Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o trabalho a ser desenvolvido na condição de relator da reforma do Poder Judiciário, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Considerações sobre o trabalho a ser desenvolvido na condição de relator da reforma do Poder Judiciário, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça.
Aparteantes
Edison Lobão, Francelino Pereira, Geraldo Melo, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2000 - Página 20414
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, JUSTIÇA, BRASIL, OPORTUNIDADE, ATUAÇÃO, ORADOR, RELATOR, REFORMA JUDICIARIA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, IMPORTANCIA, MELHORIA, JUDICIARIO, GARANTIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, AGILIZAÇÃO, EFICACIA, JUDICIARIO, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ADAPTAÇÃO, PROGRESSO, CIENCIA E TECNOLOGIA, ABERTURA, ECONOMIA, GLOBALIZAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, TEMPO, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA JUDICIARIA, PREVENÇÃO, RISCOS, DEMOCRACIA, DEFESA, AUDIENCIA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (STM), TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), TRIBUNAL DE JUSTIÇA, LIDER, ENTIDADE, MAGISTRATURA.
  • ANALISE, PROPOSTA, RENOVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, JUSTIÇA, SUMULA, EFEITO VINCULANTE, RELEVANCIA, MATERIA, CONTROLE EXTERNO, TEMPO, IMPEDIMENTO, ADVOCACIA, JUIZ, POSTERIORIDADE, APOSENTADORIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, atrasos nos julgamentos; ações semelhantes com decisões diversas; legislação processual envelhecida; quantidade excessiva de leis, que são modificadas permanentemente, inclusive por medidas provisórias; códigos legais obsoletos; falta de legislação moderna referente a temas polêmicos, como crimes virtuais, crimes sobre reprodução assistida e outros; tudo clama por urgente reforma do Judiciário.

É por essa razão, Sr. Presidente, à vista de ter sido eu indicado para Relator da Reforma do Poder Judiciário, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que ocupo esta tribuna, porque entendo que a reforma do Judiciário deve ter como finalidade a melhoria da prestação jurisdicional, sem perder de vista a independência e a harmonia entre os três poderes da União. As falhas existentes, sobretudo estruturais, não justificam uma reforma que não resolva seus problemas e que contenha a inaceitável possibilidade de restringir sua soberania, limitada apenas pela Carta Magna.

Por isso, mesmo, Sr. Presidente, trouxe para discussão essa matéria no dia de hoje, a fim de que nos possamos debruçar sobre a nova organização da Justiça. Foi esta Casa, na época da Assembléia Nacional Constituinte, que deixou bastante claro que o Judiciário é o poder responsável pelos direitos fundamentais do homem, o guardião da cidadania. O cumprimento de suas funções constitucionais depende de sua independência, que passa, necessariamente, por sua autonomia administrativa, para que a Justiça seja soberana.

A adaptação à vida moderna exige, há muito, do Judiciário maior agilidade e mais eficácia para enfrentar o novo milênio. Temos leis que datam do século passado e leis cujo conteúdo não se aplica mais aos dias de hoje. Temos leis em excesso, mas incapazes de punir, por exemplo, delitos informáticos ou a lavagem de dinheiro das máfias que traficam drogas e materiais estratégicos. Os crimes tornam-se cada dia mais complexos, como o registro e a pirataria de patentes genéticas de seres vivos e a manipulação da vida, para citar alguns dos que estão sendo discutidos pela bioética.

Em verdade, a esse respeito já se pronunciaram vários Senadores. Lembro-me de que fiz um pronunciamento, se não veemente, pelos menos apontando o caminho, indicando soluções, sobre essa problemática da biopirataria.

Por isso, Sr. Presidente, recordando a crise do Judiciário, verificamos que ela vem sendo discutida há longo tempo por juristas, magistrados, advogados e professores. Atualmente, existe abundante material, que não foi apreciado pelas comissões que tratam da matéria. A abertura da economia, por exemplo, exige legislação apropriada a novas situações que vão surgindo. O arcabouço jurídico do País deve adaptar-se às novas realidades econômicas, sobretudo no contexto internacional. É uma tarefa longa, complexa, que se desdobra em múltiplos planos e que não pode, nem deve, ser resolvida com pressa, apenas para se dizer que o Congresso finalmente votou a Reforma do Judiciário.

Tenho dito, Sr. Presidente, com alguma insistência, que, sendo a problemática estrutural, não se pode pensar numa reforma conjuntural, resolvida com pressa, apenas para se dar uma satisfação aos clamores que, de Norte a Sul, levam o nosso País a reclamá-la. E por que digo isso, Sr. Presidente? Digo isso porque a Constituição de 1988, com sabedoria, amparou novos direitos do cidadão, provocando um maior número de causas na Justiça. Dezenas de milhares de leis, decretos, regulamentos e, agora, medidas provisórias multiplicam-se a cada dia. O cidadão comum não consegue acompanhar essa pletora legislativa, que, concomitantemente, gera insegurança e aumento de causas, estabelecendo inaceitável balbúrdia no sistema jurídico brasileiro.

Todas as vezes - e cito isto apenas como exemplo - que a legislação previdenciária ou administrativa é mudada, aumenta o número de causas recebidas pela Justiça em todo o País, o que demonstra que o Executivo se está apossando da ação legislativa, em função da passividade do Congresso. Foi o que aconteceu recentemente com a aprovação das Reformas Administrativa e da Previdência.

