Pronunciamento de João Alberto Souza em 11/10/2000
Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Preocupações com os vícios constatados no instituto da reeleição, fato que enseja uma reformulação da legislação eleitoral.
- Autor
- João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
- Nome completo: João Alberto de Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ELEIÇÕES.
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
- Preocupações com os vícios constatados no instituto da reeleição, fato que enseja uma reformulação da legislação eleitoral.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/10/2000 - Página 20364
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
- Indexação
-
- APREENSÃO, ORADOR, OCORRENCIA, VICIO, REELEIÇÃO, ABUSO, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, PREFEITURA, INTERIOR, PAIS, DEFICIENCIA, FISCALIZAÇÃO, JUSTIÇA ELEITORAL, COMPROMETIMENTO, CORRUPÇÃO, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, ELEIÇÃO MUNICIPAL.
- DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, PRIORIDADE, ETICA, ATIVIDADE POLITICA.
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no dia 1º de outubro último, o País viveu um momento de grandeza democrática, desde a mais poderosa metrópole até a menor, distante e isolada unidade da Federação: o importante ato cívico das eleições municipais. Nos 5 mil e 600 Municípios brasileiros, o povo foi chamado a escolher entre 15 mil candidatos a prefeito e 370 mil candidatos a vereador, muitos dos quais lutando pela reeleição.
É inegável que o evento representou uma gama de oportunidades para os eleitores avaliarem diretamente os seus futuros representantes, os que aspiravam à continuidade ou os que pretendiam iniciá-la. Pelo voto, os brasileiros tiveram a oportunidade de renovar a bancada das câmaras de vereadores e a direção das prefeituras, elegendo ou reelegendo candidatos probos e varrendo os corruptos e os administradores ineptos.
Para a democracia, é sempre grandioso o momento em que, na simbologia da Atenas de Péricles ou da ágora dos gregos, os cidadãos acorrem a um lugar público com o objetivo de escolher seus representantes, tendo por retaguarda a história de boas ou ruins administrações e após ter ouvido propostas, pronunciado denúncias, apontado abusos, acusado administrações, pesado necessidades e analisado competências. Na descrição de Glotz, no seu A Cidade Grega, quando o povo se encontrava reunido, o arauto amaldiçoava quem quer que procurasse enganar o povo e para que os demagogos não abusassem de suas artes oratórias a assembléia permanecia constantemente sob observação, observação identificada como sendo o “olho” dos deuses (citado por Norberto Bóbbio em O Futuro da Democracia).
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, acompanhei diretamente a campanha que culminou no pleito de 1º de outubro. Observei atitudes, abracei e registrei propostas, analisei resultados. Salvaguardada a beleza do espetáculo da participação popular e enaltecidos muitos sucessos de boa nota, alguns fatos, no entanto, continuaram acontecendo, ofuscando e retardando a caminhada para o pleno amadurecimento da democracia brasileira.
Refiro-me especialmente a acontecimentos propiciados pelo instituto da reeleição. A experiência da reeleição tem concretizado todos os vícios nela já previstos: uso abusivo da máquina administrativa pelos governantes empenhados em novo mandato, fiscalização extremamente deficiente por parte da justiça eleitoral e comprometimento com a corrupção.
A questão assume níveis de aberração e escândalo particularmente nas prefeituras do interior do País, onde é prática encontradiça a aliança entre o chefe do poder executivo municipal, a autoridade judiciária e o delegado de polícia, que constituem o núcleo dominante do poder nas pequenas comunidades. Por força das próprias circunstâncias, essas instituições vinculam-se por meio de ajudas recíprocas. Ligadas por mútuos favorecimentos, acordados não raro à sombra dos interesses do povo e executados livremente graças aos limites próprios das populações pobres e pouco informadas, esses atores da política local agem acima da lei, que interpretam ou desconsideram segundo as necessidades do momento. Não é difícil imaginar o que pode sair de semelhante conúbio: prefeituras imobilizadas pela malversação de seus recursos, povo ludibriado, progresso atravancado, transparência negada, corrupção protegida e sistema de alternância no poder - um dos pilares da democracia - inviabilizado.
