Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem póstuma ao Dr. Ulysses Guimarães, no transcurso do 8º aniversário de seu falecimento.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma ao Dr. Ulysses Guimarães, no transcurso do 8º aniversário de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2000 - Página 20427
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE MORTE, ULYSSES GUIMARÃES, DEPUTADO FEDERAL, ELOGIO, ATUAÇÃO, BENEFICIO, DEMOCRACIA, BRASIL.
  • CRITICA, FALTA, PRESERVAÇÃO, HISTORIA, MEMORIA NACIONAL, DESVALORIZAÇÃO, VULTO HISTORICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ontem, 12 de outubro, foi o Dia de Nossa Senhora Aparecida. Ontem, 12 de outubro, foi o Dia da Criança. Ontem, 12 de outubro, foi o dia em que se completaram oito anos do desaparecimento de Ulysses Guimarães.

Há oito anos, na madrugada, a imprensa noticiava que, desde o final da tarde daquele domingo, o avião que tinha saído de Angra dos Reis conduzindo o Dr. Ulysses Guimarães, o Senador Severo Gomes e suas respectivas esposas não havia chegado a São Paulo. Uma imensa procura se desenrolou, o Presidente Itamar Franco determinou que todos os setores do Brasil que pudessem ajudar o fizessem, e foi uma tremenda corrida para saber o que tinha acontecido. Eu diria que o Brasil inteiro se pôs a rezar, para que algum milagre tivesse acontecido que ressalvasse as pessoas dos tripulantes e dos passageiros, notadamente o Dr. Ulysses.

Aos poucos, as notícias foram sendo mais pessimistas. O helicóptero havia caído no mar, tinha praticamente implodido no mar, e não restou nenhum sobrevivente. Foram encontrados os corpos da esposa do Dr. Ulysses, do Dr. Severo, da sua esposa e dos dois tripulantes, foi encontrado o helicóptero, mas até hoje não foi encontrado o corpo do Dr. Ulysses.

Vários monumentos já foram construídos em homenagem a Ulysses Guimarães. Dante de Oliveira fez um belíssimo monumento - que foi o primeiro -, em Cuiabá, e o Prefeito de Campinas fez um excepcional monumento em meio a um espetacular parque natural. E até hoje não se tem absolutamente nada, nem um osso ou algo que possa determinar um resto do Dr. Ulysses.

Naquele final de tarde que ele tinha passado com os amigos em Angra dos Reis, aparecia um vento forte, e a recomendação da torre era de que o helicóptero não levantasse. Conhecia o Dr. Ulysses há longo do tempo, tendo percorrido o Brasil inteiro com ele. Na época do regime militar, quando o MDB estava começando lá no Rio Grande do Sul, nós já viajávamos num avião monomotor, e não tinha chuva, não tinha vento: a palavra dele era “vamos embora”. Nunca teve qualquer preocupação em entrar no barco, lá na Amazônia, em sair por uma estrada à noite em qualquer lugar do Brasil, por mais íngreme que ela fosse, ou em voar pelos ares em qualquer ocasião.

Fico a pensar que estranho é isso e que tão raro, porque os aviões caem todos os dias no mundo inteiro. E, de vez em vez, pessoas importantes - jogador de futebol, artistas, intelectual, político, gente ilustre - terminam caindo, mas os restos são encontrados. Pode demorar um pouco mais, um pouco menos, mas os restos foram encontrados.

Agora, aqui, onde se encontrou tudo, porque não dá para dizer que o helicóptero foi lá ou veio para cá; não, o helicóptero estava voando - as pessoas assistiram a isso - e de repente caiu. As pessoas que estavam no helicóptero caíram com ele no mar. Todos foram encontrados, menos o Dr. Ulysses, nem sequer um vestígio dele foi encontrado.

Sou um homem místico e a idade tem me feito parar muito para pensar e refletir. Fazem parte do passado aqueles impulsos da mocidade que eu tinha - e os tive demais -, os meus arrojos de presidente da UNE de debater, de querer salvar o mundo. Quando jovem, eu tinha certeza absoluta de que a nossa geração iria fazer deste Brasil um país fantástico. Lembro-me, quando guri, das madrugadas em que ficávamos naqueles congressos da UNE, dos debates que fazíamos com aqueles intelectuais e a convicção absoluta que eu tinha - em função das reservas minerais, de água e de terra que temos - de que chegaríamos ao final deste milênio disputando com Rússia, China e Estados Unidos a primazia pela liderança da humanidade.

