Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DE ESTADOS E MUNICIPIOS DIANTE DA POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE RECURSOS DO FUNDEF REPASSADOS INDEVIDAMENTE, SEGUNDO CALCULOS DO MINISTERIO DA FAZENDA. QUESTIONAMENTO QUANTO A MANUTENÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES NO SETOR FERROVIARIO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE AGUA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DE ESTADOS E MUNICIPIOS DIANTE DA POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE RECURSOS DO FUNDEF REPASSADOS INDEVIDAMENTE, SEGUNDO CALCULOS DO MINISTERIO DA FAZENDA. QUESTIONAMENTO QUANTO A MANUTENÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES NO SETOR FERROVIARIO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE AGUA.
Aparteantes
Lúdio Coelho, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2000 - Página 22431
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, DEVOLUÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, PAIS, RECURSOS FINANCEIROS, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, ALEGAÇÕES, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), EXCESSO, REPASSE, VERBA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REAVALIAÇÃO, CALCULO, DEVOLUÇÃO, MOTIVO, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, PAGAMENTO, PROFESSOR, TECNICO, EDUCAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, PAIS.
  • ENCAMINHAMENTO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, DESTINAÇÃO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, SETOR, TRANSPORTE FERROVIARIO, MOTIVO, OCORRENCIA, ACIDENTE FERROVIARIO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REAVALIAÇÃO, PROJETO, BENEFICIO, AUTORIDADE, REALIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESGOTO, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, dando sentido prático a essas considerações que o nobre Senador Paulo Hartung acabou de fazer, considero que, na linha da descentralização e do fortalecimento da ação do Município como executor de políticas públicas, o Fundef - fundo de desenvolvimento do Ensino Fundamental - foi um dos instrumentos mais importantes criados nos últimos anos. Hoje, tivemos pela manhã uma série de solenidades comemorativas dos 70 anos de fundação do Ministério da Educação - na época, Ministério da Educação e Saúde. Foi uma decisão do Governo revolucionário de 30. O Presidente Getúlio Vargas que tomou a decisão de criar um Ministério da Educação e Saúde.

De lá para cá, nesses 70 anos, sem dúvida, pudemos constatar vários avanços. Naquela época, existiam dois milhões de crianças na escola; hoje, deve haver aproximadamente 48 milhões. O analfabetismo estava em torno de 60% ou mais. Enfim, há muitos dados que mostram essa evolução.

Nos últimos anos, um dos setores mais importantes para melhorar bastante o desempenho da educação no País é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef. Ele foi criado por uma emenda constitucional aprovada pelo Congresso, depois regulamentada por lei, e tem por objetivo o fortalecimento da ação educativa do Ensino Fundamental no Município. Seus recursos são municipais, estaduais e da União, estes em torno de 600 milhões anuais, para complementar os custos com os alunos, de aproximadamente R$315 per capita.

Ultimamente, e este é o momento para se comentar o pronunciamento do Senador Paulo Hartung, o Ministério da Fazenda - alegando que repassou mais do que deveria aos Estados e Municípios os recursos do Fundef - pede a devolução desse dinheiro e, mais do que isso, está utilizando os créditos dos depósitos e retendo valores que julga ter passado a mais. Houve um erro de cálculo do valor per capita e, portanto, tem de haver uma devolução de Estados e Municípios. Segundo os cálculos do Ministério da Fazenda, no Ceará, por exemplo, essa devolução será de 25 milhões - 18 milhões dos Municípios e 7 milhões do Governo do Estado.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB - MS) - Trata-se de uma devolução compulsória?

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Compulsória, pois a parcela é retida e isso está criando um problema. Assim, os Prefeitos não estão totalmente sem razão quando pedem, pelo menos, um prazo para se acomodarem à nova realidade da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois têm todas aquelas limitações dos empenhos e restos a pagar. Mas será que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo aplicada corretamente nesse caso? Como o Ministério da Fazenda quer completar essa devolução até o dia 31 de dezembro, está retirando bruscamente essa receita.

            Pedi um levantamento do assunto à Consultoria de Orçamento do Senado e verifiquei, para minha surpresa, que o dispositivo invocado é o art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz:

Art. 35 - É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. (Grifo nosso)

            Serão essas importâncias repassadas ao Fundef uma modalidade de operação de crédito e, como tal, vetadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Não considero assim.

            O consultor que, a meu pedido, fez esse trabalho, teve o cuidado de transcrever parte da Resolução do Senado nº 78, de 1998, que dispõe sobre operações de crédito interno e externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, e o seu art. 2º esclarece a questão:

Art. 2º - Para os efeitos desta Resolução, compreende-se como operação de crédito os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, com as seguintes características:

I - toda e qualquer obrigação decorrente de financiamentos ou empréstimos, inclusive arrendamento mercantil;

II - a concessão de qualquer garantia;

III - a emissão de debêntures ou assunção de obrigações, com as características definidas nos incisos I e II, por entidades controladas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios que não exerçam atividade produtiva ou não possuam fonte própria de receitas.

