Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

OBSERVAÇÕES A VIABILIDADE DE NOVA LEGISLAÇÃO PARA A AÇÃO TRABALHISTA NO MEIO RURAL.

Autor
Osmar Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • OBSERVAÇÕES A VIABILIDADE DE NOVA LEGISLAÇÃO PARA A AÇÃO TRABALHISTA NO MEIO RURAL.
Aparteantes
Arlindo Porto, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2000 - Página 21367
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ALMIR PAZZIANOTTO, MINISTRO, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), REUNIÃO, FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA, ESTADO DO PARANA (PR), DEBATE, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, ESPECIFICAÇÃO, PRAZO, PRESCRIÇÃO, ZONA RURAL, DEFESA, CRIAÇÃO, COMISSÃO, CONCILIAÇÃO, ANALISE PREVIA, INTERIOR, PAIS, OBJETIVO, REDUÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, JUSTIÇA DO TRABALHO.
  • DEFESA, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, BENEFICIO, POLITICA DE EMPREGO, REDUÇÃO, ECONOMIA INFORMAL, ESPECIFICAÇÃO, SAFREIRO, ZONA RURAL.
  • DEFESA, DIFERENÇA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, TRABALHADOR URBANO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, TRABALHO RURAL, GARANTIA, DIREITOS.
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, ENCARGO SOCIAL, SALARIO, AUSENCIA, BENEFICIO, TRABALHADOR, IMPORTANCIA, REFORMA TRIBUTARIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana que passou, na sexta-feira, acompanhei o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto, a duas importantes reuniões, realizadas em Francisco Beltrão, no Paraná, e Umuarama.

Essas reuniões foram organizadas pelo Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná - FAEP, Agide Meneguette, com o objetivo de discutir duas questões fundamentais para o avanço da legislação trabalhista brasileira: primeira, a emenda de minha autoria aprovada pelo Congresso que estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição trabalhista no meio rural; e, segunda, a composição das comissões de conciliação prévia que o Ministro Almir Pazzionotto vem defendendo sejam instaladas no interior do País como forma de harmonizar as relações de trabalho, aproximando o empregador do empregado e, dessa forma, tirando esse enorme número de ações trabalhistas que hoje estão na Justiça do Trabalho.

Para que se tenha uma idéia, dizia o Ministro Almir Pazzianotto que ao Tribunal Superior do Trabalho chegam apenas 6% das ações trabalhistas que ingressam nos tribunais regionais no País inteiro. Apenas 6%. E quando ele lá chegou, já se encontravam 130 mil ações trabalhistas. Dá para imaginar, portanto, o número de demandas judiciais que ocorrem em todo o País, emperrando a Justiça do Trabalho e, dessa forma, comprometendo também os níveis de emprego no País.

Pode ser arriscado falar, mas é bom enfrentar esse problema. Talvez pareça retrógrado, mas creio que não. E vou correr esse risco aqui, olhando para a Líder do Bloco de Oposição, a Senadora Heloisa Helena. Penso que é hora de nós pensarmos uma legislação trabalhista que possa se adaptar aos novos tempos. Acredito até que a legislação trabalhista, que é originária dos tempos do Presidente Getúlio Vargas e que sofreu uma série de modificações, não se adaptou aos últimos acontecimentos mundiais, principalmente a globalização. E nós não fizemos no Brasil aquilo que alguns países mais avançados acabaram por realizar, uma atualização da legislação trabalhista, principalmente porque o mundo se modernizou em tantas outras áreas. Mas nós não podemos ignorar que não houve avanços no sentido de atualizar a legislação trabalhista.

