Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contestação às críticas dirigidas ao Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o endividamento do país e a carência de investimentos sociais.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. ELEIÇÕES.:
  • Contestação às críticas dirigidas ao Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o endividamento do país e a carência de investimentos sociais.
Aparteantes
José Alencar, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2000 - Página 22482
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • DEFESA, GOVERNO, CRITICA, ADEMIR ANDRADE, JOSE EDUARDO DUTRA, SENADOR, AMBITO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA.
  • ELOGIO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, EPOCA, DITADURA, MILITAR.
  • ANALISE, RESULTADO, ELEIÇÕES, VITORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INICIO, DIFICULDADE, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA).

           O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu, na verdade, não estava inscrito para falar e até não deveria fazê-lo. Mas o discurso do Senador Ademir Andrade e o aparte do Senador José Eduardo Dutra - que considero um dos Parlamentares mais atentos e estudiosos desta Casa - estimulam o debate e nos convidam a uma reflexão e a uma explicação sobre o que ocorre neste País.

           Falou-se que há um verdadeiro descalabro na economia nacional.

           Sou admirador profundo do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Fui amigo de Sua Excelência e acompanhei, jovem ainda, aquele Governo desenvolvimentista e de inspiração democrática que, para mim, constituiu um modelo de administração neste País.

           Eu era um jovem Deputado Federal. No período do Governo Figueiredo, havia o Deputado Amaral Neto, do Rio de Janeiro, um dos líderes do Governo Figueiredo. Um dia o referido Deputado levou um discurso escrito para a Câmara Federal e começou a lê-lo: “Este Governo é o pior que o País já conheceu em toda sua História. Este Governo é o mais corrupto. Este Governo é o mais irresponsável” e foi declinando tudo que não era bom em relação a um governo. Todos estávamos perplexos, porque o Deputado Amaral Neto era um dos Vice-Líderes do Governo e estava dizendo tudo aquilo contra o próprio Governo que representava na Câmara dos Deputados.

           Quando S. Exª terminou de falar, disse que não estava referindo-se ao Governo do Presidente João Figueiredo, mas ao que os Deputados tais, tais e tais, e até o Arcebispo diziam a respeito do Governo Juscelino Kubitschek. Quero com isso dizer - e ele também queria dizer a mesma coisa - que não há Governo isento de críticas e acusações. As coisas que se dizem hoje são as mesmas que se disseram ontem de todos os Governos.

O Senador José Eduardo Dutra acaba de relembrar que o Brasil já chegou à oitava posição na economia mundial. É verdade! E ainda é a oitava ou nona economia! Sabe quem conduziu este País a essa posição? Foram exatamente os Governos da Revolução, os governos militares, porque, quando eles assumiram, o Brasil era a 48ª Nação econômica do mundo. E o que fizeram os militares? Construíram as estatais, que hoje estão sendo desmobilizadas, privatizadas. E por que o fizeram? Fizeram com a inteligência de que, naquele momento, a iniciativa privada não tinha condições econômicas de desenvolver o País. Os militares tiveram essa visão. Realmente, a iniciativa privada não tinha condições de fazer isso. Os militares entendiam que era o momento de o Brasil avançar no seu desenvolvimento. A grande maioria das estatais foi criada nos governos militares, e com elas o Brasil avançou e chegou à oitava nação econômica do mundo. Construiu também Tucuruí. Por que construiu Tucuruí? Naquele momento, ainda não estava faltando energia elétrica neste País. Tucuruí acabou de ser mencionada pelo Senador Ademir Andrade. Sucede que, ao pensar em construir Tucuruí, os governos não sabiam a quem fornecer energia. Não havia consumidores, sobretudo na região, para poder aproveitar aquela energia toda. Se não houvesse consumidor, Tucuruí seria um desastre. Os governos, então, imaginaram colocar no Maranhão a Alcoa, fábrica de alumínio, que é grande consumidora de energia elétrica, e no Pará, a Albrás. Assim foram construídas essas duas grandes fábricas de alumínio. O que ocorreu? O Brasil era um importador de alumínio, pagando em dólar, e se transformou em exportador de alumínio, portanto, recebendo em dólar. Então, houve a visão dos governos militares que, seguramente, o Senador José Eduardo Dutra contesta, mas começou até a elogiar.

