Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a atuação do MST e a compra da fazenda Ponte dos Córregos, do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. REFORMA AGRARIA.:
  • Reflexões sobre a atuação do MST e a compra da fazenda Ponte dos Córregos, do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2000 - Página 20259
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, COBRANÇA, COMISSÃO, EMPRESTIMO, AGRICULTOR, ASSENTAMENTO RURAL, COMPARAÇÃO, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO.
  • CRITICA, GOVERNO, PRIVATIZAÇÃO, AUSENCIA, BENEFICIO, BRASIL.
  • DETALHAMENTO, PROCESSO, COMPRA E VENDA, IMOVEL RURAL, PROPRIEDADE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MUNICIPIO, BURITIS (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), DENUNCIA, SONEGAÇÃO FISCAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DOCUMENTO.
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, EXERCITO, PROTEÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, FILHO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMEAÇA, INVASÃO, SEM-TERRA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - O Tempora, o mores!. O Governo Federal faz o elogio da privatização, Sr. Presidente; a privatização das companhias elétricas e telefônicas que não produzem nada que possa ser exportado, que muito pouco compram no mercado interno e que só realizam uma sistemática e profunda sangria no País a título de remessa de lucros.

Sou Senador há pouco mais de cinco anos - cheguei a esta Casa com o Senador Iris Rezende. Naquela época, o meu automóvel, uma Santana Quantum, ano 1989, enchia o seu tanque de combustível com R$32,00. Hoje, o enche com R$107,00, e os salários estão congelados desde àquela época. Uma passagem de ida e volta a Curitiba - minha base eleitoral, pois sou curitibano -,custava R$347,00; hoje, custa R$911,00. E festejam a estabilidade! E festejam as absurdas privatizações! E querem privatizar mais. Privatizar o quê? O que resta a privatizar? As florestas, a água dos rios, o ar que respiramos? Insistem na tecla do sucesso, quando a realidade é indicadora do fracasso.

No entanto, Sr. Presidente, não ocupei a tribuna para falar sobre esse assunto. Agora há pouco, lembrava uma carta que Victor Hugo escreveu para um amigo. Ele iniciava o texto da sua missiva pedindo desculpas por tê-la escrito longa, uma vez que não havia tido tempo para escrevê-la curta. Eu tive tempo para pensar no que ia dizer nesta tarde de terça-feira, portanto, meu discurso será sucinto.

Inicialmente, abordarei o cinismo e a hipocrisia com que a imprensa brasileira se dirige ao MST. O MST está cobrando 3% dos empréstimos que consegue para os agricultores assentados. É evidente que chegamos à conclusão de que ele não está cobrando de quem não tem recursos para pagar. Os outros não têm nem terra nem condições de financiar sua própria lavoura. O MST cobra! Uma parte da sociedade brasileira e da imprensa vê essa cobrança de 3% com horror. Não quero defender os 3% e sua cobrança. Na minha opinião, o MST devia se abrir à contribuição de todos os brasileiros que são favoráveis à reforma agrária. Eu seria o primeiro a contribuir mensalmente com uma parcela de meu salário de Senador para que a luta pela reforma agrária continuasse no Brasil.

Quero abordar o cinismo da crítica. Todos os partidos políticos descontam dos salários dos seus candidatos eleitos uma parcela. Assim faz o PT, o PFL e o PMDB. Na minha folha de pagamento vem um desconto, todo mês, de R$300,00 para o PMDB e de R$ 50,00 para a Fundação Pedroso Horta. Os partidos nos governos, todos eles, descontam uma parcela dos cargos em comissão dos que não entraram por concurso público, geralmente 2% ou 3%. E jamais vi uma condenação tão dura a respeito dessas contribuições, que são tão voluntárias como talvez sejam voluntárias as contribuições dos membros do MST que conseguem um financiamento. Voluntárias entre aspas, pois se beneficiam do movimento político partidário, ingressam na administração pública mediante um cargo em comissão e se desconta uma pequena parcela dos seus salários. Isso é lícito? Não sei. Talvez não seja esse o caminho, mas é o que os partidos fazem - partidos que criticam hoje o MST porque, segundo o movimento, a contribuição voluntária de 3% sustenta o seu caixa, a propaganda e a campanha da reforma agrária. No entanto, bravos membros do Ministério Público acusam o MST em três Estados. Tudo bem, que se leve à Justiça essa discussão.

