Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repercussões do Plano Colômbia para a Amazônia brasileira.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. DROGA.:
  • Repercussões do Plano Colômbia para a Amazônia brasileira.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/2000 - Página 21217
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. DROGA.
Indexação
  • AMEAÇA, SOBERANIA, REGIÃO AMAZONICA, INTERVENÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, REUNIÃO, MINISTRO DE ESTADO, AREA, DEFESA, AMERICA.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, CARLOS EDUARDO JANSEN, GENERAL DE BRIGADA, MILITAR DA RESERVA, ATUAÇÃO, UNIDADE DE SELVA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), DENUNCIA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ESTABELECIMENTO, BASE MILITAR, AMERICA DO SUL, ALEGAÇÕES, COMBATE, TRAFICO, DROGA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, OBJETIVO, CONTROLE, RECURSOS MINERAIS, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO AMAZONICA.
  • IMPORTANCIA, REATIVAÇÃO, PROJETO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, REFORÇO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), AUMENTO, PRESENÇA, FORÇAS ARMADAS, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, hoje eu pretendia falar sobre a educação no Brasil. No entanto, tendo em vista a IV Conferência de Ministros da Defesa das Américas, realizada recentemente em Manaus, resolvi, hoje, voltar a esse tema que havia abordado há alguns dias, justamente alertando sobre o Plano Colômbia, que nada mais é do que uma intervenção dos Estados Unidos num país da América Latina, num país da Amazônia. A Amazônia não é só a nossa Amazônia brasileira, mas compreende também a Amazônia colombiana, a venezuelana, a peruana, a guianense. Enfim, a antiga e já tão desgastada denúncia de que a cobiça internacional sobre Amazônia não é mais uma ameaça, mas um fato concreto, está agora devidamente concretizada, ou começando a concretizar-se, com a intervenção na Colômbia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria, até para não dizer que são minhas todas as palavras sobre o alerta que se faz a respeito da questão do Plano Colômbia, de ler um trecho do artigo publicado na revista IstoÉ, com o seguinte teor:

Financiador do Plano Colômbia, uma bilionária operação que tem como pretexto o combate ao narcotráfico naquele país, os Estados Unidos mandaram o seu Secretário de Defesa, William Cohen, a Manaus com a missão de angariar apoios para a empreitada na IV Conferência de Ministros da Defesa das Américas. Cohen desembarcou na Amazônia no melhor estilo americano: fazendo barulho e exibindo riqueza. Chegou em avião oficial, alugou o maior salão do Hotel Tropical e foi tratado pelos colegas ministros e pelo próprio Presidente brasileiro, Fernando Henrique, como se fosse um chefe de Estado. Depois de um encontro reservado com FHC, bateu em retirada para cuidar da crise no Oriente Médio. Em seu lugar ficou o Subsecretário James Bodner, que, com a arrogância habitual, disse que ‘o Plano Colômbia será executado com ou sem a solidariedade internacional’. Todo esse circo contrastou com a discreta participação do Ministro da Defesa da Venezuela, General Ismael Hurtado Soucre, que - em sigilo e com o apoio financeiro e logístico de países europeus - vem pilotando uma megaoperação

de combate ao narcotráfico no seu país.

Sr. Presidente, a cobiça internacional sobre a Amazônia não é mais apenas cobiça. É de fato uma apropriação da Amazônia. O estilo norte-americano, demonstrado no Vietnã e em outros lugares do mundo, encontra agora, na Colômbia, um ingrediente importante para justificar o ato internacionalmente. O subsecretário diz que vai fazer isso com ou sem a solidariedade internacional. Evidentemente, ele sabe que tem o aval das potências internacionais que comandam o mundo, devido à sua grande bandeira, à sua grande justificativa, que é o combate ao narcotráfico, o combate a uma guerrilha intitulada de “marxista”. Os dois temperos estão aí e a ação está concretizada.