E, aqui, Sr. Presidente, cito um dado estatístico irrefutável: no Superior Tribunal de Justiça, cerca de 60% das causas são oriundas do Poder Público. A revisão da legislação infraconstitucional, em andamento no Poder Executivo, poderá dar um alívio aos membros do Poder Judiciário, tão assoberbados de trabalho.

O número de processos julgados nos tribunais superiores é enorme. Veja V. Exª, Sr. Presidente, que o Superior Tribunal de Justiça em 1989, ano de sua criação, recebeu 6.103 processos e julgou 3.711. O crescimento assustador de causas fez com que esses números subissem, em dez anos - isso é inimaginável -, para 92.107 e, depois, para 101.467. Isso dá uma média, para cada Ministro, de 3.622 processos. Ou seja, foram recebidas aproximadamente 500 mil causas, e 400 mil foram julgadas pelo Superior Tribunal de Justiça nesse período.

Agora veja a comparação, só para que se faça um paralelo: enquanto isso, na Suprema Corte americana, julgam-se 300 processos por ano. E, no entanto, quando é para se elogiar o sistema norte-americano, diz-se que há uma legislação, uma forma célere de se julgar, não se registrando que, entre milhares e milhares de processos na Justiça americana, os magistrados da Corte Suprema resguardam-se apenas para julgar, todos, 300 processos por ano.

Vamos fazer um paralelo com o Supremo Tribunal Federal. Em 1998 - ainda não tenho a estatística de 1999 -, o Supremo Tribunal Federal julgou 52.611 causas.

Sr. Presidente, a Reforma Judiciária precisa tocar nisso a fundo. Temos uma situação quase de caos, para a qual a Reforma do Judiciário necessita encontrar uma solução.

Meus anos de vida pública, como Deputado, como Senador, como Relator do projeto que originou a nossa Constituição vigente, minha passagem pelo Ministério da Justiça, meu mandato como Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e especialmente minha atuação na advocacia - sou da turma de 1954. Portanto, acho que disponho de um cabedal de experiência, ainda que não de erudição, para dizer que essa reforma é urgente, é necessária, é indispensável, mas deve-se ter a devida cautela. Esses anos todos de experiência permitem-me também alertar a população brasileira sobre os riscos de uma reforma feita às carreiras, às pressas. Feita apressadamente, uma tal reforma poderia arranhar o regime democrático que alcançamos com tanto sacrifício.

Vejo dois juristas no plenário, os eminentes Senadores Pedro Simon e Francelino Pereira - sem demérito aos demais e a V. Exª, que preside a Casa -, integrantes também da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Sugeri ali, exatamente para que não se arranhasse o regime democrático, que fossem convidados para trazerem as suas achegas os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Mário Velloso, e do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Costa Leite. Ambos já foram devidamente convidados e, tendo aceitado o convite, comparecerão à reunião da Comissão de Constituição e Justiça do próximo dia 24, uma terça-feira - o primeiro falará às 10 h e o segundo, às 11 horas.

A Comissão ainda aprovou a vinda dos presidentes do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior do Trabalho, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça e, por sugestão do eminente Senador Francelino Pereira, será convidado um dos líderes das classes ligadas à magistratura.

Por que foram feitos esses convites Sr. Presidente? Porque é preciso humildade para admitir que as grandes inteligências do País devem ser ouvidas antes de uma decisão definitiva do Congresso Nacional.

A nova organização da Justiça, Sr. Presidente, passa por alguns tópicos importantes, como, por exemplo, a súmula vinculante, que proíbe o julgamento de processos que tratem de temas que o Supremo Tribunal Federal já tenha julgado. No entanto, a reforma que veio da Câmara se esqueceu de dar também ao Superior Tribunal de Justiça os efeitos da súmula vinculante. Evidentemente que nós, no Senado, como câmara revisora, devemos, se não corrigir, pelo menos ampliar para o Superior Tribunal de Justiça.

Há também um tópico que ficou conhecido como repercussão geral. É a chamada relevância. O que é isso, Sr. Presidente? Um processo pode ter prioridade de votação no Supremo Tribunal Federal se ficar provado que a matéria é constitucional e alcançou uma repercussão geral no País. Assim acontecendo, temos que dar ao Supremo Tribunal Federal - como está sendo dada - a chamada repercussão geral. Com isso, evitar-se-á que algumas causas de grande repercussão no País sejam decididas no plano inferior, no juízo de primeiro grau, de maneiras distintas. Essa será, Sr. Presidente, mais uma análise sobre a qual o Senado terá que se debruçar.

A quarentena também é uma questão importante. Hoje, um juiz que se aposente do tribunal do seu Estado, no dia seguinte, passa a advogar perante o mesmo tribunal. Ora, Sr. Presidente, é claro que isso o põe em situação privilegiada, especial, pois se até a tarde anterior ele tomava chá com seus colegas, poderá fazê-lo no dia seguinte. Essa quarentena não proibiria que um juiz aposentado advogasse em qualquer lugar do país, apenas estaria ele impedido, durante três anos, de advogar junto ao tribunal que integrava. Ou seja, ele vai exercitar a advocacia, devidamente inscrito na OAB, mas terá que respeitar uma quarentena de três anos antes de começar a advogar perante o tribunal do qual era membro. Um ministro do Supremo Tribunal Federal que se aposente, por exemplo, não vai poder advogar causas junto ao STF antes de passada essa quarentena de três anos.

