Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Explicações pessoais sobre matéria veiculada na revista VEJA, desta semana.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • Explicações pessoais sobre matéria veiculada na revista VEJA, desta semana.
Aparteantes
Heloísa Helena, Iris Rezende, Sebastião Bala Rocha, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2000 - Página 21316
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • CRITICA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, CASA PROPRIA, ORADOR, RECEBIMENTO, AUXILIO-MORADIA, SENADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, vinte anos de Partido dos Trabalhadores; vinte anos de luta; vinte anos de atritos; vinte anos tentando manter a coerência, a postura, tentando manter tudo que, amadurecidamente, concluí que deveriam ser as normas éticas a presidir o Partido dos Trabalhadores.

Nessas andanças e lutas, aprendi, pela primeira vez, o que era vencer uma eleição e não levá-la. Eu já deveria estar neste Senado há, seguramente, 16 anos. Na primeira vez em que houve eleição em Brasília, em 1986, estava em casa estudando quando um grupo do Partido dos Trabalhadores foi lá e me disse que o diretório havia me apontado para candidato ao Senado. Levei um grande susto e lhes disse: “Mas eu? Não tenho condições. Acabei de construir esta casa”. Tal casa, que tem tanto espaço na mídia, ocupa duas páginas da última edição da revista Veja. Portanto, eu estava completamente incapacitado, mesmo financeiramente, de disputar a eleição. Disse-lhes que, se eles me indicassem para deputado federal, talvez aceitasse. Todavia, o Partido me convenceu de que eu deveria entrar numa campanha derrotada para o Senado. Entrei!

           Não tinha dinheiro para alugar sequer uma sala. Tive, em três campanhas, um secretário em uma delas. Não paguei mais ninguém a não ser um motorista. Em três campanhas, dois funcionários pagos trabalhando para mim.

           Em uma dessas vezes, o Partido já começava a crescer, a despontar. Este Partido produz algo que outros partidos raramente têm: endorfina. Somos movidos a endorfina. A nossa Líder, Heloísa Helena, se auto-endorfina. Com a sua própria ação, com a sua beleza, com a sua grandeza, com a sua inteligência, ela vai se abastecendo de endorfina, de alegria, de contentamento, de regozijo.

           Não precisamos de vitória!

           A primeira vez que, para surpresa minha, o Prof. Dércio Munhoz passou na minha sala e falou: “Lauro, estou preocupado. Talvez você saia desmoralizado desta eleição. Quantos por cento você acha que você vai ter?”

           Eu disse: “Dércio, são vinte e sete candidatos ao Senado. Se eu tiver 5% dos votos, estarei muito satisfeito”. Estava contando com esse percentual de votos. Quinze dias antes da eleição, as pesquisas eleitorais não me incluíram entre os 20 mais votados. Todavia, 15 dias depois, no dia da eleição, fui o segundo mais votado. Não posso, pois, acreditar em pesquisas de opinião, uma vez que não temos dinheiro para comprá-las, nem dispomos de nenhum jornal, revista ou estação de rádio neste País. Por isso, fiz a segunda campanha com duas cornetas na Estação Rodoviária, o que se tornou notícia: Professor universitário dá aula de corneta na rodoviária na mais completa e autêntica pobreza. Mas é óbvio que eu já morava nesta casa, que tanto incomoda a burguesia, a qual pensa que o lugar de membros do Partido dos Trabalhadores é debaixo da ponte, onde põe o povo e o subpovo brasileiro. Devíamos e merecíamos estar debaixo da ponte, se não estivéssemos como pretende o Sr. Roriz, por exemplo, mortos, porque somos vermelhos e deve-se liqüidar os vermelhos, que, como glóbulos vermelhos do sangue, crescem e, felizmente, fortalecem o organismo, mostrando-lhe a vitalidade.

           Não vou perder tempo com esse assunto porque isso aqui se chama bis in ibidem. Uma revista da Globo - eu não sei o nome dela - publicou, há três meses, na primeira página interna, uma fotografia da minha casa igualzinha a essa. Pois bem! Eu não tenho explicação nenhuma a dar. Vocês podem estar certos de que a minha casa, como tudo o que tenho, veio do meu trabalho; e se não tivesse vindo do meu trabalho, e se não prezasse tanto o meu trabalho, não seria fundador do Partidos do Trabalhadores, porque lá ingressei, não em São Paulo, como daqueles fundadores lá, mas aqui, em 1980.

