Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as causas da impunidade no Brasil.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre as causas da impunidade no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2000 - Página 21943
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CORRUPÇÃO, PAIS, INEXISTENCIA, ETICA, EXERCICIO, POLITICA, AUSENCIA, EMPENHO, BUSCA, COMBATE, IMPUNIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, RAMEZ TEBET, SENADOR, FIXAÇÃO, PROCEDIMENTO, MINISTERIO PUBLICO, POSTERIORIDADE, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, OBJETIVO, ABERTURA, INQUERITO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, ESPECIFICAÇÃO, COMBATE, IMPUNIDADE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, EXTINÇÃO, SIGILO BANCARIO, MINISTRO DE ESTADO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONGRESSISTA, OBJETIVO, FACILITAÇÃO, PROCESSO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço a gentileza de V. Exª. Tenho certeza de que a tolerância que me conferirá será aquela que sempre tem dado quando deste tipo de pronunciamento, a qual a Casa conhece e compreende e já é tradicional no Senado Federal. Aliás, um dos aspectos altamente positivos no Senado, que conta com a compreensão de todos os nossos membros e que nos distancia da Câmara dos Deputados, é exatamente esta postura que a Mesa adota: permitir que, em determinados momentos, em circunstâncias especiais - e o Plenário conhece essas circunstâncias -, o Senador possa debater e explorar temas para, ao fim de seu pronunciamento, alcançar os efeitos desejados.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Sim, mas sempre há de haver um limite, porque, do contrário, serão os outros prejudicados.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O limite, Sr. Presidente, é a tolerância de V. Exª, que sabemos ser quase infinita.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Prefiro que seja o bom senso de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Não, eu confio na tolerância de V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou aqui para debater um tema a que, de certa forma, há muito tempo venho me dedicando: a questão da ética e da impunidade neste País. De longo tempo - como Deputado Estadual, Governador, Ministro -, essa tem sido uma angústia em minha vida, porque creio que um país como o Brasil, com as condições que tem, não pode figurar aos olhos da sociedade mundial como campeão da corrupção e campeão da injustiça na distribuição da renda.

É interessante o fato de que essas coisas vêm mais ou menos juntas. O Brasil é o país que mais tem concentrado a renda nas mãos de alguns, é o país que apresenta a maior distância entre os que mais têm e os que menos têm, é um dos campeões da corrupção, a tal ponto que economistas dizem que, se este fosse um País sério, correto, decente, haveria, no Orçamento, um salário extra para cada trabalhador, porque o custo do trabalho nas estradas, nas ruas, nos hospitais, nas escolas teria uma diminuição de 40%.

O Presidente José Sarney dizia que o que mais o angustiava quando assinava um projeto para destinar um auxílio a qualquer entidade social era saber que, daquilo que ele assinava, 10% chegariam ao seu destino - as pessoas carentes - e 90% ficariam nos escalões intermediários.

Aqui, Sr. Presidente, tenho procurado discutir longamente essa matéria. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, criamos uma subcomissão para tratar exclusivamente das causas da impunidade. Durante muitos anos, reunimo-nos com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara, o Ministro da Justiça, o Procurador-Geral da República e o Presidente do Tribunal de Contas, no gabinete do Presidente do Supremo Tribunal Federal, para debatermos fórmulas por meio das quais poderíamos terminar com a impunidade.

Aqui estão dois documentos firmados exatamente por essas pessoas. Um deles, inclusive, foi firmado na presença do Presidente da República Itamar Franco. Os participantes eram: Itamar Franco, Presidente da República; Otávio Gallotti, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Humberto Lucena, Presidente do Senado; Inocêncio de Oliveira, Presidente da Câmara dos Deputados; Carlos Átila, Presidente do Tribunal de Contas; Aristides Junqueira, Procurador-Geral; Maurício Corrêa, Ministro da Justiça; Pedro Simon, Presidente da Subcomissão do Senado de Análise das Causas da Impunidade.

E aqui está o vasto material. Algumas propostas já foram aprovadas; outras estão tramitando na Casa. Houve várias propostas: uma do Presidente do Supremo, outra do Procurador-Geral da República, outra de Senadores, outras colhidas do conjunto da Casa para debater e analisar as causas da impunidade no Brasil. Esse é um debate que vem de longe.

Sr. Presidente, não sei se no Brasil ou no exterior já existiu uma Comissão como esta, composta por representantes de todos os Poderes, dos chefes de todos os Poderes. Participaram da elaboração desses documentos quem aplica a lei, quem faz a lei, quem denuncia e quem condena. Elaboraram propostas os responsáveis pela aplicação da justiça ou pela não-aplicação da justiça neste País. E senti a vontade de todos no sentido de acertar.

Muitos desses projetos estão tramitando, Sr. Presidente. Um deles diz respeito ao desdobramento de trabalhos de comissões parlamentares de inquérito e vai trazer mudanças profundas. Refiro-me ao Projeto de Lei nº 10.001, de 4 de setembro de 2000, assinado pelo Presidente Fernando Henrique e aprovado unanimemente nesta Casa e na Câmara dos Deputados. O Senador Ramez Tebet foi o autor, e eu, o relator. Aquela história de dizer que CPI dá em pizza vai acabar. Isso não vai acontecer mais, porque estamos fixando responsabilidades daqui por diante.

A ementa é a seguinte: “Dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos em respeito à conclusão das Comissões Parlamentares de Inquérito”.