Outro assunto relevante é o controle externo, Sr. Presidente, que nada mais é do que aquilo que se convencionou chamar de Conselho Nacional de Justiça. Hoje não há quem não reconheça a necessidade desse controle externo. O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Mário Velloso, fala no controle de qualidade. Já existe até uma sugestão relativa à composição que teria esse conselho controlador: um ministro do Supremo Tribunal Federal; um ministro do Superior Tribunal de Justiça; um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador do Tribunal de Justiça; um juiz estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal; um juiz do Tribunal Regional do Trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público estadual; dois advogados e dois representantes da sociedade civil.

Esses dois representantes da sociedade civil, Sr. Presidente, pelo projeto que veio da Câmara, deverão ser escolhidos, um pelo Senado e outro pela Câmara. Tal procedimento levaria - chamo a atenção para isso - a comentários de que, na hora de escolher esse conselho, haverá o chamado espírito de corpo para que se eleja um senador e um deputado que não conseguiram vencer as eleições. É preciso ter cuidado com relação a isso.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Ouço o Senador Francelino Pereira.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Meu caro Senador Bernardo Cabral, V. Exª, que todos conhecemos muito bem, dispensa os elogios que fazem parte das gentilezas desta Casa. Limito-me, portanto, a dizer que a vocação de V. Exª, que vem da sua ancestralidade no campo do Direito, faz com que a Comissão de Constituição e Justiça, que integramos, busque sempre o seu nome e, mais do que isso, o seu renome, para tarefas dessa magnitude. A relatoria da reforma do Poder Judiciário é da maior responsabilidade, pois essa instituição, a do Poder Judiciário, sempre foi tida como um corpo respeitado, íntegro, a tal ponto que nós, ainda durante nossa formação jurídica, nas nossas faculdades de Direito, aprendemos que não se conversa com ministro, juiz ou magistrado para solicitar sequer o aceleramento da tramitação de projetos; os magistrados eram inabordáveis.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Só falavam nos autos.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Falavam apenas nos autos e isso era uma tranqüilidade. Depois, o país foi se abrindo e essas entidades também participaram dessa abertura. A legislação se multiplicou de tal forma que permitiu inclusive a abertura para a corrupção ou atitudes duvidosas. Esse estado de coisas suscitaram dúvidas e apreensões na sociedade brasileira. E esta Casa teve a iniciativa de abrir ainda mais o debate em torno do funcionalismo da magistratura brasileira por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que trouxe soluções básicas para o debate e também preocupações para a própria instituição e para os próprios magistrados em particular. Por este motivo, o Relator de um projeto dessa natureza tem que ter dimensão intelectual, caráter e conhecimento da matéria. Além disso, essa dimensão e conhecimento devem ser conhecidos pelos próprios integrantes da instituição. Daí por que nós outros olhamos com respeito e humildade a tarefa de V. Exª, que lhe confere uma responsabilidade que chega quase à dramaticidade. Espero, portanto, que a reforma do Poder Judiciário, que passa por suas mãos, alcance no Congresso Nacional, particularmente no Senado Federal, os melhores caminhos possíveis e as melhores soluções. Não pode haver preocupação em relação à possibilidade de matéria retornar ou não à Câmara dos Deputados. Importa é que a matéria seja debatida e concluída com o apoio e a compreensão da sociedade brasileira. Parabéns a V. Exª pelo exercício penoso dessa tarefa. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Francelino Pereira, V. Exª tem razão quando fala que esta reforma tem que tornar o poder jurisdicional operante, seguro, eficaz. Tem razão ainda quando diz que não se deve ter medo de que possa a matéria retornar à Câmara dos Deputados. E V. Exª tem razão exatamente porque, sendo esta Casa câmara revisora, ela não se pode transformar em um tabelionato para apenas reconhecer a firma e autenticar o que vem da Câmara. E diz V. Exª com a segurança de quem foi Governador da potencialidade que é Minas Gerais, de quem é advogado, de quem foi Deputado Federal e exerceu cargos fora de qualquer outro relance que não estivesse sempre voltado ao espírito público. V. Exª, ao longo do desempenho dos seus mandatos, neles entrou modestamente em termos financeiros e deles tem saído cada vez mais modesto. Portanto, tem a seriedade que matéria dessa magnitude requer.

