Pronunciamento de José Fogaça em 24/10/2000
Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Necessidade da discussão do novo salário mínimo pelo Congresso Nacional durante a apreciação da lei orçamentária. Defesa da fixação do novo salário mínimo de acordo com a realidade da demanda de trabalho de cada região brasileira.
- Autor
- José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SALARIAL.
ORÇAMENTO.:
- Necessidade da discussão do novo salário mínimo pelo Congresso Nacional durante a apreciação da lei orçamentária. Defesa da fixação do novo salário mínimo de acordo com a realidade da demanda de trabalho de cada região brasileira.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/10/2000 - Página 20996
- Assunto
- Outros > POLITICA SALARIAL. ORÇAMENTO.
- Indexação
-
- IMPORTANCIA, DEFINIÇÃO, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, AUMENTO, SALARIO MINIMO.
- COMENTARIO, DESIGUALDADE REGIONAL, POSSIBILIDADE, AUMENTO, SALARIO MINIMO, REGISTRO, EXISTENCIA, LEGISLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, GOVERNADOR, DEFINIÇÃO, SALARIO.
- COMPROMISSO, ORADOR, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO, PRIORIDADE, EMENDA, GARANTIA, RECURSOS, VALORIZAÇÃO, SALARIO MINIMO.
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o pronunciamento ontem do Presidente da República, relativamente ao salário mínimo, nos dá oportunidade hoje de atacar o assunto de um ponto de vista novo.
O Presidente da República é favorável a qualquer nível, a qualquer reajuste, a qualquer padrão de aumento do salário mínimo. E isso pode, deve, precisa ser, há de ser, necessariamente, resolvido na Lei Orçamentária. Talvez muitas pessoas não tenham entendido porque a Lei Orçamentária é tão importante para a definição dos padrões ou dos níveis do salário mínimo no Brasil. E é exatamente sobre esse tema que quero dizer algumas palavras, de certa forma repisando-o sob o mesmo ângulo e sob a mesma perspectiva anteriormente adotados e tentar, de certa maneira, convocar os membros da Comissão Mista de Orçamento a entender a importância crucial e estratégica deste momento.
Historicamente, há mais de 40 anos, o momento em que o País se volta para o salário-mínimo, a época especialmente voltada para discussão desse tema é de meados do mês de março a início do mês de abril, para que no dia 1º de maio se tenha a definição do salário mínimo.
Como se sabe, o dia 1º de maio foi marcado por um evento histórico, por uma tragédia histórica ocorrida nos Estados Unidos: a morte de operários em greve. E a data foi consagrada no mundo inteiro como comemorativa da dignidade do trabalho. A data é perfeita e adequada; inadequado é discutir-se o valor do salário-mínimo no mês anterior à comemoração do Dia do Trabalho, ou seja, ao longo do mês de abril, iniciando-se sua discussão em meados do mês de março.
Sr. Presidente, para a discussão, análise e abordagem do assunto, não há momento mais impróprio, mais impropício e mais inadequado. O momento certo, o momento preciso, estrategicamente central para discutir o salário mínimo é a partir de agora até o dia 15 de dezembro, quando dever-se-á ter votado a Lei Orçamentária. Lá em maio, ou nos dias anteriores ao 1º de maio, nas vésperas dessa data, há sempre um argumento ponderável contra qualquer mudança mais funda ou mais dimensionada no que se refere ao salário mínimo.
Há dois grandes argumentos. O primeiro deles se fixa na questão dos desníveis regionais. O salário mínimo passível de ser pago pelas empresas privadas de São Paulo não é o mesmo que pode ser pago pelas empresas do interior de muitos Estados brasileiros do Norte, do Nordeste e de boa parte do Sul e Centro-Oeste.
Há alguns Municípios no interior dos mais pobres Estados brasileiros, nos quais um salário mínimo de R$600,00 seria inviável, não seria pago e geraria demissões; desemprego ou, evidentemente, a clandestinidade, contrato não assinado; carteira não assinada; clandestinidade, ilegalidade ou informalidade para que o trabalhador fora da lei receba menos, mas continue tendo o seu emprego.
