Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre estudo da pesquisadora Sônia Rocha, do IPEA, divulgado hoje pelo jornal Folha de S.Paulo, segundo o qual houve um crescimento da pobreza no Brasil durante o ano de 1999.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre estudo da pesquisadora Sônia Rocha, do IPEA, divulgado hoje pelo jornal Folha de S.Paulo, segundo o qual houve um crescimento da pobreza no Brasil durante o ano de 1999.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2000 - Página 20113
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, ESTUDO, AUTORIA, SONIA ROCHA, PESQUISADOR, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), COMPROVAÇÃO, CRESCIMENTO, POBREZA, MISERIA, PAIS, CRITICA, PROMESSA, CAMPANHA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, INVESTIMENTO, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, AUMENTO, SALARIO MINIMO, MELHORIA, QUALIDADE, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Folha de S.Paulo traz hoje uma matéria referente ao aumento do número de pobres em nosso País, ou seja, o núcleo duro da pobreza no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso continua crescendo, infelizmente, em função da ausência de políticas sociais que sejam capazes de responder às inúmeras necessidades que temos para o enfrentamento dessa problemática.

O estudo divulgado pelo jornal, de autoria da pesquisadora Sônia Rocha, do Ipea, segundo a metodologia que utiliza, dá-nos conta de que tivemos um aumento do número de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza em nosso País.

Diz o citado jornal:

A pobreza voltou a crescer no País no primeiro ano do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1999, mais de 3,1 milhões de brasileiros passaram a não ter renda suficiente para comer, vestir-se, cuidar da saúde e da educação.

Segundo pesquisa de Sônia Rocha, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, havia, em 1998, 33,4% da população brasileira vivendo na pobreza.

No ano passado, o percentual de pobres subiu para 34,9%, um total de 54,1 milhões de brasileiros.

Desde 1996, o percentual de pobres não crescia no País.

Quanto aos indigentes

Em 1998, 13,9 milhões de brasileiros (9% da população) não tinham renda sequer para uma alimentação decente. No ano passado, esse número caiu para 13,6 milhões (8,7% da população).

Os dados da pesquisadora mostram que havia em 1998 cerca de 4 milhões de famílias indigentes no Brasil. O Governo trabalha com outros números de indigência, cerca de 6,1 milhões de famílias. Segundo números do IBGE, cada família brasileira tem, em média, 3,5 componentes.

            É bom que se faça uma ressalva no sentido de que o nosso País tem observado duas situações: uma delas é referente ao núcleo duro da pobreza que, segundo a pesquisadora Sônia Rocha, estaria em torno de 4 milhões de famílias pobres, aquelas que não têm renda para sequer uma alimentação diária. De outra parte, segundo os dados do Governo, temos uma quantidade de pessoas pobres da ordem de 6,1 milhões de famílias. Se, para a pesquisadora, temos um aumento do número de famílias pobres de um modo geral; de outro lado, pela percepção do Governo, afirma-se que há uma diminuição da pobreza.

Nesse ponto, instaurou-se uma grande confusão no debate: primeiro, porque o Presidente Fernando Henrique se elegeu prometendo que iria diminuir a pobreza em nosso País? Segundo pesquisa da Sônia Rocha, há crescimento da pobreza no Brasil. O Assessor Especial do Presidente Fernando Henrique Cardoso, Professor Vilmar Faria, defende o Governo dizendo que os critérios adotados por ela, mediante a utilização da cesta básica como referência para a medição de pobreza, não estaria de acordo com os critérios utilizados pelo Governo que são calcados na renda. Ou seja, aquelas pessoas que estão abaixo de um salário que lhes proporcionam uma renda que as coloca acima da linha de pobreza, em condições de não indigente, demonstra que há diminuição da pobreza.

Não quero perder tempo, discutindo qual é a metodologia certa. Tanto a do governo como a da pesquisadora Sônia Rocha, ambas são geradas pelo Ipea. O que importa é que tenhamos políticas públicas e sociais que dêem conta do problema da pobreza, que é muito grave. Muito embora, se pararmos para pensar, verificaremos que não resolve termos uma renda, se essa renda, em determinadas regiões do nosso País, não permite que as pessoas adquiriram os alimentos necessários à sua sobrevivência.