Claro que agradeço a V. Exª as palavras que, sem dúvida nenhuma, são timbradas pela generosidade, já que temos convivido ao longo de mais de 30 anos e, portanto, um sabe quem o outro é. Agradeço, a V. Exª pelo aparte.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Tenho o privilégio de ouvir o Senador Pedro Simon, que, como V. Exª, Senador Francelino Pereira, também foi Governador de Estado, Ministro, é advogado e muito me honra com o seu aparte.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Nobre Senador Bernardo Cabral, estamos em uma sexta-feira 13 e, neste dia, V. Exª aborda um dos assuntos mais importantes que esta Casa terá pela frente nos próximos dias. Confesso que me tranqüilizou muito a escolha da sua pessoa para Relator dessa matéria. Ficaria aqui longo tempo para mencionar as causas pelas quais me tranqüilizei. V. Exª é um jurista, é um advogado militante de longo período, das boas e más horas, na democracia e no regime militar, e foi um advogado militante sem seus direitos políticos, começando lá debaixo, quando praticamente só com muita qualidade e respeito um advogado, sem os seus direitos políticos, conseguia atrair clientes. Foi também Deputado Relator da Constituinte, foi Presidente da OAB e, em um dos momentos mais difíceis, foi Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Não há dúvida, portanto, de que V. Exª é um grande jurista, mas, além disso, tem a capacidade, tem a competência e tem a experiência por onde já passou. Existem divergências entre o Poder Executivo e o Judiciário. E divergências sérias: a medida provisória, o vencimento da magistratura. E V. Exª foi Ministro da Justiça, tendo acompanhado, como Ministro da Justiça, o relacionamento entre os Poderes. Além disso, também sabe, como eu, que são vários os pontos de divergências profundas entre a OAB e a Justiça, o Poder Judiciário. Em várias questões o Judiciário assume uma determinada posição e a OAB, por sua vez, assume outra radicalmente contrária. Portanto, é difícil encontrar uma pessoa que reúna tantas qualidades e tantos atributos, que conheça tanto a matéria e que tenha tanta possibilidade de diálogo na Casa, no Judiciário, no Executivo, com nossos colegas advogados militantes, quanto V. Exª. Por esses motivos é que fico tranqüilo com o nome de V. Exª relatando essa Comissão. E digo isso porque confesso que não gostei da forma com que este assunto tramitou na Câmara dos Deputados. Tenho o maior respeito pela Câmara dos Deputados, onde se encontram inúmeros juristas da maior grandeza, da maior capacidade, da maior competência. Mas a verdade, é que essa matéria tramitou de uma maneira que não me pareceu a melhor. Todos sabemos que o Presidente Antonio Carlos Magalhães teve um desentendimento com o Judiciário e, como fruto desse desentendimento, S. Exª defendeu a criação de uma CPI sobre o Judiciário. Isso criou uma situação de impacto. Eu, por exemplo, não assinei o requerimento para a criação da CPI. Fiz parte da CPI, participei da mesma, mas, na hora de assinar, fiquei com aquela dúvida sobre o artigo da Constituição que fala em poderes harmônicos e que merecem respeito recíproco.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Nobre Senador, saiba V. Exª que eu também não apus a minha assinatura.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Veja V. Exª, nobre Senador Bernardo Cabral, que quando, por instinto, estou na mesma posição que V. Exª, é porque realmente tenho que agradecer a Deus. Mas saiu a comissão. E aqui entre nós: o trabalho desenvolvido na comissão foi impressionante, foi como caminhar em cima de ovos ou andar sobre um fio de arame sem sombrinha. Mas a comissão teve muita competência em levar os trabalhos. O problema é que a criação daquela comissão gerou também um atrito com a Câmara dos Deputados. E para responder à criação daquela comissão, que o Presidente da República desaconselhou, o Presidente do Senado, diante desse desaconselhamento, manifestou estranhamento, porque, segundo S. Exª, foi o Presidente da República quem o estimulou a apresentá-la. Isso criou uma situação muito delicada, muito desgastante. Como fruto disso, foi aprovada na Câmara dos Deputados a criação da Comissão da Reforma do Judiciário, que trabalhou concomitantemente com a CPI daqui. Entretanto, várias vezes, os assuntos que predominavam na Comissão da Câmara não eram os mais necessários e mais importantes ao Judiciário; eram sobre as manchetes dos jornais. Nós, da CPI do Judiciário, no Senado - eu fui um dos que disse isto -, entendíamos que se deveria aproveitar o andamento de seus trabalhos para analisarmos o desgaste, o equívoco e aquilo que não estava funcionando bem naquele Poder, a fim de passarmos esses dados para a Comissão da Reforma do Judiciário na outra Casa. Entretanto, parece que essa idéia não surtiu efeito. Por isso, entendo que o seu trabalho vai ser muito difícil, muito complexo, muito delicado e de muita responsabilidade. V. Exª terá que ler, reler e estudar o projeto que vem da Câmara - com o respeito que merece um projeto que vem daquela Casa -, mas vai ter que se aprofundar muito naquilo que, lamentavelmente, o projeto não atingiu. Acompanhei o projeto e, na minha opinião, em termos de reforma do Judiciário, itens diferentes devem ser analisados. O primeiro deles é o combate à impunidade. A realidade hoje é que a impunidade existe e, vamos reconhecer, está em todos os níveis do Judiciário. Mas, na verdade, a nossa legislação, o desenvolvimento do processo penal, a existência do inquérito policial fazem com que aconteça o que está aí: quem tem um bom advogado e quem é importante não vai para a cadeia. Empurra-se o processo por um, dois, dez anos e nada acontece. Acredito que as questões são profundamente delicadas. Tenho o maior respeito pelo Judiciário, mas, às vezes, fico um pouco magoado, pois vejo aquele Poder preocupado - e com razão - com a questão dos vencimentos, com algumas questões internas, mas não o vejo magoado com a falta de possibilidade de exercer a sua missão, em função das dificuldades que se apresentam por variadas razões. Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª foi Relator da Constituinte - uma atribuição muito importante -, entretanto, acho difícil que V. Exª tenha encontrado um papel tão importante, significativo e responsável como esse que tem pela frente. Com muita modéstia e sinceridade, gostaria de ser um soldado de V. Exª. Coloco-me à sua disposição, porque, à margem da minha falta de capacidade jurídica, comparando com a de V. Exª...