           Considero que toda a cultura humana, tudo que o homem produziu desde a sua casa, desde o seu conhecimento científico e tecnológico, desde as suas religiões, desde todas as manifestações culturais vieram do trabalho humano. De modo que eu estou muito tranqüilo com este trabalho que me fez produzir endorfinas tantas vezes. Dizia, lá em casa, que gostava quando o caseiro era preguiçoso. Pensavam os que me ouviam dizer isso que eu gostava de dizer coisas surpreendentes. Mas não era não. Eu gostava do caseiro preguiçoso, porque ele me dava oportunidades de fazer as centenas de covas furadas com as minhas mãos.

           Eu sou diabético e passei dez anos sem remédio de farmácia algum. Eu tomava tambu ou guatambu, é o mesmo pau da enxada, aquele pau lisinho e sem calosidade que a mão pega com satisfação. Tambu ou guatambu é conhecida por suas propriedades antiglicimiantes.

           Então, eu dizia que cada um parece que nasce com uma árvore na vida. A minha é a guatambu. Eu suo nela no cabo da enxada no meu terreno e, ao tomar um gravetinho dela por dia, ela reduz a minha glicose. Essa é a minha árvore, a árvore da minha vida.

           Depois, a partir de 1957, cada vez mais, fiquei descrente das mentiras, da ideologia construída com muita inteligência na Inglaterra. O Brasil nunca construiu uma ideologia. Estamos ainda no nível da mentira. Os nossos economistas não conseguiram chegar lá. O único que iniciou uma ideologia transplantada foi Raul Prebisch, Presidente da Cepal. Nenhum outro conseguiu, em nenhum ramo das ciências humanas, construir uma ideologia.

           Parece-me que eu, desde aquele momento, passei a ser crítico, um demolidor de mentiras - mentiras altamente refinadas. Levei 20 anos para escrever e publicar o primeiro livro - publiquei em 1980, 23 anos depois que eu o havia iniciado.

           Certa vez, o Prof. Orlando de Carvalho, Reitor da Universidade de Minas Gerais, convidou-me para fazer concurso em Belo Horizonte. Só porque me convidou, não quis fazer. “Mas, Lauro” - perguntou ele -, “o que você foi fazer em Goiânia?” “Fui preservar a minha integridade, a minha dignidade” - respondi -, “acordando aqui às três e meia da manhã para dar aula às sete e dez”. Não quero que ninguém me proteja, não quero ser protegido.

           Meu pai foi professor durante 25 anos na Universidade de Minas Gerais, e, obviamente, deixou lá um rastro de respeito e admiração, que teriam influenciado na decisão do meu concurso no dia que eu o prestasse. Aqui em Brasília havia o Prof. Darcy Ribeiro; nunca o procurei. À página 89 de seu livro chamado Migo disse: “Conheci o Professor Carlos Campos, o único sábio que conheci na vida, uma vida inteira dedicada à pesquisa e à meditação. Gostaria de ser probo e sábio, mas não tanto.” Foi o que disse Darcy Ribeiro a respeito do meu pai.

Ainda assim, modestamente, consciente da minha mediocridade e lutando para vencer a minha burrice, eu persisti. Sou o resultado da minha persistência e também do meu orgulho, do meu desejo de permanecer ereto, de falar e de criticar quem eu quiser e considerar que mereça, sem ódio e sem rancor, mas também sem bajulação e sem dobrar a minha coluna.

