Discurso durante a 140ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a imposição do Fundo Monetário Internacional na destinação de recursos vinculados ao orçamento da União.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM). POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre a imposição do Fundo Monetário Internacional na destinação de recursos vinculados ao orçamento da União.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2000 - Página 20931
Assunto
Outros > SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM). POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, FIXAÇÃO, CONTRATO, GOVERNO FEDERAL, EMPRESA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FORNECIMENTO, EQUIPAMENTOS, APOIO, EXECUÇÃO, PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), MOTIVO, AUSENCIA, POSSIBILIDADE, CONCORRENCIA.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, FUNDAMENTAÇÃO, DETERMINAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), EXCESSO, INFLUENCIA, MANIPULAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, UNIÃO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por volta de 1998, o Projeto Sivam, um dos projetos mais emblemáticos que passou por esta Casa - e como sempre acontece quando a vontade do Governo está presente - foi aprovado por ampla maioria.

           Há dois dias, quando estava vindo para o Senado, tive, coincidentemente, a oportunidade de escutar a fala do Senador Ramez Tebet, Relator do Projeto Sivam. Esse foi dos mais movimentados projetos que passaram por esta Casa até hoje, durante este meu mandato. Por causa desse projeto, Gilberto Miranda, por exemplo, saudoso ex-Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, industrial dos mais eficientes e brilhantes do Amazonas, moveu céus e terras, foi à Rússia e à França conversar com os dirigentes da empresa Thomson, aquela que pretendia concorrer com a Raytheon, empresa norte-americana que, como constava dos termos do empréstimo inicial concedidos pelos Estados Unidos a nós, finalmente fora agraciada no chamado leilão que nunca existiu.

           Esse leilão nunca existiu porque o Eximbank acordou de um torpor prolongado em que não fazia empréstimo algum e resolveu emprestar para o Brasil US$ 1,340 bilhão. Desses dados não me esqueço, porque este foi um projeto que marcou profundamente minhas impressões e consciência no exercício deste meu mandato.

           O que ocorreu? O contrato firmado entre os Estados Unidos e o Brasil impedia a concorrência internacional.

Na era do mercado, na era da concorrência, o contrato firmado entre as partes - o Eximbank e o Brasil - proibia a existência de qualquer concorrência. Se o Brasil não contratasse os serviços da Raytheon, a maior fornecedora de armas para o governo norte-americano, e não comprasse todos os equipamentos necessários para que o Projeto Sivam fosse implementado, imediatamente o empréstimo seria cancelado.

Assim procede o mercado liberal, concorrencial, que não permite concorrência, que estabelece um preço predeterminado, não permite que escolhamos outros fornecedores e não permite também que o Brasil, que, em diversos setores, já se encontrava capacitado para oferecer a sua contribuição a esse projeto, montado nos céus do Brasil, contribua em nada. Portanto, o Brasil não poderia beneficiar-se sequer de um acréscimo de conhecimentos técnicos que essa experiência ensejaria. Embarcamos nessa, completamente manietados, sem liberdade para nada; sequer o preço poderia ser objeto de qualquer controvérsia ou protesto por parte do Brasil.

Lembro-me muito bem de que naquela ocasião proferi o meu voto e consegui manifestar a minha opinião, esquecida e marginalizada, como sou eu e o meu Partido - esquecidos e marginalizados.

Naquela ocasião, houve a gravação, o registro gravado em fitas de algumas conversas que não posso e não devo repetir neste Plenário. Conversas entre um Embaixador, amicíssimo de Sua Majestade o Presidente da República, e ele próprio, o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Essas gravações foram feitas. São impróprias para menores. Obviamente, dentro daquele açodamento e entusiasmo com que o Governo brasileiro protegia a aprovação do Projeto Sivam, tal como foi mentado e idealizado nos Estados Unidos, aconteceu que também a Aeronáutica brasileira e nossas empresas do ramo bélico, espacial etc. foram completamente alijadas do processo. Só nos restou - a mim não, porque desaprovei -, só restou à maioria desta Casa, com a orientação do Governo, aprovar o Projeto Sivam: R$1,3 bilhão. Como sempre se põe o mundo de cabeça para baixo, naquela ocasião, fomos acoimados e acusados de sermos contrários às comunicações - comunicações necessárias para nos resguardar e proteger o espaço amazônico, dentre outros crimes, do tráfico de drogas. É óbvio que não éramos contra o Projeto Sivam, como não o fomos a dois projetos anteriores com a mesma finalidade, porém, mais modestos, desenvolvidos com tecnologia, conhecimento e recursos nacionais.

Naquela ocasião, entre outras coisas, chamávamos atenção para o fato de que apenas detectar com um sistema de radar, que não é o mais moderno, aquilo que se passava no espaço amazônico não resolvia o nosso problema. O processo de apreensão de contrabando, o processo de detecção, por exemplo, de que alguns vizinhos nossos poderiam estar ultrapassando as fronteiras do País, as mazelas que poderiam estar ocorrendo no solo não tinham condições de ser tolhidas, de ser contidas, porque a detecção da infração por parte do Sivam não tinha respaldo, seqüência e conseqüência no solo brasileiro. O Exército não estava presente em escala suficiente. A Polícia ali não estava. De modo que as medidas concretas não poderiam se objetivar devido a essa falta de elementos para que isso ocorresse; a contenção desses fatos que estariam ameaçando a segurança nacional ou obviamente praticando crimes no espaço brasileiro.

