Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à política econômica do Governo Federal, destacando a mazela da inflação.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à política econômica do Governo Federal, destacando a mazela da inflação.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2000 - Página 20523
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNO FEDERAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, DESRESPEITO, POPULAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FORMULA, TEORIA, ECONOMIA, SUBSTITUIÇÃO, PROBLEMA, INFLAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, ATENDIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • GRAVIDADE, COMPROMETIMENTO, MAIORIA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA PUBLICA, BRASIL, INFERIORIDADE, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO, PAIS, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, POLITICA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, parece que existe, finalmente, um motivo para nos regozijarmos: Sua Excelência, Sua Majestade, o Presidente da República se encontra no Brasil para surpresa e estarrecimento de muitos de nós. Finalmente S. Exª resolve compartilhar das agruras do cerrado.

           S. Exª anda treinando línguas por esse mundo afora. Sabemos que é poliglota, que fala francês muito bem, fluentemente, e que treina e retreina o seu saber quando, freqüentemente, está em Paris. Nos Estados Unidos, aprendeu o inglês, que fala muito bem. Fala espanhol, porque esteve, como professor, na Cepal, no Chile, embora para lá não tenha ido como cassado - o que nunca foi -, mas como aposentado aos 39 anos de idade com vencimentos integrais - lembro-me muito bem. Cassado é outra coisa. Eu também nunca fui cassado, mas também nunca menti, dizendo que tinha sido cassado.

           Ele fala outras línguas, mas principalmente o psitacismo, que é língua de papagaio. Não há dúvida alguma de que estamos, em matéria de língua, muito bem servidos no âmbito da Presidência da República. Por quatro vezes ele disse que utiliza a linguagem humana para mentir. Ele disse quatro vezes que era mentiroso, uma delas aqui, em Brasília, para os alunos formandos do Hospital Sarah Kubitschek.

           Pois bem, o que me parece é que esses brasileiros de alto coturno, esses brasileiros que ocupam as posições de comando no País não precisariam falar língua nenhuma. Por quê? Porque eles recebem e-mails, eles recebem mensagens do FMI, principalmente, para ensinar como repetir o desejo do FMI e fazer com que tal desejo se concretize no Brasil.

           Primeiro ele disse que o Plano Real não era cópia de ninguém, que era um filho autêntico, legítimo, de alguns tecnocratas brasileiros. E alguns tecnocratas - não quero dizer o nome porque alguns deles, nos velhos e bons tempos, já foram amigos meus - disseram que “erramos muito, mas fomos aprendendo desde o Plano Cruzado.” Então, aprenderam lidando com as cobaias em que a sociedade brasileira se transformou para que fossem aplicadas essas fórmulas mágicas, uma mágica que fez sumir a inflação.

           A inflação desapareceu. Onde ela está? A inflação, aquele dragão tremendo, que corroía os nossos salários, que nos empobrecia, encontra-se hoje na barriga de um monstro maior: a dívida pública interna e a dívida externa brasileira. É lá que se encontra.

           Quando as importações eram feitas com o um dólar subsidiado - um real por um dólar -, Gustavo Franco queria que um real comprasse dois dólares; assim, poderíamos comprar tudo pela metade do preço que pagamos. - chocolates, automóveis, perfumes, gravatas vermelhas, camisas, louças e porcelanas, tudo, e não sei mais o quê; com a conseqüente destruição do parque industrial, impossibilitado de concorrer com essas mercadorias, cujos preços foram reduzidos para achatar a inflação.

           A cesta de consumo dos ricos morreu de rir e de achar bom, teve dor de barriga de tanto comer chocolate e produtos importados a preço de banana. Enquanto isso, os pobres não tiveram nenhum benefício. Ah, sim, depois se provou que eles estavam comendo asas de frango e pescoço de galinha; um pouco mais do que poderiam fazer nos anos anteriores, nos anos pré-Real.

           De modo que, então, sabemos que tudo foi distribuído dessa maneira. Quando resolveram enxugar os gastos, demitindo funcionários, cortando vencimentos ou congelando-os por seis anos, o que aconteceu com a inflação? No último mês do Governo Sarney, ela chegou a nos surrupiar 84% no mês, mas, no seguinte, havia reposição integral e, em alguns lugares, até duas reposições mensais.

De modo que, então, a perda era muito menor do que esta de mais de 60% em salários e vencimentos não reajustados, durante esse período - todo o “primeiro reinado” e esta parte do “segundo reinado”.

