Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à margem de lucro e à atuação dos laboratórios farmacêuticos estrangiros.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Críticas à margem de lucro e à atuação dos laboratórios farmacêuticos estrangiros.
Aparteantes
José Alencar.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2000 - Página 22470
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, EXCESSO, LUCRO, ATIVIDADE COMERCIAL, LABORATORIO FARMACEUTICO, EMPRESA MULTINACIONAL, BRASIL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, LABORATORIO FARMACEUTICO, SUJEIÇÃO, IMPOSIÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, AUMENTO, REMESSA, LUCRO, REDUÇÃO, TRIBUTOS, PAGAMENTO, INCIDENCIA, DIVIDENDOS, AMPLIAÇÃO, CUSTO, JUSTIFICAÇÃO, ACRESCIMO, PREÇO.
  • QUESTIONAMENTO, MOTIVO, AMPLIAÇÃO, IMPORTAÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, EXIGENCIA, PRESERVAÇÃO, SAUDE PUBLICA, PREJUIZO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, PAIS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, li o jornal Gazeta Mercantil há dois dias e deparei-me com um anúncio pago, que era a reprodução resumida da ata de uma empresa multinacional. A ata relatava decisões de assembléia-geral extraordinária havida no dia 25 de outubro último.

Por meio de rápido exame do texto, verifiquei o motivo da convocação da assembléia-geral extraordinária, que era decidir quanto deveria ser enviado ao exterior a título de remuneração de capital.

De uma só tacada, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os representantes e acionistas de uma das grandes empresas multinacionais do setor farmacêutico com atuação no Brasil, resolviam repatriar trinta e nove milhões e cento e quarenta mil reais. E a justificativa era a remessa de juros sobre o patrimônio e a distribuição de dividendos.

Fiquei mais perplexo ainda quando verifiquei o período sobre o qual se baseava a remessa dessas divisas. Tratava-se da remessa de juros sobre o patrimônio relativos a 28 de dezembro de 1999 a 31 de dezembro de 1999 - deve estar havendo um erro, pois são poucos dias - e sobre o patrimônio relativo ao período de janeiro de 2000 a março de 2000, três meses. Então, seriam três meses e alguns dias. Ainda fiquei surpreso ao saber que estavam sendo distribuídos dividendos relativos apenas a 1998 e que não se estava distribuindo todo o lucro.

Apesar de ser tão pouco tempo, a nota de jornal, aparentemente prosaica, quase banal, teve o poder de evocar em mim uma velha e persistente insatisfação - a de verificar, mais uma vez, como os lucros dos laboratórios estrangeiros no Brasil são fabulosos, o quanto eles são responsáveis por uma sangria volumosa das nossas divisas. E o pior é que já constatamos, numa recente CPI, enorme variedade de abusos que continuam a ocorrer.

Toda vez que vejo tais cifras - como os R$39 milhões referentes a juros de alguns dias do mês de dezembro de 1999 e de três meses do ano de 2000 -, fico pensando: apesar dos embates que temos tido acerca dos preços e da política de medicamentos, os laboratórios estrangeiros sempre saem vitoriosos nessas lutas com o Poder Público.

Parece não haver freio a seu poder. Isso não ocorre só no Brasil, mas em todo o mundo subdesenvolvido ou em vias de desenvolvimento. É difícil achar um contrapeso à ganância cada vez maior por lucros sempre fabulosos, apesar de todas as medidas anunciadas - conheço as do meu País - pelo Ministério da Saúde, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e apesar dos processos em tramitação no Ministério Público, por formação de cartel, ou seja, uma ação concertada pela manipulação do mercado.

            O discurso que faço hoje é mais um desabafo por uma insatisfação renitente que persiste em mim que uma análise completa dos fatos que já abordei aqui, apoiado em dados abrangentes levantados pela CPI dos Medicamentos.

            Quando nos dedicamos à análise do setor, verificamos como o Brasil e outros países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento são lesados. Os dez maiores laboratórios estrangeiros em atividade no País enviaram para o exterior, entre 1995 e 1999 - em cinco anos -, cerca de US$1,7 bilhão. Esse valor, ainda por cima, sofreu depreciação devido à desvalorização da moeda brasileira em fevereiro de 1999. Esses dados foram levantados pelo Banco Central, a pedido da CPI dos Medicamentos, que teve lugar na Câmara dos Deputados e que acompanhei atentamente, na condição de Relator da Lei de Patentes.