Não tendo nada o que encontrar publicável sobre mim - sem me darem o espaço de uma linha em seis anos de mandato -, agora perderam duas páginas comigo, referindo-se à minha residência: uma casa que me custou não apenas o trabalho. Pedi licença na UnB para ser o meu próprio mestre-de-obras; fiz a planta anterior e aprovei o projeto, com exceção das plantas hidráulica e elétrica, feitas por um estudante de Arquitetura a meu pedido. Essa casa não me custou apenas trabalho; me custou lágrimas. Meu pai e minha mãe morreram e deixaram-me uma herança. Tive de chorar esses recursos e imobilizei-os numa casa. Poderia, com aquela herança, ter construído três panificadoras, duas farmácias ou outro empreendimento, transformando aquele montante em capital, que é valor que se valoriza. Quando um patrimônio não se valoriza - como aquele que se investe na própria casa para morar -, ele não é capital, ao contrário do que publicaram os ignorantes que trabalham nesses duas revistas.

Um dos jornalistas afirmou que sou capitalista, porque construí essa casa. Ao revés, eu estava esterilizando o meu capital. Na União Soviética, na velha e execrável tentativa de instituir o socialismo, resultando no socialismo real, poderia um ser humano ter três casas - uma na cidade, uma na praia, além de uma dacha, isto é, uma casa de campo -, desde que não as alugasse. Aqui, entenderam que seria uma grande ousadia e um desaforo enorme eu possuir uma casa. Não vou dizer, não me obriguem a falar o que não gostaria de dizer.

O fato é que meu pai foi Deputado Estadual, Deputado Federal e um advogado vitorioso. Minha mãe era de uma família que foi proprietária de grande parte do Município de Unaí, aquelas terras em que ocorreram invasões e a questão do Pau-Ferro, tudo aquilo ali era ou do pai de mamãe ou dos irmãos dela, que estavam lá trabalhando e, felizmente, se enriquecendo. O Dr. Joaquim Brochado, tio de mamãe, médico respeitável, admirável, trabalhou até os noventa anos de idade. Quando meu trisavô veio de Goiás para Minas, daí esta cor meio índia, deixou aqui em Goiás 480 mil hectares de terra. Ele se chamava Alexandre Loureiro Gomes. Eu e meus irmãos nos reunimos para oferecer 1.200 “hectarezinhos” ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e até peço desculpa por ter tão pouco para oferecer.

Mas aqui se diz que sou uma espécie de ladrão, porque recebo R$3.200,00, quantia que não recebia, mas passei a receber em forma de auxílio-moradia. Não vou discutir ética com quem me parece que não entende nada desse assunto. Eu o aconselharia a ler A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, que mostra que as transformações da ética ocorridas no início do capitalismo, ou seja, o luteranismo, o calvinismo, a formação dos anabatistas, a formação das diversas seitas reformistas influenciaram muito na ética e no espírito do capitalismo, e ele expõe as afinidades de algumas dessas seitas com o desenvolvimento do capitalismo. Para mim, ele inverteu o mundo. Foi a sociedade humana medieval, ao se transformar, ao se laicizar, substituindo o Deus Jeová pelo deus capital, colocando o capital como deus no centro dessa sociedade que deixou de ser teocêntrica para ser “capitalcêntrica”.

De modo que eu sempre soube que houve e que há, na realidade, duas éticas diferentes: a ética do trabalho e a ética do capital. Assim, a ética do capital é a da eficiência, da acumulação, da exclusão, do individualismo, do egoísmo, da concorrência. A outra ética, a do trabalho, é a da simplicidade. Parece cinismo falar em simplicidade e morar em uma casa que ocupa duas páginas da Veja. Tenho certeza que essas duas páginas da Veja devem custar mais que a minha própria casa fotografada nessas páginas. Mas o capital tudo pode. Então, a ética do trabalho é a da solidariedade e não a da competência. É a ética do amor, a ética da fraternidade e não da agressividade. São duas éticas diferentes.