O meu Estado, que naquela época praticamente não consumia nada de energia elétrica, hoje consome cerca de 400 mil quilowatts de energia elétrica, mas só a indústria de alumínio consome o dobro disso, ou seja, 800 mil quilowatts. Assim é também no Pará. Outras iniciativas desse jaez foram tomadas, graças às quais o Brasil avançou.

Nenhum de nós pode se congratular com um salário baixo, o salário mínimo, e outros salários até que nós todos contestamos. Mas por que não avança mais? É claro que qualquer Presidente da República desejaria ter feito isso, o João Goulart desejaria de ter feito isso, e menciono João Goulart porque ele pensava certamente como pensa o Senador José Eduardo Dutra. Seria muito fácil o Presidente da República tomar uma folha de papel e escrever, de próprio punho, com a sua letra: “Fica o salário mínimo elevado para U$1,500”. E por que não o faz? Bastam cinco linhas. E por que o Presidente João Goulart não fez isso? E por que nenhum Presidente faz isso? Porque sabe que o salário é baixo, mas se for elevado a um valor acima do que o País pode pagar, as conseqüências serão tais e tais que acabarão por comprometer o próprio salário mínimo das pessoas que vão recebê-lo.

Então, é preciso que haja esse entendimento. Enquanto não houver esse entendimento, continuaremos nessa tertúlia que não vai a lugar algum, não prossegue e não prospera.

É pena que o Senador Ademir Andrade, que é um grande debatedor -e eu gosto de debater com S. Exª - não esteja aqui. S. Exª disse, ainda há pouco, que o PT - e com isso também se regozija o Senador José Eduardo Dutra - teve uma grande vitória. Teve! Nenhum de nós pode negar que houve uma grande vitória do PT nessas últimas eleições, sobretudo em número de votos, porque os votos estão concentrados em São Paulo e em outras capitais em que o PT foi vitorioso.

Houve um momento, ainda nos Governos da Revolução, em que o PMDB, que era Oposição - não me recordo exatamente se em 1974 ou 1976 -, elegeu quase todos os Senadores da República, vindo para cá, portanto, com maioria no Senado Federal.

Conversando com Ulysses Guimarães, que era meu amigo - eu era jornalista nesta época -, ele me dizia: “Lobão, o que houve foi uma tromba d’água política, que não se repete”. Essa “tromba d’água” não se repete. É mais ou menos o que está acontecendo agora com a vitória do PT. E não é ruim que isso aconteça, não. Não deploro isso, não. Não sou do PT, mas não deploro que isso ocorra. É bom que o PT tenha a sua experiência também. É bom que o PT comece a verificar dificuldades. Já vejo a Prefeita eleita de São Paulo começar a se queixar das dificuldades, antes de assumir o cargo. Falar mal dos governos é uma das coisas mais fáceis do mundo. Fui Governador de Estado e sei como é difícil governar, sei das dificuldades que enfrentei - e nem se diga que saí de lá derrotado, porque saí do Governo do meu Estado com 85% de popularidade. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, em todo o Brasil, considerou o meu Governo, para minha alegria, no Brasil inteiro, o melhor em matéria de educação nos últimos dez anos. Assim, não saí derrotado do meu Estado.

A reforma agrária é um tema recorrente nesta tribuna.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Permite V. Ex.ª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Permito o aparte a V. Ex.ª, em seguida.

Até 1964, todos os governos, somados - 500 anos -, haviam distribuído algo em torno de 100 mil lotes de terras neste País. Pois bem, só o Presidente Fernando Henrique Cardoso distribuiu mais do que todos os Governos somados. A reforma agrária passou a ser feita a partir da Revolução, com o Estatuto da Terra, que foi do Governo do Presidente Castelo Branco. Ou seja, aqueles que falavam em nome da reforma agrária, a todo instante, por ela nada faziam.