Entretanto, esses quase US$2 bilhões, em cinco anos, são o valor legal da sangria de divisas operadas pelo setor farmacêutico estrangeiro, aquele que consta nos balancetes publicados pelas empresas e que é informado às autoridades brasileiras, à Receita Federal e ao Banco Central.

É claro que ninguém é bobo, embora alguns se façam de bobos. É claro que os recursos enviados ao exterior são bem mais robustos que esses. Antes de mais nada, os laboratórios estrangeiros são useiros e vezeiros na prática chamada preços de transferência, pela qual eles compram de suas matrizes no exterior matéria-prima a preços superfaturados. Por exemplo, um produto que começava custando aproximadamente US$2 mil o quilo e que estava em US$800 no mercado exterior estava sendo comprado pela maioria dos nossos laboratórios pelo preço original de US$2,8 mil o quilo.

As autoridades brasileiras, os laboratórios nacionais, os sindicatos de farmácia, as drogarias e a imprensa sabem de tudo isso, mas nada de mais sério é feito a respeito. Ao comprarem de suas matrizes componentes químicos para medicamento com preços de até 1.400% superiores aos praticados no mercado internacional, os laboratórios estrangeiros aumentam ilegalmente a remessa de dinheiro para o exterior, diminuindo ilegalmente o lucro tributável, porque superdimensionam o item despesa e inflacionam as suas planilhas de custo, as mesmas que servirão de base para a concessão de reajuste de preços.

Para se adequar ao apetite das multinacionais, os laboratórios matam três coelhos com uma só cajadada. Recapitulando os três coelhos: aumento de remessa de lucros, diminuição dos tributos pagos que incidem sobre o lucro - Imposto de Renda, contribuição social sobre o lucro líquido etc - e ainda aumento artificial dos custos para justificar novos aumentos de preços. Como essa prática de superfaturamento, verificada pela CPI dos Medicamentos, foi divulgada pelos jornais, acreditávamos que algo aconteceria, mas nada aconteceu. Continuam fazendo o mesmo.

Aliás, Sr. Presidente, lembro-me daquela história do medicamento bom para otário e também de certa reunião ocorrida no começo deste ano à qual compareceram representantes dos laboratórios estrangeiros e cujo objetivo era minar por meio de propaganda enganosa e fraudulenta a credibilidade dos medicamentos genéricos. Felizmente, a impunidade esbarrou na vontade de justiça de alguns Parlamentares e agentes públicos, e hoje essas empresas encontram-se sob investigação por crime contra a ordem econômica.

Por falar em genérico, o Governo - não entendi por que - está permitindo a importação indiscriminada de medicamentos genéricos, como anunciou. Além do mais, isso virá acompanhado do relaxamento de certas exigências importantes para a saúde pública, como testes de bioequivalência e certas formalidades de registro. Isso custa, Sr. Presidente, para cada medicamento, cerca de US$300 mil no Brasil. Se o remédio for estrangeiro, pode ser importado sem a necessidade de preocupação com pesquisas ou testes.

Essas importações anunciadas de chofre trarão prejuízos não antecipados às indústrias farmacêuticas de capital nacional. Todas elas estavam tratando de fazer as suas plantas e muitas já estão produzindo. Contudo, a importação não leva em conta esses testes e, com toda a certeza, é feita com financiamentos de longo prazo. Ou seja, oferece-se e busca-se uma saída, mas imediatamente leva-se à falência quem seguiu o caminho.

