Pronunciamento de Emília Fernandes em 01/11/2000
Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Regozijo pela indicação da juíza Ellen Gracie Northfleet para o Supremo Tribunal Federal.
- Autor
- Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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JUDICIARIO.
FEMINISMO.:
- Regozijo pela indicação da juíza Ellen Gracie Northfleet para o Supremo Tribunal Federal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/11/2000 - Página 21810
- Assunto
- Outros > JUDICIARIO. FEMINISMO.
- Indexação
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- IMPORTANCIA, INDICAÇÃO, ELLEN GRACIE NORTHFLEET, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, JUDICIARIO.
- ANALISE, LUTA, FEMINISMO, BRASIL, DEFESA, MELHORIA, SAUDE, MULHER, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, EXPLORAÇÃO SEXUAL, VIOLENCIA.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chega a esta Casa mensagem do Presidente da República, indicando o nome da Juíza Ellen Gracie Northfleet, carioca de nascimento, gaúcha de coração, para ocupar a vaga do Ministro Luiz Octávio Gallotti, que se aposentou por ter completado 70 anos no último dia 27.
Esse fato reveste-se de uma importância histórica, pois se trata da primeira mulher a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), rompendo com um tabu que impedia a presença feminina naquela esfera do Poder Judiciário brasileiro.
A Juíza Ellen Gracie, assim como as demais juízas que disputavam a indicação, sem dúvida é uma pessoa da mais alta qualificação profissional, condensando o avanço das mulheres no terreno jurídico, alcançado nos últimos anos, com muita coragem, determinação e compromisso com a justiça.
Ellen, pós-graduada em nível de especialização em Antropologia Social, em 1982, já foi membro do Ministério Público entre 1973 e 1989 e representante da Justiça Federal, perante o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, entre 1990 e 1991. Em 1994, foi eleita pelo Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para compor o Conselho de Administração. De 1995 a 1997, exerceu o cargo de Vice-Presidente daquele Tribunal e, entre 1997 e 1999, ocupou a Presidência da Casa.
A presença da primeira mulher no STF ocorre em um momento muito importante da vida nacional, quando também as mulheres ampliam a sua participação nos Poderes Legislativo e Executivo; principalmente agora, nas mais recentes eleições, nos Executivos e Legislativos municipais, especialmente das grandes cidades - temos aí um grande exemplo, que é a vitória da Marta Suplicy, no Município de São Paulo.
A indicação da Juíza Ellen para o STF também tem o significado de traduzir o avanço das mulheres no terreno das conquistas no campo legal. Temos, como exemplo, desde a instalação das delegacias das mulheres até as mudanças efetivas do Código Penal, que apontam para uma nova situação de respeito e valorização das questões de gênero.
Em especial, na condição de primeira mulher gaúcha eleita Senadora da República pelo Estado do Rio Grande, recebo, com muita alegria, a indicação da minha amiga Juíza Ellen, nascida, como já disse, no Rio de Janeiro, mas cuja carreira foi desenvolvida no Rio Grande do Sul, desde a sua formação mais qualificada e prestigiada na universidade pública federal.
Temos certeza, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, embora a Constituição brasileira defina que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, a realidade aponta ainda enormes e históricas desigualdades entre homens e mulheres. Tivemos avanços, sem dúvida, na legislação brasileira. A Lei de Quotas é um exemplo vivo, concreto da presença da mulher no poder, mas quotas só não bastam. Precisamos efetivamente de ações e determinações e fazemos parte de um contexto histórico onde é fundamental deflagrar mudanças na cultura não apenas político-partidária deste País, mas também na participação, nas decisões governamentais e na presença das mulheres nos diferentes Poderes.
A presença da Juíza Ellen, sem dúvida, é um marco histórico, significativo não apenas para a história deste País, mas para a história da luta das mulheres, que tem sido travada de Norte a Sul, em todo o Brasil.
Podemos afirmar que, a partir de agora, o Poder tem uma nova cara, porque ele realmente está mudando.