Enquanto isso, a Venezuela, país também vizinho, é o corredor principal da droga. De há muito vem-se anunciando a “Operação Colômbia”. Na Venezuela, o governo comanda a Operação Orinoco, que tem apoio logístico dos países consumidores de droga. É bom deixar claro à Nação e ao mundo que se quer punir os colombianos, os peruanos, que plantam a droga por necessidade de sobrevivência, e não aqueles que consomem a droga e que estão no Primeiro Mundo. Os países do Primeiro Mundo falharam em educar os seus jovens para não usarem drogas e falharam ao combater o narcotráfico, e querem agora utilizar esse argumento para fazer a intervenção.

Lamentavelmente, a Amazônia brasileira é vulnerável quando se trata desse problema. Esse mesmo artigo da IstoÉ diz que: “Roraima é passagem para “exportação” de duas mil toneladas de cocaína escondidas na Venezuela”, provindas da Colômbia. É preciso, urgentemente, que o Governo brasileiro e nós, os Senadores, consideremos a gravidade da situação. Não podemos apenas dar uma olhada nessas reportagens, deixando-as passar em branco, sem nenhuma providência.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero ler um trecho da entrevista dada à mesma revista pelo General-de-Brigada Carlos Eduardo Jansen, ex-Comandante da Brigada de Infantaria de Selva (BIS), de Tefé, no Amazonas:

A Operação Colômbia “envolve riscos para a soberania brasileira” e os EUA têm dois objetivos bem distintos com ela: o tático, relacionado com o combate ao narcotráfico, “o grande vilão da sociedade moderna”, e o estratégico, que é o fundamental, voltado para o estabelecimento de uma base militar, uma presença física na Amazônia.

Este objetivo estratégico tem a ver, também, com o fim do Comando Sul dos EUA no Panamá. Ou seja: através da Operação Colômbia, os americanos procuram assegurar uma influência sobre a região da América Latina que envolve interesses fundamentais das grandes potências. “Será uma presença inédita de uma potência na região”, diz o general, há 2 anos na reserva. Para Jansen, que não adota o estilo radical dos militares nacionalistas, “este é um momento decisivo para a garantia da soberania brasileira na região”. Ele argumenta que, por trás do discurso humanitário dos países centrais sobre o ambiente ecológico, as populações indígenas e o narcotráfico na Amazônia, estão preocupações bem mais profundas. Entre elas, o general relaciona o controle do mercado de minerais estratégicos, recursos abundantes na região, como o nióbio - essencial para o programa espacial americano -, o ouro e recursos minerais existentes na reserva ianomâmi, cujo valor é calculado em cerca de US$3 bilhões.

Jansen afirma que “os interesses de americanos e europeus pelos recursos da Amazônia já motivaram a defesa da tese da ‘soberania relativa’, que, obviamente, não é aceita pelo Brasil”. Ele diz que o Calha Norte - um projeto de fortalecimento das fronteiras do Norte do País - foi um dos mais importantes sob o ponto de vista da defesa dos interesses nacionais. Mas ele lamenta que o projeto tenha sido “prejudicado pelo equívoco infantil de que se tratava de uma militarização da Amazônia”. O general, cujos colegas de turma ainda estão na ativa, sustenta que o Calha Norte foi motivado pela intenção de ampliar a presença de diversos segmentos da sociedade na região. “O segmento militar era apenas um deles”, diz. Na época em que foi concebido (1986), o projeto representou, também, uma tentativa de resposta brasileira à influência de Cuba no Suriname.

Para Jansen, “o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) tem vulnerabilidades, porque o fornecedor dos seus equipamentos conhece as características do material, as suas assinaturas eletrônicas”, mas ele acredita que a alternativa seria ficar cego em relação à região. As providências imediatas de alcance estratégico recomendadas pelo general Jansen para o reforço da soberania brasileira na Amazônia devem ser a plena operação do Sivam, a reativação urgente do Calha Norte e uma efetiva prioridade para a vocação econômica da Amazônia.

