sua casa ou o prédio de apartamentos onde reside.

Existem casos engraçados. No mesmo bairro, na mesma direção, um cidadão, um morador recebe o documento do Serviço do Patrimônio da União e o outro não, o que mostra, inclusive, um descontrole completo, uma falta de estrutura de recursos humanos, financeiros e meios para se trabalhar.

Nesse ponto, Sr. Presidente, é de se destacar trechos do relatório do Senador Jefferson Péres que dão as devidas explicações sobre o regime enfitêutico, descrevendo com perfeição as impropriedades que o projeto pretende corrigir. Afirma o nobre relator:

O regime enfitêutico, ou de aforamento, como se sabe, permite que o proprietário mantenha o domínio pleno e transfira a terceiros (enfiteutas) apenas o “domínio útil” do bem aforado. Aos enfiteutas incumbe o pagamento anual e perene do foro e, no caso de transferência do domínio útil, de percentual relativo ao valor do imóvel, a título de laudêmio. No caso dos terrenos de marinha e seus acrescidos, o foro e o laudêmio são devidos à União.

E continua o Senador Jefferson Péres, no seu parecer esclarecedor, como é praxe:

De fato, tanto a conceituação fixada pelo Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, quanto a sede constitucional obtida em 1988 pelo regime enfitêutico têm gerado imprecisões técnicas, indefinições políticas e desassossego social. Em primeiro lugar, pela dificuldade de determinação topográfica da chamada linha da preamar-média de 1831 e da extensão dos terrenos acrescidos em face dos aterros e das sedimentações havidos nestes quase 170 anos. Depois, porque a propriedade da União de imensas áreas de territórios urbanos impõe aos municípios restrições ao exercício das competências que a Constituição lhes atribuiu. Por fim, porque o regime enfitêutico, ao impedir a transferência plena da propriedade, enseja alienações clandestinas e outras burlas, que levam intranqüilidade a milhares de famílias, especialmente nas grandes cidades costeiras.

Tem toda razão o relator. Fico muito feliz que o Senador Jefferson Péres tenha percebido e estudado essa matéria, S. Exª que representa o Estado do Amazonas e que tem uma vida numa região distante desse litoral que estou citando.

Na realidade, Sr. Presidente, a Secretaria do Patrimônio da União, SPU, diz administrar inúmeras áreas urbanas no Brasil, o que contraria a política nacional de desestatização implementada nos últimos anos dentro da reforma do Estado, que objetiva deixar com o Governo Federal apenas o cumprimento de suas funções básicas e essenciais, como as políticas para educação, saúde, ciência, tecnologia e segurança pública. Não há razão para a manutenção de uma enorme imobiliária - uma verdadeira Terracap federal - para gerir esses imóveis do litoral imenso deste País.

Na última quinta-feira, o Senador Ricardo Santos, do meu Estado, trouxe a esta tribuna um dado que demonstra a magnitude da imobiliária federal em que se converteu a SPU. A operacionalização da análise dos pedidos de regularização de aforamento, por falta de capacidade da SPU, está sendo terceirizada. Inclusive, o Senador Gerson Camata, também do meu Estado, alertou em seu aparte sobre os riscos de esse procedimento criar condições para a prática da corrupção, que envolveria mais uma vez o patrimônio público.

Por outro lado, como bem ressaltou o Relator Jefferson Péres, a dificuldade de definir topograficamente a linha da preamar-média de 1831, dando margem às mais diversas contestações administrativas e judiciais, não recomenda a manutenção do conceito legal.

Assim, o projeto que apresentei - já aprovado pela CCJC e espero seja aprovado de forma terminativa amanhã na CAE - pretende atualizar o conceito legal e subtrair do regime enfitêutico a maior área possível, em que se incluiriam os atuais acrescidos de marinha, para futura aquisição de domínio pleno por parte dos seus legítimos ocupantes - e acabar com essa dor de cabeça, com esse verdadeiro inferno na vida desses moradores. Além disso, a proposta avança ainda no sentido de proporcionar uma melhor utilização pública das áreas, com a implantação de obras essenciais à vida urbana, como unidades de saúde, educação e lazer; abertura de vias para melhor escoamento do trânsito, sobretudo nas cidades de médio e grande portes; e programas habitacionais para beneficiar famílias de baixa renda. Tudo isso preservando os imóveis - é bom que se repita - ocupados por entes da União e dos Estados.

Há que se destacar, Sr. Presidente, o caráter primordial da proposta de descentralizar a discussão e abrir um leque de soluções de cunho social para o problema. A transferência do processo de alienação desses bens aos municípios decorre do maior conhecimento da realidade local pelo conjunto da municipalidade e da necessária, volto a frisar, descentralização desse procedimento.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador?