Eu creio que vou correr o risco de dizer que a legislação trabalhista, como se coloca, é desestimuladora do emprego; ela compete negativamente com a geração de empregos e novos postos de trabalho. E digo isso olhando para um número que me parece bastante indicador dessa afirmação: de agosto de 1999 até agosto de 2000, foram criados no Brasil 936 mil postos de trabalho. Sessenta e sete por cento desses novos postos de trabalho estão no mercado informal, ou seja, sem registro em carteira. E aí eu levanto a questão: a legislação trabalhista estimula a criação do trabalho informal e, portanto, desestimula o registro em carteira, que dá direitos sociais ao cidadão, como por exemplo o fundo de garantia, contagem de tempo para aposentadoria, convênios médicos, enfim, todos os direitos sociais garantidos quando o trabalhador tem o registro em carteira. Se é verdade que a legislação desestimula o registro em carteira e estimula o trabalho informal, parece ser verdade também que a legislação trabalhista não estimula o avanço no que se refere às conquistas dos direitos sociais pelos trabalhadores, porque de nada adianta estar na Constituição se há formas de driblar esses direitos constitucionais por meio do emprego informal.

No meu segmento de atividade, no meio rural, acredito até que a legislação trabalhista tem sido a maior causadora da formação de um contingente enorme de trabalhadores volantes chamados bóias-frias. Deus me livre!, aquilo não é vida: submeter o cidadão a uma vida em que o trabalho é apenas eventual, em que comer é apenas uma expectativa, e colocar o filho na escola é apenas uma esperança; submeter o cidadão a morar de forma desumana na periferia dos grandes centros; fazê-lo viajar muitas vezes 30 ou 40 quilômetros de caminhão em busca de um trabalho pesado durante o dia todo, numa tarefa dura, e depois voltar para casa no mesmo caminhão e não ter, com esse trabalho, garantido os encargos sociais, como o Fundo de Garantia e o tempo para aposentadoria. No meio rural, dificilmente o trabalhador volante é registrado, mesmo quando trabalha durante alguns meses. O trabalho informal é o maior inimigo do cidadão, que não usufrui dos direitos garantidos pela Constituição.

Não podemos ter uma legislação igual para o trabalho urbano e para o trabalho rural. Para nós, o grande desafio é separá-la. Há peculiaridades no campo que diferenciam muito a atividade de um trabalhador rural da de um trabalhador urbano. Não dá para comparar, por exemplo, o trabalhador de uma propriedade rural, que tenha como atividade principal a exploração leiteira, com o trabalhador de uma fábrica, que tenha como atividade principal a montagem de peças de automóvel. É evidente que o horário de quem trabalha em uma granja leiteira é completamente diferente do horário de quem trabalha em uma linha de montagem. Também não dá para comparar o trabalhador de uma granja de suínos com o trabalhador de uma farmácia. As características do trabalho rural devem ensejar a criação de uma legislação trabalhista específica. Não dá para comparar. As diferenças não estão apenas na jornada de trabalho, no expediente, no horário ou no turno; também há outras características que definem o trabalho rural e o tornam bastante diferente do trabalho urbano.

Por isso, apresentei um projeto de lei que tenta criar uma nova legislação trabalhista específica para o campo. O Senado Federal e o Congresso Nacional devem enfrentar o desafio no sentido de propor uma reformulação na legislação trabalhista, para tratar não apenas, pontualmente, de alguns problemas que a legislação trabalhista cria na relação, que é muito conflituosa, entre o empregador e o empregado, mas sobretudo para produzir uma reformulação geral da legislação trabalhista.

Tomei como exemplo um trabalhador que recebe R$500,00 por mês. Além desse salário, o empregador deverá pagar mais R$420,00 de encargos sociais, que representam, na folha de pagamento, mais de 80%, na média, do salário percebido por aquele trabalhador. Ora, é preciso analisar se 80% de encargos sociais pagos pelo empregador estão beneficiando o trabalhador. Se não estão, é preciso reformular a legislação trabalhista. Tenho certeza de que não estão chegando ao trabalhador os 80% de encargos sociais recolhidos pelo empregador. Se isso não está acontecendo, esses recursos estão ficando enroscados na burocracia e, muitas vezes, na corrupção que invade algumas repartições públicas, como o próprio INSS. Vários escândalos denunciados pela imprensa até hoje não tiveram soluções práticas, o que significa grande peso, grande ônus para a sociedade. Então, é preciso reformular toda a legislação trabalhista brasileira, a fim de torná-la atual, moderna e com o objetivo principal de reduzir os conflitos entre as partes.