Nesse sentido, apesar de não querer discutir a metodologia, sou mais simpática à proposta da pesquisadora Sônia Rocha, não porque ela dá conta de que aumentou o número de pobres para deixar o Governo numa situação desconfortável, mas porque é a realidade dura das pessoas. Não adianta nada ter R$100, R$150 ou R$70, se essa quantia não é suficiente para adquirir os produtos indispensáveis à aquisição das proteínas e calorias mínimas necessárias à sobrevivência humana.

Então, o Governo se apóia nos critérios de linha de pobreza que utiliza para dizer que ela diminuiu. Mas, no meu ponto de vista, isso não corresponde às nossas necessidades, porque o que queremos mesmo são políticas sociais que possam nos ajudar a combater efetivamente a pobreza.

Os números de indigentes apontados pela pesquisadora são mais favoráveis para o Governo, ou seja, de acordo com a pesquisa de Sônia Rocha, há menos indigentes, o número duro da pobreza diminuiu, enquanto que, segundo o Governo, sofreu um acréscimo.

Mas o interessante é que o Governo aumenta os indigentes, mas tenta diminuir o número de pobres, e Sônia Rocha diminui o número de indigentes, mas, na sua pesquisa, dá conta de que há um aumento do número de pobres.

Em 1998, a tabela oficial apontava a existência de 21,4 milhões de indigentes, ou seja, 13,9% da população. Segundo esses dados, 6,4 milhões de pessoas foram resgatadas da miséria absoluta durante o primeiro Governo de Fernando Henrique. Nesse ponto, poder-se-ia parar para pensar em termos de algumas políticas voltadas para uma visão mais emergencial ou assistencial do que mesmo para as políticas estruturais de combate à pobreza. Esses são dados da Folha de S. Paulo, publicados no dia nove de outubro do referido ano.

O Chefe da Assessoria Especial do Presidente Fernando Henrique Cardoso, Vilmar Faria, afirmou que os levantamento apresentam números diferentes mas tendências iguais. O Governo usa uma tabela que também é elaborada por pesquisadores do Ipea, o número total de pobres é praticamente o mesmo, mas o de indigente difere bastante.

Nos dados que o Governo divulga é indigente quem ganha a metade da renda necessária para estar acima da linha de pobreza. Sônia Rocha usa o custo da cesta básica de alimentos em cada região do País para traçar usa linha de indigência, uma conta considerada mais precisa. É o que eu também acho. O gasto é disperso e mal focalizado - afirma a Secretária da Assistência Social do Ministério da Previdência e a Dr. Vanda Engel Aduam, e essa afirmação foi feita também na Folha de S. Paulo no dia de hoje.

O Governo vem dizendo que o gasto para os problemas sociais é disperso e mal focalizado. Nós já conhecemos bem essa história. O Presidente Fernando Henrique Cardoso - já na metade praticamente do seu Governo -, continua afirmando que os gastos são mal focalizados, e que em função disso nós continuamos com os problemas renitentes, referentes aos problemas sociais. Na verdade, o que estamos assistindo é o Governo declarando a toda hora que não está tendo o devido empenho ou a devida competência para resolver os problemas da pobreza. Se você tem quatro anos de mandato, ou seja, mais um ano e meio de mandato e continua a mesma história de que o problema é de focalização, então, porque o Governo não focaliza com eficiência os problemas sociais neste País? Na verdade, o que está acontecendo é que as políticas sociais estão sendo aviltadas em relação aos outros programas, que têm sido prioridade do Governo, como é o caso do ajuste fiscal que ocorre em detrimento dos programas sociais. Nesse caso, aí sim, temos um problema de foco, mas esse foco não é uma questão pura e simples de metodologia, é uma questão de compromisso e decisão política de priorizar os problemas de pobreza, que são drásticos e muito grandes em nosso País.