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) - Ouço V. Exª com muito prazer, nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Vejo com muita satisfação o devotamento de V. Exª pela causa. Os problemas levantados por V. Exª atingem quase todos os Estados brasileiros. Realmente, é preciso que haja uma legislação que ponha ordem na situação existente. Nasci no barranco do rio Paraná, mas por meu Estado passa também o Rio Paraguai, e são muitos os abusos lá cometidos. É necessário que haja uma legislação que coíba atos que atentem contra o meio ambiente, contra a ordem, situações que foram permitidas pelo Poder Público. Os pescadores, os lavradores, pessoas humildes, precisam ter suas situações regularizadas, para impedir que alguns terrenos passem a sofrer especulação imobiliária, como V. Exª afirmou, uma vez que já estamos imaginando a possibilidade de uma terceirização de um serviço dessa envergadura. V. Exª defende a municipalização desse processo, pelo que o aplaudo, pois creio que sejam os municípios os conhecedores de sua realidade local. Conheço o projeto de V. Exª e sei que ele já foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; desconheço onde se encontra atualmente, mas acredito que seu trâmite nesta Casa deva ser o mais rápido possível, porque essa regularização é urgente. Como exemplo citarei o da construção da usina de Porto Primavera, onde há centenas e centenas de moradores ameaçados sem que seja apresentada solução. As Centrais Elétricas de São Paulo, responsáveis pelo empreendimento, estão dispostas a dar garantia e reconhecem, pelas avaliações feitas por técnicos nos ranchos daquela localidade, que a usina em nada atenta contra a natureza. Então, por que criar caso, dificultar até as indenizações? De sorte que uma legislação como a pretendida por V. Exª, realizada pelo município, será muito boa, poderá acabar com a burocracia. Muitos dos que aqui estão desconhecem a realidade deste País, e ficam legislando sobre matéria de que não têm noção, presos a preconceitos. Cumprimento V. Exª.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) - Agradeço o aparte, Senador Ramez Tebet.

Sr. Presidente, meu tempo já está se esgotando, mas estou praticamente concluindo meu pronunciamento.

Pretendemos justamente criar um caminho razoável, dentro da reforma do Estado, para resolver esse problema patrimonial que temos em todo o litoral brasileiro.

Sr. Presidente, faço um apelo à Comissão de Assuntos Econômicos - CAE. Amanhã estaremos apreciando o Projeto nº 617, de 1999, e apelo para que seja aprovado. Primeiro, apresentei uma proposta de mudança constitucional abolindo a figura de terrenos de marinha; posteriormente, caminhei na negociação com o Governo, que tem sido muito receptivo - é bom ressaltar isso - no sentido de aprovar um projeto de lei que redefina a questão desses terrenos. Parece-me que estamos chegando a bom termo. O Governo apresentou emendas ao projeto, nós as acatamos e amanhã vamos apreciá-lo. Então, faço um apelo por sua aprovação.

Sr. Presidente, o Congresso Nacional e, neste momento, o Senado Federal não podem fechar os olhos para esse problema, uma vez que estamos diante de uma proposição em estágio avançado de tramitação e que já passou por um primeiro exame de constitucionalidade na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e foi, posteriormente, objeto de ampla negociação com o Poder Executivo.

Ressalto meu otimismo quanto à aprovação da proposta, que conta com o parecer favorável do relator, um parlamentar sóbrio, de atuação firme, Senador Jefferson Péres, a fim de que possamos eliminar esse estorvo à administração municipal e darmos tranqüilidade a milhares, senão milhões de brasileiros.

A modernização do Estado deslanchou um processo de descentralização das decisões em nosso País que, na minha visão, tem gerado resultados positivos. Os exemplos mais concretos estão nas áreas de educação, com a criação do Fundef, e na saúde, com o Sistema Único de Saúde.

No caso dos terrenos de marinha, a adoção de medidas no mesmo sentido seria inegavelmente mais uma decisão acertada, uma vez que as Prefeituras estão melhor preparadas, hoje, do que a União, do ponto de vista material e humano e pela proximidade, para administrar e dar destinação social mais apropriada a esses bens. Já fui prefeito e quem conhece os departamentos estaduais do patrimônio da União sabe da falta de meios para que essas estruturas possam trabalhar.

Sr. Presidente, fica o meu apelo para que os colegas, membros da Comissão de Assuntos Econômicos, possam ajudar na aprovação de um projeto que busca o encaminhamento de uma solução digna para os problemas de terrenos de marinha e acrescidos de marinha em nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 5/19/243:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2000 - Página 20105