Segundo o art. 1º, os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva e a resolução que o aprovar aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática dos atos de sua competência.

O art. 2° estabelece que a autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de 30 dias, as providências adotadas ou as justificativas pela omissão, e o seu parágrafo único estabelece que a autoridade que presidir o processo ou procedimento administrativo ou judicial instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra até a sua conclusão.

Determina o art. 3° que o processo ou procedimento referido no art. 2° terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas data ou mandado de segurança. Repito: o processo ou procedimento referido no art. 2° terá prioridade sobre qualquer outro, exceto o habeas corpus, habeas data ou mandado de segurança.

Dispõe o art. 4° que o descumprimento das normas dessa lei sujeita a autoridade às sanções administrativas, civis e penais.

A lei entrou em vigor na data da sua publicação, 4 de setembro.

Essa é uma grande vitória desta Casa do Congresso Nacional. Aquela história de que CPI termina em pizza - o Senador Roberto Requião fez bonito, bancou o bacana, parecia artista da Globo na CPI, mas isso não deu em nada - vai acabar.

O cidadão não sabe que a CPI não pode denunciar, que CPI não pode condenar, não pode colocar ninguém na cadeia. A opinião pública fica impressionada ao ver uma CPI cassar um Presidente da República, um Senador, dez Deputados. Isso ela pode fazer; mais do que isso nós não podemos fazer. Nós não podemos colocar ninguém na cadeia. Nós não podemos denunciar. Quem denuncia é procurador ou promotor; quem condena é juiz ou Tribunal. Então, ficava aquela história: vai terminar em pizza. Não termina mais. Daqui por diante é lei. Já existe uma continuidade, porque até aqui ninguém se via na responsabilidade de fazer nada. O Congresso Nacional aprovou uma CPI, como a dos Precatórios, o Bradesco foi acusado, governador foi acusado, prefeito foi acusado, houve denúncia contra todos, mas está tudo engavetado não se sabe onde. Isso não vai ocorrer mais, pois quem fizer isso será enquadrado em crime de responsabilidade. Pode haver mil processos, mas a CPI, ao chegar a uma conclusão, irá em cima desses mil processos, porque é o que há de mais importante. Isso é fundamental.

Houve uma mudança, Sr. Presidente? Agora há uma conseqüência, uma continuidade. Mas é claro que isso não é suficiente, pois há uma imensa diferença entre começar e fazer.

Neste País, Sr. Presidente, a impunidade tem várias causas. Não aceito o que foi dito no New York Times de anteontem. Publicaram manchetes a respeito da CPI do Futebol, de Álvaro Dias, dizendo que isso está apenas demonstrando uma realidade, que a corrupção no Brasil é comum. Diziam os jornais de São Paulo há um mês que a corrupção no Brasil é endêmica, que faz parte do brasileiro ser corrupto. Não aceito isso. Não considero o povo brasileiro mais corrupto que o americano, o europeu ou o oriental. E digo mais: tenho o maior respeito pelo povo brasileiro.

Aquele livro espetacular do Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, mostra a mistura de raças - o branco, o negro, o japonês, o italiano, o índio -, essa miscegenação que está fazendo nascer uma nova raça, que é a raça brasileira, com grandes qualidades, mas também com grandes dificuldades. Milhões de pessoas passam fome, não têm emprego e lar, vivem embaixo da ponte, sem perspectiva. Enfim, as coisas não são fáceis. Mas não se pode dizer que o povo brasileiro é corrupto. Eu diria que as elites brasileiras - a política, a religiosa, a intelectual, a jurídica, a empresarial, a jornalística - não são detentoras de uma vontade de acertar, de mudar, de melhorar, de alterar as tremendas injustiças da realidade brasileira.

Aqui não ocorre o que podemos constatar nos Estados Unidos: as pesquisas são patrocinadas pelas grandes universidades, pelos grandes institutos, pelas grandes bibliotecas, pelas grandes empresas. Lá isso é natural, espontâneo; aqui isso é excepcional. Aqui ou ali há um grande empresário como o Sr. Antônio Ermírio de Moraes e o Sr. Jorge Johannpeter. Mas essa não é a rotina. Não há aquele espírito de amor, de amar, de querer, de gostar, de pensar que o Brasil é nosso, que somos parte do Brasil e que queremos o melhor. O que existe na verdade é aquele pensamento de que eu estou bem, meus filhos estão bem, e, quanto ao resto, cada um que cuide de si. Isso quem faz não é o povo, mas a sociedade brasileira.

E aí vem o grande debate sobre a impunidade. Não se rouba aqui mais do que nos Estados Unidos. Não se rouba aqui mais do que na Europa. Não se rouba aqui mais do que no Japão. Mas há uma grande diferença: lá se rouba e se vai para a cadeia; aqui se rouba, mas não se vai para a cadeia. A impunidade é a característica que diferencia o Brasil desses países. E não venham dizer que a diferença está no político, no governador! Quem tem dinheiro para contratar um bom advogado não vai para a cadeia. Disso todos nós sabemos.

Precisamos ter a capacidade de entrar nesse debate e enfrentar as conseqüências. A imprensa está divulgando que eu vim aqui para falar sobre o Sr. José Sarney, o Sr. Jader Barbalho, o Sr. Antonio Carlos Magalhães ou coisa que valha. Não! Estou aqui discutindo a grande tese da impunidade no Brasil. E - repito - a ela venho me dedicando há quinze anos.