Mas, Sr. Presidente, quero trazer um outra discussão para a observação do País e do Ministério Público: trata-se da discussão sobre a compra da Fazenda Pontes, em Buritis, pelo Presidente da República. Tenho aqui toda a cadeia dominial desta fazenda, desde 19 de setembro de 1978, quando o Governador da época, Antônio Aureliano Chaves de Mendonça, o nosso Aureliano Chaves, vendia essa terra devoluta do Estado de Minas Gerais ao Sr. Wandir Galetti pelo preço de Cr$18.305,00. O Sr. Wandir Galetti, por sua vez, vendeu para o Sr. César Pedro Hartmann a mesma fazenda pelo preço de Cr$11.000.000,00. Em seqüência, o Sr. César Pedro Hartmann a vendeu para dois personagens importantes da política brasileira: o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que não era Presidente à época, e o Sr. Sérgio Roberto Vieira da Motta, o famoso Serjão, Ministro das Comunicações, por NCz$6.000,00. Mas a Prefeitura de Buritis não concordou com esse preço e avaliou a Fazenda Pontes, para efeito de tributação, em NCz$131.000,00. Então, NCz$6.000,00 é o valor simulado da venda para a sonegação de imposto certamente, para declaração de Imposto de Renda, na falta de receita legal e conhecida. Cento e trinta e um mil cruzados novos é a avaliação para fins de tributação estabelecida pelas autoridades municipais.

Posteriormente, Sérgio Motta e o Presidente da República vendem a fazenda para a Agropecuária Córrego da Ponte, criada por eles. Daí, o valor descamba a uma quantia que, na época, significava perto de US$20. Os seis mil cruzados novos equivaliam a US$2 mil à época; o valor de transferência, cerca de US$20. Há aí uma reincidência na sonegação: transferência por valor baixíssimo, para não se pagar imposto, e aquisição por valor infinitamente inferior ao valor real da fazenda, que, à época, segundo a Revista IstoÉ, de 1989, estava em torno de US$500 mil.

Tenho toda a cadeia dominial, os documentos de matrícula da Agropecuária Córrego da Ponte Ltda e até um instrumento particular de alteração do contrato social da Agropecuária Córrego da Ponte, em que se vê que o Sr. Jovelino Carvalho Mineiro tem praticamente a metade da propriedade da fazenda - desse símbolo nacional, conforme definiu o nosso Supremo Tribunal Federal, quando mandou tropas do Exército garantir a sua não-ocupação pelo MST. Aliás, essa tarefa caberia, dentro da normalidade do País, à determinação de um Juiz das Minas Gerais, a ser cumprida pela Polícia Militar. Mas foi o Exército Brasileiro utilizado para defender a fazenda, da qual é sócio majoritário o Sr. Jovelino Carvalho Filho, em parceria com os filhos do Presidente da República, porque a eles foi transferida por U$$20 - Luciana Cardoso, Beatriz Cardoso e Paulo Henrique Cardoso.

Como essa cadeia dominial faz parte do meu discurso, requeiro à Mesa que a transcreva na íntegra, juntamente com as notas taquigráficas do meu pronunciamento, para que ninguém diga no Brasil que não tem consciência e acesso aos documentos que provam que a fazenda foi comprada com dinheiro mal havido e que o imposto foi sonegado pelo Presidente da República e pelo seu Secretário, Ministro das Comunicações.

Se vamos aprofundar as investigações sobre esse enorme crime do MST de cobrar 3% das pessoas que obtêm, pela força do movimento, um financiamento para plantar a terra, muito mais importante é que o Ministério Público e a imprensa dediquem-se a examinar essa cadeia dominial.