No Governo do meu Estado, distribuí 25 mil títulos de terra sem receber centavo algum do INCRA em matéria de ajuda. Fiz reforma agrária no meu Estado muito mais do que o Governo Federal. Hoje, o Governo Federal repassa recursos para os Estados para que promovam a reforma agrária. Na minha época não era assim. Fiz a reforma agrária com os recursos do Estado - um Estado pobre como o é o Maranhão. Portanto, este é um outro tema sobre o que ninguém nesta Casa me dá lições, porque fiz a reforma agrária com os recursos parcos que tinha o meu Estado. E não doei apenas a terra; doei a semente selecionada para o trabalhador rural, ofereci assistência técnica, construí estradas, escolas nas áreas de reforma agrária, postos de saúde, enfim tudo quanto pude fazer fiz, inteiramente de graça, para o trabalhador rural. Portanto, na parte social, o meu Governo procedeu desse modo.

Ouço V. Exª, com todo prazer, Senador José Alencar.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Eminente Senador Edison Lobão, pedi a palavra naquele momento em que V. Exª trouxe como exemplo no seu discurso as eleições em que o PMDB elegeu quase todo o Senado, isso foi em 1986, não só o Senado como elegeu, naquele ano, 22 dos 23 governadores de Estado que havia, porque éramos 23 Estados naquela ocasião. Então, o PMDB elegeu 22 governadores e elegeu a esmagadora maioria no Senado porque naquele ano também estavam se renovando 2/3 do Senado.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador José Alencar, permita-me interrompê-lo. Não me referi a esse período, esse foi o período do Presidente José Sarney, em que estávamos vivendo o fastígio do Plano Cruzado, a felicidade do Plano Cruzado.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Mas foi esse.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Não, não foi. Foi anterior a isso, foi no Governo da Revolução, ainda.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Em 1974.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Em 1974.