Admiro e aqui presto esta homenagem à minha amiga, a primeira mulher a ser indicada para o Supremo Tribunal Federal, a Juíza Ellen, que venceu mais uma barreira. Sabemos que as indicações ainda são políticas naquela instância de Poder, e a mulher, talvez por ser mulher, estava aguardando o seu momento, mas, agora, estamos vendo concretizada a sua indicação.
Há pouco tempo, vimos também duas grandes mulheres ocuparem cargos no Superior Tribunal de Justiça: as Juízas Eliana Calmon e Fátima Nancy. Mulheres brilhantes, que têm desempenhado o seu papel com muita competência e capacidade naquele espaço de Poder. As duas, somando-se à presença da Ellen, no Supremo Tribunal Federal, trazem um novo perfil ao Poder Judiciário.
Desejamos que cada vez mais a voz e a presença das nossas magistradas se elevem dentro dos tribunais, na busca da justiça social; uma voz diferente e de igualdade.
O Poder Público deixa de ser um mundo exclusivo dos homens para ser um Poder um pouco mais compartilhado com as mulheres, um pouco mais feminino.
Nós, mulheres, ao longo dos anos, temos procurado construir uma sociedade mais igual, mais justa e um novo poder político, onde homens e mulheres, compartilhando os mesmos espaços, possam administrar, legislar e julgar de uma forma mais humana.
Uma mulher chega ao Supremo Tribunal, vem somar-se à história das conquistas brasileiras e vem engrandecer a mais alta Corte do País. Mulher de notório saber jurídico; mulher de reputação ilibada; mulher com grande potencial; mulher altamente qualificada e com uma acentuada capacidade de trabalho, o que vem sendo demonstrado no meu Estado do Rio Grande do Sul.
É uma chance viva que temos, clara e concreta, para respirarmos fundo um ar politicamente revitalizante. Os Poderes estabelecidos precisam de nossas idéias e de nossa energia. Basta de retórica da possibilidade. Queremos a possibilidade do poder transformado em ações e determinações concretas.
Continuamente nós nos perguntávamos: quais são os desafios que enfrentamos e com quem enfrentamos? Agora as respostas começam a surgir. Na medida em que as mulheres se unem, a sociedade desperta; dá-se uma visibilidade para o nosso potencial, e conseguimos ocupar espaços. Isso é importantíssimo!
A presença da Juíza Ellen, no Supremo Tribunal Federal, é uma porta que se abre ao clamor de muitas mulheres.
Tenho certeza, amiga e companheira Juíza Ellen, que a emoção, a alegria e a responsabilidade redobrada que atingem a sua vida e os seus sentimentos já não são mais só seus, mas também dos seus familiares, dos colegas, dos amigos e das amigas. E estão todos, certamente, muito felizes.
A bancada feminina do Congresso Nacional; as organizações não- governamentais, que lutam pela presença e pelos direitos da mulher; o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, tenho certeza de que, assim como estão à frente da campanha da presença das mulheres, sem medo do poder, estão também confraternizando-se, congratulando-se com essa indicação.
A mobilização por direitos de oportunidade e de participação efetivos em todos os níveis da sociedade transforma-se, dia a dia, em compromisso de cada vez mais pessoas, de muitos setores sociais, de organizações políticas e de poderes. Reafirma-se, no Brasil, um compromisso internacional, porque estivemos, em 1995, em Beijing, na grande Conferência Internacional das Mulheres, onde o País comprometeu-se, a partir de projetos, propostas e decisões governamentais, a estimular o avanço das mulheres.
A situação e a participação da mulher, a partir de Beijing, são parâmetros da democracia e da justiça social. Questões de gênero também passaram a ser, definitivamente, um componente essencial do processo de desenvolvimento dos países, sejam pobres ou ricos. Por isso, estamos sentindo, sem dúvida, que ganha corpo a campanha popular pela democratização da justiça. Isso é muito bom. Isso é muito positivo.