Escrevi certa vez muitas páginas sobre isso, pretendendo alertar o meu Partido para que ele não se submetesse ao capital, não admitisse sequer a colaboração de banqueiros e de grandes industriais nas nossas campanhas. Por isso eu nunca tive um outdoor na minha vida, nas três campanhas de que participei; nunca tive dinheiro para colocar em outdoor e nunca fui subsidiado, nem por padeiro, nem por banqueiro, nem por industrial, por ninguém. Agora, se eu tivesse pego esse dinheiro dos capitalistas, eu não precisaria dos R$3.200,00, que, legalmente, recebo como Senador da República. Eu poderia morar num apartamento ou poderia morar na minha residência. Uma casa é mais do que tijolo, é mais do que uma casa, é um lar. E esta aqui é um projeto de vida. Meus filhos já estão chegando, morando perto de mim. No dia em que os jornalistas foram lá bater essa fotografia, felizmente, dois filhos moravam comigo nesta casa, e a outra filha morava numa casa que construí mais ao fundo. Eles queriam saber até o número de trempes que tem o meu fogão. E se dizem jornalistas! Eu não falei quantas trempes; são seis; o fogão tem trinta anos. Excelente! Eu não ia perder muito tempo com isso, não!

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Lauro Campos, V. Exª concede-me um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Concedo um aparte à nobre Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Lauro Campos, eu não poderia deixar de fazer um aparte a V. Exª - não que V. Exª precise de defesa, nesta Casa, porque não precisa. A sua história de vida, a sua história de luta é o patrimônio mais bonito que você, meu querido companheiro, tem para responder a qualquer revista, a qualquer matéria, a qualquer nota jornalística. Quero compartilhar também da sua alegria pelas muitas vitórias dos corações vermelhos espalhados por este País e dizer que V. Exª realmente me conhece muito bem. Apesar da derrota eleitoral sofrida lá em Alagoas, continuo sorrindo, porque, para mim, a maior vitória eleitoral é a de eu não ter-me ajoelhado covardemente perante os grandes e os poderosos, não ter comido na mão das empreiteiras, dos usineiros, da quadrilha “collorida”. Só isso me dá oxigênio para eu continuar lutando. Sei que esse tipo de matéria mexe profundamente conosco, porque toca naquilo que temos de mais precioso, que é a nossa honra, a nossa dignidade. Já fui vítima disso tanto aqui como lá no meu Estado, onde os "morcegos negros", que mandam na comunicação, como bem retratou o jornalista, matam-me todos os dias. Aliás, tratam-me como se eu não tivesse mandato. Lá, em Alagoas, só quem tem TV Senado e os velhinhos do interior, que escutam a Voz do Brasil, sabem que eu trabalho aqui. Para alguns, se depender de rádio, jornal e televisão, enfim de toda a estrutura de comunicação do Estado, estou cumprindo o meu mandato em Marte. Todos os dias eles batem em mim. Eu já deveria estar acostumada com isso, mas, como não nasci para ser masoquista - sádica, talvez, mas, masoquista, jamais -, sofro muito com isso. Conheço o sofrimento que esse tipo de matéria provoca. Peço licença ao Presidente da Casa para fugir do Regimento e do tratamento de V. Exªs. Estou emocionada, porque o nosso querido companheiro Lauro Campos é como o oxigênio tanto para nós, do PT, como para todas as pessoas de bem. Eu já lhe disse que ele não pode faltar a sessão, nem adoecer. Eu daria a metade do meu coração para que ele estivesse sempre aqui, porque, quando olho os seus cabelos brancos, a sua maturidade associada à mais bela expressão da juventude, da firmeza de caráter, tenho a mais absoluta certeza de que ele é o meu grande oxigênio aqui nesses tapetes azuis. Portanto, nem precisaria de aparte, mas eu quis falar porque sei o quanto machuca profundamente esse tipo de matéria. Aqui fica o meu beijo e a minha admiração para você, para a família, para as pessoas que fazem com que nós continuemos lutando. Quando olhamos para você, vemos um companheiro de luta, uma pessoa destemida, capaz de enfrentar qualquer adversidade e não se dobrar. É isso que nos dá esperança. Seus cabelos brancos me dão a esperança de chegar lá, com firmeza ideológica, com firmeza de caráter, sem se ajoelhar covardemente diante desse mundo tão sedutor, porque é um mundo fácil. Os caminhos fáceis da política, do cinismo, da dissimulação, do