A causa da impunidade reside no fato de que o cidadão pratica um crime e sabe que não lhe vai acontecer nada. Se alguma pessoa - americano ou brasileiro - ou alguma loja sonegarem imposto nos Estados Unidos vão arcar com as conseqüências. Isso é difícil de acontecer, pois, quando se compra um produto, o valor final a ser pago será a soma do valor do produto acrescido do imposto. O imposto já vem destacado na nota fiscal. E, no dia seguinte ou no mesmo dia, esse valor é recolhido ao Tesouro Federal. Vá alguém não fazer isso nos Estados Unidos para ver se lá, no país campeão da liberdade e da democracia, não entra no camburão e é preso, não tem a sua loja fechada, não tem o seu material apreendido! E não há lei, não há habeas corpus, não há mandato que impeça isso! Não há americano que tenha a coragem de fraudar o imposto, porque sabe o que acontece.

Nesses países a lei existe para todos, a lei existe para funcionar e é uma realidade absoluta e não abstrata. No Brasil, todo mundo já sabe que a lei é de mentirinha, não é para valer. Em primeiro lugar, na Constituição dos Estados Unidos, desde que proclamada a República, há uma meia dúzia de emendas. E é a própria Corte Suprema que praticamente faz a modernização dos artigos da Constituição no dia-a-dia.

No Brasil, o que acontece? Em primeiro lugar, um inquérito no Brasil dura muito. Não quero entrar em detalhes, mas, na revista Veja desta semana, foi publicada uma matéria por demais interessante sobre um Estado vizinho em que se venderam ou não votos. Foi dito que aconteceu isso ou aquilo. Nessa matéria, foi dito: “Apesar da dimensão do escândalo, que constitui crime eleitoral e dá pelo menos dois anos de cadeia, é possível que fique tudo por isso mesmo. Uma vez concluída a investigação pela Polícia Federal, a papelada vai para o promotor eleitoral. Se ele apresentar denúncia, o assunto será julgado pelo Juiz Eleitoral de Palmas. Em caso de recurso, o processo sobe para o Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal por cuja hierarquia o Governador circula com desembaraço. Se o processo for adiante e chegar a Brasília, daqui a uns dez anos ou quando talvez um neto do atual Governador estiver ocupando a prefeitura da Capital, o caso poderá ser julgado”.

Essa é a interpretação que se faz. É a última acusação, o último levantamento dos escândalos apresentados pela revista Veja. E a conclusão é esta que está aqui. É mentira ou é realidade? Traduz ou não aquilo que há 30 anos sabemos que é verdade? Isso está tão arraigado, que, até nos assuntos mais sérios e profundos, é assim.

            Quiseram dar um golpe para não deixar o Juscelino assumir a Presidência. O Lott deu um contragolpe: não deixou nem o Carlos Luz nem o Café Filho assumirem. O Nereu Ramos, Presidente da Casa, assumiu. Aí, o Café Filho disse: “já estou bem, não estou doente, quero tomar posse porque sou o Vice-Presidente da República.” E entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo para assumir o cargo. Sabem quando o Supremo decidiu? Quando Juscelino já estava na Presidência há um ano. O assunto ficou prejudicado.

Estou citando uma questão que houve entre o Presidente da República e o Supremo Tribunal Federal para demonstrar que não há interesse em cumprir a lei, não há disposição para cumprir a lei, não há tradição de cumprir a lei. Seria possível ocorrer uma coisa dessas nos Estados Unidos, na França, num país democrático? Ocorreu no Brasil. Dentro deste contexto é que os fatos são praticados, porque se sabe que a pessoa ficará impune.

Em segundo lugar, não podemos atirar pedras na Justiça brasileira, porque nós, membros do Congresso Nacional, temos a nossa parcela de responsabilidade. Por isso eu digo, Senador Bernardo Cabral, que V. Exª tem uma missão muito grande na vida, porque o projeto da reforma do Judiciário que veio da Câmara dos Deputados - perdoe-me aquela Casa -, nem de leve atinge a impunidade. Fizeram alterações aqui e acolá, acrescentaram muitas coisas casuísticas que interessam à classe, mas não tomaram conhecimento da impunidade, ficou tudo igual. Grande é a responsabilidade de V. Exª, Senador. E feliz foi o destino de ter entregue exatamente a V. Exª, nessa hora tão importante, uma matéria tão significativa como essa.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Senador Pedro Simon, não é uma advertência quanto ao uso do tempo, pois V. Exª continuará com a palavra, mas o tempo normal de V. Exª já se esgotou há três minutos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado. Quero que a Mesa e o povo saibam que, daqui por diante, dependo da generosidade do Sr. Presidente, mas estou tranqüilo, não estou nem um pouco preocupado.