Pode parecer que estou pregando o enfraquecimento dos sindicatos, mas não é isso. Entendo que os sindicatos devem continuar sendo mediadores de fato, mediadores de acordos possíveis de serem realizados e não de demandas judiciais intermináveis, de demandas judiciais que hoje têm alto custo para o País e para o próprio trabalhador. Digo isso porque consultei a Justiça do Trabalho em meu Estado e soube que, em muitas ações trabalhistas, se invertem os valores: o advogado fica com 80% do resultado daquela ação, e o trabalhador, que foi motivado a ingressar na Justiça com aquela ação trabalhista, acaba ficando com 20%.

As comissões de conciliação prévia, já autorizadas por lei, são um avanço no sentido de reduzir os conflitos entre as partes. Devemos encarar esses problemas de frente, sempre com esta premissa: não reduzir nem retirar direitos dos trabalhadores. Ao contrário, devemos ampliar os direitos dos trabalhadores ao mesmo tempo em que reduzimos o custo dos encargos sociais na folha de pessoal de uma empresa. Alguém pode pensar que estou louco, mas pelo que vejo nas empresas do meu Estado, principalmente da área rural, isso será possível, pois não há quem possa afirmar e provar que os 80% de encargos sociais depositados pelo empregador estejam beneficiando diretamente o trabalhador, que foi objeto do contrato que obriga o empregador a depositar os 80%.

O projeto de minha autoria, a que me referi, está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aguardando parecer. Não sei se já foi designado Relator, mas sei que os Senadores daquela Comissão têm interesse de analisar aquela proposta, que é específica para o trabalhador rural, até como forma de provocar um debate para que a legislação trabalhista seja analisada pelo Senado. Se eu estiver equivocado, manteremos a atual legislação trabalhista, mas, pelo que tenho visto, acredito não estar. É preciso atualizar a legislação trabalhista e torná-la mais fácil de ser compreendida pelo trabalhador, eliminando, sobretudo, todos os elementos que hoje são motivadores de conflito entre os trabalhadores e os empregadores. A nova legislação trabalhista deverá ser capaz de estimular a geração de empregos, e não desestimulá-la, como faz a atual.

A Sr.ª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me um aparte, Senador Osmar Dias?

O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Ouço V. Exª com muito prazer, Senadora Heloísa Helena.