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Não apoiado.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - ... tenho a vontade, a paixão, o respeito por essa preocupação. Estou me aventurando e defendendo algumas teses e, inclusive, propondo novas posições que, talvez, eu venha a concorrer. Eu sempre digo que os dois princípios que considero básicos e que, se eu chegasse lá, defenderia são a ética e o combate à impunidade. Não há como combater a impunidade - e V. Exª sabe melhor do que eu - se não tivermos, no Judiciário, uma reforma clara e precisa, como teve em outros países. Na Itália, nos Estados Unidos, no Japão, roubar dinheiro público leva para a cadeia. O último presidente do Banco Central japonês está na cadeia e o penúltimo não está porque deu um tiro na cabeça. Com toda a democracia espetacular e a liberdade que se tem nos Estados Unidos, ao se fraudar o imposto na loja, aparecem dez carros de polícia, fecham a loja e levam todo mundo preso, e não há advogado, nem ninguém que altere essa situação, porque, naquele país, crime de sonegação é a coisa mais grave que existe. Então, penso que está nas mãos de V. Exª, nesse caso tão significativo, fazer alterações tão profundas e necessárias para mudar o Brasil. Não se muda o Brasil sem ética, sem colocar na cadeia os importantes, para que não se diga, como se está dizendo agora, meu querido Senador, que a corrupção é endêmica no Brasil e que o brasileiro nasceu corrupto. Isso não é verdade. O brasileiro é um homem sério. Agora, vendo os homens importantes, a elite fazer o que quer sem acontecer nada, faz com que o crime, praticamente, seja impunível no Brasil inteiro. Quero manifestar, nesta sexta-feira 13, a minha emoção em vê-lo na tribuna, a minha alegria e a minha tranqüilidade em tê-lo como Relator. A partir de agora, durmo tranqüilo. Quem não dorme tranqüilo é V. Exª, porque, como Relator, tenho certeza que fará o possível e o impossível; irá de Poder em Poder, debaterá com quem for necessário para, no final, na minha opinião, à primeira vista, fazer um substitutivo, que deverá voltar à Câmara dos Deputados. Com todo respeito à Câmara dos Deputados, ela haverá de atender, porque agiu com uma fórmula e num momento complicado, de horas difíceis e de divergência que não foram levadas para o lado de um entendimento que deve ser buscado, mas para o lado da conta de votos contra e a favor. V. Exª haverá de dialogar, de conversar. Tenho certeza de que a grande oportunidade e o momento que precisamos para iniciar a reforma das mudanças da nossa sociedade estão nas mãos de V. Exª com essa legislação, que deve mudar muito e ter profundas alterações. Se V. Exª me perguntar o que considero mais importante, respondo que é estabelecer uma legislação que não dê chances nem para procurador, nem juiz, nem deputado ter desculpas para não se punir, para não se executar a lei. Vamos fazer uma legislação tão clara e precisa como têm outros países, para que a impunidade não mais aconteça. É com emoção que dou, do fundo do meu coração, um aparte de amor, de alegria, afeto e esperança na competência, na dignidade, na honradez e na capacidade de V. Exª como Relator de tão importante matéria.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Sr. Presidente, Nabor Júnior, peço a V. Exª que tenha um pouco de tolerância - antes de ouvir o eminente Senador Geraldo Melo, que não quis assumir a presidência para me dar o seu aparte - para que eu possa responder ao eminente Senador Pedro Simon. Sei que V. Exª concordará.

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - V. Exª poderá continuar discorrendo sobre esse importante tema que está abordando na sessão de hoje.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Pedro Simon, V. Exª tem um crédito enorme comigo, não só porque tem a capacidade de me emocionar, mas porque já tivemos, pari passu, lado a lado, em muitas campanhas; campanhas que o Brasil deve ter colocado na sua coluna de débito a favor de V. Exª. A última em que estivemos juntos foi a que promoveu a reunião para ouvirmos os juízes que vieram da Itália falar sobre a Operação Mãos Limpas. É uma pena que a mídia dê publicidade - e eu não posso julgar quais as razões que a levam a isso -, dê destaque somente ao lado negativo do que acontece no País. Sobre o lado positivo, nós não vemos a mídia falar nunca - seja a mídia impressa, falada ou televisionada. Não a vemos abordar um assunto como a Operação Mãos Limpas, em que tanto juízes como membros do Ministério Público - e ali se confundem, porque uns podem ir para uma carreira e voltar para outra - têm o poder de requisitar, de fazer perícias, enfim, de acabar com a lentidão da nossa Justiça e de dar passos céleres para a solução de casos. V. Exª tem esse crédito comigo e espero resgatá-lo no instante em que V. Exª se oferece, espontaneamente, com um enorme cabedal jurídico, para ajudar este seu companheiro.

É claro que, desde já, sinto-me um pouco mais tranqüilo com esse fardo pesado, porque, se não sou Jesus, pelo menos tenho um Cirineu para me ajudar a carregar essa cruz. Esteja certo V. Exª de que, quando cito a CPI do Judiciário - na qual ambos não apusemos nossas assinaturas -, eu o faço porque, apesar de alguns casos de abuso de poder e até de corrupção apontados por ela, considero a magistratura objeto de relativamente poucas acusações desse calibre por parte da sociedade. É por isso que quando V. Exª e eu registramos que o que mais caracteriza a Justiça atualmente é a lentidão, é porque essa reclamação reflete o que diz a sociedade, e aqui teria de ecoar, como ecoam as vozes dos que clamam por uma justiça melhor.

Por isso, no começo eu enumerava as autoridades que serão convidadas, e deixei para citar, no fim, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, uma entidade chamada de corporativista, que vem lutando há décadas pela reforma do Poder Judiciário. Não raro ela sofre críticas do poder político, mas, como Presidente que fui da OAB, posso dizer que é no auge da repressão aguda que a ela emerge mais na defesa da sociedade. Hoje, com a democracia posta a descoberto, a OAB se recolhe, mas nem por isso poderia deixar de convidar o seu Presidente, Dr. Reginaldo Oscar de Castro, para vir, junto com os Presidentes dos Tribunais Superiores, dar aqui a sua contribuição.