dinheiro fácil é um mundo preparado para quem quer meter a mão. Esses podem enriquecer, podem dormir escutando o barulho do mar. Esses podem ter tudo; os outros não têm nada e, quando conseguem, fruto do trabalho, como é o caso de V. Exª, ainda passam a ser confundidos com todos os outros dentro de uma página de jornal. É como se uma página de jornal tivesse a ousadia de atacar toda uma história de vida. E isso não é justo, não é certo. Portanto, a mais absoluta admiração de todos nós que fazemos o PT e também de centenas de pessoas espalhadas neste País, que têm profunda admiração pela sua história de vida e pela sua participação aqui no Senado.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Nobre Senadora Heloísa Helena, para felicidade minha e engrandecimento meu, seu aparte veio confirmar nossas muitas afinidades, afinidades que me engrandecem todo dia e que também me rejuvenescem. Meu muito obrigado pelas suas palavras carinhosas.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Lauro Campos, também acredito, como a Senadora Heloísa Helena, que não é necessário V. Exª analisar essa ofensa que a revista Veja traduziu nessa matéria, talvez não por uma ação da revista, mas pela interpretação de vida que o jornalista tenha e que tentou traduzir em relação ao lar de V. Exª. Prefiro refletir sobre a idéia de vitória do nosso Partido ao longo desses 20 anos, externada em seu pronunciamento. V. Exª falou da derrota antecipada com que íamos às urnas antigamente. Em 1994, também fui candidato ao Governo. A pergunta que ficou em minha memória foi a seguinte: quem vai para o matadouro dessa vez? Naquela oportunidade, era a minha vez de ir, numa disputa ao governo. Não ganhei a eleição por dificuldades estruturais, pela falta de consciência política que havia naquele momento. Era difícil fazer a população entender o projeto do Partido dos Trabalhadores: um projeto democrático e popular. E por 2.600 votos não cheguei ao segundo turno. Se tivesse ido, poderia ter sido vitorioso. Hoje, no entanto, o Brasil “avermelhou”, como muito bem foi dito. É um momento de alegria. Essa atitude isolada em relação ao lar de V. Exª não deve ser levada em consideração, porque é uma concepção de vida, de mundo, da possibilidade de viver com dignidade. No entanto, pouca gente tem compreensão do que é fazer política dessa maneira. A revista Veja quis atingir um “peixe grande”, um poderoso, e não perdeu a oportunidade de atingir alguém que vive no mundo da dignidade, da consciência, da profundidade do conhecimento, alguém que tenta traduzir a vida política de forma elevada, sob o ponto de vista ético. Estou lendo um livro intitulado Por Uma Ética Mundial, de Hans Küng, que analisa alguns aspectos nesse sentido. Confesso-lhe que não cabe uma crítica a V. Exª. Tive o prazer, em determinada oportunidade, de entrar em sua casa para uma visita de solidariedade. Lá reina a dignidade. A sensação de quem ali vai é a de um ambiente limpo, humano, ético; e V. Exª é alguém que poderia fazer muita coisa bonita pelo País se a ética da imprensa fosse outra. Não quero condenar a revista, porque penso que ela precisa enfrentar o desafio de ajudar o Congresso Nacional a passar por uma grande depuração ética nessa empreitada que faz, mas que o faça respeitando os pequenos e a dignidade que cultivamos. V. Exª tem minha solidariedade absoluta. Tenho certeza de que se a revista insistir nesse campo, fazendo com que o Congresso Nacional passe por um banho profundo na sua alma, na sua formação ética, seremos elevados nessa avaliação, a qual precisa ser feita e é inadiável, conforme as palavras do Senador Pedro Simon, na própria revista. Muito obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Nobre Senador Tião Viana, agradeço muito as suas palavras.

No que diz respeito à minha casa, o que eu teria que acrescentar apenas é que ela representa um projeto meu, muito antigo, de viver junto com meus filhos, netos e um bisneto que já tenho. Esse projeto me seduziu e trabalhei muito para a sua concretização. Não vou sair dali para apartamento nenhum, nem mesmo se fosse para um de 2.000 m², porque ali é o meu lugar; é o lugar que construí para mim e para meus filhos e netos.

Penso que o privilégio é esse, que eles não entendem: envelhecer cercado pelo carinho, pelo amor e compreensão dos meus.