            Então, não se trata de uma operação de crédito e não pode ser invocado o art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não sei o que está acontecendo nos outros Estados, mas Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Piauí serão atingidos com a dedução total de 47,7 milhões. No caso do Estado do Ceará, repito, a dedução será de 25 milhões.

Encaminhei esse trabalho para os Ministros da Educação e da Fazenda, porque a forma de se calcular o custo por aluno é controversa. Alguns acham que o cálculo do Ministério da Fazenda não está de acordo com o que versa a emenda constitucional e a lei, e que o valor seria muito maior.Mas essa é uma questão que não quero discutir aqui. O que discuto é a velocidade com que o Ministério da Fazenda está procurando recuperar aquilo que acha que passou a mais, pois isso se refere a 1999 e o ressarcimento começou no mês de outubro, quer dizer, já próximo do fim do ano. O problema repete-se em 2000 e, portanto, no próximo ano haverá mais devolução.

Assim, a minha proposta é de que seja estudada uma maneira mais lenta de se fazer esse ressarcimento - se realmente tiver razão o Ministério da Fazenda - para que os Municípios não sejam surpreendidos com uma perda brusca de receita, que vai afetar diretamente o pagamento dos funcionários da Educação. Sabemos que uma boa parte desses recursos é destinada ao pagamento dos professores e demais técnicos da Educação no Município, tanto assim que houve uma elevação substancial dos salários dos professores nos pequenos Municípios dos Estados mais pobres, graças à receita do Fundef.

            O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Com prazer, Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Senador Lúcio Alcântara, concordo plenamente com a importância da criação desse Fundo, que tem, sim, melhorado a qualidade de ensino, como também tem valorizado os professores. Hoje pela manhã, por coincidência, li denúncia de um jornal do meu Estado dizendo que há dois anos o Governo do Estado do Paraná retém recursos do Fundef e não os repassa para os Municípios. Essa denúncia foi feita pela Associação Paranaense dos Municípios e será, inclusive, objeto de uma ação na Justiça para que o Governo do Paraná devolva aos Municípios o dinheiro que reteve durante esse período. Sem dúvida, no caso do Paraná, não ocorreram os efeitos que o Fundef poderia ter proporcionado na qualidade de ensino, no aumento dos rendimentos dos professores e, por conseqüência, na melhoria da área educacional dos Municípios, em função de o Governo ter utilizado o Fundef para outras finalidades. Trata-se de uma denúncia gravíssima. Aproveito o pronunciamento de V. Exª para registrá-la e, ao mesmo tempo, solicitar ao Ministério da Educação que verifique o que de fato está ocorrendo em meu Estado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Senador Osmar Dias, a denúncia especifica há quanto tempo o Fundef não é repassado?

O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR ) - Há dois anos.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Isso é um absurdo! De fato, o Fundef é constituído, basicamente, por recursos dos Municípios e dos Estados, pois a União contribui, no total para o País, com 600 milhões. O Governador tem obrigação de fazer esse repasse, do contrário, além do aspecto político, S. Exª pode ser alvo, como parece que será - e os Municípios têm todo o direito de fazer isso -, de uma ação na Justiça para obrigá-lo a pagar os recursos que reteve indevidamente.

No Brasil, sabemos que a tendência atual, cada vez mais, é a descentralização, ou seja, a União não deve fazer o que pode ser feito pelo Estado e este, o que pode ser feito pelo Município.

O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Senador Lúcio Alcântara, imagine a confusão que será criada no caso de se enquadrar um prefeito na Lei de Responsabilidade Fiscal e ele entrar na Justiça dizendo que não pagou as contas porque não recebeu os recursos. Alguém vai ter que pagar isso. Esse é um fato grave, que está sendo denunciado e vai criar, realmente, uma grande confusão nessa questão da Lei da Responsabilidade Fiscal, tal como o cumprimento do Fundef e outros.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - V. Exª tem toda razão. Poderá ser, talvez, uma ação regressiva, porque o Prefeito acusará o Governador que não repassou os recursos. Isso vem mostrar - e o esclarecimento de V. Exª confirma isso - a necessidade de se fortalecerem os vínculos de lealdade entre as três esferas de Poder: União, Estados e Municípios. Não importa se o Governador seja de um Partido, o Prefeito de um outro e o Presidente de um terceiro. Penso que deve haver cooperação e integração entre esses três níveis de Poder. Do contrário, todo o esforço de descentralização será inútil, não irá gerar melhoria alguma na execução das políticas públicas no sentido da responsabilidade fiscal, na qual todos estamos imbuídos.

Essa Lei é um instrumento extremamente útil para a promoção de um maior senso de responsabilidade dos administradores públicos. Só podemos gastar o que temos. É evidente que o número de necessidades com as quais se depara qualquer administrador público, sobretudo nos Municípios mais pobres, é enorme. Mas seria ilusório e extremamente prejudicial, a curto e a médio prazo, se ele se lançasse em uma política de gastos sem lastros, sem receita. É evidente que quanto mais transparência e clareza houver por parte da Administração, tanto mais a população vai poder entender as dificuldades.