Agora, R$600,00 como salário mínimo, na Grande São Paulo, é perfeitamente pagável, aceitável do ponto de vista, inclusive, dos padrões das pequenas e microempresas, do trabalhador doméstico. Qualquer nível de empreendimento, em São Paulo, pode pagar um salário mínimo de R$500,00 ou R$600,00. Aliás, segundo ouvi relato de especialistas, se um empregador oferecer emprego na região de São Paulo de R$400,00 a R$450,00, por 44 horas de trabalho semanal, terá enorme dificuldade para encontrar pessoas que se disponham a trabalhar por tão pouco porque os padrões salariais, as exigências de custo de vida, os padrões gerais e médios de ganho puxam o salário para cima e determinam necessidades maiores dos trabalhadores. Conseqüentemente, pagar R$400,00, R$450,00, R$500,00 é, basicamente, pagar o salário mínimo dessa região mais rica e desenvolvida do País. Esse é, em realidade, o salário mínimo, não por lei, mas pela realidade econômica, pela realidade de mercado. Quase ninguém ganha menos do que isso ali, naquela região.
No entanto, cite-se como exemplo um Estado brasileiro pobre, de uma região do nordeste brasileiro. Não quero estabelecer qualquer preconceito. Há municípios no sul do Brasil, onde a pobreza é tão grande como em outras áreas do Brasil. Portanto, não se trata de preconceito nem predileção. Trata-se tão-somente de se fazer referência a um exemplo que é também citado repetidamente na imprensa e nas obras de análise econômica. Tomemos o Estado mais pobre do Brasil, a cidade mais pobre do Estado mais pobre do interior do Brasil, nesse caminho imenso para o nordeste e o norte brasileiros. Nessas cidades, é possível se estabelecer obrigatoriamente um salário mínimo de R$500,00, de sã consciência?
O que aconteceria nesta pequena pobre cidade do mais pobre Estado brasileiro se o salário mínimo fosse fixado em R$500,00? Salário mínimo que já é realidade, que já é o mínimo na Grande São Paulo, já é o padrão mínimo da região mais desenvolvida, se assim fosse fixado e assim fosse aplicado para a cidade mais pobre da região mais pobre do Brasil, ou de centenas de cidades dessas regiões menos desenvolvidas do Brasil, o que ali aconteceria seria o seguinte: ou os empregos desapareceriam, seriam simplesmente extintos pela impossibilidade de pagar, ou então nós, hipocritamente, fecharíamos os olhos e faríamos de conta que não estamos vendo que, mesmo que a lei determine que deva pagar R$500,00, se alguém pagar ali R$100,00, R$150,00, R$200,00 clandestinamente, de forma ilegal, informal, sem assinar carteira, vamos fazer de conta que não vemos, afinal essa gente tem que viver mesmo na ilegalidade, pobres coitados.
Para nós o aspecto da aparência é mais importante, definimos um salário para São Paulo e pronto. Não podemos fazer isso, porque, se o fizermos, vamos favorecer o surgimento de pessoas nessas regiões mais pobres, que serão famintos, miseráveis e mortos de fome ou criminosos. Não há opção para eles: ou serão mortos de fome, porque estarão desempregados, ou criminosos, por descumprirem a lei, empregando ou recebendo dinheiro sem cumprir as exigências da lei, sem assinatura da carteira de trabalho, sem obediência ao padrão do salário mínimo.
O que me dói, o que me sensibiliza é o fato de que, naquela região, as pessoas vivem fora da lei, de forma criminosa e marginal. Muitos, porém, não se importam com isso. Não, não! O legislador não pode ter esse tipo de comportamento. A ele cabe a responsabilidade de fixar padrões que tornem tão legal, limpa, civilizada e defensável a vida do cidadão no interior do mais pobre município, do mais pobre Estado brasileiro. Ele tem de ser tão limpo, tão legal, tem de estar tão vestido pela lei quanto qualquer empresário da rica cidade de São Paulo. Não posso criar um Brasil limpo, honesto e, ao mesmo tempo, com a mesma lei, produzir um Brasil desonesto, marginal, ilegal, clandestino, fora da lei, pela vontade da lei que eu fiz. Isso não pode acontecer; caso contrário, eu, legislador, estou sendo responsável por esse Brasil clandestino, esse Brasil ilegal, por esse Brasil marginal que a lei que eu fiz gerou. Por isso aprovamos aqui no Congresso Nacional uma lei federal, perfeitamente constitucional, até prevista pela Constituição Federal, uma lei que defere, ou seja, transmite, repassa aos Estados e aos seus Governadores o poder de iniciativa para, em cada Estado e de acordo com o status econômico de cada Estado brasileiro, definir um salário mínimo para cada região.