O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Em 1974 foi o ano da virada para o PMDB, então MDB. Por exemplo, elegeu-se Senador pelo Estado de Minas Gerais o atual Governador Itamar Franco. Na época, o Senado seria disputado pelo ex-Governador Tancredo Neves, e ninguém queria isso, porque a Arena ganhava todas as eleições. Aquela foi a primeira vez em que o então MDB conquistou alguns mandatos. Contudo, a grande vitória do PMDB na história contemporânea - vamos dizer assim -, porque é hoje o mais antigo Partido, com pouco mais de trinta anos de existência. Em 1986, o PMDB elegeu 22 Governadores e a esmagadora maioria aqui no Senado da República, em virtude do Plano Cruzado. A conquista não se deveu propriamente ao PMDB, nem mesmo aos candidatos do Partido, que eram bons, mas não o suficiente para ensejar aquela vitória esmagadora do Partido naquele ano. Apenas interferi para ressaltar a importância da economia na vida política. Assistimos à vitória do Presidente Fernando Henrique em 1994, eleito que foi também porque havíamos vencido a inflação, e S. Ex.ª era o Ministro da Fazenda. Embora a sociedade brasileira já não acreditava que o Governo pudesse debelar a inflação, o Governo conseguiu contê-la. Assim, S. Ex.ª ganhou a eleição no primeiro turno. E voltou a ganhar a eleição ainda em 1998. Reelegeu-se principalmente em decorrência da estabilidade monetária conquistada com o fim da inflação do Brasil no ano de 1994, no Governo do Itamar Franco. Não pedi a palavra para contestar V. Exª, por quem tenho o maior respeito. Não pedi a palavra para duvidar da eficiência, da dedicação, da probidade com que V. Exª governou o seu Estado. Em Minas sabemos disso, por isso todos nós, que militamos na vida pública, aprendemos a admirar e a respeitar V. Exª. Pedi a palavra apenas para trazer um exemplo de que a economia, quando vai bem, influi na eleição, do ponto de vista positivo. Isso tem sido e vai ser sempre assim, porque o que não aprendemos no Brasil ainda é que economia não é fim; a economia é sempre um meio. O fim é sempre social, mas é por meio de uma economia forte, próspera, independente, é por meio de uma economia de moeda estável que poderemos conquistar os objetivos sociais. Só que neste caso ultimamente talvez eu discorde um pouco de V. Exª. Ultimamente me refiro notadamente ao período do Governo Fernando Henrique Cardoso. Por que notadamente ao Governo deste Presidente? Porque a inflação acabou. Assim, não há sentido que o País role a sua dívida a essas taxas como tem feito. Então, eminente Senador, tenho de concordar com aqueles que dizem ser incompetência do Governo a administração dessas taxas altíssimas, absolutamente despropositadas, na rolagem da dívida pública brasileira. Não há nenhuma economia capaz de suportar uma taxa real do porte dessa que temos. Chegamos a pagar 45% de juros reais ao ano. Basta conhecer um pouco de aritmética e projetar essa taxa para compreender a razão pela qual a dívida brasileira se multiplicou num período em que não fizemos, como fizeram outros Governos, telefonia, energia elétrica, estradas, sistema siderúrgico nacional e todos os outros grandes investimentos, como na área da petroquímica, na própria Petrobras, na Vale do Rio Doce. Tudo isso foi feito no passado, havendo, então, uma certa justificativa para aquele endividamento, que era menor do ponto de vista relativo. Por que o endividamento cresceu a essas alturas? Por causa das taxas de juros. Eu poderia fazer uma demonstração, se estivesse com uma calculadora simples, para mostrar o que representa uma taxa média de 26% reais ao ano - tem sido essa mais ou menos -, projetada num período de seis anos. É, realmente, uma barbaridade o que ocorreu e que vem ocorrendo com a economia brasileira. Já falei a respeito com o Presidente da República em conversa pessoal. E estamos aqui para tentar trazer uma contribuição ao Brasil. Não estamos aqui fazendo uma oposição nem apoio sistemático. Por isso admiro a forma como V. Exª age no Senado, porque várias vezes assisti a V. Exª criticando também determinadas questões com as quais não concorda. Eu, por exemplo, acredito que a competência na administração da economia brasileira há que contemplar um tratamento mais eficiente na negociação das contas públicas brasileiras em relação aos credores internos e externos. A competência reside aí. Fazendo uma comparação grosseira, precisamos vender soja no mercado internacional. O preço é de US$500 a tonelada. Para conquistar esse mercado, vamos vendê-la a US$100 a tonelada? Não. Vamos vendê-la a US$495. Já estamos oferecendo um preço mais econômico. Não somos os Estados Unidos da América nem a Itália mas, não precisamos pagar juros tão altos. A rolagem da dívida da Itália, que é de 100% do PIB, é feita com juros iguais a um quinto das taxas brasileiras de juros, o que corresponde a uma dívida brasileira de 20% do PIB nas taxas atuais. Quando se fala sobre dívida em relação ao PIB, há que se incluir a taxa. O caso da Itália, por exemplo, tem de ser demonstrado. A Itália deve 100% do PIB, mas a dívida é rolada a uma taxa igual a um quinto da taxa brasileira. Não podemos, de forma alguma, trabalhar tão mal assim. Aliás, a incompetência brasileira é histórica do ponto de vista negocial. O Brasil não tem sabido conduzir os negócios de interesse da economia brasileira. Não se trata propriamente de um defeito, porque, de fato, o Governo não faz isso por prazer, mas por incompetência. Sabemos que o Brasil, historicamente, tem negociado mal. É a única razão para se explicar esse poder que Deus nos deu de território e de povo, e, mesmo assim, convivermos com essa ineficiência e com essa subserviência brutal. Por isso, eminente Senador Edison Lobão, pedi a V. Exª esse aparte. E, em hipótese alguma, manifesto, na minha intervenção, qualquer desapreço a V. Exª e, muito menos, qualquer desrespeito. Jamais. Tenho uma admiração muito grande pelo comportamento de V. Exª nesta Casa.