Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao modelo agrícola defendido pelo governo federal. Solidariedade ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pela disputa política em relação à Reforma Agrária.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.:
  • Críticas ao modelo agrícola defendido pelo governo federal. Solidariedade ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pela disputa política em relação à Reforma Agrária.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Geraldo Melo, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2000 - Página 22293
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OPOSIÇÃO, MODELO, GOVERNO FEDERAL, LIBERALISMO, POLITICA AGRICOLA, EXCLUSÃO, TRABALHADOR, INCAPACIDADE, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL, PREJUIZO, REFORMA AGRARIA, AGRICULTURA, FAMILIA.
  • REGISTRO, DADOS, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, BRASIL, EXODO RURAL.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REPRESSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, MANIPULAÇÃO, IMPRENSA, CAMPANHA, DIFAMAÇÃO, SEM-TERRA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Sªs. e Srs. Senadores, em nome da Bancada do Partido dos Trabalhadores gostaríamos de, mais uma vez, prestar a nossa solidariedade ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de nosso País.

Todos sabemos que o Governo Fernando Henrique, por meio de sua política econômica, busca implantar um novo modelo agrícola no meio rural brasileiro, centrado essencialmente nos pressupostos neoliberais de que deve ocorrer uma seletividade dos produtores rurais, permanecendo no mercado apenas os que são capazes de enfrentar a concorrência internacional. Em termos gerais, essa política significa a completa mercantilização e desnacionalização da nossa agricultura, a entrega do controle do mercado às multinacionais e a extinção da agricultura familiar.

Nesse cenário, não há espaço para a produção autônoma dos camponeses, dos pequenos proprietários e, conseqüentemente, para a reforma agrária.

Em termos práticos, essa política, friamente elaborada e executada, afeta milhões de brasileiros. Ela é responsável pelo aumento da pobreza, da exclusão social e da concentração de propriedades. De acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no período de 1995 a 1999, cerca de 4,2 milhões de brasileiros abandonaram o campo. De 1992 a 1998, segundo também os dados do Incra, os latifundiários ampliaram suas propriedades em 80,6 milhões de hectares. Os 1.030 latifundiários, proprietários de áreas superiores a 20 mil hectares, são donos de 62,3 milhões de hectares, ou seja, 15% da área total dos imóveis do País.

Para o Governo e para as classes dominantes, o ideal seria implantar esse modelo agrícola em um contexto social sem sobressaltos, com a cooptação das representações políticas e sindicais dos agricultores, ou seja, sem a oposição, sem a resistência a essa política infame imposta pelo FMI e acatada covardemente pela elite política e econômica do nosso Brasil.

No entanto, os trabalhadores rurais mostraram este ano firme determinação de lutar e resistir frente à ofensiva neoliberal do Governo federal. Diante de toda a mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dos pequenos produtores deste País, a estratégia do Governo Federal passou a ter uma tática principal: derrotar física e moralmente o MST. Não porque ele seja forte ou possa apresentar uma ameaça à política neoliberal do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas porque pode servir de exemplo e incentivo a outras organizações de trabalhadores.

Assim, o Governo Fernando Henrique não hesitou em promover o arbítrio político e a manipulação político-ideológica de importantes setores dos meios de comunicação, de forma totalitária, para atingir o seu objetivo. Por isso, contando com a conivência de alguns meios de comunicação social e, principalmente, escalando profissionais de comunicação perfilados com a estratégia do Planalto em combater os movimentos dos trabalhadores rurais organizados, iniciou uma ampla e violenta campanha de difamação do MST, de suas cooperativas e de suas lideranças.

Muitos dos que esbravejam com discursos moralistas perante o MST são aqueles que calam, omissos, cúmplices, subservientes diante de escândalos gigantescos. Escândalos no Senado e no Congresso Nacional, como a troca de votos, inclusive para aprovar a reeleição; os dossiês que morrem nas nossas mesas em estado de putrefação; escândalos e mais escândalos que o Congresso Nacional não tem a ousadia de investigar, como o caso do Sr. Eduardo Jorge. Mas, em relação ao Movimento dos Sem-Terra, muitos ostentam de forma arrogante escândalos inexistentes.

O Movimento, ontem, Sr. Presidente, junto com o fórum que luta pela reforma agrária neste País, fez uma visita ao jornal Folha de S.Paulo para apresentar uma denúncia contra o jornalista Josias de Souza, em função de documento do serviço público federal segundo o qual o dinheiro público do Incra foi utilizado para transportar jornalistas para fazer matérias em assentamentos, assentamentos esses que acabaram motivando setores importantes dos meios de comunicação a fazer denúncias infundadas contra o MST!