Não tenho dúvida, Senador Bernardo Cabral, de que se deva terminar com o inquérito policial. O inquérito policial é um absurdo. É o principal entrave, não por má-fé, ao andamento de um processo. Ele perdeu a sua razão de ser no tempo, não tem lógica para existir. Ele amarra o processo por um a dois anos. Fui advogado de júri - essa é a minha especialidade - e o que mais gostávamos era do inquérito policial, pois assim podíamos protelar o processo policial. Eu também tenho minha parcela de culpa, pois eu também seguia essa lógica. E o inquérito demorava um, dois, três, quatro meses, até o povo esquecer do caso. Assim, quando o promotor fizesse a denúncia e ela chegasse ao juiz, ninguém sabia mais de nada. Diz-se que o testemunho pessoal num inquérito policial é a prostituta das provas, porque ele varia, muda, altera. Quando há um crime e a testemunha é ouvida na mesma hora, ela ainda se lembra. Seis meses depois, ela não se lembra mais. A testemunha estava no bar, tomando um chope, conversando com os seus amigos, quando, de repente, ouviu um tiro. Ela vira pra ver, mas já aconteceu. E o juiz, posteriormente, quer que ela conte tudo nos mínimos detalhes: como aconteceu, quem puxou o revólver primeiro, quem agrediu primeiro. O inquérito policial serve para desmascarar isso.

Há, porém, uma briga de poder. O delegado de polícia quer ser o autor do inquérito policial. Se houve um crime, é ele quem manda o inspetor e quem faz o laudo. E ele quer que continue a ser ele. Isso é um absurdo. Tem que ser como nos Estados Unidos, na Itália, no Japão, onde há um processo único. Na Itália, inspetor de polícia, delegado de polícia, procurador, promotor e até juiz fazem parte da mesma carreira. Recentemente, os juízes italianos responsáveis pelo programa Mãos Limpas estiveram em Brasília, a nosso convite, e mostraram que um cidadão é promotor durante três anos e depois passa a ser juiz. É a mesma carreira.

Nos filmes policiais americanos, quando há um crime, uma pessoa morre, a polícia e o inspetor chegam e prendem o assassino. A seguir, chegam o procurador e o promotor, que dizem ao criminoso: “Você pode ficar calado, pode chamar um advogado, mas tudo o que você disser agora pode ser usado contra você”. Nesse momento, começou o processo. E dali o Procurador vai ao juiz, que pode emitir uma ordem de prisão na mesma hora. Portanto, o inquérito começou.

Já contei desta tribuna - e posso contar de novo - o caso daquele cidadão que matou 100 velhinhos em estado terminal. Ele ganhava da funerária R$100 por cada velhinho. Se o velhinho possuía seguro de vida e morria de acidente, ele ganhava R$1.000. Ele matou 100 pessoas. O inquérito foi bem feito, bem acabado, bem apurado, não tinha uma vírgula errada. O delegado mandou o processo para o juiz, que o mandou para o promotor. Ele apresentou a denúncia e enviou-a ao juiz. Após qualificar o réu, o juiz convocou-o para depor. E esse processo foi rápido, durou menos de um mês e meio. Quando o réu chegou, o juiz mostrou-lhe os documentos e perguntou-lhe: “Estas assinaturas nessas páginas são suas?” O réu respondeu: “São minhas, sim, Senhor”. O juiz pediu à secretária que lesse os documentos. A seguir, o juiz ditou: “O réu reconhece que matou...” O réu reagiu: “Um momento, Sr. Juiz. Eu não confesso nada”. E o juiz: “Como não confessa? O senhor não acabou de dizer que essa assinatura é sua?” “Sim. Eu disse que essa assinatura é minha”, disse o réu. “E como é que o senhor não confessa?” O réu responde: “Não. O senhor me perguntou se a assinatura era minha e eu disse que era. Mas quando assinei, dois delegados de polícia, um de cada lado, apontavam um revólver para minha cabeça. Assinei com dois revólveres, um de cada lado”. Conseqüentemente, o processo foi anulado. Guardem esse caso e vejam quando ele será julgado. O criminoso está solto, o processo foi zerado e não sei daqui a quanto tempo ele terá continuidade.

O ex-Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira, na reunião dos três Poderes, apresentou o projeto que esta tramitando, que é de sua autoria. Ele disse que esta é a principal razão de ser. Se acabarmos com o inquérito policial, estaremos dando um passo fantástico para a rapidez do processo. Se terminarmos com as brigas entre delegado, polícia, inspetor, como as ocorridas no caso PC Farias, em Alagoas - o Senador Renan Calheiros acompanhou de perto o problema quando foi Ministro da Justiça -, daremos um grande passo para o término da impunidade.

Sr. Presidente, há ainda os projetos que estão tramitando nesta Casa, que considero da maior importância.

“Estabelece o fim do sigilo bancário para todos agentes públicos, entre eles: ministros, presidentes, vices, parlamentares, dirigentes partidário, diretor de órgãos públicos.” Esse projeto foi aprovado nesta Casa e não permite que se diga: “Eu entreguei meu sigilo”.

Segundo o projeto, pode ser deputado, senador, prefeito, presidente, enfim, qualquer cargo que envolva dinheiro público, para esses não há sigilo bancário. O Superintendente da Receita, afirmou, na reunião da Comissão, que vibra quando se cria uma CPI, porque é a sua chance de saber o que está acontecendo. Quando criaram o imposto sobre o cheque, ele pediu ao Banco Central que o especificasse, mas o Banco Central se negou a fazê-lo, argumentando que se tratava de matéria de sigilo bancário. Ele, então, entrou com um requerimento no Supremo Tribunal Federal, que confirmou o sigilo bancário. Quer dizer, qualquer “banquinho” pode saber onde está o meu dinheiro, quanto gastei, como paguei, onde paguei e o que aconteceu, mas a Receita não pode saber. O Supremo diz que a Receita não pode saber. É preciso acabar com esse sigilo.