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador José Alencar, a admiração é realmente recíproca. V. Exª é um estudioso dessa matéria, um empresário vitorioso e tem dado a sua contribuição patriótica com a crítica. Volto, talvez pela última vez, a falar nisso. Estimulava freqüentemente, no Governo do Estado, a crítica a mim próprio para que eu pudesse estar atento aos melhores interesses e aos acertos. O governante que não é criticado acaba por tornar-se maniqueísta, procedendo sempre de um único modo e entendendo que aquela atitude está dando certo quando muitas vezes não está. Então, a crítica é sempre bem-vinda e deve existir. Agora, a crítica pela crítica, de má-fé e descuidada, essa não ajuda.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senador Edison Lobão, tenho certeza de que V. Exª, quando fala da crítica descuidada e de má-fé, não se está referindo àquelas que fazemos, no plenário desta Casa, em relação ao Governo.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - A certeza de V. Exª é procedente.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Muito obrigado. V. Exª iniciou o seu pronunciamento relatando um episódio que ilustra a relação em todos os parlamentos do mundo entre Governo e Oposição - que sempre existirá, seja um governo de direita ou de esquerda, desde que haja democracia, pela qual todos lutamos. Ao mesmo tempo, existem aqueles políticos absolutamente coerentes, isto é, dizem que estão sempre favoráveis ao Governo - este é que muda; eles não, pois continuam do lado do Governo, mantendo a sua coerência. Considerei interessante aquela parte do pronunciamento em que V. Exª historiou a relação de V. Exª e de outros políticos com o modelo de Estado construído neste País. À época da discussão das emendas constitucionais que tratavam da reforma do Estado, havia Parlamentares do Partido de V. Exª fazendo um discurso contra aquele Estado gigantesco, contra o modelo de estatais, contra a forma como foram construídas, virando “cabide de empregos”. A impressão que dava era de que, se um marciano chegasse aqui na época das discussões daquelas emendas constitucionais propostas pelo Governo, julgaria que os políticos que estavam dizendo isso não tinham nada a ver com esse modelo de Estado construído nem com esse modelo de estatais. Nós, da Esquerda, sempre fizemos questão de dizer: “Estamos nos levantando contra essa forma de privatização aqui ou ali, mas não temos responsabilidade por esse modelo construído”, até porque, quando ele foi construído, os comunistas, os socialistas, os socialdemocratas, os democratas estavam sendo presos, banidos, torturados, mortos em nome desse modelo de Estado em construção. Por isso, quando fiz o aparte comentando o aparte de V. Exª, fiz questão de registrar que aquela observação que eu fazia sobre o ciclo de endividamento promovido pelos militares era um registro de natureza única e exclusivamente econômica. Eu dizia que, sem dúvida alguma, o ciclo de endividamento contribuiu para a construção de uma infra-estrutura razoável neste País, que chegou a ser a oitava economia no mundo. O ponto principal ao qual gostaria de chegar - a meu ver relacionado ao primeiro aparte de V. Exª ao discurso do Senador Ademir Andrade e bem ilustrado pelo aparte do Senador José Alencar - é que a discussão hoje não é meramente de oposição, considerando oposição aquela feita por Partidos de Oposição no Congresso ou fora dele. Hoje, há uma dicotomia - e o que vou dizer pode até soar como heresia para alguns esquerdistas ortodoxos, que sempre entendem que, em qualquer circunstância ou conjuntura, o conflito principal numa sociedade ou num país é entre capital e trabalho -, há um conflito fundamental em nosso País entre o Brasil produtivo e o Brasil especulativo. Infelizmente, a política econômica do Governo que V. Exª apóia tem dado prioridade ao Brasil especulativo, em detrimento do Brasil produtivo. Por isso, se fizermos um levantamento dos pronunciamentos feitos nesta Casa por todos os Parlamentares, verificaremos que mesmo os governistas, embora não criticando o Governo, embora não dando “nome aos bois”, criticam aspectos pontuais. Um Parlamentar reclama por não ter o financiamento da produção no seu Estado; outro, que as estradas estão em estado precário, causando prejuízo à economia. Enfim, se fizermos esse levantamento sobre o tema dos discursos nesta Casa, verificaremos que a maioria absoluta deles, embora não possam ser classificados como de postura oposicionista, são pronunciamentos de oposição à política do Governo, o que demonstra esse divórcio entre a política econômica que vem sendo implantada pelo Governo apoiado por V. Exª e a maioria da sociedade deste País. Essa é uma constatação independente de quem faz o pronunciamento, se é da Oposição, se é do PT ou não. Com relação às eleições, digo a V. Exª que não estou, de forma alguma, de salto alto em relação ao resultado. O PT cresceu. A população votou a favor dele, com base numa série de questões que não analisarei aqui, porque já foram objeto de pronunciamento meu. Contudo, essa mesma população que votou no PT poderá, daqui a dois anos, ter posicionamento totalmente diferente. Essa é a essência da democracia: permitir que a população, majoritariamente, vote num Partido ou numa visão política numa eleição e, na outra, tenha posição totalmente diferente. Agradeço a V. Exª pela concessão do aparte.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL -MA) - Senador José Eduardo Dutra, as intervenções de V. Exª só contribuem para enriquecer não apenas o meu discurso, mas a todos os discursos nesta Casa. Até não quero elogiar demais V. Exª, porque na semana passada tive uma má experiência aqui. Não foi com V. Exª.