Muito agradecido pelas suas palavras.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - Senador Lauro Campos, V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Pois não. Com muito prazer, Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - Senador Lauro Campos, quero, da mesma forma, solidarizar-me com V. Exª, que, sem dúvida nenhuma, foi vítima da revista Veja. Certamente, a revista, para ocupar suas páginas, precisava fazer alguma matéria sobre o Congresso Nacional e, equivocadamente, utilizou o exemplo de V. Exª. Digo, Senador Lauro Campos, que muito me anima, muito me alegra ver pessoas como V. Exª, como o Senador Eduardo Suplicy. Aliás, ninguém melhor do que o Senador Eduardo Suplicy para representar os interesses maiores daquelas pessoas mais desamparadas do nosso povo brasileiro. E V. Exª, da mesma forma, cumpre o seu papel nesta Casa, com muita altivez, com muita ética, com muita determinação. É preciso que a imprensa compreenda que o espaço reservado para se defender os interesses das minorias, dos desvalidos, não é só para quem não tem posse, ou para quem também veio de origem sindical, como, por exemplo, muito se tentou identificar o PT com um Partido de origem sindical - e com a vitória estrondosa deste Partido, quero aproveitar a presença de V. Exª na tribuna para, em nome da Líder Heloisa Helena, parabenizar o PT pela grande conquista, do ponto de vista eleitoral, em nosso País. Então, durante muito tempo, o PT foi confundido como de origem sindical, parecia até que só havia vaga no PT para quem fosse trabalhador ou operário, e não para os cultos ou aqueles que tiveram oportunidade de estudar, de ter um pouco mais de sorte na vida, seja pelas conquistas do próprio trabalho, seja pelo recebimento de alguma herança familiar. Senador Lauro Campos, eu tenho absoluta convicção de que nenhum centavo foi agregado ao patrimônio de V. Exª conseguido de forma desonesta. Cada centavo foi construído com suor, com trabalho ou com a intelectualidade de V. Exª, que é um intelectual; e a presença de V. Exª nesta Casa, pelo Partido dos Trabalhadores, defendendo os interesses das minorias, representa isto: que há espaço no campo das oposições, das esquerdas, para os intelectuais e para aqueles que, por um golpe de sorte, ou por uma dádiva de Deus, conseguem morar melhor, conseguem ter um lar e, com dignidade, ter um envelhecimento - como V. Exª diz -, além de um patrimônio para os familiares. Então, penso que foi um equívoco ímpar da Revista Veja, que precisa diferenciar aqueles que primam pela ética e pelo trabalho daqueles que querem se aproveitar apenas das oportunidades que esta vida pública oferece para tirar proveito pessoal, para usufruir de forma incorreta de favores que são apresentados. Ofereço minha solidariedade total a V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Agradeço muito o aparte generoso de V. Exª e quero aproveitar a oportunidade apenas para dizer que um projeto que apresentei visava relacionar o teto com a base.

Quando morei na Inglaterra, por exemplo, o cara-suja, que trabalhava na mina de carvão, tinha um salário sete vezes menor do que o do MP, Member of Parliament, um Deputado inglês, que ganhava sete vezes mais. Lembro-me que quando meu pai foi Deputado Federal, ele recebia também sete salários mínimos; quando ele voltou a dar aula, o vencimento dele, de um professor catedrático, era o mesmo de um Deputado Federal: sete salários mínimos. O “O de penacho” era sete salários mínimos, era o vencimento máximo, no início dos anos 50.

Então, o que pretendi foi que, quando subisse o teto, esse teto que sobe tanto neste País das injustiças, também se elevaria o piso. A minha preocupação era, portanto, proteger o piso salarial.

Um outro projeto que tenho e que está aguardando parecer me foi sugerido pelo candidato à Presidência da República dos Estados Unidos, Mac Govern, que propôs 80% de imposto sobre herança em sua plataforma de governo. Passei uns dois anos pensando como seria isso; qual seria o resultado da aprovação de um projeto como esse - não vou aqui falar qual foi a minha conclusão, como é que as forças conservadoras iriam tornar anódina essa proposta de 80% de imposto sobre a herança.