Um outro aspecto que poderemos observar é que, segundo pesquisa realizada pelo Banco Mundial, da qual participei há alguns meses, havia vários levantamentos que dão conta de que hoje a pobreza se instala em todo mundo, com um avanço significativo em setores da classe média. Inclusive, naquela oportunidade, vários pesquisadores que fizeram comunicações no banco tinham a preocupação de que tipo de políticas deveriam ser implementadas para evitar o avanço da pobreza em setores da classe média, que, cada vez mais estavam perdendo alguns benefícios tais como o acesso à escola de boa qualidade para seus filhos - a escola privada no primeiro e no segundo graus - e outros benefícios, como a utilização de serviços de lazer. Notadamente, a classe média estava perdendo determinadas “vantagens”.

Naquela oportunidade também se fazia o comentário de que a classe média é um setor mobilizador, com a capacidade de formar uma massa crítica referente aos problemas sociais e que dever-se-ia, além das políticas compensatórias, além das políticas sociais voltadas para os pobres e indigentes dever-se-ia ter políticas para evitar-se o avanço da pobreza na classe média.

Sinceramente, não posso fazer essa afirmação, mas questiono se o aumento da pobreza indicado pelo estudo da professora Sônia Rocha é fruto do crescimento vegetativo da pobreza, ou seja, se os pobres, que chegam a 70 milhões, vão aumentando em número e registrando que, atualmente, há um número maior de pobres no Governo Fernando Henrique Cardoso, ou se esse aumento de pobreza reflete que alguns setores da classe média estão sendo puxados para a situação de pobreza que antes essas pessoas não vivenciavam.

Pela indicação de várias oportunidades de emprego que têm desaparecido do mercado, pelo surgimento de inúmeras família, que não têm mais condições de acesso a determinados bens e serviços que antes tinham, é de se supor que há uma combinação das duas coisas: pessoas que estão empobrecendo, saindo de uma condição razoável para uma situação de pobres, pessoas que, devido ao crescimento vegetativo da pobreza também contribuem para esse aumento de pobres em nosso País.

No entanto, é bom pensar que hoje, em todo o mundo, há desigualdade social. Segundo dados do Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD, de 1999, esta é a nossa participação no PIB mundial: os 20% mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres detêm apenas 1%. Esse é um dado lamentável. Quanto à participação em exportações, bens e serviços, os 20% mais ricos detêm 82% de acesso a esses benefícios em relação a 1% dos 20% mais pobres. No que se refere à participação em investimentos externos diretos, os 20% mais ricos detêm 68%, e os 20% mais pobres apenas 1%. Participação de usuários de Internet: os 20% mais ricos têm 93,3% de participação, enquanto os 20% mais pobres, 0,2%.

Podemos observar aqui uma desigualdade profunda. A riqueza produzida socialmente pela humanidade é apropriada por uma pequena parcela dos humanos em detrimento de uma grande quantidade de pessoas, que têm acesso a uma pequeníssima fatia dos bens socialmente produzidos durante todo processo de crescimento e civilizatório.

Precisamos parar para pensar sobre esse modelo de desenvolvimento socioeconômico-cultural, em que 86% do PIB mundial estão nas mãos dos 20% mais ricos, enquanto os 20% mais pobres detêm apenas 1% do PIB. Traduzindo essa realidade social mundial para a realidade de países em desenvolvimento, como é o caso do nosso, nós vamos nos deparar com a situação tantas vezes repetida no Congresso Nacional, qual seja, a de que existem 70 milhões de brasileiros vivendo em situação de pobreza. Segundo o estudo da professora Sônia Rocha, quatro milhões de pessoas vivem abaixo da linha de indigência e não têm sequer uma alimentação satisfatória ou a quantidade de proteínas necessária à reprodução ou à própria vida.