“Dá competência ao Senado para a aprovação prévia da escolha dos presidentes dos bancos oficiais, Banco do Brasil, BNDES e outros”. Esse projeto está tramitando.

“Estabelece rito sumário para processo de julgamento de crimes contra a administração pública”. É igual ao que aprovamos como resultado da CPI. Queremos um projeto igual, que determine que crime contra o patrimônio público seja prioritário. Se o promotor, o delegado, o tribunal e, segundo dizem, alguns juízes têm mil processos, eles que deixem de lado a minha briga com Fulano de Tal, e coloquem em primeiro lugar o ato de corrupção, a malandragem do Pedro Simon. Esse processo tem que ser tratado em primeiro lugar.

            “Dispor sobre o controle social, sobre os atos de gestão administrativa pública. Assegura o livre acesso do cidadão às informações relativas às finanças públicas”. Penso que, em parte, isso já está se começando a fazer. Os atos administrativos, agora com a Internet, com a comunicação, os atos da coisa pública têm que estar ali, para qualquer um tomar conhecimento a hora em que quer, no momento em que quiser. Como está o dinheiro, como está o Tesouro? Foi aberta uma concorrência para tal gasto? Sim. Como é essa concorrência? Quem se habilitou? Quem ganhou? Por que ganhou? É preciso colocar essas informações na Internet.

Uma das melhores realizações do Governo Itamar Franco, modéstia à parte foi proposta minha: foi a Comissão Especial de Investigação. Criou-se a comissão composta por pessoas que estavam totalmente fora da administração, os chamados “notáveis inatacáveis”: Cândido Antônio Mendes de Almeida, Quintera Brandão, Emerson Kapaz, Evandro Gueiros Leite, Francisco Batista Torres de Melo, Miguel Jeronymo Ferrante, Modesto Sousa Barros Carvalhosa.

Essa Comissão estava diretamente ligada ao Presidente Itamar Franco. Qualquer ato de corrupção que atingisse o Governo Itamar Franco era investigado por essa Comissão, que tinha a prerrogativa de chamar qualquer ministro, qualquer autoridade para depor. A responsabilidade era da Comissão. V. Exªs sabem o que isso fez de bem ao Governo Itamar Franco! Meu Deus do céu! O que isso facilitou a vida de Itamar Franco, meu Deus do céu! Tratava-se de pessoas da maior responsabilidade, sem ligação de nenhum tipo com o governo e com a mais absoluta autonomia.

Tenho aqui, Sr. Presidente - são 3.000 mil páginas - o ato em que o Presidente Itamar Franco entregou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, dois dias antes de Sua Excelência assumir o governo. É um dossiê, com todos os casos encerrados, deixando a decisão - absolver, condenar, fazer o que for - ao Presidente Fernando Henrique.

Hoje ninguém mais sabe onde está essa documentação. Li no Diário Oficial que o Presidente extinguiu a Comissão de Investigação. Fui até ele e Sua Excelência disse-me que não sabia, que havia assinado sem ler. Não lhe havia passado pela cabeça que tinha assinado essa extinção. Achou isso um absurdo. Garantiu-me que ia restabelecer a Comissão. Entretanto, não o fez.

Nesse sentido, apresentei um projeto, aprovado por esta Casa, que está hoje na Câmara dos Deputados. Imaginem, qualquer um dos Senhores Presidentes da República tendo uma comissão composta de gente da maior integridade moral, para tirar qualquer dúvida! Se o Sr. Antonio Carlos entrasse com um dossiê, bem como o Sr. Pedro Simon, o Sr. Fulano de Tal, ou a revista apresentasse não-sei-quê, encaminhava-se a matéria para a Comissão, que investigaria e apresentaria os resultados para o Presidente. Isso era o que acontecia no Governo Itamar Franco.

Entretanto, nosso amigo Fernando Henrique a extinguiu e não criou nada nesse sentido. Três anos depois, baixou um Código de Ética, e nem sei se alguém se lembra dele.

Dispõe outro projeto:

“O Estado, agindo no interesse público e em defesa da sociedade, deverá garantir proteção às testemunhas que colaboram na investigação contra o crime organizado.” Parecer favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Está em vésperas de ser aprovado. Em linhas básicas, “procura despolitizar os tribunais de conta, permitindo a interferência direta do Ministério Público, e reestrutura o órgão de controle externo do Executivo.” Parece que está na hora de se fazer isso.

Define que o Parlamentar “só tem direito ao benefício da imunidade por palavras, votos e opiniões. Em caso de crime comum não haverá necessidade da Justiça pedir licença ao Congresso para processar.”

Aprovado no Senado. Está na Câmara para ser votado. Isso será uma revolução. Isso vai mudar o nosso conceito e a nossa credibilidade.

Outro: “Requer a criação de uma comissão de 11 Senadores para discutir com a sociedade e a Magistratura as questões essenciais da reforma do Judiciário”. Aquilo que de certa forma fiz sozinho deveria ser feito - considero importante - pelos três Poderes. Os três deveriam indicar uma comissão para realizar os estudos necessários.

Ainda outro projeto: “Autoriza o Executivo a celebrar acordos internacionais para supressão do sigilo bancário em caso de lesão ao patrimônio público”. Esse projeto, de minha autoria, passou por unanimidade no Senado; foi para a Câmara, e designaram relator o Deputado irmão de PC Farias, que, surpreendentemente, deu parecer contrário. O parecer desse cidadão ainda não foi votado, e tentaremos derrotá-lo no Plenário.

