Pronunciamento de José Fogaça em 16/10/2000
Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários à reportagem do jornal argentino El Clarín, de Buenos Aires, que analisa comparativamente a economia brasileira com a da Argentina.
- Autor
- José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- Comentários à reportagem do jornal argentino El Clarín, de Buenos Aires, que analisa comparativamente a economia brasileira com a da Argentina.
- Aparteantes
- Lauro Campos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/10/2000 - Página 20526
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, EL CLARIN, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ASSUNTO, AVALIAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, LEITURA, TRECHO, ELOGIO, RECUPERAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.
No Brasil, o Jornal El Clarín, de Buenos Aires, é um jornal bastante conhecido pela sua tradição na imprensa argentina. O Jornal El Clarín trouxe uma matéria, recentemente, sobre o Brasil que me parece importante notificar a esta Casa, porque é um jornal marcado por uma neutralidade, no mínimo, em relação à análise do desempenho da economia brasileira. Quando o Jornal El Clarín analisa os problemas brasileiros, sempre o faz com grande eqüidistância. Talvez o mínimo que se possa dizer é que ele tem um rigoroso desinteresse pelo elogio. Ou seja, não há bajulação nem texto laudatório em relação ao Brasil no corpo do Jornal El Clarín, de Buenos Aires. É bastante parcimonioso em qualquer tipo de consideração favorável ao Brasil. Este trabalho foi um trabalho comparativo, colocando a economia brasileira vis-à-vis à economia argentina, de modo que dá idéia de como pode um jornal estrangeiro, um jornal argentino, da eqüidistância e das referências neutras das quais pode falar, analisar o atual estágio da economia brasileira. Por isso dou conhecimento à Casa deste pequeno texto do jornal Clarín:
Em 1993, quando o plano de conversibilidade de Cavallo aparecia como a grande revelação a estabilizar a economia e as privatizações alcançavam o seu apogeu, a Argentina recebia US$2,059 bilhões de investimento líquido. Nesse ano ninguém ganhava da Argentina na América do Sul. Parecia haver sido descoberto o guardado segredo de um crescimento alto e sustentado no tempo. Em contrapartida, o vizinho Brasil, governado então pelo ex-Presidente Itamar Franco, seguia ancorado em um processo inflacionário e de elevada indexação da economia. O gigante estava ainda adormecido e ninguém pensava em investir no Brasil. No ano de 1993, o país vizinho (no caso o Brasil) recebeu apenas um investimento líquido de US$714 milhões. Os investimentos então feitos no Brasil foram inferiores aos US$720 milhões que logrou obter a Colômbia.
Nos cinco anos prévios - entre 1987 e 1992 - a atração de capitais produtivos havia favorecido muito mais a Argentina do que o Brasil. Durante esse período, havia ingressado no mercado argentino US$1,6 bilhão contra apenas US$1,3 bilhão, que havia passado pelas fronteiras brasileiras. Ainda em 1994, a Argentina era a preferência dos investidores. Nesse ano, entraram US$2,48 bilhões na Argentina, contra apenas US$1,971 bilhão que o Brasil conseguiu colher.
Entretanto, em 1995, justamente no primeiro ano do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a tendência inverteu-se. Coincidiu, primeiro, com uma explosão de consumo no mercado brasileiro, precisamente como conseqüência da desindexação da economia, que ficou atada a um tipo de câmbio cuja variação era pautada anualmente pelo Banco Central a taxas muito suaves: não mais do que 7%. Atraídos, primeiro, pela magnitude de um mercado ao qual faltava apenas um pouco de estímulo para explodir e, depois, por gigantescas privatizações, entre elas as da área da telefonia, os investimentos cresceram, no Brasil, a uma taxa inigualável, superada apenas, no Terceiro Mundo, pela China.
De 1997 em diante, o nível de investimento no Brasil teve um salto. Nesse ano, chegou a quadruplicar o investimento de 1995. No ano 2000, calcula-se que o investimento no Brasil baterá o recorde dos US$30 bilhões. Mas, analisando-se os investimentos produtivos acumulados entre 1994 e 1999, o Brasil consumiu 44% do total investido em toda a América do Sul; a Argentina, em contrapartida, recebeu apenas 16%.
Depois de um pico registrado entre 1996 e 1997, quando as privatizações se sucederam e houve as compras de empresas privadas por multinacionais, para aproveitar, sem maiores gastos, uma bem instalada proporção do mercado, os investimentos começaram a baixar. E, em 1999, registraram uma queda muito clara. Ou seja, houve desinvestimento, justificado talvez pela mudança de governo e pelas duras lutas instaladas para a reeleição de Menem.
Esses dados, por si mesmos, explicam por que o Brasil se saiu tão airoso de uma experiência tão traumática: a desvalorização do real em fevereiro de 1999. Longe do que se podia pensar, o choque da desvalorização da moeda durou pouco mais de seis meses. Em setembro de 1999, começaram a correr brisas de reativação e, no primeiro quadrimestre deste ano, houve uma franca recuperação. Em maio e junho, por culpa de fatores externos, houve uma parada: o temor do cenário externo dominado pelo aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e pelo desempenho pouco estimulante da economia argentina, que, apesar da mudança da equipe econômica, não consegue arrancar nem consegue gerar confiança nos investimentos internos e externos.