Nos quatro anos anteriores a 1998, as 200 pessoas mais ricas do mundo mais do que duplicaram suas riquezas líquidas para mais de US$1 trilhão. Ao tempo que a globalização abre a vida das pessoas para a cultura, a criatividade e o fluxo de idéias e conhecimento, estão-se criando novas ameaças à segurança humana nos países ricos e pobres. Isso também faz parte de uma das constatações feitas pelo relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) de Lisboa de 1998. A volatilidade financeira e a insegurança econômica são características do processo de globalização, que tem criado essas anomalias sociais representadas pelos percentuais aos quais me referi.

Essa sim parece ser a nova preocupação do Banco Mundial, mas há uma explicação bastante óbvia. A pobreza é o mal destinado às fatias mais pobres da população. Urge por garantia apenas que os indigentes não cresçam, mas não se implementa um real programa de erradicação da pobreza. Para um real programa de erradicação da pobreza, em primeiro lugar, não se teria, no caso brasileiro, aprovado um Fundo de Combate à Pobreza de quatro bilhões, o que representa um desafio, visto o número de pessoas pobres no nosso País. Ainda mais: desses quatro bilhões, apenas dois bilhões estariam disponíveis, porque os demais só seriam convertidos em 2002.

Não temos as mínimas condições de fazer um programa efetivo de combate à pobreza. Trata-se apenas de ficar administrando uma situação de miséria em uma disputa pela demonstração de índices que possam facilitar as avaliações sociais do Governo em vez de verificarmos os problemas de fato e a pobreza que as pessoas estão vivenciando.

Poderíamos fazer algumas referências breves ao programa que o Governo acaba de implementar: o Projeto Alvorada, o IDH-14, em torno do qual, infelizmente, há uma grande confusão. Lamentavelmente, não há a devida clareza quanto aos investimentos e aos níveis de necessidade que estará o Governo atuando. Nos recursos que serão implementados, também não há clareza, embora tenha sido alardeado nos meios de comunicação que, a partir de agora, o Governo teria um programa efetivo de combate à pobreza. Na verdade, a cada momento em que se faz cobrança sobre os problemas sociais do nosso País, o Governo apresenta determinadas nomenclaturas que não são seguidas de resultados substanciais para o combate à pobreza. É só verificarmos o seguinte: o Governo relançou o Plano de Apoio aos Estados de Menor Desenvolvimento Humano, também conhecido por IDH-14, o qual, por sua vez, é uma ampliação do Comunidade Ativa, lançado em junho do ano passado, que é um subproduto do Comunidade Solidária.

Então, há o Plano de Apoio aos Estados de Menor Desenvolvimento Humano - o IDH-14, o Comunidade Ativa e o Programa Comunidade Solidária. Se não fizermos uma avaliação dos resultados da implementação desses três Programas, a cada momento em que o Governo é cobrado em termos do seu desempenho social, inventa-se uma nomenclatura nova, com uma suposta metodologia nova, com supostos novos recursos. Alguns dos recursos do Projeto Alvorada - como foi apelidado o IDH-14 - virão do Fundo de Combate à Pobreza. Trata-se apenas de um manejo, talvez, das mesmas atividades, dos mesmos recursos, com alguns acréscimos, e os resultados não são aqueles que a sociedade gostaria. Na discussão que tivemos aqui durante a Comissão de Combate à Pobreza, que acabou no minguado Fundo de Combate à Pobreza lamentavelmente, em que pese aos esforços de vários Parlamentares por um resultado diferente, insistíamos que o fundamental eram mecanismos de avaliação e de implementação de políticas sociais que contassem com o componente criativo da sociedade tanto no momento de sua aplicação quanto no momento da avaliação dos seus resultados.

Na ausência de mecanismos de transparência, na ausência de mecanismos de controle, fiscalização por parte da sociedade, veremos a todo momento a repetição de programas com eficiência no mínimo duvidosa. Não quero prejulgar, mas não está clara a implementação do novo programa, seu alcance, o objeto da sua ação. As informações que obtivemos não foram as de dentro do próprio programa. Conseguimos essas informações por um jornalista que entrevistou a Drª Wanda. Na entrevista, diz-se que o programa será utilizado para a alfabetização solidária, educação de jovens e adultos, erradicação do trabalho infantil, Bolsa-Escola, apoio ao ensino médio, luz e água em escola, saneamento (rede de esgoto, rede de água, e melhoria de instalações sanitárias), saúde da família, redução da mortalidade materno-infantil, o Pronager, o Prodetur (turismo), combate à pobreza rural, o Pronaf e a rede de energia elétrica para pequenas comunidades, esse seria o alcance do Projeto Alvorada.

