Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da realidade educacional brasileira ao saudar o Dia do Professor.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Análise da realidade educacional brasileira ao saudar o Dia do Professor.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2000 - Página 20728
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR, OPORTUNIDADE, ANALISE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS.
  • ELOGIO, EMPENHO, PAULO RENATO SOUZA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MELHORIA, QUALIDADE, SISTEMA, ENSINO, BRASIL.
  • RECONHECIMENTO, VALOR, TRABALHO, PROFESSOR, SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE, AMPLIAÇÃO, REQUISITOS, MELHORIA, EXERCICIO, MAGISTERIO, FORMAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a passagem do Dia do Professor não é data para ser comemorada apenas. A presença desse profissional na vida das sociedades é de uma centralidade tão absoluta que, além da obviedade das saudações, o dia a ele consagrado em nosso calendário deve ser aproveitado para que se reflita sobre seu papel social, as condições que lhe são oferecidas para o exercício de sua profissão e, por extensão, a forma pela qual a educação é vista, compreendida e assumida pelo País.

           Como sempre tenho feito, gostaria que minhas palavras tivessem a capacidade de transmitir a todos os professores brasileiros o sentimento mais profundo de gratidão pelo trabalho que executam. Faço-o na certeza de que, pela via do reconhecimento sincero, expresso o ponto de vista da imensa maioria da população brasileira, que identifica nos docentes os aliados preferenciais na luta por uma vida digna, pela superação dos desníveis sociais agressivos, pela conquista da plena cidadania. Assim, saúdo os mestres que, nos mais de cinco mil e quinhentos municípios brasileiros, da mais simples à mais bem montada sala de aula, repetem a cada dia o ato sublime da comunhão do saber, da atenção e do afeto.

           Gostaria de ir além, no entanto. Penso que o simples agradecimento, por maior que seja sua autenticidade, não é o bastante. É preciso avançar no exame da realidade educacional brasileira para nela situar convenientemente a figura do professor. Nessa perspectiva, talvez o primeiro plano de análise devesse envolver o gigantesco processo de transformação pelo qual o Brasil passou, nos últimos cinqüenta anos, com repercussões imediatas e profundas na educação, especialmente a pública.

           Com efeito, é a partir dos anos trinta - e, muito particularmente, após a Segunda Guerra Mundial - que nosso País foi afastando-se do velho modelo que, em suas linhas gerais, fora produzido ao tempo da colonização. De um país essencialmente agrário, com a imensa maioria da população excluída das conquistas produzidas pela civilização contemporânea, passamos a conviver com uma realidade em tudo e por tudo distinta dos velhos padrões: a modernização da economia impulsionou a industrialização e a ampliação do mercado interno. Tendo o Estado assumido um papel preponderante de indutor do desenvolvimento, o Brasil avançava, transformando-se. Parece-me que esse processo de transformação teve sua face mais visível na extraordinária movimentação populacional: a sociedade brasileira, rapidamente, foi deixando de ser rural e urbanizou-se com a pressa de quem precisa recuperar o enorme tempo perdido.

           Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma mudança de tal magnitude não acontece sem traumas. No caso brasileiro, como de resto no conjunto da América Latina, a celeridade com que se fez a urbanização fatalmente deixou à descoberto inúmeras e graves deficiências. Nossas cidades estavam rigorosamente despreparadas para suportar tão radical mudança em sua fisionomia. As deficiências - quando não ausência mesmo - apresentadas pelos chamados “equipamentos urbanos” não tardaram a se refletir no verdadeiro caos em que as cidades, sobretudo as maiores, com maior poder de sedução sobre as populações interioranas, se transformaram. Estou convencido de que a educação pública, talvez até mais do que a saúde, sentiu na pele o golpe desferido e o que funcionava, com maior ou menor grau de precariedade, desabou de vez.

           Os mais velhos, com aquele irrefreável saudosismo que costuma acompanhar seus comentários a respeito da vida, tendem, entre suspiros melancólicos, a dizer que “em seu tempo’ a escola era melhor. Certamente, a referência dessas pessoas está presa a uma época que antecede ao fenômeno da urbanização. Populações urbanas reduzidas dispunham, sim, de um sistema educacional que funcionava bem para a parcela da sociedade à qual era dirigido: raramente se via, naqueles bancos escolares, alguém que não fosse egresso dos extratos sociais médio e superior. O próprio nível de desenvolvimento econômico ainda não requeria, como o faz hoje, uma preparação educacional mais elaborada para atender às exigências do sistema produtivo.

           Tudo isso se alterou, célere e profundamente. Os milhões de novos habitantes dos centros urbanos trouxeram consigo novas demandas, o que é justo e natural. A face do homem rural, secularmente escondida por esses sertões afora, finalmente vinha à luz para protagonizar a História. Essas multidões encontraram uma estrutura urbana desaparelhada e incapacitada a responder-lhes satisfatoriamente, muitas das vezes por absurda insensibilidade política ou pela adoção de prioridades socialmente perversas.