Há uma tradição histórica no pensamento jurídico das mulheres do Brasil que queremos seja reafirmada a serviço do povo brasileiro. Poderíamos fazer referências e deferências a muitas mulheres que lutaram em nosso País, primeiro por direitos, depois pelo seu efetivo cumprimento, até chegarmos naquelas que lutaram pelo direito de votar, de exercer a advocacia, de ingressar na Magistratura, nas Promotorias de Justiça, nas Procuradorias, em cargos de delegadas de polícia, agentes e autoridades civis e militares. Tivemos muitas vitórias, além da que estamos conseguindo com a presença das mulheres na política.
O desempenho que as mulheres têm mostrado, a confiabilidade que têm recebido da sociedade, bem como a sua ação e atuação em cargos públicos têm redobrado a nossa responsabilidade, mas estimulam-nos a fazer com que não haja retrocesso. A participação das mulheres na sociedade brasileira somente progride, e o faz num sentido positivo.
O STF, neste momento, vai ouvir a voz e o voto femininos, com a presença ali da primeira mulher. Com ela, sem dúvida, chega àquele espaço a experiência da justiça social, a eqüidade, uma nova expressão para as nossas tradições jurídicas, o pensamento feminino formado no exercício do cotidiano de fazer justiça.
Há muito tempo as mulheres vêm sofrendo: individualmente, pela lei do mais forte, e, coletivamente, pela fraqueza da lei. Uma lei que, em relação à condição feminina, de maiúscula só tem a letra inicial, e se apequena e se acachapa ante o peso social da cultura machista. E é sobretudo por essa fraqueza da lei que ainda se reproduzem, cotidianamente, nos jornais, rádios e televisões, os depoimentos tristes, vergonhosos, de mulheres espancadas, barbarizadas, violentadas, sujeitadas, enfim, a toda sorte de ilegalidades, às quais respondem providências policiais poucas e condenações na Justiça raríssimas. Isso só no campo penal. Vai-se ver e teremos, nas demais partições do Direito - como, por exemplo, a trabalhista -, iguais desmandos, idênticos vexames, semelhantes desrespeitos.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é inaceitável, após Beijing, que milhares de mulheres morram, em proporções estarrecedoras - chegam a percentuais até vinte e oito vezes maiores que no Canadá -, devido a problemas de gravidez, parto e pós-parto, que poderiam ser evitados em quase 100% dos casos, desde que as mulheres tivessem acesso a medidas de prevenção e parto de qualidade. O Brasil, onde a cada quatro minutos uma mulher é agredida, tem que se levantar e dar um basta à violência que se abate sobre as mulheres, seja física ou psicológica, e que se materializa em assédio sexual, maus tratos, estupros e assassinatos - no lar, no local de trabalho ou nas ruas.
A sociedade brasileira precisa denunciar e punir com extremo rigor todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros, exploradores ou turistas, que agridem sexualmente crianças e adolescentes, especialmente as meninas, por meio das redes que se estendem dentro do nosso País.
A luta e a conquista da igualdade passam, finalmente, pela afirmação da solidariedade e do respeito entre as pessoas, em especial entre as mulheres, bem como pela superação coletiva do atual estágio de pobreza, desemprego, violência no campo e exclusão, que atingem setores cada vez mais amplos da sociedade brasileira, especialmente os trabalhadores.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos próximos dias, o nome da juíza Ellen Gracie será submetido à avaliação desta Casa, que certamente aplaudirá sua indicação. Por meio dela, haverá o avanço das mulheres brasileiras na conquista de novos espaços de decisão. Ao cumprimentar, mais uma vez, a minha amiga, a Juíza Ellen, tenho certeza de que S. Exª levará à mais Alta Corte do País ares da jurisprudência gaúcha, uma das mais modernas e avançadas do País.
Era o que tinha a registrar, Sr. Presidente.
Obrigada.