Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à gestão do Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). IMPRENSA.:
  • Críticas à gestão do Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/2000 - Página 21225
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). IMPRENSA.
Indexação
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, JOAQUIM RORIZ, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), REPRESSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SERVIDOR, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), PROVOCAÇÃO, MORTE, TRABALHADOR, MANIFESTAÇÃO, GREVE, IMPUNIDADE, CRIME.
  • SOLIDARIEDADE, RICARDO NOBLAT, JORNALISTA, VITIMA, VIOLENCIA, MOTIVO, OPOSIÇÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), ELOGIO, ETICA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, numa sexta-feira como esta, com este azul de Brasília, com este trânsito já tranqüilo, aguardando a solidão de domingo, eu gostaria de não ter de tratar de um tema tão pesado, tão grosseiro, tão desumano.

Eu estava em dúvida entre dois temas e já havia optado por tratar da agressividade e da selvageria centradas na figura do Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, porque os cadáveres não podem esperar. Por isso, deixarei o outro tema para segunda-feira.

Em dezembro, fui lá. No dia, eu estava impossibilitado fisicamente, acometido de uma pré-pneumonia. Portanto, percebi que eu não iria conseguir subir no carro de som, para levar a minha solidariedade ao grupo de grevistas. Desse grupo, faltava um que tinha sido assassinado no mês de dezembro do ano passado. E o procedimento do Sr. Joaquim Roriz, nesse caso, foi o mesmo que ocorre em todas as suas manifestações, inclusive nessa citada pelo Senador Antero Paes de Barros, que leu parcialmente o discurso daquele Governador, o qual vou repetir.

Em dezembro do ano passado, houve um tiro de bala real. Depois de um longo período em que foram feitas as perícias, constatou-se que aquela bala não era de borracha, mas de chumbo. Ela atingiu e matou um colega nosso que estava tranqüilamente sentado. A violência da qual ele foi vítima foi deflagrada por quem? Quem mandou?

            Naquele dia, acordei às 4 horas e 30 minutos e sabia que não tinha condições de falar. Então, escrevi estas palavras:

Pela ordem, pela ordem!!!

A ordem é obedecer à ordem.

A ordem é aquilo que os homens da ordem dizem que a ordem é, que a ordem foi, que a ordem será.

A ordem dos homens da ordem é enquadrar como desordem os direitos dos trabalhadores à vida, ao trabalho, à dignidade.

Aos que ousam afirmar o direito ao alimento, a ordem é o fuzilamento; aos que pretendem um julgamento, o sumário banimento.

Mas, senhor da força, do despotismo, nós queremos o pagamento dos salários que foram roubados, devorados pelo rato da inflação, que um dia foi e ainda será o dragão da inflação.

Queremos apenas reposição, pra que tanta munição?

Nós estamos desarmados, sem munição nem de boca, sem aposentadoria, sem pensão, aguardando em ordem a morte lenta, a morte legal e garantida pela ordem neoliberal.

Queremos reposição da vida, dos vencimentos roubados, não reivindicamos antecipação de nossa morte.

Estamos desarmados, não pretendemos muito, nem sequer pedimos para sermos amados, que isto seria pedir demais, seria desordem no mundo dos donos de tudo, no mundo da ordem armada, desalmada.

A ordem é democrática, o crime é reclamar. Protestar é abusar da ordem democrática, é contra a democracia atentar.

Muito, já se sabe, se foram pelo bueiro do desemprego, pelos ralos do submundo, pelo redemoinho da informalidade. Os roubados e não pagos são os privilegiados da nova ordem, os neomarajás esfarrapados.

Se fugirem desta vida, entrarão noutra lida, talvez noutra morte. A pobre morte dos sem-terra ou na ordem dos aposentados post mortem, obrigado.

Não nos ergueremos jamais, temos mulher e filhos para olhar, e a neo-ordem é arrancar o aparelho de enxergar [dois ficaram cegos nesse episódio, e a ordem é arrancar o aparelho de enxergar; um morreu, e dois ficaram cegos com a bala].

Os mortos não fazem greve, não reivindicam onde morar, não aumentam a taxa de desemprego, ajudam o governo a brilhar.

Depois de nos matar, de nossos companheiros ferir, os homens finos da ordem, governadores e presidentes, pedem desculpas, mandam flores como balas sorridentes.

José Ferreira da Silva e mais 26 inocentes foram assistidos, isto é, observados por dois secretários de Roriz, “assistidos” até o fim.

Hoje, na hora do enterro, peço a palavra pela ordem, para contra a ordem protestar.

Na hora final da covardia, a ordem é esconder, é ocultar de quem a ordem partiu [o tempo é o senhor da razão, nós já sabíamos de onde a ordem havia partido, mas não tínhamos provas e nem confissão].

Vá prá ordem que o pariu.