Não estamos aqui para proteger alguma organização da sociedade civil ou dos trabalhadores; elas mesmas se defendem, elas mesmas prestam as explicações necessárias à sociedade. Entretanto, é absolutamente injusto e ineficaz do ponto de vista jurídico que elas sejam acusadas de utilizarem de forma imprópria o de dinheiro público.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Heloísa Helena, estamos diante de um importante problema de natureza ética. O respeitado jornalista Josias de Souza é conhecido por sua responsabilidade, experiência e pela liberdade com que normalmente expressa suas opiniões. Foi diretor, por muitos anos, da sucursal da Folha em Brasília. Na ocasião citada por V. Exª, contudo, incorreu em procedimento que, ainda que possível, em verdade não está tão de acordo com a trajetória da Folha de S.Paulo, que normalmente procura pautar-se na independência não apenas de seus editoriais, de sua cobertura jornalística, de seus principais colunistas, mas sobretudo de jornalistas como Josias de Souza. Eu gostaria de citar que, se há exemplos de independência no jornalismo brasileiro, nós os temos nos jornalistas da Folha de S.Paulo. Janio de Freitas, Clóvis Rossi, Eliane Catanhêde e muitos outros têm dado exemplos do que seja a imparcialidade e a independência. E eu esperaria isso do histórico de Josias de Souza. Agora, o que se passou? O Ministério do Desenvolvimento Agrário, pelo Ministro Raul Jungmann, resolveu promover uma apuração e investigação, colocando jornalistas como Josias de Souza lado a lado ao procedimento de apuração. Segundo o que demonstram as notas apresentadas pelo MST, aquele Ministério resolveu pagar as despesas de deslocamento do jornalista Josias de Souza e do fotógrafo Alan Marques, ambos da Folha de S.Paulo, quando foram acompanhar os depoimentos de membros do MST que teriam utilizado o crédito obtido para assentamento das famílias para dar uma contribuição de 3% ao MST. O jurista Miguel Reale deu um parecer a respeito desse procedimento, cujo teor é o seguinte: “As taxas pagas ao MST pelos assentados não vêm do dinheiro público”. Srs. Senadores, quero ressaltar: “As taxas pagas pelos assentados ao MST não vêm do dinheiro público” - diz o jurista Miguel Reale, ao contrário do que informa a reportagem de Josias de Souza na Folha de S.Paulo, bem como divulgam outros órgãos de imprensa e conforme quis dar a entender o Incra. Ao sair do Banco do Brasil, segundo o jurista Miguel Reale, o dinheiro para os assentados deixa de ser público. Por outro lado, dinheiro público, sem dúvida, é o dinheiro do Ministério do Desenvolvimento Agrário utilizado para cobrir as despesas de viagem de Josias de Souza quando fez a matéria para a Folha de S.Paulo, ainda que, segundo alegou o jornalista ao Jornal Nacional, tenha ele se oferecido posteriormente para pagar as despesas ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, que o dispensou do referido pagamento. E a Folha S.Paulo e Josias de Souza não insistiram em realizar o pagamento, para que a matéria ficasse inteiramente isenta de eventual parcialidade. Eu - como Senador pelo Partido dos Trabalhadores e como cidadão, como Noan Chomski e como Rigoberta Menchu, Prêmio Nobel da Paz, e tantos outros que se manifestaram solidários ao MST - também sou solidário ao MST. Como amigo daqueles que lutam pela reforma agrária, até já fiz da tribuna uma recomendação ao MST e também pessoalmente ao João Pedro Stédile, ao Gilmar Mauro, aos coordenadores nacionais do MST, no sentido de que eles terão maior força moral se decidirem que o valor da contribuição ao MST - e obviamente eles são livres para oferecê-la - seja, digamos, o resultado do valor adicionado que obtiverem em conjunto por suas cooperativas. Dessa forma, fica um rendimento inteiramente livre, como acontece conosco, por exemplo, Senadores de cada Partido, que resolvemos dar nossa contribuição. Nós, do PT, damos 30% da nossa remuneração líquida para o Partido, o que é inteiramente legal e está ao nosso alcance. Assinamos um compromisso, mas somos inteiramente livres. Se quisermos ser candidatos pelo PT a Deputado ou a Senador, caso eleitos, por um compromisso firmado previamente, destinamos uma parcela dos nossos rendimentos ao Partido. Então, seria mais natural que, em tendo rendimentos, decida os membros do MST ou das suas cooperativas destinar uma parcela dos recursos para esse fim. Eles teriam um ganho de legitimidade. Eles disseram que consideram isso bastante razoável. No entanto, Senadora Heloísa Helena e Senador Geraldo Melo, uma coisa é o fato de que pessoas como nós, que temos um certo padrão, alguma reserva ou um certo patrimônio - como é o meu caso - podem fazer isso. Outra coisa é a possibilidade de trabalhador sem terra que, pela primeira vez, está tendo direito a um pedaço de terra, e que recebe um crédito que significa a chance de ter um rendimento para a sua sobrevivência e para o custeio de suas atividades - aquisição de sementes, de instrumentos de trabalho - prestar alguma contribuição. Ele vai ao Banco do Brasil e diz: "Esses recursos serão destinados ao preparo e ao plantio e, assim, depois da colheita, obteremos os recursos necessários para pagar essa dívida". Os recursos são entregues ao assentado e ele é quem vai definir a proporção que será destinada à adubagem, às sementes e à compra de instrumentos. E se o assentado resolver que, de cada R$100,00, ele pode destinar R$3,00 ao MST, e o fizer voluntariamente, isso tem legitimidade. Não é o que eu recomendo, mas considero correto o parecer do jurista Miguel Reale. Mas, se em função disso, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a imprensa - e não apenas a Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, todos os grandes jornais, o Jornal Nacional e os demais órgãos de comunicação - quiserem destruir a causa e a luta dos que querem e acham justa a reforma agrária, aí vai uma diferença muito grande. Então, Senadora Heloísa Helena, V. Exª faz muito bem em trazer a debate a questão do procedimento ético e correto da imprensa ao cobrir matéria como essa. Tenho a convicção de que Otávio Frias Filho, Diretor de redação da Folha de S.Paulo - jornal que tem um manual de recomendações para seus jornalistas - e de quem me considero amigo, vai pensar muito, uma vez que é tão preocupado com a questão da ética em geral e na imprensa em particular. Trata-se de um caso exemplar para a própria reflexão da Folha de S.Paulo. Cumprimento V. Exª por ter trazido esse tema, que merece ser profundamente debatido pela imprensa brasileira e, obviamente, é do interesse do Congresso Nacional.