Assim, o que sabemos muito bem é que jamais houve um arrocho tão grande. E o FMI quer mais: a Drª Teresa Tere Minassian, agente do FMI que esteve aqui até as vésperas do último reajuste de salários, disse nos Estados Unidos, em Seatle, que o salário-mínimo no Brasil não podia ser superior a R$151,00 por mês. Ela falou antes de nós, aqui no Congresso, livremente aprovarmos essa degola, esse holocausto.

Já agora, recentemente, um americano estava no Rio de Janeiro contando lorotas para ingênuos economistas da Fundação Getúlio Vargas, logo depois de ganhar o Prêmio Nobel - e vejam V. Exªs que não tenho tempo para dizer o que sei a respeito daquela Academia ou sobre como quiseram, há pouco tempo, acabar com o Prêmio Nobel de Economia. É uma pena que não o tenham feito antes de agraciarem esse dito professor de economia, que declarou em entrevista e em aula que “nos Estados Unidos não existe salário mínimo”. É de se perguntar então: o que significam os US$6.50 por hora de trabalho pagos lá? É o salário mínimo que se pode pagar a um trabalhador nos EUA por hora. O salário-hora norte-americano era de US$5.00, tendo, recentemente, passado para US$6.50. E vem ele aqui e diz que os nossos míseros R$151,00 por mês são um salário muito elevado; que o brasileiro está comendo demais; que está passando muito bem, comprando carros novos nas favelas - isso, de acordo com aquela cabeça desrealizada do Prêmio Nobel.

Não vou contar o que sei sobre o Prêmio Nobel e da forma de escolha. Isso já aprendi sobre isso com um brasileiro que trabalhou lá, junto a um diretor sueco. Não quero contar! Deixa para lá!

Com esse negócio de fazer mágicas, “matemágicas” e mentiras, obviamente, o que temos hoje é um Brasil 20%, no máximo. Nosso PIB, no próximo ano, será de algo em torno de R$1,1 trilhão, dos quais aproximadamente 70% serão destinados ao pagamento dos juros e da rolagem da dívida pública brasileira. Se somarmos a esse valor outros encargos, como o endividamento externo etc., veremos que não sobrará para o Governo sequer 20%. Então, temos de governar o Brasil com recursos insignificantes, o que torna impossível qualquer governo! E quem disse isso? O Presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua Excelência disse isso!

O que Sua Excelência disse está à página 242 do livro As Idéias e Seu Lugar - esta, a 2ª edição, de 1995; a primeira, de 1992 (Editora Vozes). Pretendo ler isto cem vezes aqui desta tribuna, ainda porque disponho de dois anos de mandato para ler o que Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu.

Então, vamos ao livro As Idéias e Seu Lugar. E é de se perguntar: qual é o lugar das idéias? Parece-me que era um; agora, é outro.

Já que mencionei a inflação, é óbvio que, a partir da perspectiva que adotei, as políticas do estilo característico do Fundo Monetário Internacional, do gênero “controle da base monetária, arrocho salarial, equilíbrio orçamentário” são insuficientes, pois não enfrentam a questão principal, que é o endividamento interligado.

É o que estou dizendo! É esse endividamento que, de acordo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, é mais importante e mais difícil de ser controlado do que a imposição das outras medidas que o FMI nos obriga.

Então, o Presidente escreveu em seu livro As Idéias e Seu Lugar que são insuficientes as medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional do gênero controle da base monetária, arrocho salarial, equilíbrio orçamentário, pois não enfrentam a questão principal, que é o endividamento interligado, externo e interno, do Estado e propõe o impossível, ou seja, que se pague a dívida e, ao mesmo tempo, que se equilibre o Orçamento. Isso é o impossível! O impossível virou programa de governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso. E Sua Excelência nos quer impor o impossível: que equilibremos o Orçamento - e até apresentemos um superávit primário de R$30 bilhões - e paguemos a dívida externa. No entanto, Sua Excelência mesmo escreveu que isso é impossível de ser feito. Com aquele sorriso e com as línguas que fala tão bem, além da simpatia que irradia de sua figura, já não sem tempo encanecida, impõe-nos conscientemente o impossível.

Ainda, da lavra de Sua Excelência: “Essas ponderações não devem ser entendidas, entretanto, como se eu menosprezasse a necessidade de uma profunda reforma fiscal e tributária”. Essa, que está lá há seis anos, ele se esqueceu de fazer, porque arranjou outros recursos, retirados das costas do povo brasileiro.