A Sr.ª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Osmar Dias, é evidente que, como V. Exª disse, o projeto apresentado vai ser analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Tanto na CCJC como na Comissão de Assuntos Sociais, que trata das relações de trabalho e é presidida por V. Exª, teremos oportunidade de nos debruçar sobre um tema que angustia muitas pessoas. Participei de um debate na Federação da Indústria do meu Estado - todos os Parlamentares foram convidados - e verifiquei que a modificação da legislação trabalhista é reivindicada pelo setor produtivo. É evidente que todos nós estamos disponíveis para discutir a legislação trabalhista à luz da própria estrutura produtiva que vivenciamos hoje, das novas relações que estão sendo estabelecidas. Mas, para nós, é absolutamente inadmissível discutir a modificação da legislação trabalhista, sacrificando o lado da produção, sem discutirmos - e não se trata de um debate ideológico -, a reforma tributária, que é de fundamental importância. Lembro-me de que, várias vezes, V. Exª, inclusive dessa tribuna, reivindicou esse debate para tratar de créditos e subsídios para o setor agrícola deste País. Hoje já existem todos os mecanismos formais e informais, como V. Exª disse, a miserabilidade crescente nas condições de trabalho dos bóias-frias, mesmo havendo uma legislação trabalhista que os protege. Já existem as mais diversas formas de aprofundar a precariedade das relações de trabalho com a flexibilização dessas relações, como a relação entre o Poder Público e as cooperativas. Não é justo que a responsabilidade caia sempre sobre um lado - que é a força do trabalho dos trabalhadores -, como se esse fosse o mecanismo fundamental para resolver a crise profunda da economia. Esse não é o debate que V. Exª traz. Quem acompanha a utilização da tribuna por V. Exª e eu, pois trabalho com V. Exª na Comissão de Assuntos Sociais, sabe que esse não é o tema. No entanto, faço o aparte, trazendo essa discussão, porque tive a oportunidade de fazê-lo na Federação da Indústria do meu Estado, em que, como disse V. Exª, a reivindicação primeira está de acordo com a legislação trabalhista. Não é justo que não possamos fazer o debate do arcabouço tributário, da Reforma Tributária, que é de fundamental importância. Porém, que não punamos, mais uma vez, o único lado da questão, que são os trabalhadores deste País. Portanto, parabenizo V. Exª por trazer esse debate, que será devidamente aprofundado nas Comissões em que o projeto tramitará, assim como neste plenário.

O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Senadora Heloísa Helena, agradeço o aparte de V. Exª. e posso garantir que a minha intenção em trazer ao debate essa questão é exatamente na contramão da proposta de se flexibilizar as relações de trabalho para enfraquecer um dos lados a que V. Exª. se refere, que é o lado do trabalhador.

            Pelo contrário, o que estou propondo no meu projeto de lei, por exemplo, só para mostrar que a intenção é no sentido contrário - e, inclusive, estive no interior do meu Estado e um dos grandes empregadores de mão-de-obra no campo me chamou a atenção sobre o projeto. Vou até citar o nome: é o proprietário de uma empresa de televisão, que tem propriedades rurais, o Sr. Pedro Mufatto, um ex-piloto de automóveis. Ele me procurou e disse que essa legislação trabalhista que eu estava propondo ampliaria demais o direito dos trabalhadores rurais e que eles não poderiam atender.

Depois de uma conversa demorada com ele, mostrei que o sentido do projeto é de regulamentar o trabalho no campo. Citarei um exemplo: numa propriedade rural, os trabalhadores não tem horário para “pegar no serviço” e “para largar do serviço”, como eles dizem. No pôr do sol, eles deixam o trabalho e, quando nasce o sol, eles começam o trabalho.

Ora, por que eles não podem ter também o limite de jornada de trabalho? Estou propondo no meu projeto de lei que esse limite de jornada de trabalho seja de quarenta e quatro horas; que ele possa fazer duas horas extras por dia e que, obrigatoriamente, ele tenha um descanso entre uma jornada de trabalho e outra de onze horas - coisa que não existe, porque, muitas vezes, o sujeito está em cima de uma colhedeira ou de um trator até às 22 horas e às 6 horas já está de novo em cima daquela colhedeira ou daquele trator. Isso torna o trabalho no campo muito parecido com outras estruturas arcaicas.

Então, ao instituir regras, estou propondo que o trabalhador rural tenha o mesmo direito que o trabalhador urbano; ou seja, cumprirá jornada de trabalho de 44 horas semanais, uma vez que não se dispensa evidentemente o trabalho aos sábados numa propriedade rural, mas ele terá direito a hora extra, o que hoje raramente acontece. Vamos estabelecer um descanso entre uma jornada de trabalho e outra e regras para a questão da sazonalidade, pois, em época de plantio e de colheita, há uma exigência muito maior de trabalho do que no período de entressafra, quando há os tratos culturais, as operações de cultivo. Então, é no plantio e na colheita que se vai exigir do trabalhador um tempo a mais. Daí por que estou propondo o banco de horas como forma de compensar o trabalho a mais, em determinado período, para que o indivíduo possa descansar em outros períodos.