A SRª. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Senadora Heloísa Helena, obrigado pela oportunidade do aparte. Desejo apenas fazer uma reflexão com V. Exª. Em primeiro lugar, começando por concordar com o conclusão do Senador Eduardo Suplicy. Creio que seria irresponsável, num momento de transformação da sociedade brasileira, que se fizesse alguma coisa que fosse capaz de desmoralizar ou de inviabilizar estrutural e operacionalmente um Movimento que teve a responsabilidade política e social de desencadear as mudanças que o MST desencadeou no Brasil. Portanto, é preciso que a conduta, que a postura que se adota em relação a essa questão seja extremamente prudente e responsável para não transbordar os limites dos verdadeiros objetivos que interessam à sociedade. Tenho receio de que os que cobrem o MST de acusações e de suspeitas exagerem nas suas denúncias e não tenham o cuidado que desejamos que todos tenham em relação as outras pessoas. Esse foi, aliás, o tema do meu discurso quando aqui me referi ao problema Eduardo Jorge, que estava sendo crucificado antes de se apurar alguma coisa. Do mesmo modo não se pode desmoralizar o Movimento em si pelo simples fato de que há suspeitas, ou até da existência eventual, de desvios de comportamento verdadeiros dentro do Movimento. Da mesma maneira não posso concordar, diante da indignação justa que V. Exª manifesta pelo fato de haver pelas gavetas do próprio Senado denúncias não apuradas, que haja alguém, alguma estrutura, algum tipo de organização que, na hora em que se queira apurar alguma coisa ou esclarecer alguma suspeita em relação a ela, acredite que não se deva fazer. Se as coisas estão corretas dentro do MST, elas devem mesmo ser apuradas para que essa correção seja mostrada à sociedade. Por outro lado, eu, que confesso a minha admiração e o meu respeito não apenas por V. Exª, mas pelo Senador Eduardo Suplicy, permito-me discordar de um argumento de S. Exª. A questão de que os recursos do Banco do Brasil, quando são entregues ao mutuário, seja ele quem for - do MST, latifundiário, usineiro ou qualquer empresário - deixam de ser públicos e passam a ser privados. De duas, uma: ou eles são recursos que, por terem sido captados numa instituição pública, estão comprometidos com uma determinada finalidade, aquela que foi exposta à instituição financeira - e, se o mutuário se afasta da finalidade, praticou um desvio de crédito, que é uma coisa grave contratualmente prevista - ou então todo e qualquer mutuário tem o direito de, recebendo os recursos no Banco do Brasil, dar a eles a aplicação que lhe aprouver, mesmo que seja diferente do projeto ou da proposta que apresentou ao Banco. Se sairmos do cenário do empresário para o cenário de um grande produtor, de um grande pecuarista do Brasil central, um grande produtor de algodão ou de soja no Planalto Central, ou um usineiro, para falar de uma palavra tão marcada na sociedade brasileira, que toma R$10 milhões e não R$5 mil, e, desse dinheiro, tira uma parcela para comprar um carro, isso é tão grave quanto alguém do MST tomar dinheiro no Banco do Brasil para aplicar no financiamento da fundação da sua safra ou no custeio da sua safra e retirar uma parte para dar a uma organização qualquer. Concordo com o Senador Eduardo Suplicy quando diz que, após aplicado o dinheiro do banco, se isso permitir que aquele assentado tenha uma renda com o seu produto que lhe permita pagar os compromissos do banco e haja um excedente para colocar no bolso, aí sim, com esse dinheiro, ele tem a liberdade de pagar a sua contribuição ao MST. E é justo que o MST queira uma contribuição dos seus associados, vamos chamar assim, como uma cooperativa de grandes produtores quer dos seus associados. Agora retirar isso do financiamento obtido numa instituição pública, na minha opinião, não está certo. Não acho que isso seja uma calamidade, mas acho que há muito a esclarecer. Creio que o que pode comprometer a imagem do MST no Brasil não é o fato de que possa ser levantada uma suspeita. O próprio movimento, as lideranças do movimento não podem ser responsabilizadas pelo fato de que, entre os milhares de assentados, haja meia dúzia de maus-caracteres, que estão lá para se aproveitar ou para se comportar de forma diferente do que o Movimento deseja. Não se pode considerar o Movimento inidôneo porque há um ou dois associados que se comportam mal. No entanto, é preciso que se tenha o mesmo peso e a mesma medida para todos os cidadãos. Vou dar um exemplo sem citar nomes - V. Exª o conhece. No Conselho de Ética do Senado, está sendo examinada a postura de um Senador, contra o qual pesa uma acusação no sentido de que ele obteve recursos num banco federal para realizar um determinando empreendimento, numa determinada empresa. É acusado de não ter utilizado os recursos integralmente nos objetivos do projeto. Se o dinheiro que o assentado do MST recebe do Banco do Brasil é desviado de sua finalidade na hora em que o cidadão sai do banco, da mesma forma o dinheiro que saiu do BNDES para a empresa de um Estado - e V. Exª sabe muito bem a quem estou referindo-me - poderia ser utilizado pela empresa como bem quisesse. Portanto, não se pode entender o problema de uma forma quando se trata de uma empresa e entender de forma diferente quando se trata do MST. Penso sinceramente que é preciso tirar o componente de histeria, o componente de radicalismo que existe contra o MST e apenas considerar que o MST é uma instituição, é uma organização, é um movimento que existe na sociedade e que está desempenhando um papel importante de vanguarda. Quem é a vanguarda? Ela pode ser minoritária sempre, mas é a vanguarda quem muda a sociedade. O movimento está sendo realizado. É um movimento de vanguarda, que tem a seu crédito já uma grande história, que o País e a sociedade reconhecem, mas isso não lhe dá o direito de fugir da ética que todos nós, inclusive V. Exª, cobramos de todo o mundo. A norma ética que vale para políticos, para senadores, para deputados, para empresários, para funcionários públicos, para juízes, para magistrados, para todos, vale para o mais humilde dos cidadãos. A regra é uma só para todos. Um comportamento é ético ou não é. Não passa a ser ético apenas pelo fato de estar sendo praticado por alguém do MST. Desculpe-me ter-me alongado tanto, mas quero lhe dizer que me inspirei um pouco nas palavras precedentes do Senador Eduardo Suplicy. Espero ter sido bem compreendido por V. Exª, como sempre. Espero ainda que V. Exª compreenda que o meu compromisso é no sentido de que a norma seja uma para todos, que não haja distinções em relação a ninguém e que o assentado do MST seja considerado um pequeno proprietário rural do Brasil; que tenha direito a receber o mesmo tratamento que recebe qualquer pequeno proprietário rural no Brasil, quer a sua propriedade seja fruto do movimento dos sem-terra, quer a sua propriedade seja resultado do seu próprio trabalho, da sua herança, etc. Obrigado a V. Exª, Senadora.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço-lhe o aparte.