Temos que resolver todos esses problemas, mas com cautela. Como V. Exª disse, Senador Pedro Simon, não pode ser a toque de caixa, ou esporeado, como dizia o velho Rui Barbosa, pela pressa. Temos que ouvir os interessados, inclusive a sociedade; temos que trazer para esse processo a colaboração de todos, temos que ouvir para, depois, chegarmos à nossa conclusão, e aí sistematizaremos. Não é a opinião do Presidente do Supremo ou do Presidente da OAB que vai prevalecer, mas o conjunto da decisão que o Senado tomar, no que for melhor para a sociedade. 

E é por isso, Sr. Presidente, que ouço, com muita alegria, o Senador Geraldo Melo, que também traz a experiência de Governador do seu Estado.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Senador Bernardo Cabral, em primeiro lugar, agradeço ao Senador Nabor Júnior, que está presidindo a sessão neste momento, pela generosidade com que nos permite prosseguir na discussão desse tema, que, sem dúvida nenhuma, fere um dos problemas e uma das ansiedades mais difundidas no espírito do povo brasileiro e da sociedade do nosso País. A importância do Poder Judiciário, a importância da existência de uma Justiça na qual o cidadão possa confiar é tão essencial à existência da democracia como é o conjunto de direitos de manifestação, o conjunto de garantias de que dispõem os cidadãos, que se tornaria inócuo se não houvesse a segurança de que há uma justiça para tutelar e assegurar a cada um os direitos que estão inscritos na Carta Magna. Mas não é só em relação a isso. O Poder Judiciário, o aparelho judiciário, na minha visão, é um instrumento que a sociedade construiu, ao longo dos séculos, para servir a ela própria. Recebo, com muita alegria, a notícia de que V. Exª é o Relator dessa matéria no Senado Federal, alguém que ao conhecimento jurídico, à cultura jurídica, respeitada pelo País inteiro, associa a cultura da vida, aquilo de que nos falava o poeta, “o saber de experiência feito”, o conhecimento da vida, que, na sua atividade de homem público, foi acrescendo a cada dia. Não poderia ser para mim mais alvissareira a notícia de que está nesse tipo de mão, nesse tipo de cidadão, nesse tipo de jurista a responsabilidade de relatar a reforma do Judiciário no Senado Federal. Tanto que me atrevo a entrar no debate entre dois juristas - V. Exª e o Senador Pedro Simon - sendo eu apenas um cidadão que acompanha, como os demais, com atenção, com interesse, com responsabilidade e com esperança a discussão dos assuntos de relevo para o nosso País. V. Exª menciona, de um lado, a lentidão, que é realmente uma doença cruel da Justiça brasileira, e o Senador Pedro Simon se refere à importância de por fim à impunidade.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Porque uma leva à outra.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Uma levando à outra. Atrever-me-ia a dizer, começando pela questão da impunidade, que o Senador Pedro Simon fala muito, com aquela veemência que o caracteriza, com aquela autoridade, inclusive moral, que tem, sobre a necessidade de se punirem todas as pessoas que agridem, que saqueiam o Estado. E eu queria dizer que acredito que é necessário incluir, nos objetivos da punição, para o fim da impunidade, a punição também do Estado. Temos um aparelho judicial, toda uma estrutura jurídica, no País, voltada para proteger o Estado, e, muitas vezes, para proteger o Estado contra o cidadão. Veja V. Exª que tudo começa no duplo grau de jurisdição. Na ação que envolve o interesse do Poder Público, em que o Estado é parte, se de um lado está o Estado, com todo o seu poder, com toda a sua autoridade, com toda a máquina que o estrutura, às custas da sociedade, de outro lado está o cidadão comum. Se o cidadão for perder a ação na primeira instância, trate de recorrer dentro dos prazos, porque, se não recorrer, ele perde, e perde definitivamente.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Para o Estado, às vezes, é em dobro, triplicado e quadruplicado.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - O Estado não precisa se preocupar com isso. Embora tenha advogados e procuradores pagos pela sociedade, ele não precisa se preocupar, porque o juiz, na primeira instância, recorre da própria decisão quando ela é contra o Estado - porque a decisão contra o Estado tem que passar pelo duplo grau de jurisdição. Como a decisão foi na primeira instância, vai automaticamente para a segunda instância - se for contra o Estado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - É recurso ex officio, V. Exª tem razão.