Portanto, o meu projeto de lei busca muito mais dignificar o trabalho rural e estabelecer regras claras para que não se amontoem ações trabalhistas intermináveis, motivadas exatamente pela falta de regras, que provocam demandas intermináveis e cálculos feitos com base em hipóteses, projeções, e não em cima de regras claras. Uma regra que hoje prejudica o emprego no meio rural, por exemplo, é a obrigatoriedade do relógio de ponto em uma propriedade rural com mais de dez empregados. Fico imaginando uma propriedade lá em Mato Grosso, de larga extensão, cinco mil hectares no plantio de soja, por exemplo, e lá do outro lado da sede da propriedade um tratorista que esteja operando o seu trator ou uma colheitadeira, que olhou no relógio e viu que estava na hora de marcar o ponto. Ele vai ter que deixar o trabalho, se deslocar daquela distância, e quando ele chegar já passou o período de trabalho que ele devia ter cumprido.

O que fez esse mesmo cidadão que conversou comigo, lá em Cascavel? Ele me disse: - “Tinha dezessete famílias na minha propriedade. O fiscal do Ministério do Trabalho foi lá e exigiu que eu colocasse um relógio de ponto. E eu lhe perguntei: - “Quantos trabalhadores devemos ter para valer essa regra?” Ele me disse: - “Dez”. O que ele fez? Dispensou oito, demitiu oito e ficou com nove famílias na propriedade. Ele se livrou da regra que exigia o relógio do ponto.

Então, é uma realidade que se enfrenta no campo, e nós precisamos enfrentar essa realidade criando regras que estimulem o emprego e não o desemprego. Nesse caso, ele cobre a necessidade desse trabalho, dessas famílias que foram dispensadas, através do trabalhador volante, do bóia-fria, que é aquele mesmo que falei no início do meu discurso e que está muito longe de levar uma vida com dignidade e senso de humanidade porque, na verdade, ele já perdeu o direito de colocar o filho na escola, de comer duas vezes por dia, de ter emprego permanente com encargos sociais assegurados... convênio médico, então, nem pensar. Enfim, não é um cidadão na plenitude. E o que eu estou pregando é que as regras sejam claras no meio rural, no sentido de fazermos com que os empregos sejam estimulados, assegurados.

Agora, concordo com V. Exª de que essa conversa de Reforma Tributária... Assumi meu mandato aqui em 1995 e escuto isso todos os dias. Todo mundo defende a Reforma Tributária, mas alguma força oculta deve impedir que ela seja realizada, porque se todos falam na Reforma Tributária, essa força oculta deve ser mais forte que todos, porque, até agora, eu não vi disposição do Governo em realizar essa Reforma Tributária. Como V. Exª e eu sabemos, o Governo tem maioria nas duas Casas e, se quisesse, já teria aprovado uma Reforma Tributária que pudesse atender aos anseios da sociedade.

Concordo que reformar a legislação trabalhista é necessário, mas também é necessário fazer a Reforma Tributária. Dessa forma, nem pensar em propostas como as que estão sendo feitas agora para viabilizar fontes de recursos para o salário mínimo, que tentam tributar a base da pirâmide e reduzir os impostos na ponta da pirâmide. Por exemplo, a proposta de unificar o imposto de renda em algo como 7%. Na verdade, vai acontecer o seguinte: nós, Senadores, que ganhamos um salário muito maior que o da média dos brasileiros e que pagamos 27,5% de imposto, se não me engano, seríamos beneficiados, pois pagaríamos 7%. Mas e o coitado do assalariado, objeto dessa medida, que não paga hoje e vai passar a pagar 7%? Parte do seu salário estará sendo confiscado. E aquele que ganha até R$1.200,00, que não paga hoje e vai passar a pagar depois?