Concedo um aparte ao Senador Roberto Requião, que o solicitou, mesmo entendendo, Senador Jonas Pinheiro, que o tempo realmente está esgotado. Temos um visitante na Casa que merece o nosso respeito e a nossa consideração. Portanto, estamos concluindo com o aparte do Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Sr. Presidente, está visitando o Senado da República o futuro Presidente do Peru, Alejandro Toledo, que está aqui ao lado, na tribuna de honra. Senadora Heloísa Helena, achei elegante a intervenção do Senador Geraldo Melo. Não concordo com ele. Acho legítima a cobrança dos 3% na formulação do projeto. Não é uma cobrança generalizada do MST, mas, onde ela existe, é legítima, como é legítimo, por exemplo, o desconto que o PMDB faz na minha folha. Ganho, mais ou menos, líquido, R$4.450 por mês. Mas, do bruto, abatem-se R$350 a título de contribuição partidária e para a fundação de assuntos políticos. Não acho que esse seja o caso. O importante é o reconhecimento de que o MST é um movimento necessário, oportuno, de que sem o MST não se falaria mais em reforma agrária no Brasil. Faço um convite ao repórter da Folha de S. Paulo. Eu lhe empresto o meu automóvel, posso ser o seu motorista, pago o seu almoço e as suas despesas se ele quiser fazer uma reportagem sobre a fazenda do Presidente Fernando Henrique em Buritis, que foi comprada por U$1,98 e está assim declarada no Imposto de Renda. Uma fazenda de 1.047 hectares. De outra forma, deixando as ironias de lado, é claro que, para mim e para o Senador Geraldo Melo, há realmente uma tentativa de satanização do MST orquestrada no Brasil. E o mais grave nesse processo - perdoem-me a Senadora e o MST - não é nem a utilização do carro do Incra. Eu era Governador de Estado, quando um órgão da imprensa queria fazer uma reportagem sobre o Paraná. Nunca me neguei a ceder um veículo público e um motorista informado para que servisse de guia. Inclusive, quando o Al Gore visitou o Paraná, um pouco antes de ser candidato a Vice-Presidente da República, utilizou um helicóptero que servia ao Governador de Estado para conhecer o Complexo Lagonar do Superagüí, a última área intocada de reprodução marinha do Atlântico Sul. Portanto, não vejo grande crime nisso. O crime é o tom da reportagem, o crime é a tentativa de satanização do MST. Mas bendito seja o MST e bendita seja a reportagem do Josias de Sousa, que não encontrou nada de mais sério que a suposta cobrança de 3%, que pode ou não ter sido retirada diretamente do empréstimo do Banco do Brasil, que poderia também ter sido retirado de uma cumulação pessoal do pequeno proprietário, do pequeno agricultor. É uma questão que não foi investigada e é uma questão sobre a qual o Senador Geraldo Melo e eu temos opiniões eu não diria contrárias, mas diversas. O problema é que, a partir de uma orientação do Executivo, está-se tentando satanizar um movimento que tem contribuído, de forma decisiva, para a revelação do problema da miséria e do desemprego no campo e para impulsionar de forma positiva a reforma agrária. Acho que, nesse momento, as pessoas que têm uma visão social mais aprofundada devem negar-se inclusive a participar dessa discussão sobre os 3%. O MST é mais importante que os 3%, e que esses 3% sejam discutidos juridicamente pelo Miguel Reale e internamente pelo MST. Inclusive o convido, Senador, a fazer o que eu e o Senador Lauro Campos já fizemos: uma das emendas que o Regimento me faculta a fazer ao Orçamento será a favor do MST. 