Essas são algumas matérias, Sr. Presidente, que merecem ser tratadas com seriedade e profundidade.

Não tenho dossiês, Sr. Presidente. Cada um tem o seu estilo, a sua capacidade, a sua competência. Eu não tenho e não guardo mágoa, ressentimento; não consigo guardar nada. Então, minha assessoria fez isso aqui. E a Imprensa se equivocou e disse que eu ia aqui noticiar 500 nomes, 500 casos etc.. Estão aqui e, se a Imprensa quiser, estarão lá no meu Gabinete, à disposição. Aqui estão 1.500 páginas. São dez anos, um depois do outro... E é difícil alguém não estar aqui, porque é um dia aqui, outro dia ali, mas sempre alguém é lembrado.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Permita-me interrompê-lo mais uma vez. V. Exª já está há 40 minutos na tribuna.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - São trezentos e sessenta e nove páginas de jornais, só de grandes escândalos; 55 capas de revistas nacionais, só de grandes escândalos; 46 CPIs requeridas.

Não pude apurar, pois não tive tempo, mas sei que há um Vereador de São Paulo na cadeia. Gostaria que, depois, os Colegas me ajudassem e dissessem quantos outros casos eles conhecem de cidadãos que foram para a cadeia, que devolveram bens ou coisa que o valha.

Essa é a realidade.

Quanto ao Judiciário, primeiramente ele não tem condições de funcionar, porque a legislação não é feliz; e, depois, não tem preocupação para valer. O nosso Judiciário poderia ser como o da Itália, que coordenou a Operação Mãos Limpas, em um trabalho de limpeza da corrupção no Congresso Nacional, no Judiciário, na Imprensa, no empresariado. Foi um trabalho fantástico, sob o comando do Judiciário. Foram mais de 100 deputados e senadores cassados, mais de 200 empresários na cadeia, inclusive o diretor-presidente da FIAT.

Aqui, pode ser que faltem elementos ao Judiciário, mas nunca vi o Judiciário trazer elementos e propostas, a não ser essas da reunião que organizei e da qual participei.

Então, o Judiciário também é responsável.

Na verdade, na verdade, eu não gostaria de ser juiz, mas essa história de que juiz é a lei, muitas vezes, é um absurdo total, uma irrealidade veemente. Não sei. Não vejo assim.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Peço a V. Exª que conclua realmente, porque já se passaram 43 minutos e o Senador Ney Suassuna está inscrito e deseja falar, assim como eu desejo falar, se for o caso.

Não vamos perder tempo, continue com a palavra.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Obrigado, Sr. Presidente.

Nesses casos, reconheço o papel do Congresso Nacional. Se somos culpados por não modificar a legislação penal - e nisso somos culpados -, o Congresso tem um grande mérito pelas CPIs que está promovendo, pois não é obrigação sua. O trabalho da maioria das CPIs é excepcional, como a CPI dos Precatórios, cujo relator foi o Senador Requião; a CPI do Judiciário, difícil, delicada, complexa; a CPI do Narcotráfico na Câmara dos Deputados; a CPI dos Medicamentos, na Câmara dos Deputados.

O Congresso está fazendo um trabalho que nem lhe compete. Mas é inglório, porque fica inconcluso. Mandamos os resultados para lá e eles não fazem nada.

Então, Sr. Presidente, se não houver esse diálogo entre Executivo e Judiciário e não elaborarmos as normas que devem ser feitas, pelo amor de Deus... Desde o dia em que vim para cá apareceram mais seis matérias e, cá entre nós, tenho certeza de que, até o fim da semana, aparecerão mais seis. E o que vamos fazer? Qual é a nossa conclusão? Qual é a nossa proposta?

Respeito a imprensa. Acho que ela tem desenvolvido ultimamente, no Brasil, um grande papel, principalmente na área investigativa, levantando e debatendo as denúncias. Esse é um grande papel. Entendo que, se a imprensa continuar como está, e o Judiciário passar a funcionar para valer, será uma grande saída. Se sair o Simon na capa da Veja, com o título: “É ladrão”, o Judiciário investigará para provar se é verdade ou não. Dentro de dois ou três meses, o caso estará encerrado. Aí ninguém mais vai nivelar a classe política por baixo; cada um estará no seu lugar.

A imprensa trabalha, mas o que vejo muitas vezes é matéria requentada. Culpar, não culpo; perguntar, pergunto. Há matérias que, às vezes, vêm de muitos anos. É verdade que, durante esse tempo, a matéria não andou, ou, se andou, passou de um compartimento para outro. Então, a imprensa pode se julgar no direito de trazer o assunto de novo à baila.

Tenho todo respeito, carinho e amor pela imprensa, mas ela tem um superpoder. Entre o poder do Congresso Nacional, do Judiciário e do Executivo, a imprensa tem poder de mostrar a nossa cara e dizer quem somos. Agora, com a TV Senado pelo menos alguns ficam sabendo. Não fosse a TV Senado nem isso. Como é feita a seleção de quem sai ou não na imprensa, sobre quem é repetida matéria uma, duas, três, quatro vezes e sobre quem nunca se fala? Eu até não critico, pois sei que o papel é difícil. Não é culpa da imprensa se não acontece nada.