O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - V. Exª me concede um aparte?
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS) - Com muita honra, Senador.
O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Desejo apenas lembrar rapidamente, porque não quero e não posso me estender num aparte a V. Exª, sobre a visão da Argentina fracassada. O fracasso da Argentina é o fracasso do Sr. Carlos Menem e do Sr. Domingo Cavallo, que instauraram na Argentina um plano idêntico ao do Brasil. O Sr. Domingo Cavallo vendeu por US$500 mil para o Equador um plano idêntico. E também lembro o seguinte: se olharmos agora o Brasil, diremos que está tudo melhorando. Diz o Governo que está aumentando o consumo. Mas ele falou que o consumo é o responsável pela inflação; ele falou que era o excesso de demanda e que era preciso reduzir salários, demitir funcionários, para enxugar, reduzir, a fim de combater a inflação. E hoje ele está fazendo ao contrário: está se vangloriando de estar aumentando o consumo, quando ele afirmava que o consumo era o causador do dragão inflacionário e que alimentava o dragão inflacionário. Também, agora, há uma reabsorção da mão-de-obra de acordo com as estatísticas. Em São Paulo, foi de 0,17% no último mês. Acontece que esse plano criou 7 milhões de desempregados. Em algumas capitais do Brasil, a taxa de inflação ficou superior a 20%. Agora, novamente, eles reduzem um mínimo, um átimo naquela taxa de inflação que eles próprios provocaram e soltam foguetes. Além disso, sabemos muito bem que o Governo elevou a taxa de juros a 49% e destruiu a base econômica do Brasil, as indústrias do Brasil. Agora tem que haver investimentos. Mas quando esses investimentos vão recuperar o desinvestimento e a destruição provocada pelo Sr. Gustavo Franco e pela supervalorização do real? São essas dúvidas que tenho. Para coroar essa euforia, temos de lembrar sempre que a dívida externa brasileira era, em 1994, de 119 bilhões, agora, passou para 242 bilhões. A dívida pública cresceu de 80 bilhões para 536 bilhões. Assim, parece-me ter razão Schumpeter quando diz que os dados devem ser bem analisados, porque devemos conhecer o substrato epistemológico desses dados e a maneira pela qual eles foram recolhidos. Muito obrigado.
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS) - Obrigado, Senador. V. Exª é um homem que nos merece o respeito e a consideração pela sua sabedoria e pelo seu conhecimento, pelo seu domínio nos assuntos ligados à economia.
Mas estou aqui apenas lendo um texto do jornal El Clarín de Buenos Aires. Não incluí, inclusive, até agora, não coloquei nenhuma opinião própria. É a opinião de um analista econômico da Argentina, que, sob a perspectiva, ângulo e do ponto de vista da Argentina não há qualquer parti pris governista ou antigovernista; oposicionista ou não oposicionista. Trata-se apenas de uma análise fria, real, que objetiva informar os investidores e agentes econômicos da Argentina a respeito de desempenhos paralelos entre a economia argentina e a brasileira.
De modo que, com todo o respeito a V. Exª, considero esses dados insofismáveis, irretorquíveis, imbatíveis na sua condição original de isenção, de absoluta neutralidade, do mais rigoroso desinteresse de elogiar, apenas no sentido de esclarecer os investidores, os agentes econômicos, as lideranças empresariais, os sindicatos argentinos quanto ao andamento das economias argentina e brasileira.
Permito-me dar continuidade à leitura, agradecendo a V. Exª, Senador Lauro Campos, o aparte.
Vocação de Crescer
O Brasil demonstrou uma capacidade única para superar desafios. Depois da brutal recessão da primeira metade de 1999, veio uma etapa exaltada: produzida a desvalorização, os pequenos e médios empresários sentiram que havia chegado a nova onda de substituição de importações. Os executivos das multinacionais, que haviam apostado muito mais no tamanho do mercado do que nos números da macroeconomia e também desconsideraram os prognósticos pessimistas dos gurus de Wall Street sentiram-se, então, aliviados. Não teriam que prestar contas ante suas casas matrizes pelos maus resultados que, eventualmente, adviriam do mau desempenho da economia brasileira. Longe disso, viram que tinham boas taxas de lucro para mostrar.
Neste ano, as quatrocentas maiores empresas do Brasil tiveram um lucro líquido de 9% em média. No caso dos bancos, os lucros foram excepcionais. Se 1999 terminou de forma neutra, depois de haver começado com um desastre, graças ao crescimento do segundo semestre do ano passado, os seis primeiros meses do ano 2000 mostraram que a economia brasileira conseguiu recuperar seu vigor. Assim, o Produto Interno Bruto aumentou 3,84% e vai fechar o ano com uma média de 4%. Esse resultado se deve a um crescimento de 6,5% da atividade agropecuária, 5% da indústria e 3% do setor de serviços. Desde logo, os primeiros a ficarem surpresos foram os próprios analistas econômicos brasileiros, que nunca imaginaram que o País conseguiria recuperar-se a ponto de alcançar a terceira melhor performance semestral dos últimos dez anos.