Se formos fazer um cruzamento com os programas já existentes, com os recursos que estão disponíveis, com a metodologia com que esses programas serão implementados, se formos fazer uma avaliação do que já está em curso, como o caso do Comunidade Ativa ou do Comunidade Solidária, aí, sim, é que teríamos uma resposta para a eficiência que esses programas têm, o alcance que estão atingindo com a sua implementação, para sabermos se se trata de programas que estão enfrentando o problema da desigualdade social pela raiz ou se temos apenas, a cada demanda, uma tentativa de resposta mais para aplacar a cobrança dos segmentos que acompanham os problemas sociais do País, a cobrança que é feita pelos meios de comunicação e o desconforto que é gerado em função da retirada, a todo momento, de recursos da área social para a política de ajuste fiscal adotada pelo Governo Federal.

De sorte que fico entristecida quando ouço que o número de pobres está aumentando. Não quero aqui ficar fazendo uma defesa da metodologia aplicada para saber se aumentaram ou não os pobres de acordo com os critérios do Governo ou com os critérios da Drª Sônia Rocha. O mais importante para mim é que pudéssemos entrar no mérito da problemática social do nosso País, combinando as duas formas de combate à pobreza e à indigência, que seria as políticas emergenciais e as políticas estruturais. E nós sabemos que nas políticas estruturais as ações voltadas para a educação e para a reforma agrária têm um maior peso no processo de inclusão social, que, lamentavelmente, não tem sido levado a cabo pelo Governo de acordo com as necessidades do nosso País.

Então, o que nos resta é, mais uma vez, constatar que o problema da pobreza, quando discutido pelo Poder Executivo, não tem a devida resposta, ou, se tem, são respostas paliativas, de resultados duvidosos, de muitos programas e poucos benefícios. Quando foi discutido pelo Congresso Nacional, também não tivemos o devido resultado: saímos com o minguado Fundo de Combate à Pobreza, da ordem de R$4 bilhões, que sequer podem fazer frente a um programa sério de educação voltado para mecanismos de bolsa-escola, a menina dos olhos de qualquer programa de inclusão social.