Enquanto isso não acontecer, Sr. Presidente, o salário mínimo será miserável, desumano, abaixo de U$100,00. Somente no momento em que pudermos definir o verdadeiro salário mínimo de São Paulo e o verdadeiro salário mínimo da cidade mais pobre, do Estado mais pobre é que poderemos criar os elementos de interação econômica que farão com que, um dia, aquele salário mínimo mais pobre da cidade mais pobre possa, de fato, crescer.
Neste País, o salário mínimo de São Paulo, de Curitiba, do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte é o mesmo da cidade mais pobre do Estado mais pobre do Brasil. Portanto, os trabalhadores das regiões desenvolvidas têm uma vida miserável, e não é possível gerar riqueza com seu salário pelo consumo, pela aceleração do processo econômico e pela interação econômica. Conseqüentemente, não há também crescimento que possa contemplar o aproveitamento das áreas mais pobres, das áreas desniveladas.
É um círculo vicioso, eterno, perene e imutável. A pobreza, por sua vez, assegura a continuidade da pobreza.
Todos nós costumamos fazer uma espécie de rito, uma espécie de mise-em-scène a cada ano, aproximadamente em maio, fazendo uma discussão pirotécnica bastante percuciente e ruidosa sobre a importância de aumentar o salário mínimo.
Aparentemente, Sr. Presidente, nada mudou no Brasil, mesmo depois que a lei foi criada. A norma já existe e dá aos Estados competência e poder para fixar salários mais altos no Rio Grande do Sul, no Paraná, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais. Contudo, somente dois Estados brasileiros até agora estabeleceram um salário mínimo estadual um pouco acima do nacional - foi o Maranhão, da Governadora Roseana Sarney, e a Bahia, do Governador César Borges. Nenhum outro Estado brasileiro tomou a iniciativa de criar um salário mínimo real, verdadeiro e que atenda basicamente a realidade econômica, a chamada demanda de mercado de trabalho existente em cada região.
Seguramente, mesmo na Cidade de Porto Alegre, que não é a mais desenvolvida do Brasil, se uma indústria procurar um trabalhador para trabalhar 44 horas semanais, ou seja, segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado - oito horas por dia durante a semana, mais quatro horas no sábado -, se ela procurar este trabalhador para trabalhar por R$156,00, Sr. Presidente, dificilmente o encontrará. Mesmo a mão-de-obra menos qualificada possível tem padrões salariais bem maiores que o do salário mínimo na indústria gaúcha. Isso porque não se encontra alguém que trabalhe 44 horas semanais a R$156,00, o que significa dizer que o salário mínimo lá já é outro, muito maior do que R$156,00. E por que não tornar isso lei? Por que não fazer disso uma realidade que não é só de fato, mas é também de direito?
No entanto, esse é só um dos focos do problema. Há outro foco que não pode ser esquecido, há outra razão alegada no mês de maio para não se dar o aumento ao salário mínimo. E, de fato, em tal mês a razão é muito poderosa, é quase invencível, quase insuperável: em maio não há como mudar o Orçamento da República. Se está previsto pelo Orçamento que o salário mínimo deve ser de R$156,00, como é que em maio, fora dessa previsão, pode-se fixar um salário de R$250,00 ou de R$300,00? É legalmente inviável, é técnica e economicamente impossível, uma vez que não há previsão orçamentária para fazer frente aos custos do aumento. Não há como alterar a Lei Orçamentária para determinar esse tipo de emenda ou alteração. Não há como se alterar o Orçamento da Previdência, que é onde se situa o maior calcanhar de Aquiles, o maior problema dos custos do Governo Federal.
Qual é a alegação que se faz em maio para não dar aumento ao salário mínimo? A alegação é a de que os custos do aumento do salário mínimo afetam o Orçamento da União e o da Previdência e, conseqüentemente, como eles não podem ser alterados, não se pode dar um aumento substantivo ao salário mínimo. Então, esse é o foco da abordagem que estou fazendo. Esse é o objetivo desta intervenção, Sr. Presidente: tentar mostrar que o momento certo, o momento azado, o momento perfeito, adequado, preciso, peremptório para discutir o salário mínimo é agora, até o dia 15 de dezembro.
Ali, entre os dias 1º e 15 de dezembro, estaremos no centro nevrálgico do ambiente propício para discutir o salário mínimo, porque é nessa época que discutiremos o Orçamento do Poder Executivo quanto ao pagamento de funcionários públicos da União que recebam um salário mínimo, como também discutiremos o orçamento da assistência social, outro setor da Lei Orçamentária, já que a assistência social, pela Constituição, é obrigada a pagar um salário mínimo a portadores de deficiência física. Portanto, os gastos com o provimento desse auxílio pago aos portadores de deficiência devem constar no Orçamento.