Então, estaremos transferindo a cobrança de quem ganha mais para quem ganha menos. Parece-me que essa é uma medida que anda na contramão dos objetivos que o País deve seguir, que é uma distribuição de renda mais justa. Agora, para haver distribuição de renda tem de haver também empregos com dignidade. Não me parece que emprego informal, pelo menos na zona rural, seja emprego digno. Não conheço um trabalhador volante que possa proporcionar uma vida digna a sua família. É uma penalização condenar uma pessoa à condição de trabalhador volante e amaldiçoá-lo com o nome de bóia-fria. Para esses temos de fazer uma legislação nova que possa atraí-lo para as casas das colônias que estão vazias no campo. Foi com essa intenção que apresentei meu projeto de lei.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Pois não, Excelência.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senador Osmar Dias, estou ouvindo com atenção e muito interesse o pronunciamento em que V. Exª faz uma explanação sobre projeto de sua autoria que está tramitando na Casa. Levanta com muita propriedade fatos da relação capital e trabalho na zona rural. V. Exª aborda temas que merecem ser aprofundados, já que foi Secretário de Estado e vive a realidade da agropecuária brasileira num Estado como o Paraná, importante pela diversificação e quantidade da produção. Está numa fase difícil a economia brasileira, com o desemprego aumentando de maneira assustadora, a mecanização ocupando um espaço - fato que ocorreu em outros momentos há muito tempo nos países desenvolvidos. Fatalmente, se não houver uma regulamentação mais realista da relação capital e trabalho, vamos assistir as famílias que trabalham no campo comporem aquele volume enorme de pessoas que hoje residem nas periferias das grandes cidades. Na busca de melhores oportunidades de emprego, o que não conseguem, passam a fazer parte da marginalidade ou dos sem-teto, dos sem-casa e dos com-fome. Vejo, na lucidez do pronunciamento de V. Exª, a preocupação dessa relação. Tenho certeza de que V. Exª não pensa em subtrair nenhum direito do trabalhador. Naturalmente, o espírito de V. Exª não leva nenhum de nós a imaginar que haja intenção de subtrair direitos do trabalhador rural, cuja remuneração é muito aquém do estabelecido para a zona urbana, especialmente pela falta de concorrência, de competitividade e de preparação da mão-de-obra. A preocupação de V. Exª é de assegurar aos trabalhadores rurais direitos e a condição de cumprimento da legislação. Percebemos hoje uma legislação burocrática que tenta assemelhar trabalhador urbano e trabalhador rural - que têm características diferentes, atividades diferentes e condições de trabalho completamente diferentes. Na nossa região, em Minas Gerais, na Região do Alto Paranaíba, especificamente na minha cidade natal, Patos de Minas, têm-se conseguido com sucesso os acordos intersindicais. As comissões intersindicais foram criadas nesta Casa, depois de um projeto de minha autoria ter ficado quatro anos parado nas comissões. Não conseguimos vê-lo aprovado, mas o Governo, por força do Poder Executivo, conseguiu aprovar o projeto. E as comissões intersindicais têm feito esse trabalho. Buscam acordos trabalhistas e tentam definir critérios, às vezes extralegais, com o propósito de alcançar o entendimento mais lógico. Esses acordos têm sido feitos com a aprovação do Ministério do Trabalho. Louvo V. Exª pela oportunidade da iniciativa de trazer a esta Casa o debate, buscando resguardar os direitos dos trabalhadores, mas facilitando a relação. Pontos essenciais V. Exª os levantou - como a exigência de relógio de ponto -, que são necessários, porém de modo muito mais claro e objetivo. Apresento-lhe meus efusivos cumprimentos, esperando que possa haver, no projeto, a agilidade que se faz relevante em virtude da importância do tema, para que, como tantos outros, não permaneça estagnado em comissões, nas mãos de relatores até passarem seus mandatos e a nossa presença nesta Casa, restando os assuntos pendentes.