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Por todos nós, até porque entendemos o trabalho exemplar que tem sido feito pelo MST não apenas na disputa política em relação ao projeto de reforma agrária, mas de uma forma extremamente exemplar, dando as condições necessárias aos seus assentados, coisa que o Governo Federal não faz, porque hoje os assentamentos de fato são verdadeiros exemplos de favelização rural. Se não fosse o MST, muitas organizações, parlamentares e pessoas da sociedade que entendem a importância desse movimento, com certeza o que veríamos seriam simplesmente favelas rurais.

Portanto, deixo aqui o protesto em nome do Bloco da Oposição.

Não vou responder ao Senador Geraldo Melo do ponto de vista da comparação que fez a um Senador, porque, infelizmente, sou Relatora do processo, mas S. Exª teria no mínimo a obrigação de dizer que os casos têm diferenças abismais. Mas não posso debruçar-me sobre o caso do Senador, porque sou Relatora do processo; só poderei fazer isso ao final da tramitação de todo o procedimento.

Portanto, nós, do Bloco de Oposição, mais uma vez deixamos aqui o “viva” ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, repetindo o velho poema de Dom Pedro Casaldáliga que diz que malditas sejam todas as cercas que nos impedem de viver e de amar.

Viva o Movimento dos Sem-Terra!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2000 - Página 22293