Uma última constatação: se na época do Ministro Delfim Neto havia a teoria - que não funcionou - de fazer crescer o bolo para depois reparti-lo, também no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no qual, o tempo todo, prega-se a inserção na globalização para depois criarmos as condições necessárias para a resolução dos problemas sociais, também essa teoria não funcionou, porque o que temos é um acréscimo dos pobres em todo o País, lamentavelmente, uma chaga social, que, em que pese todo o discurso de modernidade, coloca-nos na condição de pior atraso, que é a indigência.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço, com prazer, V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senadora Marina Silva, considero da maior importância o aparte de V. Exª. É interessante que, ao final da campanha para o segundo turno, V. Exª aborde um assunto não de cunho político, mas social. Trata-se de um assunto da maior gravidade, do maior significado. Fico impressionado com a análise, com o estudo que V. Exª faz. Sinto que, de certa forma, o assunto vai ecoar no Senado Federal, mas não vai ter resposta, não vai ter uma ação por parte da Casa. Vivi, nos meus quase vinte anos de Senado, um momento muito significativo de participação da Casa na questão social: falo de quando o Presidente do Congresso Nacional apresentou uma emenda e V. Exª solicitou a criação de uma comissão especial para discuti-la, com o objetivo de buscarmos soluções para os problemas sociais. Participei daquela comissão com muita honra. Confesso que não me lembro de ter participado, nos meus setenta anos, de qualquer tipo de debate, dentro ou fora do Congresso Nacional, no País ou no exterior, onde houvesse tanta vontade, tanto interesse em equacionar um problema quanto naquela reunião. O que me emocionou é que havia parlamentares do PCdoB, do PT, do PFL, do PMDB, de todos os partidos, imbuídos do sincero interesse de buscar uma solução. Isso era possível sentir. O que vamos fazer? V. Exª fez um pronunciamento patético, nunca vou me esquecer, quando voltou da viagem ao Nordeste e comparou a sua infância no Amazonas, no Acre, dizendo que a sua geração passava dificuldades, mas que havia um rio, havia água, havia as frutas da mata e que, a rigor, não morriam de fome, mas, vindo do Nordeste, viu pessoas que morriam de sede, não havia frutas, não havia alimentação, não havia água, não havia nada. Ali se debateu uma série de propostas. O que vamos fazer? Imaginei que uma solução sairia dali, uma solução corajosa, um início, uma proposta. O Congresso Nacional ia fazer uma revolução sem armas, de repente ia dizer: vamos caminhar por aqui. Lamentavelmente, o relator foi discutir o seu parecer com o Ministro Pedro Malan, no gabinete do Ministério da Fazenda, e sua equipe, e voltou dizendo que faria o máximo possível, mas que só podia fazer, para não ser vetado o projeto, aquilo que a área da Fazenda dissesse que o Orçamento da União comportava. Terminou não acontecendo nada. Uma emenda insignificante. Aqui entre nós, insignificante. Ainda apresentei uma emenda pedindo que 10% da CPMF, aquele montante enorme de dinheiro do qual o Governo ia ficar com 20% para aplicar no que bem entendesse... Seria autorizar uma verba de R$40 milhões para que o Governo, independentemente do Congresso Nacional, aplicasse no que achasse que deveria. Desses R$ 40 milhões, 20%, ou seja, R$8 milhões, iriam para o Fundo da Pobreza. O Governo não admitiu em hipótese alguma que o Senado aprovasse o projeto. Vi senadores magoados, machucados, dispostos a votar a favor e que não o fizeram porque o Governo não concordou. O Governo não teve sensibilidade. O projeto poderia ter sido votado e enviado à Câmara dos Deputados; não aconteceu nada. Essa foi a oportunidade em que mais unanimidade vi para o entendimento. E V. Exª, que foi Vice-Presidente, brilhante, da comissão, sabe disso. Não sei se nos falta competência, se nos falta apetência, se não temos jeito para isso. Temos jeito para aprovar emendas que favoreçam os nossos Estados, emendas que nos interessem. Temos jeito para fazer algo aqui, algo ali, mas o que é social, que não tem cara, que não tem cheiro, que não tem cor e que é endereçado ao cara da favela, ao que cara que está morrendo e que não tem retorno direto, parece que não sensibiliza o Congresso Nacional. E vem V. Exª apresentando números, que, lamentavelmente, do pedido do Congresso Nacional e da Comissão Especial de V. Exª até hoje, só pioraram, e a nossa atuação resume-se aos brilhantes, corretos e perfeitos pronunciamentos que têm alma, vida, trazidos do fundo do sentimento de V. Exª, mas com os quais, infelizmente, apenas eu e alguns poucos estamos sensibilizados. Daqui a pouco, tudo passa, e vamos ver o noticiário, o Congresso Nacional e o Governo, como sempre, nada fazendo. V. Exª está no caminho certo. Felicito-a, do fundo do coração, pelo feliz e importante pronunciamento de V. Exª.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento. Eis aqui o meu reconhecimento de que V. Exª foi um batalhador comigo e com outros Deputados e Senadores, naquela Comissão.