           Passado o pior momento, provavelmente cravado nos anos setenta e meados da década de 80, vivemos hoje um período que, se longe está do ideal, apresenta conquistas altamente expressivas. Esta década de 90 tem sido bastante positiva para a educação brasileira. Quer por pressão organizada da própria sociedade, quer pela felicidade de podermos contar com uma certa continuidade de bons programas e projetos no âmbito da Administração Pública, o certo é que o sistema educacional brasileiro - sobretudo quando se refere à educação básica, notadamente ao ensino fundamental - está adquirindo consistência e densidade.

           Há, no entanto, um problema novo no horizonte, o qual atinge em cheio a figura do professor. Refiro-me à latitude e à complexidade da crise porque passa a civilização contemporânea, algo que, se efetivamente transcende ao Brasil, tendo uma dimensão universal, não o deixa imune aos seus efeitos. Uma crise que mistura a substituição dos velhos paradigmas - envolvendo a economia, a política, a sociedade, a cultura - por outros que não se sabe ao certo quais sejam. Nesse mundo de incertezas e de indefinições, em que tudo parece fragmentar-se - na antevisão do velho Marx a respeito do que seria a globalização, “tudo que é sólido desmancha no ar” ... - os olhares de todos voltam-se para a escola, na esperança de que ela possa suprir todas as carências da vida.

           Ora, quando se fala em escola não se pensa em paredes, em carteiras, no quadro-negro e no giz. Quando olhares aflitos, hoje, voltam-se para a escola em busca de socorro é para os professores que esses olhares se dirigem. Ante a crise geral, a começar pela dos valores, e em face da incapacidade que sentimos para fornecer um norte aos nossos filhos, quase que num gesto automático transferimos à escola - vale dizer, aos professores - a prodigiosa missão de informar, educar e formar. Convenhamos, é sobrecarga demais para os ombros de uns poucos!

           Diferentemente do que ocorria no passado, ao professor de hoje exige-se domínio do conhecimento; capacidade de interagir com outras áreas do saber; criatividade para vencer a concorrência de um mundo-espetáculo, em que não faltam os mais variados apelos à dispersão e ao entretenimento; estimular a leitura e a reflexão numa época dominada pelo brilho das imagens e pela rapidez do movimento; discernir o essencial do acessório, de modo a não confundir informação com conhecimento; ser afetuoso com quem se sente deserdado da afeição; ter a severidade necessária para impor limites, preparando seus alunos para a vida social.

           Nesse momento, Sr. Presidente, é que nos damos conta de quão precária é a formação desse professor, rigorosamente incompatível com o que dele se espera quando no desempenho de suas funções.

           Nesse momento, Sr. Presidente, é que nos damos conta de quão ainda precária é sua remuneração, rigorosamente incompatível com a importância do trabalho que executa.

           Ainda é tempo. Muito se fez, muito se está fazendo - e nunca é demais ressaltar o extraordinário trabalho que o Ministro Paulo Renato e sua equipe vêm desenvolvendo à frente do MEC - mas há muito que se fazer. De imediato, podemos falar em medidas que, necessariamente, terão que ser tomadas. Em primeiro lugar, a consolidação do FUNDEF, com atuação efetiva de seus conselhos municipais, livres das injunções políticas locais e da subordinação ao poder das Prefeituras, como forma de valorizar os recursos públicos aplicados no ensino fundamental e de garantir crescente melhoria salarial para os professores. Mais: há que se pensar, com urgência, em fundo semelhante para o ensino médio, área em vertiginosa expansão e carente de bons professores.

           Outra medida crucial diz respeito à formação dos docentes. As formas tradicionais de formação, simbolizadas pelos cursos de licenciaturas, parecem estar esgotadas ou superadas. Há que se pensar em meios alternativos, dos quais a modalidade de educação a distância, com cursos mais dinâmicos e flexíveis, pode ser a solução. Mas, acima de tudo, há que se ter consciência de que essa formação, para ser consentânea com o mundo em que vivemos, deverá ser continuada, um processo que tem data para começar, jamais para ser concluído. A TV Escola, de cuja importância já tive oportunidade de falar nesta mesma Tribuna, precisa ser expandida e incorporar um universo cada vez mais expressivo de professores.

           Ao finalizar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reitero minha calorosa saudação aos professores brasileiros, reafirmando o valor de seu trabalho e a certeza de que a eles devemos o muito de conquistas que o País pode ostentar. Ao mesmo tempo, reforço meu apelo aos que detêm poder de decisão na área governamental para que sejam ampliadas as condições nas quais se dá o exercício do magistério. Afinal, sem um professor bem preparado, remunerado condignamente e motivado para o seu trabalho não há projeto pedagógico que subsista, assim como não há escola que se mantenha de pé. 

           O Brasil não se pode dar ao luxo de prescindir de bons professores. Daqueles que fazem da produção e difusão do saber a razão maior de sua existência. Dos que sabem que sem uma forte dose de paixão não se faz educação. Desses, o Brasil precisa demais, sabe que os tem e os respeita e admira.

           Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2000 - Página 20728