De acordo com o jornal El Clarín, este primeiro semestre do ano 2000 foi o terceiro melhor semestre dos últimos dez anos. Só em outros dois anos, tivemos um semestre tão airoso, tão positivo do ponto de vista do crescimento econômico.
Para alguns analistas econômicos, o arranque ou a decolagem teve a ver, numa medida bastante importante, com a desvalorização do real, mas isso é relativo. A moeda brasileira chegou a perder quase 40% do seu valor frente ao dólar, em meados de 1999. Sem impedimento contrário, no entanto, desde o fim do ano passado, a cotização da moeda brasileira permanece estancada frente à moeda estadunidense. Desde então, o valor dessa divisa estrangeira flutua - de forma livre, segundo se diz oficialmente - entre R$1,73 e R$1,83. Hoje, a desvalorização efetiva do real, desde janeiro de 1999 até esta data, derrapou: hoje se coloca em uns 8%, tomando em conta a inflação do Brasil e no exterior e mais a apreciação, em termos absolutos, do real.
Sem embargo, a desvalorização trouxe um efeito: sérios intentos das empresas para substituir bens intermédios importados por outros de origem nacional e produziu uma melhora no posicionamento de certos setores industriais, como têxteis e calçados, que previamente haviam ganho em produtividade, via modernização de plantas e restruturação empresarial. Hoje, têxteis e calçados funcionam ao máximo da sua capacidade instalada, porque atendem duas demandas: a interna e a proveniente de uma recuperação de mercados externos.
Desvalorização e investimentos
Um aspecto pouco analisado da desvalorização do real foi o efeito que produziu em certas decisões de investimento. A empresa alemã Siemens rearmou seu esquema de produção no mundo: de 18 plantas que possuía para fabricar centrais eletrônicas fechou quase todas e deixou apenas quatro, uma delas está perto de Curitiba, a capital do Estado do Paraná.
Para o Presidente dessa subsidiária brasileira a opção pelo Brasil teve que ver com a combinação de dois fatores: um aumento da competitividade local, via mudança na taxa de câmbio e um mercado de telefonia que está entre os mais dinâmicos do mundo. Debaixo do guarda-chuva protetor de um mercado em notável expansão, a Siemens também manteve a fábrica de telefones de Manaus, a capital do Amazonas.
Em janeiro de 1999, a desvalorização produziu uma ascensão intolerável da taxa de juros. Chegou ao incrível nível de 49%. No entanto, a partir dos meados do ano passado, quando as turbulências começaram a ceder, lentamente o Banco Central começou a reduzir essa taxa, e hoje ela está em 16,5%, nada que ver com aquela monstruosa taxa do ano passado. Contudo, não se pode considerar que seja baixa. Quando se vai ao mercado real, os créditos se pagam com juros mais caros que aqueles marcados pelo Banco Central.
Em todo caso, essa taxa de referência serviu para baixar os juros pagos pelo Governo pelos títulos públicos em mãos dos investidores. “O crédito para produção é hoje ainda, segundo revelam os economistas.
Um dado da cultura brasileira é a tendência do consumidor a pagar em prestações, sem fixar-se nos juros que paga. Assim, com mais dinheiro na praça, ainda que muito caro, produziu-se a recuperação das vendas dos eletrodomésticos, como admitiu o titular da câmara que agrupa esse setor no Brasil, Paulo Saab. A entidade estima que o setor crescerá 10% neste ano, um cálculo, segundo dizem, bastante moderado.
Porém, a forte expansão do primeiro semestre, que continua no segundo - de acordo com todos os índices apontados pelos empresários -, está criando dúvidas, porque, de pronto, a capacidade produtiva registra, em alguns setores-chaves, perigosos gargalos. Começa a ficar pequena a capacidade fabril. No caso dos produtos têxteis, por exemplo, a capacidade de produção chegou ao topo.
Nesse caso, talvez cheguemos ao ponto salientado pelo Senador Lauro Campos em seu aparte. Realmente, após uma parada dos investimentos, há pressão da demanda, havendo um esgotamento da capacidade produtiva, não acompanhado por investimentos ou por um ritmo de investimentos necessariamente mais lento do que o ritmo do consumo. Trata-se de uma questão de ritmo, e sempre há uma diferença maior em favor da aceleração do consumo, muito mais rápido e muito mais à frente do que a aceleração lenta dos investimentos.
Na análise do Jornal El Clarín, está expresso que o aquecimento do consumo não está sendo acompanhado por investimentos que ampliem as instalações existentes e criem outras novas, produzindo também, evidentemente, uma pressão inflacionária. Em julho, os preços menores chegaram a subir 1,99%. O professor de economia da Universidade de São Paulo, Eduardo Gianetti da Fonseca, alertou que os dois fatores que costumam interromper no Brasil os ciclos de crescimento são a pressão inflacionária e a crise da balança de pagamentos. Neste momento, ambos os fatores sobrevoam a economia brasileira. Foi o que afirmou o jornal El Clarín, de Buenos Aires.
Obrigado, Sr. Presidente.
C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 12/27/243:23