O Senador Pedro Simon - que chega ao Plenário, aliás, S. Exª está se preparando para a grande festa de lançamento de sua candidatura, amanhã, em Joinville - tem defendido aqui o orçamento participativo. Vamos sentar e discutir o assunto: os recursos que temos são estes, onde vamos colocá-los? Claro que uma discussão dessa pressupõe um mínimo de organicidade e de participação institucional do Legislativo para que se possa chegar a um bom termo quanto à destinação desses recursos. O administrador não pode ser prisioneiro de lobbies, de grupos de pressão, que não traduzem, de fato, as aspirações mais abrangentes da comunidade.

Sr. Presidente, tudo isso é um aprendizado. Realmente estamos nos organizando para dar ao País administrações mais responsáveis e mais próximas e identificadas com a população. Conseqüentemente, a população, conhecendo melhor a administração, poderá respeitá-la muito mais e ser mais solidária com ela, inclusive nas suas dificuldades, nos seus problemas e necessidades.

Por último, Sr. Presidente, quero fazer um registro rápido sobre dados que colhi por meio de um pedido de informações encaminhado ao Ministério dos Transportes. Aliás, esse assunto é alvo de matéria publicada na Gazeta Mercantil de ontem, salvo engano. Trata-se do problema do transporte ferroviário no País.

Sr. Presidente, encaminhei pedido ao Ministério dos Transportes pedindo informações sobre o estado de conservação da nossa malha ferroviária, a quantidade de acidentes ocorridos e também sobre as metas propostas após a sua privatização, com o intuito de fazer uma comparação dos dados atuais com os da época em que as ferrovias pertenciam à RFFSA, que era controlada pelo Governo Federal. Infelizmente, o Ministério respondeu ao meu pedido dizendo que não dispõe de dados relativos ao período em que as ferrovias brasileiras eram controladas pela RFFSA.

Sr. Presidente, fiquei realmente decepcionado por não poder fazer essa comparação. Tendo em vista a falta de dados, não poderei dizer se a situação piorou ou melhorou. Tenho conhecimento de que, em pelo menos dois casos, o número de acidentes é bastante elevado. Cito, como exemplo, a Companhia Ferroviária do Nordeste - CFN. Mas, de uma maneira geral, as empresas não atingiram as metas traçadas pelo programa de privatização.

Agora, o Ministério dos Transportes já está anunciando o que vai fazer: “Ferrovias terão novas regras no ano que vem”, diz a Gazeta Mercantil, de segunda-feira. “As mudanças deverão atingir o cálculo de cumprimento das metas de produção e o número médio de acidentes.”

O que me levou a fazer esse requerimento foi exatamente a elevada incidência de notícias na imprensa a respeito de acidentes nas ferrovias brasileiras.

Sr. Presidente, isso nos dá uma lição. No meu modo de ver, a privatização foi feita açodadamente. O controle e a fiscalização parecem-me extremamente frágeis. As exigências que o Governo Federal deveria fazer não estão sendo realmente cobradas com firmeza, com determinação, tanto que o Governo já está dizendo que quer mudar. Isso representa um alerta para nós em relação à questão do sistema de abastecimento de água e do esgotamento sanitário. Infelizmente o Senador Gilberto Mestrinho, do Amazonas, não está mais presente, mas sei que a empresa de água de Manaus foi privatizada.

Parece-me um risco enorme.

Aliás, já tenho dúvidas sobre a privatização do sistema de abastecimento de água. Fui criado com a idéia de que a água é um bem comum. No Nordeste, por exemplo, se uma pessoa nega água a uma pessoa ou a um animal é quase amaldiçoada, passa a ser vista como uma pessoa sem nenhum sentimento de solidariedade.

Portanto, a privatização desse serviço só poderá ser feita depois de um rigoroso sistema de controle e de fiscalização, com a criação de uma agência que possa realmente ter controle sobre isso. Do contrário, teremos enormes dissabores com algo que é fundamental para a vida e para a saúde: a água e o esgotamento sanitário.

Sr. Presidente, ao encerrar o meu pronunciamento, peço ao Ministro Eliseu Padilha que adote providências no sentido de ser mais rigoroso em relação às exigências feitas junto às empresas que estão explorando o sistema ferroviário. Creio que S. Exª deva montar um setor de acompanhamento, de controle e de cobrança junto a essas empresas. Afinal de contas, tínhamos esperança de que o sistema ferroviário brasileiro se expandisse, se modernizasse, aumentasse muito o transporte de cargas, barateando o custo do frete e, conseqüentemente, deixando de sobrecarregar nossas estradas. Mas, aparentemente, parece-me que isso não aconteceu. Creio que seria o caso de sabermos o porquê disso tudo e o que vai ser feito para reverter esse quadro.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2000 - Página 22431