O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Agradeço-lhe, Senador Arlindo Porto. Também conheço os projetos de V. Exª propondo alterações na legislação trabalhista, sempre com o propósito de reduzir os conflitos e de aumentar a oportunidade de emprego para os trabalhadores.

Antes de encerrar o meu pronunciamento, garantirei à Senadora Heloísa Helena uma condição no debate desse projeto de lei. Cometi um erro ao elaborá-lo, porque tentei incluir tudo que entendi devesse fazer parte de uma legislação trabalhista. O próprio Presidente do Tribunal Superior do Trabalho fez um comentário a respeito do mencionado projeto de lei, de minha autoria, afirmando que nenhuma lei pode ser tão extensa nem tão minuciosa, repleta de detalhes. Disse ainda que é preciso enxugar esse projeto.

Como o meu objetivo coincide com o de V. Exª na questão trabalhista, tenho certeza de que poderemos trabalhar esse projeto com absoluta tranqüilidade. Aceitarei todas as modificações e propostas no sentido de aperfeiçoá-lo, torná-lo aplicável e, sobretudo, cumprir-lhes os objetivos. Cito um exemplo: sou um pequeno proprietário rural no Paraná. Gosto de pagar comissão de produtividade. Todas as vezes que me encontro com alguém, pergunto: “O senhor paga comissão de produtividade?” A pessoa responde: “Não”. Digo: “Mas isso é bom para o senhor, porque o trabalhador, com muito mais estímulo, vai produzir mais e render mais”. A pessoa diz: “Não posso pagar, porque, no momento de calcular a indenização desse trabalhador quando ele for deixar a propriedade, a comissão de produtividade vai ser incorporada no cálculo de indenização”.

Assim, aquilo que parece ser um privilégio do trabalhador, ou seja, a inclusão da comissão de produtividade no cálculo da indenização, é, na verdade, uma penalização. Ele deixa de ganhar a comissão, pois o empregador teme pagá-la.

Outro fato comum no meio rural: o proprietário de terras dá um pedaço de terra para o empregado plantar. No momento de o empregado deixar a propriedade, vai-se calcular na indenização aquele complemento de salário, que é o pedaço de terra que ele plantou. Assim é quando ele coloca animais no pasto etc. Então, é preciso regulamentar essa questão. Não existe uma regra clara que proporcione ao empregador a segurança de conceder esses complementos salariais sem ser penalizado depois. Como não conhece as regras, ele não concede os complementos salariais, penalizando o trabalhador. 

O que estou propondo, na verdade, é regulamentar o trabalho rural, para que sejam claras as regras para o empregador e para o trabalhador, com o objetivo de ampliar as oportunidades e melhorar as condições, para que empregos permanentes sejam gerados no campo.

Sendo esse o objetivo, tenho certeza de que poderei contar com a agilidade da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania na análise do projeto e com a contribuição daqueles que com certeza entendem mais do que eu de legislação trabalhista e que poderão me orientar, aperfeiçoar o projeto e enxugá-lo no sentido de torná-lo aplicável, exeqüível, para que ofereçamos uma lei que possa ser boa para os trabalhadores do nosso País e também para os empregadores.

Ao encerrar, digo que não só os trabalhadores são penalizados com a legislação atual, mas também os são os pequenos produtores rurais, que, normalmente, vão sendo aos poucos expulsos. A legislação, portanto, os penaliza e, ao final de uma longa vida de trabalho, não lhes garante o benefício de uma aposentadoria segura e tranqüila. Não há nada mais difícil neste País do que um trabalhador rural ou um pequeno proprietário rural conseguir sua aposentadoria.

Desafio alguém a apresentar algo que seja mais difícil neste País do que o trabalhador rural conseguir sua aposentadoria. Se não está bom assim, é preciso mexer. Proponho também mexer nas regras que não estão conduzindo o trabalhador para uma vida digna, justa, que é o que todos queremos que tenham.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2000 - Página 21367