Muitas vezes, eu também me ponho a pensar se essa política econômica está certa mesmo. Ouço tanto Parlamentares nesta Casa e na outra, como também a imprensa e o povo a reclamar do salário mínimo baixo. E eu também reclamo dos juros elevados, disso, daquilo. E ponho-me a pensar: como é possível uma coisa dessas?

Em seguida, começo a olhar para os gestores da economia. Como procederam os ministros que estão gerindo hoje e que geriam ontem? Todos procederam rigorosamente do mesmo modo.

Hoje, vejo ex-Ministro da Fazenda criticando a política atual, quando procederam do mesmo modo. Mas por que isso então? Será que há um mistério naquela cadeira de Ministro da Fazenda? Há um demônio ali naquela sala do Ministro da Fazenda?

Tivemos um Ministro - que aliás era do Estado do Presidente José Alencar -, figura de talento extraordinário, que honrava as tradições brasileiras de talento, que era o Deputado San Thiago Dantas.

Lembro-me de que o Deputado San Thiago Dantas, no Parlamentarismo, no Governo João Goulart, era Ministro das Relações Exteriores. Houve uma reunião em Punta del Este de todos os Ministros da América do Sul, da América Central e dos Estados Unidos. Lá, com a inteligência que Deus lhe havia dado, fez um discurso terrível contra os Estados Unidos, culpando os americanos de tudo quanto acontecia em matéria de desgraça para todos aqueles países.

Pois bem, enquanto ele falava em Punta del Este, sobretudo contra o Governo dos Estados Unidos, o Ministro da Fazenda brasileiro demitiu-se, e o Presidente João Goulart telefonou a ele, pedindo que fosse Ministro da Fazenda. E San Thiago Dantas foi nomeado para o cargo. Vinte e quatro horas depois, dava uma declaração de compreensão com os Estados Unidos, dizendo que não era bem assim, que os Estados Unidos nos ajudariam, que eram uma grande nação, que eram nossos irmãos.

É outra história quando o sujeito chega ao Ministério da Fazenda! Há outro tipo de responsabilidade, que parece que nós aqui não alcançamos. Não fui Ministro da Fazenda e não desejo ser. Parece que realmente há algo de misterioso ali. Todos se transformam, todos se transmudam quando chegam lá.