Eu tenho uma proposta: 80% de imposto sobre algumas heranças e 0% de imposto sobre outros bens patrimoniais, como, por exemplo, os bens de família.

De modo que, para aqueles que pensam que sou capitalista e rico, eu seria um capitalista completamente louco, porque proponho aqui medidas que têm por objetivo salvaguardar os interesses dos desprotegidos, daquelas faixas menores, e, obviamente, apenar as grande fortunas.

Todas as minhas preocupações são nesse sentido. Agradeço o aparte de V. Exª.

O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Concedo, com muita honra, o aparte ao nobre Senador Iris Rezende.

            O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - Senador Lauro Campos, vejo V. Exª, nessa tribuna, um tanto angustiado e inconformado. Quem o conhece, como nós o conhecemos, sabe que tem razões para estar assim - razões de ordem pessoal e não popular ou coletiva. Muitas vezes, nesta Casa, estamos em campos opostos: enquanto voto com o Governo, V. Exª vota contrariamente; enquanto defendemos o Governo, V. Exª o acusa. No entanto, estou muito à vontade para me solidarizar com V. Exª nesta hora. Tenho acompanhado, há alguns anos, sua vida como professor e político. Nos últimos seis anos, faço mais intensamente um acompanhamento permanente, diário, que nos aproxima ainda mais e que nos faz conhecer, com mais profundidade, nossos colegas Senadores desta Casa. A cada ano que passa, o meu apreço, o respeito e a admiração por V. Exª têm aumentado consideravelmente. Vejo em V. Exª um dos grandes valores desta Casa. V. Exª é um dos homens criteriosos na vida pública, corajoso nas suas posições, franco e leal aos seus princípios. Eu gostaria de dizer a V. Exª. que, embora muitas vezes tenha um conhecimento teórico e científico mais profundo que o meu na política, tenho uma vivência política mais longa do que a de V. Exª. Há quarenta e um anos que me encontro na vida pública, dos quais onze anos excluído pela ditadura militar. Posso dizer, desses quarenta e um anos de vida pública, que não conheço uma pessoa que milite na política e não tenha sido alvo da injustiça de toda a ordem, ora pela imprensa, ora pelos boatos, ora pelas infâmias pessoais. Posso dizer a V. Exª., Senador Lauro Campos, que credenciaria qualquer pessoa da imprensa a investigar a minha vida. Podem existir políticos - e sei que há muitos - criteriosos na vida pública como eu tenho sido, porém mais do que eu, desafio a quem quer que seja a dizer isto: não, eu sou mais criterioso. E tenho demonstrado isso na prática, na vivência política. Quantas vezes, Senador, fui vítima de agressões infames, de selvagerias políticas; quantas vezes passei a noite inconformado, pensando em deixar tudo, para nunca mais passar perto de político... E, no entanto, estou aqui. É um ideal que nos move. Ora, se nós temos sido vítimas de agressão, mas por estar V. Exª muito mais próximo da perfeição humana e política do que nós, entende-se que V. Exª esteja angustiado. Mas não há motivo para tanto, mesmo V. Exª não merecendo tal coisa. Li a reportagem e pensei comigo: “O professor e Senador Lauro Campos é um homem tão criterioso..”. Não vi naquilo nada que pudesse manchar o currículo ou o mandato de V. Exª. É um direito dos senadores, cabendo-lhes dele abrir mão ou não. É uma questão absolutamente pessoal; não fere a ética e não pode causar estranheza a quem quer que seja. Fazendo essas considerações, solidarizo-me com V. Ex.ª, que está muito acima dessas observações. Receba o meu abraço e o meu apelo para que continue com o mesmo entusiasmo, com o mesmo ideal, lutando pelo aperfeiçoamento das instituições, pela melhoria das condições de vida, sobretudo das camadas sofridas da sociedade brasileira. Muito obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Nobre Senador Íris Rezende, conheço V. Ex.ª há muito mais tempo do que V. Ex.ª me conhece. Em 1963, prestei concurso para catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, na disciplina de Economia Política. Às três e meia da manhã eu me levantava para dirigir um Volkswagen que me levava à primeira aula, às 7h10. Naquele tempo, V. Exª era prefeito de Goiânia. De modo que, então, eu assisti a todo o processo que culminou na cassação dos direitos de V. Exª. A minha admiração é antiga; essa prévia e antiga admiração que nutro por V. Exª fazem com que as suas palavras me sensibilizem muito mais.