Hoje eu vou mais devagar. Não tenho mais os arroubos da mocidade, embora Deus me tenha permitido manter a esperança, a luta e a vontade. Eu diria que sou o mesmo jovem, com a mesma disposição, com a mesma garra, só que mais devagar, com menos esperança. Não que tenha perdido a esperança no futuro do País. Não! Eu não tenho nenhuma dúvida de que esta é uma nação que nasceu para ser grande e, com certeza, será grande.

É com tristeza que vejo no jornal de hoje o Primeiro-Ministro de Israel dizer que lamenta informar que a paz, no Oriente Médio, não será mais uma conquista desta geração. Ele não vê mais - e ele é um homem jovem - perspectivas de se encontrar a paz no Oriente Médio nesta geração. Que triste declaração, que dolorosa declaração, que infeliz declaração essa! Que tristeza ouvir essas palavras no limiar do Século 21! Há seis meses, reunidos na Casa Branca o chefe da Autoridade Palestina e o Primeiro-Ministro de Israel, celebrou-se um acordo que, a esta altura, nos permitiria estar festejando uma paz total e absoluta. Hoje, no entanto, vem o Primeiro-Ministro israelense e diz que acha que a paz não é para esta geração. Pergunto-me também, Sr. Presidente, se é para a minha geração ver o Brasil como desejamos, nos caminhos que para ele sonhamos.

Registramos o oitavo aniversário da morte do Dr. Ulysses e nada é mencionado em jornal algum; não vi um comentário, uma notícia, uma crônica sobre o assunto. Nada! Morrer no Brasil, sabemos, é assim: morreu, morreu; o Brasil não é dado à história, o Brasil não cultua seu passado.

Na minha opinião, esse pouco compromisso com a própria história é uma das causas de não haver um pouco mais de preocupação por parte das pessoas em manter a dignidade do seu nome; políticos não têm lá muita preocupação quando vêem seus nomes saírem no jornal associados a determinados fatos. Não há muita preocupação porque - é essa a afirmação que se faz - o povo brasileiro não tem memória.

O escândalo que o jornal publica na página de hoje vale até depois de amanhã, quando vem um outro escândalo envolvendo outra pessoa. Pessoas acusadas de imoralidades, de absurdos, dizem o seguinte: “Nós temos que deixar passar a onda, porque deixando passar a onda se esquecem depois.”

Imaginem então o que acontece com relação às pessoas ilustres, às pessoas importantes, às que fizeram coisas boas para o nosso País... Meu Deus do céu!

Quando vou aos Estados Unidos, gosto de caminhar pelas ruas de Washington. Chama-me a atenção, me emociona chegar ao monumento em homenagem a Washington, ao memorial do Kennedy, ao memorial do Lincoln e ver caravanas e caravanas de ônibus, centenas de jovens vindos de todos lugares dos Estados Unidos para cultuar a sua história. Às vezes aquelas crianças chegam a chorar ao verem esses monumentos. A professora explica, eles ficam olhando - eles já conhecem, não estão tomando conhecimento. Eles estão apenas vibrando com o fato de que aquele Kennedy, aquele Lincoln, dos quais eles tanto ouviram falar estejam ali diante deles. Ficam sentados tempos enormes, um fala, outro fala, e outro fala... Eles aprenderam a amar a sua história, a amar a sua biografia, a amar o seu povo e a amar a sua gente.

Eu não vejo isto no Brasil. Houve um momento em que a Nação inteira transformou o Dr. Tancredo em deus - não chegava a ser deus, embora, para nós, fosse um homem fantástico. O Dr. Tancredo Neves foi um mártir como Tiradentes. Aliás, há um dado que me chama a atenção: os dois nasceram na mesma cidade e os dois morreram esquartejados - Tiradentes foi esquartejado pelos portugueses que o mataram e o cortaram em pedaços e o Dr. Tancredo Neves foi esquartejado pelos médicos, em nove cirurgias - num mesmo dia, 21 de abril. O monumento que temos aqui - eu estava no governo quando ele foi feito - era para ser em homenagem a Tancredo Neves. O tempo passou, não sei o que houve ou o que deixou de haver e, hoje, não sei nem para quem é a homenagem. Se para com o Dr. Tancredo Neves, que chegou à Presidência da República, há essa frieza, é compreensível que com relação ao Dr. Ulysses haja também esse desinteresse, embora o Sarney tenha chegado onde chegou em grande parte pela presença do Dr. Ulysses na política. O Fernando Henrique praticamente foi um discípulo do Dr. Ulysses e se criou ali, em meio ao MDB de São Paulo.