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Se for contra o cidadão, ele que trate de recorrer. Quanto aos prazos, se o cidadão tiver cinco dias, o Estado terá dez, no mínimo, podendo ter quinze ou vinte. Na verdade, associa-se a isso o conjunto de manobras que está à disposição do Estado, que leva a uma violência que se confunde com o esbulho. Se olharmos para o problema do ponto de vista do Estado, veremos que ele provoca toda essa indignação a que assistimos todos os dias. Do ponto de vista do cidadão, daquele que questiona algum direito contra o Estado, se ele ganha em todas as instâncias, até a instância final - e, seguramente, ele levou vinte anos para chegar a ela -, é porque o Estado o estava privando de algum direito e a Justiça deu-lhe ganho de causa contra o Estado. A moda, agora, para protelar a prestação jurisdicional, para protelar o cumprimento, pelo Estado, da sua obrigação, é a ação rescisória. A mais brutal agressão que eu vi, até agora, contra o direito individual, no Brasil, foi a ação rescisória com efeito suspensivo: sai-se da instância inicial, no processo judicial, vai-se até a instância final, ganha-se uma ação contra o Estado no último tribunal - a mais alta hierarquia que houver no Poder Judiciário -, e um procurador qualquer do Estado entra com uma ação rescisória. E o simples fato de entrar ele com essa ação, pedindo o efeito suspensivo da decisão da mais alta Corte do País, dá ao despacho que for proferido no seu requerimento o direito de sustar a eficácia de decisão que, ao longo de vinte anos, a parte esperou fosse tomada. Para mim, isso é um abuso, uma agressão e um insulto que não poderia ter sido praticado contra o cidadão. A ação rescisória, sem que nenhum fato novo a justifique, é um recurso protelatório ao qual o Estado recorre abusivamente, porque essa é uma orientação dada, sistematicamente, em todas as hierarquias do Poder Público: perdida a ação, deve-se entrar com ação rescisória. E para quê? Para que se reinicie um processo, discutindo o que já foi discutido e pedindo julgamento sobre o que já foi julgado. Esse tipo de abuso, Senador Bernardo Cabral, acredito que V. Exª abolirá, como tenho certeza de que V. Exª verá outros aspectos. Por exemplo: o que pode estar causando mais lentidão à Justiça do que o excesso de demandas judiciais desnecessárias? A ação rescisória a que me refiro, por exemplo, é uma postura abusiva do Estado que serve para atravancar o andamento da Justiça, para que se faça, de um lado, conferência da fluidez do processo judiciário, mas, de outro lado, atravanca a mesa dos juízes. Um outro aspecto, Senador Bernardo Cabral, é a Justiça a serviço dos credores, a serviço dos banqueiros. Tivemos, na fase final do período inflacionário, no início da fase de estabilidade econômica no nosso País, e ainda temos hoje - por sermos um País que o permite, que não põe na cadeia -, uma agiotagem institucionalizada, que chega a cobrar 10, 12, 15% de juros ao mês, por instituições oficiais. E isso com a moeda estável! O Senador Pedro Simon nos está dizendo que está pagando 12% ao mês ao Banco do Brasil. Foi comum, na vida diária, a divergência entre o valor cobrado pelo banco e o valor reconhecido pelo devedor. E o que fizeram os bancos, sistematicamente? O que fizeram esses agiotas, sistematicamente? Foram à Justiça executar uma dívida cujo valor estava sendo discutido pelo devedor. O mínimo que se pode dizer sobre essa dívida cujo montante estava sendo discutido é que ela não era líquida e certa. No entanto, chegando à propositura da ação executiva, não há como ela não ter andamento. E a ação executiva, na minha visão, Senador Bernardo Cabral, é um dos instrumentos mais violentos de que dispõe a Justiça, porque põe à disposição de um credor, freqüentemente privado - a loja de brinquedos que vendeu a prestação ou o banco que emprestou dinheiro e que agora está cobrando -, o poder de polícia do Estado. O poder de polícia é posto à disposição do banco para que, no caso de não-pagamento pelo executado, ele possa tomar os bens e ficar com eles. A execução, portanto, é uma medida extremíssima e, quando se dá em torno de dívidas cujo valor é discutível, quando a execução não é pertinente, deveria ensejar uma punição severíssima para quem tomou a iniciativa sem ter em mãos um crédito líquido e certo. Isso não acontece e por isso se fala na lentidão do Judiciário, que está abarrotado de ações de execução imotivada, de execução que não atende sequer às exigências formais do processo executivo. Portanto, Senador Bernardo Cabral, primeiramente, veja com que esperança olho para o que vai ocorrer nesta Casa, sendo V. Exª o maestro de toda essa transformação. Veja, Senador Bernardo Cabral - nos exemplos que acabo de dar, nas casas deste País, nas pessoas que estão lidando com a vida real aí fora, no seu dia-a-dia, nas questões que dizem respeito à sua vida, ao seu direito, nas pessoas que se sentiram esbulhadas pelo Estado, que se sentem massacradas pelo poder absoluto do sistema financeiro -, o quanto de esperança V. Exª terá que recolher, e seguramente o fará, transformando-a num ganho real para as pessoas que sonham com ela neste País. Obrigado a V. Exª e desculpe-me por ter-me alongado tanto, mas é o fascínio do tema e é a certeza de que V. Exª saberá construir uma nova e luminosa realidade numa questão tão importante.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Geraldo Melo, no seu aparte não cabe vírgula, porque eu teria de acrescentar mais alguma coisa; nem cabem dois pontos, porque os dois pontos seriam uma continuação. A única coisa que realmente o seu aparte merece é um ponto final, pois se colocarmos mais um sentido vertical, o ponto final é o lado exclamatório. E o lado exclamatório nos leva ao silêncio. E o que é o silêncio? É o clamor de tudo aquilo que não fala.

