Discurso durante a 156ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de celeridade na apreciação da Proposta de Emenda à Constituição 57, de 1999, de sua autoria, que possibilita a expropriação de terras onde seja identificada a exploração do trabalho escravo. Necessidade da atribuição de competência à Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra os Direitos Humanos.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Defesa de celeridade na apreciação da Proposta de Emenda à Constituição 57, de 1999, de sua autoria, que possibilita a expropriação de terras onde seja identificada a exploração do trabalho escravo. Necessidade da atribuição de competência à Justiça Federal para processar e julgar os crimes contra os Direitos Humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2000 - Página 22641
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, OCORRENCIA, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), DEBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, ESCRAVATURA, CONTINUAÇÃO, IMPUNIDADE.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, DESAPROPRIAÇÃO, CONFISCO, TERRAS, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, ESCRAVATURA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, COMPETENCIA JURISDICIONAL, JUSTIÇA FEDERAL, OBJETIVO, JULGAMENTO, CRIME, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, AMBITO, REFORMA JUDICIARIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realizou-se em Belém do Pará o “Seminário Internacional sobre Trabalho Escravo”, promovido por diversas entidades públicas e organizações não governamentais. A conclusão do seminário noticia a continuidade da exploração do trabalho escravo. São essas repetições de fatos acerca do trabalho escravo e a não alteração desse quadro absurdo que provocam uma desmoralizante situação neste final de século para o Brasil.

Os problemas apontados são todos velhos conhecidos dos defensores dos Direitos Humanos no Estado do Pará. Trata-se da burocracia na punição aos fazendeiros que exploram o trabalho escravo e a constante simulação do governo federal em “divulgar” medidas para a opinião pública, sem sequer dotar os órgãos públicos de aparelhos e condições reais para o fiel desempenho de suas funções.

Entretanto, Sr. Presidente, não irei aqui apenas tecer críticas às ações do governo federal. A própria sociedade civil organizada, reunida em seminário internacional no Pará, já fez isso. Irei procurar aqui apontar duas medidas que se tomadas e aprovadas podem mitigar sensivelmente esse problema do trabalho escravo no Brasil, um tipo de crime do qual, infelizmente, o estado do Pará detém o recorde de autuações.

Essas duas medidas também estarei encaminhando ao Ministro da Justiça a fim de que ele as adote no denominado Programa Nacional de Direitos Humanos do governo federal e também farei chegar às mãos do Senador Bernardo Cabral, relator da proposta de reforma do Judiciário.

A primeira medida que poderá por fim ao trabalho escravo no Brasil pode ser tomada pelos principais partidos e suas lideranças do Congresso Nacional. Trata-se apenas de garantir celeridade à Proposta de Emenda à Constituição n° 57/99, de minha autoria.

O objeto da PEC é alterar o art. 243 da Constituição, de forma a possibilitar a expropriação de terras onde também sejam encontrados a exploração do trabalho escravo. Ora, Srªs. e Srs. Senadores, deve-se atentar para o fato significativo de que hoje em dia a desapropriação-sanção tratada na Constituição, a bem da verdade, é um prêmio para o proprietário de terra que não atenda à função social da propriedade, notadamente quando ocorre superfaturamento na avaliação da terra, o que tem inviabilizado a reforma agrária no Brasil.

A questão torna-se mais absurda quando se percebe que na terra desapropriada existia a exploração de trabalho escravo, ou seja, trabalhadores na agricultura eram subjugados a todos os tipos de privação de seus direitos mais elementares como a não liberdade de locomoção, prisão privada por dívidas impagáveis, acomodação insalubre e periculosas. O escravagista poderá até sofrer as sanções da lei penal, mas se suas terras forem desapropriadas, receberá vultosa indenização pelo preço da terra.

Portanto, a PEC n° 57/99 vem propondo a mudança da sistemática, desta vez utilizando-se do mecanismo jurídico hábil. É que o Projeto de Lei n° 11-D, oriunda da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados destinadas a apurar as causas da violência no campo, já apontava para a necessidade de se criar um “confisco” das terras onde exista a exploração de trabalho escravo, originando o § 6° do art. 9° da Lei n° 8.629/93, que foi vetado sob o prisma da inconstitucionalidade, eis que a Constituição só previa tal medida para as glebas onde se cultivam plantas psicotrópicas.

Deve-se lembrar que o direito de propriedade é assegurado desde que a propriedade atenda à sua função social (art. 5°, XXII e XXIII da CF/88). E, por sua vez, o art. 186 da mesmo Texto Constitucional diz que: “a função social é cumprida quando a propriedade rural, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos segundos requisitos: (...) III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho e IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

Assim, a PEC em questão não tolhe o direito de propriedade na forma como já insculpida na Constituição, pelo contrário, reafirma o caráter de atendimento ao princípio da função social da propriedade.