Se eu fosse escritor, se eu pudesse escrever, escreveria sobre o Dr. Ulysses. Eu escreveria sobre a figura do Dr. Ulysses, sobre quando ele, alguns dias antes de morrer, fez dois discursos espetaculares. Quando larga a presidência nacional do PMDB, que tinha ocupado durante tanto tempo, ele vai para o Plenário e diz: saio da presidência, venho para a planície, mas não baixo as armas e não deixo de continuar a caminhada da minha luta. Continuarei lutando pela democracia, lutando pela liberdade, lutando pela justiça social, lutando pelo meu povo. Não morrerei na cama; morrerei em um combate. E mais adiante diz o Dr. Ulysses: que bom morrer no mar, que bom ter como túmulo o nosso mar e morrer em meio à caminhada em pleno mar. E ele dizia isso poucos dias antes de o helicóptero cair. O Dr. Ulysses era apaixonado pelo mar. Talvez pelo seu próprio nome, pelas evocações que o seu nome trazia em relação à história de Ulisses, ele trouxesse em si a grandiosidade e a beleza do mar.

Estive mais de uma vez em Angra, andei por ali com o Dr. Renato, um grande amigo dele, hoje também falecido, e fui até o lugar onde o helicóptero caiu. Um jornalista que estava conosco, que tinha feito a reportagem e tinha acompanhado todo o desenrolar daqueles dias, desde a queda até a procura, levou-me para falar com alguns dos marinheiros com quem ele havia conversado naqueles dias. Eles me contaram tudo o que tinha acontecido: o estrondo, o olhar, a queda, como encontraram os corpos, como trouxeram o helicóptero do fundo do mar; como encontraram, tempos depois, alguns ossos que imaginavam que fossem do Dr. Ulysses, mas depois viram que não eram.

Primeiramente conversei com uma senhora, esposa de pescador. Não dá para sabermos se aqueles cabelos brancos e aquela testa toda cheia de rugas é fruto da idade ou do sol, pelo tipo de trabalho e de angústia que vive uma mulher de pescador, que de madrugada leva o seu marido ao barco em direção ao mar, volta para casa para fazer os serviços domésticos e fica imaginando se o seu marido voltará. Essa senhora me contou que as pessoas daquela região saem muitas vezes de madrugada para olhar o mar e lá longe vêem, como que caminhando pelo mar, uma figura enorme, magra e alta. E ela continha dizendo que o seu neto também lhe contou que, um dia, ele e seus amiguinhos levantaram de madrugada e foram brincar na beira do mar. Lá pelas tantas, apareceu um homem alto, de dois metros, magrinho, que vinha caminhando pela beira do mar, com os pés molhados, os olhos profundos. Ele sorriu para as crianças e as crianças não tiveram medo. Sorriram para ele, que ficou ali olhando. De repente, eles não o viram mais. E contaram isso para o pai e mãe.

Também ouvi histórias de marinheiros, que me contaram que quando enfrentam alguma tempestade em alto mar, quando estão buscando a sua pesca e o barco mexe, ginga demais, eles pedem: Ulysses, ajude-nos! É uma espécie de tradição que começou naquela região. E dizem eles, não sei, que diminui a tempestade e eles têm uma certa tranqüilidade.

Lenda, não sei. História, não sei. Mas a mim parece que Deus, na sua infinita sabedoria, achou que a figura do Dr. Ulysses, que percorreu este Brasil todo... Não existe na história do Brasil, Sr. Presidente, nenhum político brasileiro que tenha ido mais ao meu Estado do que Ulysses Guimarães, fora os que ali nasceram. E nessas suas andanças, o seu discurso era de paz, de chamamento a um novo Brasil, de reconstrução da sociedade. Era uma época difícil,

Só vejo aqui jovens, as jovens taquígrafas que estão contentes, porque já estão terminando o trabalho da sexta-feira - que imaginavam não ter, mas que teve e que, felizmente, terminará logo ali. E até segunda-feira não terão que ouvir esse disse me disse, esse zumzumzum nos ouvidos. Mas o Dr. Ulysses pregava numa época - que essas jovens taquígrafas não viveram, porque são jovens demais - em que havia violência, arbítrio, em que era proibido falar, em que a imprensa não podia publicar. Hoje, estamos assistindo a televisão falando, os jornais do Senado publicando, a imprensa debatendo; mas não foi sempre assim, parecia que nunca iríamos acordar daquela época negra da ditadura. Quando falávamos com algumas pessoas daquela época, elas não falavam no sentido de que a ditadura duraria por mais um ou dois anos, mas sim como se ela fosse para sempre.