Estamos, portanto, de acordo com o que V. Exª disse, e é evidente que, resguardadas as palavras que o seu coração dita ao companheiro, devo dizer que parte do seu pronunciamento é de procedimento processual, que a Casa deverá enfrentar no momento oportuno.

Veja, Sr. Presidente Nabor Júnior, como V. Exª tinha razão em retardar um pouco o encerramento desta minha despretensiosa fala. Sou de um Estado em que existem muitos rios. Alguns são muito fracos no seu início, mas, à medida que vão recebendo águas emprestadas, esses rios vão engrossando, vão-se tornando caudalosos. Era o meu pronunciamento no início. Fraco, despretensioso; com os apartes foi-se tornando caudaloso, foi enriquecido pelas manifestações dos que aqui se ouviram, todos unânimes que queremos uma Justiça moderna, rápida, eficiente, capaz de dar ao jurisdicionado o que ele aguarda e merece. Aquele que busca a Justiça, que pede que lhe reconheçam um direito não pode ficar esbarrando naquilo que o Senador Geraldo Melo registrou: 60% do que atravanca a Justiça são os recursos feitos pelo Estado, meramente protelatórios - mas isso é uma conseqüência do procedimento processual.

Sr. Presidente, a reforma do Judiciário terá que ser feita com cautela.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me concede um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Essa cautela não exclui que eu ouça o Líder do meu Partido em exercício, o eminente Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Bernardo Cabral, quando o Senador José Agripino, com os nossos aplausos, escolheu V. Exª para ser o Relator desse projeto, S. Exª o fez na segurança de que estaria em muito boas mãos esse projeto de fundamental importância para toda a sociedade brasileira. A Justiça, no passado, dizia respeito - parecia - a uma pequena classe da sociedade brasileira, a chamada elite. Hoje, a prestação jurisdicional espraia-se por todos os segmentos e estamentos da sociedade brasileira. Acaba de dizer V. Exª que o Estado é realmente aquele que mais se vale da Justiça, que mais demandas oferece ao Poder Judiciário, daí estarem os Tribunais Superiores com milhares e milhares de causas por julgar - não há tempo para se fazer, no devido momento, o julgamento dessas causas. Mas uma de duas: ou se encontra agora uma solução - e V. Exª é o responsável, o condutor dessa solução - ou então virá a desesperança no lugar da esperança de que nos fala o Presidente desta Casa. Portanto, V. Exª tem, em suas mãos, uma responsabilidade imensa, e haverá de dar conta dela - não tenho dúvida -, pela competência, pelo patriotismo e até pela larga experiência na matéria. V. Exª foi o Relator da Constituição atual e fez um trabalho brilhante, não poderia ter feito melhor diante das circunstâncias. Sobre os juros, por exemplo, ao tempo em que a Constituição fala em juros de 12% ao ano, os bancos, abusivamente, cobram 12% ao mês - ou mais. É preciso que se encontre, portanto, uma solução real para o problema. Eu não diria que os bancos devam ser engessados no que concerne aos juros, fixando-se-lhes um teto, porque a economia, por ser dinâmica, muitas vezes promove situações diferentes. Mas é preciso que se encontre uma solução: se não pode ser o mínimo, que não seja o máximo! O fato é que são exatamente os juízes, hoje, os que mais reclamam uma legislação adequada, correta, realista, que possa ser capaz de devolver-lhes o prestígio que, paulatinamente, vão perdendo em razão do acúmulo de processos nas prateleiras dos Tribunais. Portanto, as preocupações de V. Exª - como Relator, membro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, eminente Senador desta Casa - são também as nossas. Pode ficar certo V. Exª de que estaremos como acólitos de V. Exª nessa tarefa hercúlea da qual haverá de sair com brilhantismo, como sempre fez.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Edison Lobão, ao agradecer o aparte de V. Exª e, portanto, concluir - o eminente Senador Presidente Nabor Júnior já concedeu a este modesto Orador uma hora, uma homenagem ao Judiciário, mais a ele e à sua reforma do que ao que ocupa a tribuna -, quero destacar uma palavra de V. Exª e uma outra do Senador Geraldo Melo. A de V. Exª, a esperança; a do Senador Geraldo Melo, a insegurança. Realmente, quando o Senador Geraldo Melo fala na insegurança do Estado, S. Exª está apontando a segurança do Estado para a insegurança do indivíduo. É verdade. O Estado se lembra dele, procura se valer de medidas só para ele e esquece o lado humano, o ser humano. V. Exª chama o ser humano para a esperança e não quer que essa esperança seja uma frágil aspiração em trânsito para o desencanto. Porque se for uma simples e frágil aspiração em trânsito para o desencanto, a esperança desse ser humano redundará, sem dúvida nenhuma, naquilo que sempre se disse: “Meu Deus, por que eu não mereço coisa melhor!?”

E V. Exª não será um acólito, Senador Edison Lobão. V. Exª será, assim como os demais companheiros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, co-responsável pelo trabalho. E se nele houver algum brilho, será creditado a V. Exª; se houver alguma parte que não mereça senão um lado esmaecido, este deverá ser creditado a mim.

Por isso, Sr. Presidente, agradeço, de viva voz, a V. Exª pela sensibilidade que teve de não buscar no Regimento frio do Senado Federal a forma de estancar a voz, que é a voz da sociedade, por uns dias melhores no Poder Judiciário. Sobretudo, Senador Nabor Júnior, porque V. Exª é lá do Norte, e o Norte geralmente sofre mais os rigores de uma Justiça mais lenta do que o Sul. Não porque os juízes de lá não tenham a mesma capacidade, a mesma inteligência. Mas porque lá sempre é muito mais difícil julgar aquilo que vem do interior do Estado, que padece horas e horas em lancha, sem avião que leve, sem os recursos que possam ser recheados pelo que há de mais moderno. Por isso, V. Exª tem essa sensibilidade, que eu junto à dos Colegas que me apartearam. Podemos dar o primeiro passo, Sr. Presidente, para que essa reforma continue.

Sr. Presidente, se os chineses inventaram a máxima de que "é com o primeiro passo que se começa uma longa marcha", o Senado, hoje, está reformulando esta legenda para dizer que "não é com o primeiro passo, mas com a decisão que antecede o primeiro passo que se dá uma longa caminhada". E essa decisão está sendo antecedida, no dia de hoje, dos apartes com que os meus companheiros me honraram.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/2000 - Página 20414