Há outra parte do Orçamento, o chamado “abono desemprego”, que vai até quatro salários mínimos, também é uma outra rubrica orçamentária diretamente afetada pela questão do salário mínimo.
Sr. Presidente, é uma armadilha discutir essa questão em maio. É colocá-la completamente fora do alcance de qualquer mudança positiva do salário mínimo, de qualquer aumento real e efetivo do salário mínimo. Discutir essa questão nas vésperas do 1º de maio é absolutamente inútil, inconseqüente, bizantino e, pior do que isso, extremamente demagógico, dolorosamente demagógico. Agora, não. Agora a discussão é concreta e rigorosamente factível. Essa mudança do salário mínimo pode ser perfeitamente realizada agora.
Qual o volume de recursos que consta da Lei Orçamentária para o abono-desemprego? Esse volume ainda pode ser alterado para mais se se retirar, é claro, de outras rubricas onde são menos socialmente necessários os recursos, onde o dinheiro é menos justo, do ponto de vista social.
É preciso alterar uma outra rubrica: aquela que diz respeito ao pagamento de salários de servidores da União que ainda recebem salário mínimo. É muito pouco, Sr. Presidente! É preciso também saber, na rubrica da Assistência Social, quanto consta para pagar o chamado auxílio social aos portadores de deficiência, àqueles que recebem o recurso originário da Assistência Social. Qual o volume? É possível dobrar esse volume? Claro que é! Basta que se desativem outros gastos em outros setores e que se destinem esses recursos para o setor da Assistência Social, com a cobertura de um maior salário mínimo. Quando é possível resolver isso? Quando isso é concretizável? Quando isso é realizável? Quando isso estará submetido somente e tão-somente a uma vontade política dos agentes, dos representantes sociais, dos representantes políticos, de nós Deputados e Senadores? É agora que devemos tratar dessa questão, na votação da Lei Orçamentária.
No ano passado, o Presidente da República enviou para o Congresso um orçamento para ser executado no ano 2000. A Lei Orçamentária foi examinada e alterada. A Lei Orçamentária foi examinada e alterada. Nós Deputados e Senadores, por meio da nossa Comissão Mista de Orçamento, alteramos aquilo que chamamos de estimativa de receita, fizemos o recálculo a partir de uma reestimativa para cima, calculando para mais em R$5,5 bilhões no conjunto dos tributos arrecadados, na carga a ser recolhida pela União. Esses R$5,5 bilhões, que foram objeto de recálculo ou de reestimativa de receita, são exatamente a quantia - veja, Sr. Presidente, que coincidência extraordinária - que precisa ser acrescentada no orçamento ou retirada de alguma outra área ou por essa via de recálculo de receita, para que se tenha um salário mínimo de US$100, de R$186 no Brasil.
Defender o salário mínimo de US$100 é absolutamente justo, é uma forma muito modesta de se tentar reajustar o salário mínimo no nosso País, mas parece que isso se tornou uma meta fixada pelo consenso político.
A mim fica, portanto, a certeza e a convicção inabalável de que todos os defensores do aumento do salário mínimo - entre eles eu, Senador José Fogaça - temos a obrigação moral e inescapável de implantar o aumento do salário mínimo na Lei Orçamentária de 2001. Podemos fazer isso agora. Essa decisão depende da nossa vontade política e da nossa capacidade de fazer com que se torne verdade concreta aquilo que, muitas vezes, são palavras jogadas ao vento, palavras suscitadas ou sugeridas por uma disposição generosa de agradar, sem buscar o correspondente concreto, de fato, para esse discurso. Agora é a hora.
Desde já, assumo o compromisso, para votar a Lei Orçamentária de 2001, de não votar qualquer emenda para aumentar gasto em qualquer setor que seja, se antes já não tiver sido contemplada a modificação nestas quatro rubricas: abono-desemprego, auxílios de assistência social, salário mínimo de funcionários da União e mudança para R$186 também no Orçamento da Previdência. Somente depois que isso for contemplado, começarei a aceitar outras possíveis emendas. Qualquer emenda que se queira colocar na frente destas será injusta, anti-social, contra os trabalhadores e contra o País.
Esta é a minha opinião e é o que recomendo à Comissão Mista de Orçamento.
Muito obrigado.
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