Sr. Presidente, perdoe-me a franqueza, em qualquer país sério, com imprensa séria, o Presidente da República, sonegador enquanto Ministro da Fazenda, já não seria mais Presidente da República e teria sido execrado pelo conjunto da mídia nacional. Mas, no Brasil, tudo é diferente. A vítima, a bola da vez, é o MST, ao qual presto este pequeno auxílio, acrescentando algo à minha biografia. Se alguém tinha de fazer a denúncia e trazer as provas - e poucas pessoas o fizeram -, fi-lo neste momento.

Encaminho à Mesa para a transcrição integral a cadeia dominial dessa repetida reincidência em sonegação fiscal e a compra de uma propriedade a US$1,98 o hectare, preço que possibilitaria uma reforma agrária farta no Brasil. Porém, parece que só o Presidente da República consegue comprar terras por esse preço no nosso País.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy, que não é do PT cor-de-rosa de São Paulo - essa expressão foi má vontade da Revista Veja -, mas do valoroso PT de São Paulo, do PT da Marta Suplicy, mulher de fibra, com capacidade de decisão e lealdade inquestionável ao seu Partido e às suas propostas.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Requião, estava dirigindo-me ao plenário quando V. Exª iniciou o pronunciamento, mas encontrei o Presidente da Assembléia Legislativa da Paraíba e fiquei preocupado se conseguiria fazer a tempo um aparte. É relevante o pronunciamento de V. Exª, quando observa que a imprensa brasileira resolveu dar guarida, com um ar de escândalo, a uma apuração que o Ministério Público está realizando e que envolve o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Como forma de levantar recursos, essa instituição estaria solicitando a cada cooperativa que porventura tenha acesso a empréstimos de instituições governamentais a destinação de uma parcela da ordem de 3% aos recursos do movimento. Dialoguei com membros da coordenação nacional do MST, como João Pedro Stédile e Gilmar Mauro, no início deste ano ou no ano passado, imaginando, como Senador sempre solidário à causa da reforma agrária e do MST, que esse tipo de denúncia pudesse prejudicar os seus objetivos maiores. Considerei interessante fazer uma recomendação. V. Exª hoje traz uma informação importante, ao dizer que os amigos de todo o Brasil, solidários com a causa da reforma agrária, podem realizar contribuições. É boa a sugestão. Tenha a certeza de que o MST a acolhe de bom grado. V. Exª também citou que Partidos políticos, como o de V. Exª e o meu próprio, o PT, normalmente recolhem uma contribuição, uma parcela de nossa remuneração para as suas finanças.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E, quando no poder, os Partidos recolhem contribuição inclusive dos cargos em comissão.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Considero normal essa contribuição. Há vinte anos estou no PT e contribuo todos os meses com o que dispõe o meu Partido. Às vezes, se atraso alguns dias, eles compreendem e logo após procuro restabelecer. Houve ocasiões em que o Partido, em necessidade, pediu que eu antecipasse minha contribuição, e o fiz. Isso é natural. É bom lembrar que o Parlamentar, ao se candidatar, assina um compromisso. Trata-se de uma tomada de decisão consciente. A pessoa, se quiser ser Vereador, Deputado, Prefeito, Governador, Senador pelo PT, assume o compromisso de dedicar uma parcela do valor líquido, até significativo, para o Partido. Pensando nessa contribuição, fiz a seguinte sugestão ao João Pedro Stédile e ao Gilmar Mauro: em vez de se cobrar na hora de se obter o empréstimo, que se cobre em relação à receita ou ao resultado líquido das cooperativas.