Nos Estados Unidos, a Mônica Lewinsky declarou que teve um relacionamento com o Presidente Bill Clinton e isso quase provocou o impeachment do Presidente. Ele precisou pedir desculpas à nação. O ex-presidente Richard Nixon sofreu investigação, por causa de uma chantagem envolvendo uma gravação no edifício-sede do Partido Democrata. Foi o watergate. Ele teve que renunciar, para não ser cassado. Nos Estados Unidos a coisa funciona: sai uma denúncia e vêm as conseqüências. 

Aqui não se faz nada, não acontece nada, então a imprensa não sabe o que faz, se publica ou não. Esse é outro aspecto que me parece importante e tem que ser analisado.

Sr. Presidente, entendo que temos a obrigação de encontrar uma fórmula para isso, nós, do Senado, que temos mais responsabilidade sobre essa matéria. Creio que temos obrigação de encontrar uma fórmula para solução desse problema no País.

Lembro um caso que ocorreu no Governo Itamar. Ele indicou para Ministro da Agricultura o Secretário do Governo do Distrito Federal, Presidente da Associação Rural de Brasília, um homem respeitado e que ficou no cargo apenas por 48 horas. A imprensa publicou que aquele cidadão tinha matado duas pessoas em Goiás, o processo tinha acabado, ele foi pronunciado, marcada a data do júri e ele não havia ido a julgamento. A denúncia saiu no dia seguinte; faz seis anos e ele não foi a julgamento. O crime prescreveu e nenhum jornal ou revista publicou mais nada. Eu, desta tribuna, já falei umas quatro ou cinco vezes sobre essa matéria.

Quer dizer, a preocupação com a ética, com a responsabilidade, com aquilo que é, não existe. Existiu o fato, a notícia: “Itamar nomeou um cidadão, que matou dois caras, para Ministro da Agricultura”. Caiu o cara? Caiu. Agora, o fato em si de o cidadão matar dois e não ir a julgamento, isso não interessava. E não foi. Está solto, prescreveu e não foi.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Meu Caro Senador, 51 minutos, poderia concluir?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Eu concluo.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Eu agradeço.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Eu gostaria de dizer a V. Exª que eu falei apenas um quarto do meu pronunciamento, do que eu desejava falar. Mas eu não tive sorte, peguei V. Exª num dia mais... V. Exª está parecendo Geraldo Melo. Eu encerro então. Eu encerro.

            O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Não, não desejo que V. Exª encerre, porque V. Exª vai dizer que encerrou antes por minha causa.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Não, eu encerro. Eu encerro.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Olha, temos 51 minutos, tem V. Exª mais 9. Está certo?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Esses 9 minutos eram para os elogios que eu reservava a V. Exª no final.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Mas V. Exª tem 9 até para isso.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Olha, Sr. Presidente, acho que é uma grande responsabilidade desta Casa, de todos nós. Temos problemas entre nós? Temos. Quem não os têm? Tem dificuldades entre nós? Quem não as têm? Temos, agora, a eleição para Presidente do Senado. Muita gente da imprensa pergunta o que Simon vai fazer, o que Simon vai deixar de fazer. Vou cumprir a determinação da minha Bancada, que deve se reunir no momento oportuno e deve decidir. Deve analisar as coisas que acontecem, que não acontecem e decidir. Essa é a tradição. Mas não acho que isso seja motivo, não acho que seja o motivo do João, do Pedro ou do Paulo. É um motivo que nos deve levar numa hora como esta, quando as manchetes e todos os editoriais estão a cobrar de nós ética, moral, dignidade, basta à impunidade. Eu acho que a causa, aqui, é muito mais profunda. E digo a V. Exª, Sr. Presidente, com toda a sinceridade: nos meus 70 anos, eu volto a dizer que não considero ética algo importante. Eu considero ética algo de inato. Mas, que triste estarmos aqui discutindo ética. Agora, a impunidade; impunidade é grave. Se existe impunidade neste País, a responsabilidade maior é da Casa mais importante, e a Casa mais importante é o Senado Federal. Nós, às vezes, temos dado uma sacudidela no Senado, mas logo voltamos à nossa normalidade, à normalidade na qual, me perdoem, eu me incluo. É uma normalidade amorfa, parada, nesse belo local que parece uma linda boate; olhando entre nós, caminhando nesses tapetes e nos abraçando, as pessoas que recebemos e com quem jantamos, quer classe média ou classe alta, parece-me que tudo que está ao redor de nós não existe.

Houve um caso com o qual me emocionei. O Presidente do Senado apresentou proposta para o combate à miséria. A Senadora Marina, essa santinha lá do Acre, propôs a criação de uma Comissão Especial, e, nessa Comissão, houve unanimidade. Comunista, fascista, nazista, direita, esquerda, norte, sul, leste, oeste, todo mundo tinha uma unanimidade: terminar com o problema das pessoas que passam fome. Na hora da conclusão, lamentavelmente, não conseguimos uma fórmula através da qual buscássemos entendimento.

Quando vejo os levantamentos feitos, se não me engano, pela Fundação Getúlio Vargas, sobre o que se rouba no Brasil, que daria praticamente um novo salário para os brasileiros... Acho que essa devia ser a nossa grande missão. Essa devia ser a nossa obrigação, devia ser o nosso compromisso, devia ser o nosso dever, devia ser a nossa responsabilidade. Aqui não interessa o partido, não interessam as divergências, não interessam os malquereres. O que interessa é a causa; tenho que olhar o conjunto, o macro da questão. Acho que essa é a nossa grande responsabilidade, e para fazer isso temos que ter coragem de ver as questões, e elas são singelas.