Agora, vai dirigir uma pasta importantíssima na administração da Prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, um cidadão chamado João Sayad, por quem tenho a maior admiração e amizade. Foi Ministro do Presidente José Sarney naquele período em que a economia chegou ao ponto máximo da felicidade de todos e, em seguida, ao ponto máximo da infelicidade. Terá sido ele o responsável por aquilo?

Em seguida - talvez nem devesse dizer, espero que ninguém escute o que digo -, o Dr. João Sayad foi o autor do meu plano de governo no Estado do Maranhão. Pedi que redigisse meu plano de governo, e ele o fez. E eu me dei muito bem com esse plano elaborado para o Estado do Maranhão. Segui o plano de governo por ele apresentado. Espero que a Prefeita também faça o mesmo, que receba dele um plano tão bom quanto o meu e que consiga aplicá-lo.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - V. Exª pode ficar tranqüilo que a informação não fará com que a Prefeita o desconvide para assumir a Secretaria.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - V. Exª me tranqüiliza, Senador José Eduardo Dutra. Esteja certo de que eu preferiria que isso acontecesse com um Governador ou um Prefeito do meu Partido. Se amanhã, a Prefeita de São Paulo fizer uma administração admirável e fizer escola, graças a sua administração, V. Exª me verá proclamando-a e elogiando-a, porque gosto muito do meu Partido, mas gosto mais do meu País. Quem governa bem merece os nossos elogios e as nossas congratulações.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Se V. Exª quer tanto elogiar alguma administração, pode ficar à vontade e elogiar a de Porto Alegre, que vem se mantendo por três mandatos seguidos.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Talvez eu possa fazer algum - não um largo - elogio ao Prefeito de Porto Alegre, mas infelizmente não posso elogiar o Governador do Rio Grande do Sul, que me parece um desastre e que é do mesmo Partido. Mas, em todo caso, espero que a Prefeita Marta Suplicy e outros Prefeitos do PT tenham sucesso em sua administração.

Sr. Presidente, sou daqueles que confiam no Brasil. O Brasil é um País que tem as condições intrínsecas de se projetar largamente para o futuro - e está projetando-se.

Não fomos originais nem no que diz respeito às privatizações. A Inglaterra, por exemplo, privatizou todas as suas empresas estatais. Presidindo uma comissão de Deputados e Senadores - alguns do PT -, visitei o Reino Unido, como observador do Congresso brasileiro, para examinar o que tinha sido feito naquele país. Lá, o responsável pelas privatizações disse-me que, como aquele era um governo sério - de fato, era e é um país sério -, as estatais operavam muito bem. Com a privatização, passaram a operar muito melhor. A Rússia também está privatizando tudo.

O SR. PRESIDENTE (José Alencar. Fazendo soar a campainha.) - A Presidência prorroga a sessão por mais cinco minutos, para que o Senador Edison Lobão conclua o seu pronunciamento.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Agradeço a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente.

O Vietnã, um país comunista que saiu de uma guerra tremenda, em seguida partiu para a privatização de suas empresas e convidou o capital externo para ajudar na sua reconstrução. A China comunista procede do mesmo modo.

Mas, então, em que erramos, se estamos fazendo aquilo que o mundo já fez ou está fazendo? Até não entendo por que tantas críticas às decisões que tomamos aqui, quando todos já as tomaram e tiveram sucesso.

Este tipo de debate é esclarecedor. É preciso que haja informação ao povo que tanto nos vê, que tanto precisa da nossa ajuda e da nossa compreensão e que confia no Congresso Nacional. Não podemos deixar fenecerem as esperanças do povo brasileiro por falta de ação do Governo e por falta de um motivo de esperança do Congresso Nacional.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª pela compreensão tida com este modesto representante do Estado do Maranhão, prorrogando o meu tempo e contribuindo para enriquecer meu discurso, tão pobre até o momento da intervenção de V. Exª e do Senador José Eduardo Dutra.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2000 - Página 22482