O SR. PRESIDENTE (Moreira Mendes. Fazendo soar a campainha.) - Senador Eduardo Suplicy, desejo apenas alertar o eminente Senador de que o tempo de V. Exª já se esgotou, ultrapassou o triplo do tempo permitido.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, V. Exª, que inclusive falou sobre o tema hoje, compreenderá a relevância do mesmo. Mas, continuando: eles avaliaram como positiva essa sugestão, e acredito que estão analisando a melhor forma de realizá-la. Senador Roberto Requião, nós, tantas vezes juntos, na Comissão de Assuntos Econômicos, examinamos os termos em que são aprovados os empréstimos das mais diversas instituições governamentais, sempre observamos as mais diversas taxas: taxa de administração, taxa disso, taxa daquilo. Mas, é interessante observar -- aqui o faço no mesmo sentido de V. Exª -- que nunca vi os órgãos de imprensa que hoje apresentam essa eventual taxa como se fosse a denúncia de um grande desvio denunciarem, com a mesma conotação, as taxas observadas e registradas por nós na CAE. Inclusive, quando conversei com os membros do MST, muito abertamente, disseram-me que essas taxas correspondem, em parte, à forma técnica, ou seja, para pessoas que tecnicamente têm a responsabilidade de preparar projetos, da mesma maneira como acontece com esses financiamentos que, por vezes, aprovamos. As instituições financeiras e outras também cobram taxas, as mais diversas. Também creio ser importante que V. Exª tenha cobrado rigor no que diz respeito ao próprio registro de propriedade do Presidente da República. O mesmo rigor que se procura ter com as coisas do MST. Tenho certeza de que o MST, hoje, tem uma ação de muita responsabilidade. Eles são os primeiros a procurarem ter o procedimento que seus próprios membros e aqueles que se solidarizam com a causa da reforma agrária, como V. Exª e eu, têm: um procedimento mais transparente e ético possível. Portanto, cumprimento V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Obrigado pelo aparte, Senador Suplicy.

É evidente que a “Direitona” gostaria de ver o MST sem recursos e todos esses agricultores sem terra morrendo à mingua, desorganizadamente, no interior do Brasil. Disponho-me a colaborar com o MST com desconto no telefone, com doações feitas pelo 0800, ou inclusive por desconto no meu salário, da mesma forma que contribuo com a Fundação Pedroso Horta, fundação de estudos políticos do meu partido, que me desconta R$50,00 por mês. O Partido desconta R$300,00.

Penso que poderíamos, eu e V. Exª, Senador Suplicy, iniciar um movimento nesse sentido. Quem é a favor da reforma agrária poderia autorizar o Senado da República ou o Congresso a fazer um desconto de R$50,00 a cada mês no salário, para ser encaminhado ao MST.

É evidente que isso não significa que eu aprovo todas as ações do MST, mas esses R$50,00 poderiam pagar um novo peru a ser depositado na mesa do Ministro da Reforma Agrária, como já aconteceu anteriormente. Faço uma blague em função daquela ação aqui em Brasília, quando apresentaram um peru. E a impressão que se tinha era a de que os Ministros do Governo nunca tinham visto, como disse o Serra, “uma vaca - um carneiro, um peru ou uma galinha - pessoalmente”. Foi a oportunidade de o Governo conhecer um peru ao vivo e em cores.

Mas essa hipocrisia, essa carga em cima do MST pela cobrança dos 3% é rigorosamente ridícula. Procurei demonstrar que nós todos pagamos. O nosso Presidente desconta para o seu partido; eu desconto para o meu; e o MST cobra apenas daqueles que conseguem um empréstimo, que é possibilitado em função da sua força como movimento social e do apoio técnico na sua consecução. Nada de extraordinário nisso, mas vamos suplementar o MST sem que isto signifique, como nada deve significar, um apoio absoluto em plenário. Mas sou a favor da reforma agrária, e sem o MST a reforma agrária teria morrido no Brasil há muito tempo. Insisto no que tenho dito muitas vezes: sem o aperto do MST, o Governo não faria nem o pouco ou quase nada do que está fazendo.

Agradeço o seu aparte e peço ao nosso bravo Carreiro, Secretário da Mesa, que entregue a cópia da cadeia dominial da fazenda do Presidente da República à Taquigrafia, para que ela seja incluída integralmente no meu discurso. São 11 páginas, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO REQUIÃO EM SEU PRONUNCIAMENTO:

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2000 - Página 20259