Reparem como foi aprovada. Há vinte anos, gritava-se que era um absurdo uma CPI, e éramos desmoralizados perante a opinião pública: “termina em pizza, termina em pizza”, era a voz corrente. Não termina mais, porque, se terminar, o culpado é o Judiciário. Uma simples lei, uma singela lei deu um avanço extraordinário. Pelo menos, agora, temos um responsável. Ou o Procurador leva adiante a denúncia ou assume perante a Nação que a está engavetando. É isso que temos que fazer, é essa a nossa obrigação, é esse o nosso compromisso.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, só depois de termos um país com ética, um país que termina com a impunidade e que todos saibam que roubar dá cadeia, é que vamos ter um país sério e responsável, um país que vamos amar, um país do qual vamos gostar, um país que vamos querer. Isso é fundamental.

O Presidente da República faria um grande serviço se encabeçasse esse trabalho que é responsabilidade de todos nós.

            A imprensa é complicada! Tenho aqui notas da imprensa - acho que é até por isso que não estou querendo sair da tribuna, porque disseram que V. Exª iria roubar o espetáculo -: “O Senador Antonio Carlos promete roubar o espetáculo”.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - V. Exª sabe que isso é impossível!

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sabemos que é impossível porque o Senador jamais faria um gesto desse. Se quisesse, roubava; mas não quer. Adiante, diz a nota que V. Exª entregaria uma declaração com relação à abertura das suas contas.

            Chegaram ao meu gabinete dois requerimentos do Senador Jader Barbalho, endereçados ao Senador Geraldo Melo, datados de 11 de abril:

             

Encaminho a Vossa Excelência, no exercício da Presidência da Mesa Diretora do Senado Federal, documento constituído por certidões, sentenças judiciais, publicações do Diário Oficial da União e Diário de Justiça que respondem às pretensas acusações do Senador Antonio Carlos Magalhães.

Outrossim, reitero minha comunicação de 04.04.2000, na qual autorizei a Mesa Diretora do Senado Federal a dispor do meu sigilo bancário e fiscal nos períodos necessários aos esclarecimentos porventura devidos.

Oportunamente registro que, por exigência legal, todos os Parlamentares são obrigados a informar sobre seus bens e rendimentos aos Tribunais Eleitorais - como pré-requisito ao registro de candidatura - e à Casa Legislativa para a qual for eleito, quando de sua posse, informação essa renovada anualmente.

 Atenciosamente,

 Senador Jader Barbalho. 

            E outra ao Sr. Procurador-Geral da República:

             

Vossa Excelência recebeu da Comissão de Ética do Senado Federal documentos por mim encaminhados em 11 de abril p.p. à Mesa do Senado Federal, na pessoa do seu Presidente em exercício Senador Geraldo Melo, respondendo com provas às pretensas acusações que me foram assacadas, que foi devidamente recibado, como se vê na cópia anexa.

Destaco, por oportuno, o seguinte trecho:

“Outrossim, reitero comunicação de 04.04.2000, na qual autorizei a Mesa Diretora do Senado Federal a dispor do meu sigilo bancário e fiscal nos períodos necessários aos esclarecimentos porventura devidos”.

Tais documentos foram levados pela Mesa do Senado Federal ao Conselho de Ética, que decidiu encaminhá-los à consideração do Ministério Público Federal, na pessoa de V. Exª.

Assim, dirijo-me a Vossa Excelência para reafirmar-lhe o que expressei desde 04/04 e reiterado em 11/04 p.p - meus sigilos bancário e fiscal estão à disposição de Vossa Excelência, de quem estou seguro ter responsabilidade, seriedade e equilíbrio no exercício de suas elevadas funções, para qualquer providência que se faça necessária aos esclarecimentos devidos.

Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência protestos de consideração.

                              Atenciosamente,

                         Senador Jader Barbalho.   

Faço essa transcrição porque a imprensa me perguntou se eu estava preocupado com o que vinha depois. Não. Tenho certeza, Sr. Presidente, e confio muito no bom-senso de V. Exª, embora se diga que nesta Casa os discursos podem ser muito bonitos, mas não convencem coisa nenhuma. Acho que tentei e consegui convencer. Convencer do quê? Convencer de que essa é uma responsabilidade grande demais e importante demais de nós todos.

V. Exª, com o seu compromisso histórico, com a sua biografia, com a do seu filho, e eu com um compromisso mais singelo, mais simples, lutamos no mesmo sentido. Esse é um compromisso de todos nós que aqui estamos. Imaginem os senhores se um dia eu encontrasse o Presidente em um dia mais tranqüilo e lesse, mostrasse todas as cartas, e tudo o que tem acontecido! Mas não se trata disso. Para não dizerem que frustei a imprensa, está lá no meu gabinete, à disposição; podem usar à vontade. Mas isso não é o que me preocupa. Preocupa-me conseguirmos, efetivamente, dar um grande passo e dizer - fruto daquela discussão, fruto daquele debate, fruto daquele mal-entendido, fruto do que for: começou o período em que a ética passa a vigorar e a impunidade passa a desaparecer da História do Brasil!

Muito obrigado pela generosidade de V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2000 - Página 21943