Naquela ocasião, tive oportunidade de lembrar que, uma vez caído o muro de Berlim, houve alteração no maior setor de atividades dos Estados Unidos, o bélico-espacial, a prioridade número um daquele país - envergonhada, mas é. Aquele projeto iria tentar em parte substituir, assim como diversos outros, as encomendas que, antes da queda do muro de Berlim, eram feitas às indústrias bélicas norte-americanas, às maiores indústrias daquele poderoso país.

Desde a II Guerra Mundial, no período da Guerra Fria, gastaram-se US$15 trilhões em defesa. Com o término da polarização, com a ausência da antiga União Soviética, que se decompôs por motivos que não temos tempo agora de tentar indicar quais foram.

Os Estados Unidos não tinham a grande desculpa de que aquela indústria bélica, aqueles gastos na NASA, aquele processo de continuar a manter uma estrutura bélica improdutiva e destrutiva durante a chamada Guerra Fria não encontraria mais respaldo e justificação por parte do Governo norte-americano. W.W. Rostow, ex-Assessor de Presidente dos Estados Unidos, escreveu: “A lógica que está por trás dos gatos bélicos nos Estados Unidos é a de obrigar a União Soviética a fazer o mesmo e com isso impedir que a União Soviética desenvolva suas forças produtivas.”

A lógica que está por trás dos gastos bélicos e espaciais dos Estados Unidos é obrigar a União Soviética a fazer o mesmo. No entanto, parecia que havia um perigo real, não apenas imaginário, o perigo da invasão, o perigo vermelho, o perigo de que o comunismo viesse a conquistar a Terra rapidamente, provocando uma guerra internacional. Tudo mentira! W. W Rostow mostra isso. Partia dos Estados Unidos os impulsos bélicos, a preparação bélica. E como os Estados Unidos tinham, no início, uma renda per capita 27 vezes maior do que a dos russos, ao final, apenas três vezes maior. Para manter os mesmos gastos bélicos, a União Soviética tinha de fazer um esforço três vezes maior per capita do que os Estados Unidos. Os Estados Unidos tinham de conter as forças produtivas para não provocar crises de sobreacumulação - como dizia Keynes a respeito da crise de 1929 -; os Estados Unidos tiveram de transplantar forças produtivas em suas indústrias multinacionais. O Governo norte-americano pagou para não plantar no início dos anos 30; depois, a Suprema Corte julgou o fato inconstitucional, e os Estados Unidos passaram a plantar cactos, produzindo o que ninguém consome e também outros produtos irreprodutíveis. Essa lógica da destruição, centrada e concentrada nos Estados Unidos, necessária à reprodução do sistema e à sua dinâmica, estava ameaçada quando o Muro de Berlim caiu e quando a União Soviética transformou-se em uma economia de mercado. Cada trabalhador da Rússia recebe hoje um salário 27 vezes menor do que ganhava no tempo do execrável, hediondo e perigoso socialismo. Foram assassinados 47 diretores de bancos, na máfia dos bancos russos de mercado.

Recentemente, publicou-se nos Estados Unidos um estudo, num livro chamado “O fim dos empregos”, que afirma que, se a Nasa fosse desativada, dois milhões de desempregados iriam para a rua naquele país. Seriam gerados, destarte, dois milhões de desempregos diretos.

Portanto, o Brasil deveria ser, tal como ocorreu depois da 2ª Guerra Mundial, transformado num comprador de armas e de apetrechos bélicos, além de artigos e de produtos desenvolvidos nesses setores. A Raytheon é uma das maiores fabricantes de produtos bélicos do mundo em escala mundial e, então, foi ela a escolhida - não pelo Brasil, mas pelo próprio emprestador, pelo grupo centrado em torno do EximBank - para ser nossa fornecedora.

            Desse modo, o Brasil estava simplesmente obedecendo aos interesses de manutenção de emprego, de manutenção da atividade norte-americana, nessa situação em que todos os setores bélicos estavam ameaçados por ausência, por falta de guerra, real ou imaginária, por falta de um inimigo real ou fictício.

            A força exercida sobre o Governo brasileiro foi uma força inédita. E o Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso disse, há poucos dias, há uma semana, que muitas calúnias foram lançadas contra o Governo naquela ocasião. Nenhuma calúnia; tudo comprovado, gravado inclusive: “- Olhe, ô Fernando, ela quer se encontrar de novo com você!” “- Ah, agora que eu já usei?” “- Fernando, ela tem um problema com o filho e quer um emprego”. “- Emprego? Agora? Depois? Não!” “- Mas, Fernando, ela insiste”. “Então, vamos esperar a megera viajar”. Isso é calúnia ou está escrito lá? Tenho constrangimento de ter que repetir o que está escrito lá, o que está gravado lá, coisas como essa, misturadas no Projeto Sivam. Pois bem.