Eu gostaria apenas de terminar dizendo o seguinte: no momento em que o meu partido começou a receber dinheiro de empreiteira, começou a receber dinheiro de banqueiro, eu escrevi umas dez páginas sobre a questão da ética e a ética dos trabalhadores. Não adiantou nada. Agora, se eu tivesse recebido na minha vida um tostão de qualquer proveniência do capitalismo, de qualquer indústria, de qualquer atividade, se eu tivesse recebido um real para financiar a minha campanha, eu não receberia esses R$3.200,00, eu já estaria compactuado e aliado ao capital. Eu continuo, coerentemente, do lado do trabalhador e dos trabalhadores e é por isso que as pessoas não entendem; acham que é um absurdo um marxista, um Senador do Partido dos Trabalhadores morar em uma casa de 600m2 de construção - sem nenhum luxo! Um dia, o Senador Roberto Requião foi lá em casa e me disse: “Lauro, essa sua casa, do lado de fora, é uma casa do PFL e, de dentro, é uma casa do PT. Esse seus móveis são horrorosos”. Tudo o que tenho é fruto de muito sacrifício. Depois que mudei para lá, ainda continuei a tentar substituir os móveis que não agradaram, depois de tanto tempo e de tantas mudanças, ao Senador Roberto Requião.

Sempre procurei viver com coerência e com dignidade, sem esperar recompensas. Aliomar Baleeiro e tantos outros me ofereceram cargos públicos. Aliomar Baleeiro foi lá em casa me convidar para ser secretário dele no Supremo Tribunal Federal e já tinha me convidado duas vezes para trabalhar com ele numa disciplina de finanças públicas. Eu, infelizmente, não pude aceitar nenhum desses convites. Eu tinha obsessão pelo meu trabalho e pela minha universidade, por isso agradeci muito e recusei.

Recebi outros convites, podendo dobrar meus vencimentos trabalhando na Codeplan, sendo juiz do trabalho, mas jamais aceitei. A Constituição me permitia, como professor, acumular um outro cargo com compatibilidade de horário. Nunca fui; nunca aceitei. O dinheiro nunca me atraiu, felizmente. E agora vou ser acusado de ser um ladrão dos cofres públicos porque estou recebendo R$3.200,00!

Eu poderia alugar a minha casa, talvez por R$6.000,00 por mês, e morar num apartamento funcional. Dessa forma, eu aumentaria o meu salário em R$6.000,00, mais do que dobrando aquilo que recebo líquido do Senado. Não quis fazer isso, não é isso que me move. Movem-me coisas que estão acima do entendimento comum dos homens.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Senador Lauro Campos, sinto-me no dever de lhe prestar uma prova de apreço. Sabe V. Exª mais do que ninguém que procuro distingui-lo até mesmo com carinho pelo respeito que tenho à pessoa de V. Exª. V. Exª deve se sentir inteiramente tranqüilo, pela vida que tem levado, pela vida que leva nesta Casa e pelo respeito de todos, sem exceção, dos seus colegas. V. Exª, no que diz respeito a sua pessoa, é uma unanimidade no aplauso.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Muito agradecido, Sr. Presidente. Várias vezes tenho sido distinguido com a generosidade justa, parece-me, de V. Exª, mesmo com referências a parentes meus próximos. Todas as vezes que V. Exª se refere a minha modesta pessoa, é nesses termos ou tecendo encômios à minha vida e à minha conduta.

Não posso deixar de lembrar-me de que, certa vez, perguntei a V. Exª se o tempo para proferir o meu discurso estava ultrapassado. E V. Exª respondeu: “V. Exª é o senhor do tempo”. Eu então retribuí: “V. Exª é o senhor da gentileza.” E agora, mais uma vez, V. Exª é o senhor da gentileza.

Muito obrigado.

 

O


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2000 - Página 21316