Em meio àquela época é que vale o trabalho, o valor da presença do Dr. Ulysses. Vale uma palavra que tinha orientação, que falava e o Brasil escutava, o Brasil acreditava. Não temos isso hoje; o que está faltando no Brasil de hoje, Sr. Presidente, é uma referência para o povo, para o estudante, para o jovem, para o operário. Precisamos olhar para o Brasil, olhar para Brasília e ter uma referência. Se olhamos para o Presidente, Sua Excelência hoje diz que é branco, amanhã diz que é preto, que é isso, que é aquilo. Se olhamos para o Presidente do Senado, S. Exª diz que é isso, que é aquilo outro; o mesmo acontece se olharmos para o Presidente da Câmara, para a Igreja, para a Imprensa. Um pensa assim, o outro pensa assado. Enfim, nós não temos referências. Entretanto, naquela época negra, difícil, o Dr. Ulysses era essa referência. Não sabíamos o que ia acontecer, o Congresso fechado, sem eleição, governadores nomeados, e quando não sabíamos o que ia ser de nós, Ulysses era essa referência. Ele vinha, falava, brotava da sua alma um sentimento de que isso iria terminar, iria acabar, que teríamos um regime de paz, de democracia, de liberdade, de justiça.

Fui o primeiro que disse o que muita gente diz hoje: Ulysses foi para o Brasil o que Moisés foi para o povo judeu. Moisés conduziu, durante 40 anos, o povo judeu pelo deserto. Quando chegou à Terra Prometida, Deus disse: “Você não vai atravessar, você fica do lado de cá”. Ulysses foi, durante todo o período do arbítrio, o nosso condutor. Mas não chegou a ver a plenitude que desejávamos. Por isso estou aqui, seu velho amigo - muitos dizem que eu era o maior amigo do Dr. Ulysses -, acho que eu era um dos grandes amigos do Dr. Ulysses. Emociono-me em dizer que Deus me permitiu conviver com uma geração onde tinha Ulysses, onde tinha Tancredo, onde tinha Teotônio Vilela, onde tinha Arraes, onde tinha Montoro e onde ainda hoje tem Covas - que graças a Deus, está tendo uma recuperação fácil do problema que teve, porque grandes destinos lhe reserva o nosso País.

Então, venho aqui, uma voz nostálgica, no plenário, onde não tem nenhuma pessoa, só V. Exª, Presidente. Plenário vazio de uma sexta-feira 13, as taquígrafas pensando: “Eu acho que agora ele termina”. Falo neste plenário vazio sobre uma figura que, eu sou testemunha, amou este País, lutou por este País e fez história neste País. Acho, repito, que Deus fez de propósito: Vocês não encontrarão o corpo de Ulysses Guimarães. Ulysses Guimarães não terá um túmulo como todos os mortais do Brasil têm. Ulysses Guimarães tem como túmulo o mar! E por onde quer que você ande, quando estou lá na minha rainha do mar, com o pé descalço, caminhando à beira mar, às vezes, sinto um frio, porque por ali pode estar passando o Dr. Ulysses.

Que bom termos a imagem de um homem desses! Que ruim não termos no Brasil o hábito de admirar os nossos heróis! Ao contrário, de quem proclamou a Independência - D. Pedro -, só vemos os defeitos, porque a imprensa e os livros só publicam os defeitos. De um homem que sempre considerei excepcional, D. Pedro II, as histórias que estão aparecendo só mostram os defeitos. Da República, aparece como um golpe de Estado. De um homem como a figura de Getúlio Vargas, aparecem os equívocos e não a sua figura fantástica da construção do Brasil. Do Juscelino, alguém teve a coragem de publicar um livro sobre um namorico que ele teria tido com alguém, esquecendo-se da obra fantástica que fez pelo Brasil.

Que trama engraçada essa a nossa de não respeitarmos a nossa História, de não valorizarmos o nosso solo, de não respeitarmos a nossa gente. Por isso estou aqui. Falo a ti, plenário vazio do Senado Federal, numa sexta-feira 13, para reverenciar a memória de Ulysses Guimarães, morto na queda do helicóptero, exatamente no dia 13 de outubro, oito anos atrás, cujo corpo não se encontrou nunca. Contam-se histórias - lendas ou não -, pelos marinheiros, que ele continua percorrendo os cantos do Brasil. Seu espírito anda flutuando e olhando pelo nosso Brasil, que um dia será livre, como ele sempre quis; será justo, como ele sempre quis; e será grande pelo nosso trabalho.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/2000 - Página 20427