O que me parece, portanto, é que nós nos apequenamos demais diante dessas relações internacionais de dominação. E foi por meio desses empréstimos que o Governo brasileiro conseguiu elevar a dívida pública externa de US$119 bilhões, em 1994, para US$242 bilhões, no ano 2000, comprando e importando qualquer coisa e principalmente aquelas que permitiam achatar os preços internos, tornar impossível a concorrência.

O Ministro da Industria e Comércio detectou apenas 15 setores destruídos. E a cada momento da posse, da reposse, da terceira e quarta posses, dessas inúmeras posses tomadas em apenas uma reeleição, mas posses todos os dias. “Pra frente, Brasil”, “Avança, Brasil”, “não sei o quê, Brasil”, são posses televisivas, mas jamais se confessa que a dívida pública brasileira subiu de R$80 bilhões para R$536 bilhões, entre 1994 e o ano 2000.

A colaboração do empréstimo para montar a Raytheon foi, no início, de 1.340 bilhão. Li no jornal, há seis meses, que já estava em cerca do dobro dessa importância. Então, o desgoverno que aí está permitiu que ele fosse engessado. Nada no Brasil se resolve, uma vez que a variável mais importante, aquela que se expressa no Orçamento da União, a qual exige, impõe, que o Brasil tenha um superávit primário.

Diz o Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na página 242 de seu livro “A Cabeça em seu Lugar”, publicado pela Editora Vozes, em 1992, com a 2ª edição em 1995 -- permitiu, há cinco anos, que fosse republicado o que escreveu em 1992 --, que com as medidas que estavam sendo impostas pelo FMI aos países periféricos em nome do combate à inflação, tal como o enxugamento da base monetária, arrocho salarial e outros do gênero, tendo por objetivo o equilíbrio orçamentário, era impossível equilibrar o Orçamento e pagar a dívida externa.

O Senhor Presidente da República deseja não apenas que equilibremos o Orçamento, mas que façamos o impossível, e o façamos calados, em ordem, sem a agitação das bandeiras do MST, sem que o PT esteja na rua. Temos de nos calar para fazer aquilo que ele dizia, há cinco anos, que era impossível de ser feito: pagar a dívida externa e equilibrar o Orçamento. Mas ele exige mais do que isso: ele impõe que nós tenhamos um superávit orçamentário, de modo que o Orçamento brasileiro se transformou num bloco de gesso.

Quarenta por cento da população de São Paulo vive em áreas sem hospital. Se conseguirmos aqui no Congresso, por exemplo, uma emenda que atribua mais recursos aos aposentados ou que impeçam, por exemplo, a desativação de onze mil leitos em São Paulo, apenas para tentar retificar um pouco esse prejuízo, ela não será aprovada. Não se pode retirar nada para outra área, a não ser que - como diz o Sr. Malan - se indique de onde virão esses recursos. Os recursos para salvar a Pátria têm de ser retirados de algo que não está no Orçamento, que está fora da Pátria, no mundo esquizofrênico para onde se mudaram este Governo e seus Ministros.

Em virtude do meu ponto de vista, eu não queria participar da Comissão de Orçamento. Sempre tive medo de passar pelos corredores por onde passaram os “anões e os gigantes do Orçamento”. Mas o meu Partido me designou e tenho de cumprir mais essa pena. Até hoje nunca apresentei - a não ser propostas conjuntas de emendas, feitas por todos os Parlamentares do Distrito Federal - uma proposta individual de emenda ao Orçamento. E agora é óbvio que não adianta nada apresentar qualquer proposta de emenda ao Orçamento. Já está tudo definido e preestabelecido. Se retirarmos alguns recursos, se dermos alguns recursos para os pobres, para os idosos, para os aposentados, será preciso retirar alguns outros: ou da infância, ou da alimentação, ou de qualquer área social. Não há jeito! O FMI nos engessou completamente, com a perfeita aquiescência do Governo que aí está.

Apenas para terminar, eu gostaria de dizer que é óbvio que o Sr. Fernando Henrique Cardoso e seu Governo não têm a responsabilidade integral pelo que acontece no Brasil. Nos Estados Unidos, estão tentando salvar o volume de emprego. No último ano, o desemprego foi reduzido 4%, enquanto em algumas capitais brasileiras ele ultrapassa os 20% - Brasília atingiu 22%; Salvador, 24%. Agora o Governo solta foguetes e vai à televisão, para dizer que o emprego, este ano, está aumentando 0,09%. Mas foi o Governo que elevou o desemprego a 20% nas capitais. Ele tem direito de se regozijar e contar prosa quando consegue recuperar 1% desses 20% que ele mesmo ocasionou, demitindo funcionários, cortando vencimentos, reduzindo obras, fechando indústrias? E assim os meios de comunicação vão ajudando a ganhar eleições e reeleições.

Fujimori e seu espírito continuam, ainda, a inspirar as vidas políticas e os destinos políticos de muitos pequenos políticos da América Latina.

Era isso que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2000 - Página 20931