O general Jansen critica as elites no poder pela “falta de sensibilidade com relação aos meios para a defesa da Nação”. Ele acredita que “a submissão a teorias emanadas de centros de poder estranhos ao nosso território tem causado desencantos”. Dá o exemplo dos tigres asiáticos, que “se recompuseram depois de abandonar as diretrizes do FMI”. Para ele, se houvesse uma “observação inteligente e lúcida da realidade brasileira”, haveria a conclusão de que “há uma dívida da Nação para com a Amazônia” e de que é preciso reequipar as Forças Armadas. “Precisamos de uma presença do Exército melhor e maior, apesar do grande esforço que tem sido feito pela força terrestre na região”. Ele lembrou que no passado a transferência de um militar para a Amazônia era vista como “purgatório”, mas hoje passou a ser um prêmio.

Ao analisar a Amazônia como cenário de um conflito que envolva o Brasil, o general Carlos Eduardo Jansen admitiu a hipótese de uma “vietnamização” da região: “Se o Brasil enfrentar, na Amazônia, um poder adverso, de superioridade incontestável, vamos ter que apelar para o que os chineses na década de 40 chamavam de ‘guerra popular em profundidade’. Neste caso, o Exército seria a espinha dorsal dessa defesa, em uma guerra irregular, mas com uma cadeia logística muito bem montada.

Jansen acrescenta que “é possível, na Amazônia, ter um inimigo muito bem armado, enfrentá-lo com um canivete bem afiado, e atraí-lo para um tipo de conflito como o do Vietnã”. Apesar dos problemas apontados, o analista militar acredita que “o Brasil está adotando uma política responsável em relação aos EUA, com a prioridade do Mercosul, e não da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e se tem mostrado responsável na política externa, especialmente no Plano Colômbia, quando liderou a ação dos chefes de Estado estrangeiros para a discussão do problema.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Só um instante, Sr. Senador.

São declarações encontradas na revista IstoÉ e formuladas pelo General Jansen. Não são, portanto, palavras minhas. Parece até, pela minha permanente presença nesta tribuna, para fazer denúncias, que tenho verdadeira obsessão pelo tema. Na verdade, move-me a indignação de brasileiro, de amazônida, por perceber que nós, brasileiros, continuamos com aquela visão romântica dos portugueses, de vivermos voltados para o litoral, mais precisamente para o litoral rico do Sul e do Sudeste, esquecendo-nos da imensa fronteira do Brasil com todos os países da América Latina, com exceção do Chile e do Equador.

Concedo, com muito prazer, o aparte ao Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Mozarildo, quero partilhar do pronunciamento de V. Exª. É uma preocupação continuada de V. Exª, externada no Senado Federal, de maneira clara e objetiva, a defesa da soberania do nosso País e de uma inteligência de Estado que esteja à altura do que a Amazônia representa para o Brasil. Dou esse testemunho de maneira muito tranqüila e partilho dessa opinião, com V. Exª, porque a grande imprensa brasileira vem insinuando, via de regra, que o risco de internacionalização da Amazônia é uma visão confusa, uma alucinação de alguns brasileiros, quando falam desse risco ou da ameaça de outros interesses, que não estão muito claros, na ordem do dia internacional. E esse encontro dos ministros de Defesa, no Estado do Amazonas, demonstra que essa preocupação deve ser de todo o povo brasileiro, do poder constituído no Brasil e, principalmente, daqueles que enxergam na Amazônia um ambiente propício para construir um país mais soberano, com mais autoridade internacional, capaz de influenciar a ordem econômica, social e política internacional nos próximos anos. Entendo que seria ingenuidade imaginar o contrário, ou seja, que não há esse risco, que outros interesses não estariam voltados para a Amazônia. Voltando um pouco na história, vamos ver que, em 1819, já havia conflito sobre a autonomia do Brasil quanto à navegação nos grandes rios amazônicos. No final da segunda metade do século XIX, o grande impulsionador da indústria de automóveis americana foi a borracha, principalmente a borracha brasileira, o chamado ouro negro, que assumiu a posição de segundo produto do PIB nacional, disputando com o café. Naquela época, o governo americano tenta implantar, juntamente com os governos francês, alemão e inglês, um sindicato chamado Bolivian Sindicate, que fazia do Estado do Acre uma área livre dentro da América do Sul, para a exploração econômica e para a presença de países fortes no cenário internacional dentro desse futuro paraíso econômico internacional. Não há dúvida, então, de que, agora, ainda mais, pela presença da biotecnologia, da biogenética, dos recursos minerais e da água. Ontem mesmo - e peço mais um pouco de tempo a V. Exª - fui ao colégio da minha filha, para uma comemoração, e a temática da apresentação dos alunos era a água e a preocupação com o meio ambiente. Portanto, isso está presente no dia-a-dia, na agenda de todas as crianças do Brasil, da juventude, da comunidade internacional. E tudo porque o Brasil tem a Amazônia, tem água, tem recursos minerais e um patrimônio genético imensurável. Não há dúvida de que toda essa riqueza desperta interesse e de que a existência do Plano Colômbia, sobre o qual V. Exª falou, deixa muito clara a intenção do governo americano de firmar sua presença na América do Sul e de aprender sobre a Amazônia colombiana, que é igual à Amazônia brasileira; assim, o mito do muro intransponível, que hoje a Amazônia representa para a presença militar americana, deixaria de existir. Que não haja mais ingenuidade nas discussões no nosso País e que possamos tratar essa questão de maneira científica, em um campo político elevado, como V. Exª faz muito bem aqui.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço a V. Exª, Senador Tião Viana, que é um homem conhecedor da Amazônia e que tem abordado aqui no Senado, com muita seriedade, os problemas da região.