Continuando: “(...) a necessidade de uma profunda reforma fiscal e tributária, mais necessária e mais difícil ainda nos países organizados como federações, que dotam as províncias de autonomia no gasto público”. Então, é preciso acabar com a autonomia dos Estados Federados, através de uma “disciplina” - arranjam uns nomes bonitos.

Agora, com esse novo “pacote” do Fundo Monetário Internacional para os funcionários públicos, não se pode mais dispensar os 60% da Lei Camata, mas 50%. Quando reduzirmos para os tais 50%, o FMI impôs-nos 40% e depois 30%. Não há fim nem limite, e ele sabia disso. Estamos reduzindo os gastos com o social, com o pessoal e com o homem, para alimentar a dívida, o capital que veio sustentar, como âncora principal, aumentando a dívida externa e a dívida pública, o combate à inflação.

Escrevi sobre o combate à inflação, por meio desses instrumentos e outros que arrocham o salário e aumentam a receita tributária sem aumentar a inflação etc, em 1972. O meu trabalho possui 60 páginas e chama-se: “Inflação: uma questão metodológica além do estruturalismo enganado”. É de 1972, repito. Nesse livro, descrevo todos esses instrumentos que foram usados e que culminaram no Plano Real. Não há novidade nenhuma; o que existe é muita ignorância de história. Do contrário, eles saberiam, por exemplo, que o calote dado pelo Collor, e que outros deram disfarçadamente, foi aplicado na Alemanha no dia 21 de junho de 1948, e também, numa data próxima a essa, no Japão pelas tropas de ocupação. Essas tropas de ocupação fazem aquilo que os nossos livres e democráticos governantes realizam sem percebermos que fomos ocupados.

Estamos ocupados, sim! Não é preciso matar mais os Presidentes nem invadir o Egito ou o México etc, em virtude da dívida externa. Agora, os generais da ocupação estão no Banco Central e no Ministério da Fazenda impondo essas medidas que um exército de ocupação não conseguiria impor. Eles têm a mídia, a simpatia, o poliglotismo, enfim, têm todos os instrumentos para impor o impossível: que se pague a dívida e, ao mesmo tempo, que se equilibre o orçamento.

Para concluir, gostaria de lembrar o seguinte: esse negócio de o Presidente falar que é mentiroso cria escola. Se ele é mentiroso e é Presidente, eu sou apenas um Ministro, tenho que mentir também; e a mentira vai tomando conta, vai em cascata virando virtude. Para não dizerem que quem falou isso foi um Senador do PT, tenho em mãos o documento que afirma o seguinte: “Italianos contestam Jungmann. Comitê duvida de estatísticas sobre a reforma agrária”. Esta manchete data de quando S. Ex.ª foi ao Vaticano para enganar o Papa. Já é a segunda vez que tentam enganá-lo, mas S. Santidade tem na assessoria do Vaticano para questões de dívida externa o Sr. Michel Candessus, que foi Diretor-Gerente do Banco Mundial; é o mesmo que nos enfia dinheiro pela goela todo dia, que nós carimbamos. A propósito, nossa colega aqui se lembrou disso hoje: nós nos endividamos graças a esses empréstimos que douram as pílulas para que embarquemos nessa canoa furada. Então, agora, o que acontece é que Michel Camdessus disse muita coisa sobre esse endividamento, enlouquecido, e obviamente agora o Vaticano nos pega - a mim, não, mas a membros ilustres deste Governo - naquilo que eles chamam e consideram uma mentira: “Comitê duvida de estatísticas sobre a reforma agrária”. E eu duvido das outras estatísticas, e sei por que duvido.

           Não tenho tempo, mas agradeço a paciência. São tantos assuntos, são tantos deslizes que o Governo narcisista é capaz de praticar, que realmente Freud não poderia, talvez, captar tudo isso. Freud uma vez escreveu no Totem et Tabu que diante de uma realidade muito dura, que diante da dureza da realidade criada pelo trabalho humano, as pessoas se chocam e fogem - esquizofrenia. Quer dizer: os nervos se cindem, a cabeça cria um mundo acolchoado, sem atrito, um mundo de equilíbrio geral, um mundo neoliberal para o qual fogem.

           De modo que passamos do narcisismo e da egolatria, rapidamente, porque é a seqüência para a esquizofrenia. O Professor Roberto Campos uma vez disse que esses neoliberais constróem um mundo imaginário e criam flores nesse mundo da lua. Enquanto eles estão no mundo da lua plantando flores, estamos aqui padecendo as conseqüências de um péssimo Governo!

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2000 - Página 20523