Está fora de dúvida que candidatos à reeleição possuem instrumentos poderosos, facilmente disponíveis, dos quais os concorrentes não podem dispor. Nos municípios pequenos, onde a vida pública gravita predominantemente ao redor da prefeitura, dificilmente a oposição ou os concorrentes alternativos têm condições de enfrentar candidatos à reeleição decididos a permanecer no poder. A reeleição em si mesma tende a produzir uma situação de favorecimento aos ocupantes de cargos públicos, de tal forma que, em freqüentes circunstâncias, se torna impossível distinguir o ato legítimo do prefeito da ação ilegítima do candidato.
Esse contexto, aliado à falta de história do País em matéria de reeleição, à tradicional e deletéria visão patrimonialista da coisa pública, alimenta o impulso para a corrupção, porque aumenta as possibilidades da formação de grupos inclinados a se valerem da posição na administração pública para fins desonestos.
Por sua vez, a justiça eleitoral não possui mecanismos de controle suficientes para conter os abusos de poder político e econômico. Não possui mecanismos de controle suficientes, nem o País conta com quadro político bem definido. O panorama partidário é instável. Não há fidelidade partidária, nem compromissos com programas concretos que espelhem uma cosmovisão para o Brasil. “Em suma - como afirmou o Ministro Paulo Costa Leite ao Jornal do Brasil em 10 de julho de 2000 - nós ainda não temos um sistema político bem definido. Estamos ainda num estágio anterior àquele que permitiria exercer o instituto da reeleição com tranqüilidade”.
A reeleição para presidente da República, para governador de Estado e para prefeitos de Municípios com mais de 200 mil habitantes permite certo controle por parte das instituições, da imprensa e da opinião pública em geral. Nos pequenos Municípios, no entanto, tal controle é impossível. Esse fato é compreensível, pois é nesse nível que as paixões se exacerbam e os instrumentos de fiscalização são precários ou inexistem.
Esses problemas são concreta e freqüentemente agravados pela atuação de juízes pouco afeitos ao rigor da imparcialidade e da justiça, não raro abertos a conivências, geradores de desunião, dados a autoritarismos e arbitrariedades e sem pejo em relação a contradições. Semelhante situação projeta como necessária e urgente uma estrutura competente de controle externo do sistema judiciário, para evitar distorções escabrosas na aplicação da justiça, especialmente nesses longínquos e desprovidos interiores brasileiros.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, ao concluir esta fala, quero manifestar minha admiração ao eleitorado brasileiro que atendeu com entusiasmo e esperança à convocação para votar. Ao mesmo tempo, em nome dessa mesma esperança, desse mesmo entusiasmo, até para salvaguardá-los, quero formular um apelo: é preciso que o País encaminhe e materialize, urgentemente, o ensinamento de posturas e valores éticos na política, de modo particular em relação às crianças e aos jovens. Essa será a melhor forma de combater os desvios, a corrupção que ainda, com grande abrangência, se manifesta no processo político brasileiro.
É impossível o respeito à vontade popular - fundamento da democracia - sem ética na política. A ética ensina-se e concretiza-se desde já, por meio da correção de iniciativas casuísticas que se revelaram não adequadas, por meio de uma justiça eficiente, ágil e conseqüente contra a corrupção, por meio de uma cidadania amadurecida, instrumentalizada de meios para exercer o controle do exercício da atividade política. Era isso que já faziam os arautos da Grécia. A eles, hoje, deve ser somada a participação esclarecida do povo, o principal interessado, o construtor básico da democracia.
Salta das urnas, portanto, a necessidade premente de adequar nossa legislação eleitoral, com dimensionamento dos institutos que revelam falhas, no respeito à boa tradição brasileira, à caminhada e às esperanças do povo que evolui a passos largos para uma cidadania de visão nacional, enriquecida pelo regional e fundada no respeito e na solidariedade.
Era o que tinha a dizer.
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