Não são pequenas as dificuldades que esses laboratórios nacionais enfrentam, e o Governo pretende aumentá-las mais ainda. E é forte a concorrência, nem sempre leal, das gigantes multinacionais.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concedo a aparte ao Senador José Alencar.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Ouço atentamente o seu pronunciamento e congratulo-me com V. Exª pelo tema que aborda. É muito importante que nos conscientizemos de que o Brasil tem sido muito explorado em todos os setores e atividades. Chegamos a não acreditar que o País possa suportar esse tipo de tratamento nem acontecimentos como esses de superfaturamento, quando as transnacionais importam de si mesmas, e de subfaturamento, quando exportam para si mesmas, praticando uma remessa de lucro de forma disfarçada, sonegando Imposto de Renda e naturalmente agravando o problema do balanço de pagamentos. O Brasil, ainda que seja este País maravilhoso, grande, forte, rico, de povo bom, pacato, trabalhador, ordeiro, inteligente, versátil, vive nessa subserviência, nesse endividamento, neste déficit crônico de balança comercial, de balanço de pagamentos. V. Exª traz, no seu pronunciamento de hoje no Senado, um retrato do que acontece no setor farmacêutico, mas há outras empresas que importam componentes de si mesmas a preços superfaturados. Ainda hoje, por ocasião da reunião da Comissão de Assuntos Econômicos - por sinal, brilhantemente presidida por V. Exª -, tivemos a oportunidade de assistir a uma palestra do Secretário da Receita Federal, Dr. Everardo Maciel. Ele trouxe a informação de que a Receita Federal também concorda que há superfaturamento quando essas empresas importam de si mesmas, quando querem fazer remessas de lucros, quando querem sonegar Imposto de Renda dentro do Brasil. Meu Deus do céu, onde estamos? Temos urgentemente de adotar processos de valoração muito bem construídos, com a participação de empresas nacionais que possam assessorar as autoridades fazendárias nessas listas de produtos, objeto dessa valoração, para efeito de aplicação das tarifas e para evitar que haja o superfaturamento a que V. Exª se refere. Desculpe-me ter interrompido o belíssimo pronunciamento de V. Exª, e cumprimento-o por tê-lo feito. É bom que o Senado esteja atento a esses acontecimentos, mas é absolutamente essencial que as autoridades fazendárias não admitam a impunidade nessa área, mais uma com a qual temos convivido no Brasil.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Agradeço o aparte de V. Exª e o recolho como parte importante do meu discurso, mas acrescento que não é somente na área alfandegária nem na área tributária.

A terra do nosso Presidente, a Bahia, tem tido, como sabemos, uma grande produção de coco. Quem não sabe por que passaram os produtores de coco quando deixaram importar coco subsidiado com um prazo longo? Quase todo o setor quebrou.

V. Exª, que é do ramo de tecelagem, sabe o que aconteceu com o algodão. O Governo disponibilizou R$1 bilhão para que nós nordestinos plantássemos algodão. Plantamos, mas permitiram a importação dessa fibra com um ano de financiamento e a juros subsidiados, equivalentes a juros de menos de uma semana no Brasil. E o que aconteceu? Quem plantou teve prejuízo.

Portanto, não é só a área de tributação; é a própria política dos burocratas que, trancados em gabinetes de Brasília, não se preocupam com os que levam o País nas constas, com os que trabalham dia a dia, com os que dependem do clima, da chuva, do solo, do bicudo - no caso do algodão. Levamos bordoadas a toda hora. Não sei como a nossa economia sobrevive.

No caso dos laboratórios, a minha revolta é porque se trata da saúde do povo, do pobre, dos velhos, dos que necessitam de medicamentos - uma área que recebe até 1.400% de majoração criminosa de um insumo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que são grandes as dificuldades enfrentadas em razão da forte concorrência, que nem sempre é leal. No entanto, não é necessário que o Governo aumente ainda mais as dificuldades de sobrevivência das nossas empresas nacionais, porque, no final, é com elas que contamos.

Por fim, como promessa é dívida e prometi ser breve, gostaria de encerrar a minha intervenção de hoje dizendo que nós, brasileiros, deveríamos nos respeitar mais. Não é admissível que empresas estrangeiras - refiro-me especialmente às que agem dessa forma - continuem praticando todo tipo de irregularidade sem sentir o peso das nossas leis.

Em algum momento - espero que seja o quanto antes -, o interesse particular dessas empresas não estará acima do interesse nacional. Quantas CPIs precisaremos criar no Congresso Nacional para que chegue esse dia? Deixo essa indagação no ar.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2000 - Página 22470