Outra medida que poderá ser adotada no combate ao trabalho escravo, dessa vez como reflexo positivo aos direitos humanos como um todo, seria a alteração da competência constitucional da Justiça Federal para que a ela fique cometido o processo e julgamento dos crimes de violação de direitos humanos.

O texto dessa proposta, tal como encaminhado pelo Executivo, não atende às justificativas apresentadas, e por isso mesmo já sofreu algumas modificações que também ainda não são satisfatórias. É que no intuito de resguardar a responsabilidade internacional do Brasil perante o sistema de proteção internacional dos direitos humanos, a proposta não definia quais os delitos que consistiriam violação de direitos humanos, passíveis de submeter o País aos órgãos internacionais, além do que, ao estabelecer que seriam crimes contra os direitos humanos aqueles praticados contra os órgãos que tutelam os direitos humanos, a proposta ensejava a falsa idéia de crime contra a o próprio Estado, pois, a bem da verdade, nenhum órgão federal ou estadual detém a “tutela” de proteção dos direitos humanos.

Portanto, e exatamente para preservação dos interesses da comunidade na proteção aos direitos fundamentais, e para prevenção da União contra eventual responsabilização perante as Cortes Internacionais, urge a modificação de competências jurisdicionais, para que se atribua ao Poder Judiciário Federal o processo e julgamento de crimes já definidos em tratados e convenções internacionais, os quais o país se obrigou a prevenir e punir.

Tal modificação, entretanto, deve ser clara e objetiva, não podendo afastar-se da obrigação de respeitar as demais normas de garantia previstas na Carta constitucional e nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos dos quais o Brasil é parte. Por tais razões, sugere-se que a modificação constitucional preveja, como atribuição imediata do Poder Judiciário Federal, a competência para processo e julgamento dos crimes como tal previstos em instrumentos internacionais, pelos quais o país se obrigou a prevenir, sancionar e punir, inclusive os de proteção aos direitos fundamentais, mesmo porque não haveria necessidade de que se definisse exaustivamente quais os crimes considerados como de violação de direitos humanos, até porque o rol jamais poderia ser exaustivo, quer em face de situações peculiares de determinados crimes, quer em razão da crescente adesão do país à normativa internacional.

Uma segunda hipótese de deslocamento de competência para a Justiça Federal, sem que com isso fossem feridas as normas de garantia referentes ao juiz natural e à proibição de juízos ou tribunais de exceção, seria a de violação massiva ou reiterada de direitos humanos, praticada por agentes públicos ou com sua convivência, quando no Juízo estadual competente estivessem comprometidos os meios internos para sua investigação, processo e julgamento, ou quando houvesse demora injustificada da prestação jurisdicional.

A medida se justifica por dois motivos, a uma, face o envolvimento das polícias Militar e Civil com os fazendeiros autuados por trabalho escravo; a duas em face da competência subsidiária das Cortes internacionais, que prevêem, nas hipóteses de esgotamento das vias internas ou de injustificável atraso na prestação jurisdicional, condição de procedibilidade das queixas apresentadas aos órgãos internacionais de controle e proteção de direitos humanos. Lembremos ainda que o julgamento justo e imparcial, e em prazo razoável, é garantia fundamental do ser humano, previsto, entre outras, na “Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, como garantia não só do acusado, mas igualmente das vítimas.

Afastando-se por completo qualquer hipótese de avocação, o texto constitucional deveria delegar às vítimas, ao Ministério Público, ou a quaisquer das entidades legitimadas constitucionalmente para a proposição de ações coletivas, a legitimação para suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, incidente para o deslocamento de competência, para que a Corte Superior, em regular processo e julgamento, decida se a situação define hipótese de violação de direitos humanos passível de responsabilização internacional do país e, portanto, afeta à Justiça Federal. Diante de tais considerações, feitas com brevidade para uma melhor compreensão, sugere-se que tais medidas sejam adotadas pelo Relator da Reforma do Judiciário, o nobre senador Bernardo Cabral, uma vez que a PEC n° 368 ficou prejudicada pela proposta de mudanças do Poder Judiciário (PEC n° 92/92).

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os Direitos Humanos são os direitos de todos e devem ser protegidos em todos Estados e nações. Ao assassinatos, as chacinas, o extermínio, os seqüestros, o crime organizado, o tráfico de crianças e mulheres e o trabalho escravo não podem ser considerados condutas normais, especialmente em um Estado e em uma sociedade que se desejam modernos e democráticos.

É preciso dizer não à banalização da violência e proteger a existência humana. É neste contexto o papel do Judiciário e do Ministério Público, que ciosos de sua importância para o Estado democrático, não devem descansar enquanto graves violações aos direitos humanos sejam praticados e estejam impunes os seus responsáveis. No mesmo sentido, uma mudança nas práticas dos Governos, dos Poderes da República nas suas várias esferas fortalece a democracia e o Estado de Direito.

Era o que tinha a dizer


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 5/21/244:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2000 - Página 22641