No dia em que o Governador Cristovam Buarque foi à Comissão fazer a sua exposição, falando da segunda abolição, cheguei a sonhar que essa segunda abolição era possível. Com a inteligência que lhe é peculiar, com a criatividade intelectual do Governador Cristovam Buarque, S. Exª fez uma comparação com o período da escravidão no nosso País. Dizia S. Exª que, naquela época, não tínhamos sequer o relativo consenso, porque as oligarquias eram contra a abolição, os setores conservadores, oligárquicos, tinham uma posição contrária à abolição e apenas um pequeno grupo de abolicionistas e as pressões internacionais levavam para o sentido de acabarmos com a escravidão na Era Moderna. Mas, mesmo assim, conseguimos. S. Sª dizia que, se estamos diante de um grande consenso, Lula e Antonio Carlos Magalhães sentaram-se numa mesa, em São Paulo, momento que penso ser louvável e grandioso, todos nós estávamos imbuídos do propósito de darmos uma resposta para os problemas dos 70 milhões de pobres existentes em nosso País e dos 4 milhões de indigentes, segundo Sônia Rocha, que vivem com menos que o mínimo para conseguirem uma refeição por dia.

Cheguei a sonhar que iríamos aprovar o orçamento social, que teríamos uma proposta estrutural para o combate à pobreza, o que infelizmente não aconteceu. Até hoje, em algumas madrugadas, em alguns momentos da minha vida, vem-me à memória o filme da população de rua que visitei no Estado de São Paulo - sete milhões de pessoas de rua -, das pessoas que visitei nos Estados mais pobres do meu País, no Estado de V. Exª, Senadora Heloísa Helena. Coincidentemente, por uma graça de Deus, V. Exª preside esta sessão no momento em que estou pronunciando-me. Vem-me à memória a imagem de uma senhora cuja choupana havia sido invadida por uma enxurrada de lama e que, chorando, dizia-nos que antes seus filhos ajudavam a catar folhas de tabaco, e agora o pessoal da Justiça não permite que eles façam isso, pois é contra a lei. Eles não tinham as cestas básicas e estavam morrendo de fome. Eu a vi colocar um plástico num colchão ensopado para deitar as crianças. Aquela imagem me vem à memória e sei que do muito que foi feito, pelo esforço individual de cada um, aquela senhora que sonhou, que nos abraçou, que mandou um recado para o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não terá a sua resposta e, talvez, a sua cesta básica até hoje não tenha chegado.

O esforço que faço é para tentar recuperar o endereço dela com a Senadora ou alguma outra pessoa para que, pelo menos individualmente, algo possa ser feito por aquele ser humano que, com tanto amor, nos recebia naquela choupana alagada de lama.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senadora Marina Silva, V. Exª me concede um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo com muita honra o aparte a V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Eu gostaria, mais uma vez, de felicitar V. Exª, por trazer esse tema ao debate, V. Exª, que, como poucos, conhece a situação da pobreza no Brasil. Fizemos realmente um grande esforço, e temos de fazê-lo ainda maior, para que isso seja aprovado logo na Câmara dos Deputados, mesmo que seja a quantia irrelevante em relação ao que queríamos, que são os 4 bilhões, para que possamos dar o primeiro passo em relação a isso. Penso, porém, que, para a aprovação desses 4 bilhões e a sua divisão, poderíamos já ter uma promessa pelo menos do Governo em relação ao Orçamento do próximo ano, no sentido de que se coloque uma quantia melhor do que essa. Outra coisa sobre o que quero aproveitar a oportunidade para falar, e ninguém melhor do que V. Exª para ouvir e interpretar...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Antonio Carlos, desculpe-me, mas esta é uma sessão diferente. V. Exª, Presidente, na primeira fila; nós, três Senadores do PMDB, assistindo; a ilustre Senadora do PT fazendo o pronunciamento e outra ilustre Senadora do PT presidindo o Congresso. Na verdade, a Veja, quando publica uma capa com a fotografia da Marta Suplicy, parece estar prevendo fatos novos.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª me interrompe, mas não me tira do assunto. Fiz questão de não assumir a Presidência da sessão para que a Senadora Heloísa Helena continuasse a presidir, dando realmente o brilho do seu trabalho e o interesse também que tem por essa causa na Presidência da sessão. Fiz isso até para me homenagear, homenagear V. Exª também e toda a Casa, que está feliz com isso. Prosseguindo, desejo dizer que o que precisamos de imediato - e não deve ser uma coisa partidária; deve ser uma coisa duas Casas do Congresso - é não permitir que o Orçamento seja concluído sem que possamos ter a segurança de um salário mínimo decente para o trabalhador brasileiro. Essa deveria ser uma causa de toda a Casa. Porque, se concluirmos sem a verba e os recursos para o Orçamento, vamos ter mais uma desilusão no 1º de maio ou no 1º de abril, e não no 1º de janeiro. Então, quero pedir a V. Exª que, antes de nos deixar - isso vai nos dar muita saudade -, fale com seus Colegas, independente de Partido, para que façamos uma frente em defesa de um salário mínimo decente. Outra coisa, já que o Presidente teve um ato que considero de grandeza, estendendo o FGTS a todos, inclusive àqueles que não foram à Justiça pleiteá-lo, que se faça um cronograma para o pagamento. De nada adianta estender se não for pago, embora eu reconheça que o Governo não pode pagar 43 bilhões de FGTS de uma só vez. Mas o Governo pode fazer uma programação de um tempo mais largo para pagar o que deve ao trabalhador brasileiro através do FGTS. Esses são dois pontos importantes para os quais V. Exª vai fazer muita falta, não estando aqui, mas acho que virá comparecer, mesmo não estando, para nos ajudar. Muito obrigado.