Pois bem, o Sr. Joaquim Roriz continua com a sua pregação. Obviamente, na sua cabeça arcaica constituiu-se uma personalidade repleta de animal spirits - para traduzir essa expressão inglesa, preferi usar “pulsões atávicas”. Parece que S. Exª nasceu antes de as palavras serem articuladas pelo ser humano, porque não se dá com elas. S. Exª tem uma dificuldade imensa para com as palavras, porque pertence a essa era em os homens não haviam ainda transformado os seus urros, os seus berros, a sua imitação dos sons da natureza numa linguagem articulada.

Até hoje, não foi julgado o criminoso, ou não o foram os criminosos que abateram o pacífico companheiro, jardineiro, que ali se encontrava em desespero, em dezembro do ano passado. Parece que existe, também, algum preconceito contra a raça ou contra a cor, devido a esse aspecto primário que caracteriza as manifestações do Sr. Joaquim Roriz. As questões não são colocadas em termos políticos e ideológicos, mas em termos de cor. Não é um preconceito racial. Há uma completa ausência de espírito e raciocínio político-ideológico nessa infeliz cabeça que ocupa o Palácio do Buriti.

Diz o Governador, na primeira página do Correio Braziliense do dia 21 de outubro de 2000: “Se tiver alguém aqui da cor que não é azul, cuidado. Muito cuidado. Está correndo risco. Se algo acontecer, não tenho culpa, não tenho nenhuma responsabilidade”. Defende-se o Sr. Joaquim Roriz já antecipadamente, como se culpa no cartório tivesse. Quem foi que disse que S. Exª tinha culpa? Ninguém disse. É sua consciência pesada de outros episódios semelhantes que leva o Sr. Joaquim Roriz a pedir desculpas, dizendo “se algo acontecer, não tenho nenhuma responsabilidade”. Quem é irresponsável não pode ter responsabilidade. Para que se tenha responsabilidade, de acordo com o Código Penal - e, no caso, trata-se de uma responsabilidade penal -, precisa-se ter consciência do caráter criminoso do ato. Quem não a tem não é responsável. É irresponsável penalmente, pelo menos. E quem, de acordo com o Código Penal, colabora de qualquer maneira para que o crime aconteça é responsável, sim. É considerado autor do evento criminoso, bastando colaborar, de alguma forma, para que ele se dê.

Continua o Sr. Governador: “Essa gente não tem coragem de entrar onde está o povo. Vem falar aqui agora. Vem pra cá para falar para o Governo. Para falar com o Governo precisa estar preparado.” É filosófica essa tirada! Como S. Exª consegue, de um jato só, de improviso, falar uma frase que parece congruente, numa fulanização do Governo! Para essas cabeças, o Governo sou eu; “para falar com o Governo” quer dizer “para falar comigo”. Segundo esse tipo de pensamento deformado, o Governo é ele mesmo. E continua: “Se não está acostumado a apanhar, vai apanhar neste momento.” Palavras de S. Exª, o Governador do Distrito Federal.

Eu não precisava dizer mais nada, o Sr. Roriz fala por si.

Naquele episódio de dezembro, S. Exª nomeou uma comissão composta por três ilustres cidadãos do Distrito Federal: advogado, juiz, etc. Quando recebeu o relatório feito por essas pessoas que havia indicado, o Sr. Roriz rasgou-o - naturalmente, porque não deu certo para o Governo. Perguntado por que, disse que ali havia pessoas pouco qualificadas, gente de outra cor, um advogado, respeitabilíssimo, que havia pertencido, ou pertencia, ao Partido Comunista Brasileiro. Como havia gente de outra cor entre os três que havia nomeado, S. Exª, portanto, se julgava no direito de rasgar o relatório.

Assim, foi empurrando a situação com a barriga, e demitiram-se dois secretários de Governo, mas “o tempo é o senhor da razão”. No dia do enterro, eu perguntava de onde a ordem partiu. Hoje não pergunto mais. Tenho certeza de onde a ordem partiu! Entre as vítimas dessa personalidade estranha, encontra-se principalmente o Jornalista Noblat, do Correio Braziliense.

Incomoda a certas pessoas a instituição de uma substância ética no Correio Brazileinse, que foi proposta e implementada pelo Sr. Noblat. Não conheço pessoalmente o Sr. Noblat. Senti, solidaridarizei-me, quando dois filhos seus foram violentamente agredidos por questões decorrentes da postura ética, da postura construtiva e da postura digna - que, cada vez mais, premiava o Correio Braziliense -, da sua independência em relação aos governos, e, portanto, incomodando cada vez mais.

Sabemos que alguns desses agressores fazem parte de uma “tropa de choque”, que tem o seu quartel-general na Ceilândia, num grupo de karatê financiado por um ex-Senador de Brasília.

Viver é muito arriscado. Fazer política em Brasília é muito mais arriscado do que se pensa!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/2000 - Página 21225