V. Exª disse que os americanos vão aprender sobre a Amazônia na Colômbia, mas, na verdade, eles já estão aprendendo na Guiana, porque já estão lá, em um acordo de cooperação com aquele país, treinando os militares guianenses. Assim, se já estão ao norte da Amazônia e, agora, vão para a Colômbia, os próximos passos serão facilmente previsíveis se nós, brasileiros, adotarmos uma postura omissa e passiva diante dessa situação. Embora ressalte o general que o Governo brasileiro tem adotado uma postura adequada no que se refere à questão diplomática e a certos cuidados que devem ser tomados, penso que o Governo precisa ser menos tímido e mais arrojado no cuidado com a Amazônia.

Hoje li em uma manchete, no jornal Folha de S.Paulo: “Amazônia. Índios se opõem à construção de quartéis em áreas próximas às reservas”. Surpreendentemente, Senador Tião Viana, um dos lugares onde se diz que os índios estão se opondo é a região do Uiramutã, no meu Estado. E o que é mais engraçado, Senador Tião Viana, é que um dos índios da região do Uiramutã é Vice-Prefeito, vários são Vereadores, outros são funcionários públicos; enfim, eles vivem muito mais na capital, Boa Vista, do que em aldeamento. Quem lê uma notícia dessas, no Sul e no Sudeste, tem a impressão de que se trata de uma aldeia primitiva, semelhante à dos ianomâmis, e que talvez a presença de um quartel pudesse causar danos aos índios. Já está havendo, inclusive, pregação contra a presença do nosso próprio Exército em uma região de fronteira importante, como é o Uiramutã, que faz fronteira com a Guiana e com a Venezuela.

É preciso que haja, efetivamente, uma política nacionalista. Não temos que ter medo de assumir a postura de nacionalistas. Quando leio o próprio general dizer que não pertence à linha nacionalista dos militares, penso que temos de ser nacionalistas, sim, e defender o nosso País, não com aquela visão retrógrada de apenas termos a posse da terra, buscando a exploração irracional de recursos minerais. Devemos pensar em manter a nossa terra para as futuras gerações, usufruindo corretamente das riquezas minerais, apoiando os nossos índios e provando aos Estados Unidos e aos seus aliados, enfim, às potências que comandam o mundo, que intervêm onde pensam que devem intervir, que nós, no Brasil, sabemos cuidar do nosso País, sabemos cuidar da Amazônia, das nossas riquezas e temos capacidade de combater o narcotráfico e os ilícitos que ocorrem na região com os nossos próprios meios.

Fez muito bem o Presidente Fernando Henrique Cardoso ao não aceitar o engajamento do País no Plano Colômbia, que é a ponta de lança da grande e efetiva invasão da Amazônia pelas potências estrangeiras.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/2000 - Página 21217