A Sr.ª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Ex.ª, que incorporo ao meu pronunciamento.

Certamente, Senador Antonio Carlos Magalhães, o momento que estamos vivendo é oportuno, porque estamos novamente discutindo o Orçamento da União. Exatamente nessa ocasião, o Congresso deve ter a prerrogativa de fazer com que o Orçamento da União reflita esses programas que aparecem no papel, mas que não se efetivam com eficiência na prática, justamente pela ausência dos recursos necessários tanto para a solução dos problemas sociais quanto para a reforma agrária e para a bolsa-escola.

V. Exª acaba de abordar um assunto de fundamental importância: o salário mínimo. Não lembro aqui precisamente os dados, mas, com o aumento do salário mínimo para um patamar minimamente decente, há significativa diminuição da pobreza. É importante esse aumento digno para os que vivem do salário mínimo, isto é, cerca de 15 milhões de pessoas. Se considerarmos que o salário mínimo tem um efeito em cadeia quando aumentado, há um desdobramento importante dele como instrumento de combate à pobreza, exercendo uma força grande tanto na diminuição do número de pobres como também do núcleo duro de indigentes da nossa sociedade. Embora tendo que me ausentar para um tratamento de saúde rotineiro - algo que, graças a Deus, não inspira nenhum tipo de cuidado, mas é necessário que seja feito, naquilo que for possível, e estarei à inteira disposição para receber idéias. Afinal de contas, pensar não nos causa esforço nenhum. Sei que, com o empenho de nossa Bancada, dos demais Partidos de Oposição e de pessoas que, independentemente de posição partidária, tenham a sensibilidade de V. Exª, trabalharemos para que haja uma discussão adequada na elaboração do Orçamento, a fim de enfrentarmos os problemas que os jornais têm noticiado. Por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo informa que o número de pobres voltou a crescer no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e se isso está ocorrendo, mesmo com a enxurrada de políticas apresentadas, é porque essas políticas não estão tendo a devida eficiência, principalmente quando se trata da eficiência estrutural de que tanto precisamos: geração de emprego e renda, reforma agrária e melhoria da educação.

Sinto-me feliz por ter trazido esse tema ao debate, por estar a Senadora Heloísa Helena presidindo os trabalhos e pela participação dos Senadores Pedro Simon e Antonio Carlos Magalhães nessa discussão, colocando a importância desse tema para o nosso País e para o momento que estamos vivendo, que é o da elaboração do Orçamento, oportunidade em que, com certeza, deveremos refletir sobre os problemas que temos de enfrentar, principalmente na área social.

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2000 - Página 20113