Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a questãoo da violência entre os jovens no País.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre a questãoo da violência entre os jovens no País.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2000 - Página 22821
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), AUMENTO, MORTE, VIOLENCIA, JUVENTUDE, ADOLESCENTE, REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DEFESA, PAZ.
  • ANALISE, FATO GERADOR, AUMENTO, VIOLENCIA, JUVENTUDE, ESPECIFICAÇÃO, DISSOLUÇÃO, FAMILIA, DESEMPREGO, ATUAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, OMISSÃO, ESTADO, DEFESA, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, PAZ.

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O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no Brasil, a questão da violência, sobretudo da violência entre os jovens, tornou-se um problema a preocupar toda a sociedade. Um problema que machuca e que interroga. Tem-se a impressão de que os brasileiros estão sendo despidos da utopia, estão sendo privados daquele horizonte-esperança, não presente aqui e agora, mas que pode ser construído e posto onde cada um está.

            Os primeiros dados parciais do Censo 2000, liberados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, confirmam esta verdade: a violência está matando cada vez mais jovens entre 15 e 24 anos de idade.

Não é sem razão que essa mesma sociedade tem multiplicado manifestações públicas em prol da paz, inclusive com a participação de entidades internacionais. No último domingo, dia 12 de novembro, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO e o Governo do Estado do Rio de Janeiro patrocinaram a Caminhada pela Paz, reunindo, segundo algumas estimativas, cerca de 30 mil pessoas. Semelhantemente ao que aconteceu no época da repressão, quando surgiram os grupos de mães de desaparecidos políticos, hoje multiplicam-se os comitês de mães de jovens mortos pela violência. São as vítimas da guerra do tráfico e do consumo de drogas, das balas perdidas, das brigas em bares e boates e do desatino do trânsito.

As delegacias de polícia vivem diariamente a experiência de jovens envolvidos com o crime, seja como vítimas, seja como autores de roubos, furtos, estupros, lesões corporais e homicídios.

Dados recentes levantados pelo Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça revelam a crescente gravidade do problema: de 1998 a 1999, o total de adolescentes infratores condenados ao cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil subiu de 7.889 para 16.349. Durante esse mesmo período, os condenados por homicídio passaram de 1.226 adolescentes em 1998 para 2.426 em 1999.

            Os dados do Ministério da justiça apontam também a juventude de Brasília como a que mais rapidamente se vem encaminhando para a violência. Enquanto em São Paulo, para cada contingente de 100 mil habitantes, existem 43 adolescentes envolvidos com algum tipo de crime, em Brasília, esse número atinge 89 adolescentes para cada 100 mil habitantes. Ainda mais preocupante é o fato, segundo constatação das forças de segurança, de que, na capital federal, os jovens estão cada vez mais utilizando armamento pesado. Dispõem de poderosas pistolas automáticas e disparam até pelo prazer de “fazer maldade”. Na década de 80, os jovens apenas roubavam, hoje roubam e matam e são maus.

Em 1999, das 246.352 pessoas condenadas e cumprindo penas por delitos no País, 22.845 eram adolescentes, 10, 22 % da população infratora nacional. No mesmo ano, os casos de crianças e adolescentes vítimas de violência chegaram a 25.248, a grande maioria por lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio.

De acordo com o Mapa da Violência II - Juventude, Violência e Cidadania, lançado em agosto do corrente ano sob o patrocínio da UNESCO e do Instituto Ayrton Senna, entre os países líderes em quantidade de homicídios na América Latina, o Brasil ocupa o terceiro lugar, perdendo apenas da Colômbia e da Venezuela.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a cada acontecimento mais trágico, a sociedade costuma questionar-se sobre a causa ou as causas que geram, sustentam e aprofundam o fenômeno da violência. Seria determinismo genético, ou seria a ação desagregadora do caráter provocada pelo meio sócio-cultural-histórico?

Não é intenção deste pronunciamento abordar o problema sob o ponto de vista especulativo. Quero ater-me ao concreto, pois é para o concreto que devem ser concebidas e implementadas medidas que visem à prevenção e ao redirecionamento dos comportamentos anti-sociais.

Do ponto de vista factual, as causas situam-se, como afirmam os estudiosos do problema, na desagregação da família. De fato, a família está sendo objeto de um processo de relativização sem precedentes. Ao mesmo tempo em que os estudos no campo da psicopedagogia caracterizam e sublinham a importância do papel do pai e da mãe na educação dos filhos, multiplicam-se os núcleos familiares com a presença apenas de uma das partes, ou até mesmo sem nenhuma dessas partes. Do ponto de vista de política governamental, pouca coisa é implementada, especialmente em defesa da infância e da meninice. Aliás, essa fase do desenvolvimento infantil, nos meios de comunicação social, vem sendo compelida por um constrangedor processo de “adultização” tendente à supressão das benfazejas etapas da vida.

Por sua vez, a urbanização rápida - atualmente 80% da população brasileira vivem na cidade - desmoronou o horizonte axiológico de grande parte das pessoas, obrigando-as ao tateamento e à procura de sistemas ideológicos novos, não facilmente identificáveis e menos ainda rapidamente assimiláveis quando se trata de valores. Acrescente-se a essa circunstância, a dificuldade de grande parcela da população de realizar uma leitura crítica das numerosas ofertas disponíveis, que abrangem desde o campo da crença até o do consumo de drogas.

O desemprego, embora conjuntural, é também fonte de violência, especialmente quando aguçado por um demolidor chamamento ao consumismo, em grande parte inatingível, e à homogeinização das modas. Não é de graça que muitos jovens assaltam e matam apenas para se apropriarem de um tênis “de marca”. Além disso, o desemprego exacerba-se em face da quantidade de mão-de-obra disponível, porém com baixo ou nenhum grau de “empregabilidade”.

A violência é também fruto da cultura. A sociedade brasileira forjou-se na violência. Índios contra índios. Portugueses contra índios e índios contra portugueses. Violência nos engenhos de açúcar, nos cafezais, nas senzalas, nas fazendas, nos lares que praticaram e praticam as surras, na mídia que se compraz com o surpreendente e sensacional. A violência da corrupção e da captura dos recursos públicos. Violência que gera e violência que embota a sensibilidade e acostuma à morbidez.

A violência é, por último, na sua manifestação real e nos resultados conseqüentes, ausência de Estado. Ausência que se manifesta na crise das instituições públicas, especialmente das que têm reflexo direto sobre as necessidades da coletividade como o judiciário, o sistema de saúde e educação, o sistema político. A ausência do Estado alimenta a sensação do homo hominis lupus, assim como sua presença, quando eivada de corrupção, mina as emoções construtivas da pertença a uma sociedade organizada. Numa sociedade sem ética, seria realmente extraordinário a juventude não ser violenta.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a realidade da violência está posta na sociedade. Para contê-la no presente, não há como prescindir da ação pública decisiva e severa. Para preveni-la, é preciso plantar agora, com a saudável utopia de um projeto de Brasil que não é agora, mas que será, com base no horizonte almejado por seus cidadãos. A violência é pedido de limites, é procura de pedagogo, é clamor por sentido

A paz se alicerça na educação. “Educar-se - afirmava Anísio Teixeira - é crescer, não já no sentido fisiológico, mas no sentido espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida cada vez mais larga, mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais propício, mais benfazejo para o homem”.

Era o que tinha a dizer!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2000 - Página 22821