Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à escritora Rachel de Queiróz.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à escritora Rachel de Queiróz.
Aparteantes
José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2000 - Página 22844
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, RACHEL DE QUEIROZ, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE).

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, evidentemente pouco há a falar após o perfil, a análise, o estudo feito pelo Senador Lúcio Alcântara, a propósito da vida e da obra de Rachel de Queiroz. Inclusive, houve este fato interessante na Casa de dois oradores inscritos abrirem mão de usar da palavra, para apenas se incorporarem ao discurso do Senador Lúcio Alcântara.

Tive o impulso de fazer o mesmo, porém, não me controlei, porque desejo dizer, nesta Casa e para a TV Senado, que amo Rachel de Queiroz. E uma declaração de amor nunca deve deixar de ser feita.

E se Rachel está, porventura, vendo-nos lá de sua casa, na minha cidade do Rio de Janeiro, saiba Rachel - e, aliás, ela sabe -, que eu a amo e o proclamo desta tribuna.

Esse amor me leva a deixar de lado a análise que faria, já tão perfeita na fala do Senador Lúcio Alcântara, para expressá-lo na pessoa de Rachel. Por que amar Rachel de Queiroz? E é por uma razão simples como é Rachel, pelo ser humano que é Rachel de Queiroz. Poucas pessoas podem olhar para a própria vida, acredito eu, e sentir que a sua vida é uma expressão do seu ser. Esta talvez seja a mais dolorida, a mais difícil, a mais complexa das conquistas humanas: fazer da própria vida uma expressão do próprio ser.

O sistema, a família, as idéias, as ideologias, os partidos políticos, as paixões, as ambições levam o ser humano a afastar-se de si mesmo na busca de algo que se agrega à personalidade e com o qual muitas vezes a pessoa se defende. E curiosamente todos nós, seres humanos, às vezes vamos buscar compensação exatamente no ponto em que somos mais fracos. Se temos algum problema com poder, vamos buscá-lo; se temos algum problema de afirmação, vamos buscar a auto-afirmação; se temos problemas relativos a nossa origem, vamos buscar a riqueza. Alguns seres conseguem, porém, essa capacidade de juntar a própria vida à natureza profunda do seu ser.

Creio que posso dizer, sem elogio de data de aniversário, sem nem uma palavra ou conceito puramente adjetivo, substantivamente: Rachel tem a vida que expressa o seu ser. E aí está, a meu ver, a sua grande conquista como pessoa, como escritora, como cidadã.

O ser humano Rachel foi dotado de algumas características notáveis. A primeira delas é um sentimento natural de paz. Rachel permanentemente infunde paz com quem está com ela. Uma paz, que não é a paz podre daqueles que não se comprometem; tampouco a paz medrosa, mas a paz ativa, algo que de imediato sai do seu ser na direção da criação de um ambiente de envolvimento humano que tem este dom raríssimo no ser humano, o dom de acolher o próximo. Qualquer pessoa que se aproxima de Rachel, mesmo as aborrecidas, são extremamente acolhidas pelo seu modo de ser. E uma vez o ser humano se sentindo acolhido, tem de imediato uma mudança na atitude em relação à pessoa com quem está a conversar, a trocar idéias.

Essa paz de Rachel vem pari passu com algo que nem sempre acompanha os grandes pacíficos da história: a lucidez. A lucidez é por definição inquieta. Por alguma razão se chama ao anjo caído de Lúcifer, porque dotado também de luz. A lucidez nos leva a trágicas constatações. A lucidez nos leva a uma análise às vezes crua do ser humano. A lucidez é inoportuna muitas vezes. Não estivesse eu na tribuna do Senado, falaria da lucidez com a conclusão de um dos poemas de Fernando Pessoa, no qual ele utiliza uma palavra que não seria, infelizmente, regimental, mas que é do vulgo, a propósito da própria lucidez. Mas isso fica para quem quiser examinar-lhe a poesia.

A lucidez é inquieta. Essa conciliação de lucidez com paz, que leva Rachel a uma postura de desambição em sua vida, paradoxalmente é o que funciona na direção de torná-la um ser humano não apenas acolhido, aceito, respeitado, mas também querido pelo País.

É muito interessante falar de desambição nesta Casa, porque as casas políticas são também as casas da ambição, as mais legítimas e também as mais ilegítimas. Estamos numa Casa em que a ambição é uma entidade que perpassa o nosso dia-a-dia - repito - das mais elevadas, justas, cabíveis e das menores.

A desambição de Rachel sempre se estabeleceu no seu comportamento. Deixa o Partido Comunista quando lhe censuram obras. Deixa o apoio a Castello Branco quando o Governo militar se instala como ditadura. Abre mão da indicação para o Ministério da Educação não apenas por desambição, mas porque, com a sua vida relacionada a seu ser, sabe que sua tarefa, a modesta e maravilhosa tarefa do escritor, é ficar junto a sua obra, junto ao trabalho literário, aos livros infantis e juvenis, que também escreveu. Rachel é, portanto, uma pessoa que consegue esse milagre de ser profundamente o que é. Voltando ao velho aforismo: converte-te no que és - velha proposição para o ser humano que vem de tempos imemoriais.

Normalmente uma figura que chega ao ponto de, no seu 90º aniversário, receber uma homenagem do Senado de seu País, há palavras para classificá-la: notoriedade, fama. Gostaria de fazer uma pequena consideração sobre isso.

A notoriedade é algo muito buscado sobretudo na ação política, no mundo da comunicação. De fato, em sociedades díspares, em populações descomunais, como as da contemporaneidade, há um afã por uma forma de notoriedade, que tanto podem ser aqueles famosos 15 minutos de fama ou algo além disso. Sair da média, destacar-se de alguma forma é até motivo de auto-realização para muita gente.

Mais do que a notoriedade - e aí sim já entramos no campo literário, como também no campo político; aqui os dois campos se juntam -, muitos buscam a fama, que é uma deusa de dupla fase. A fama bafeja tanto pessoas iluminadas e qualificadas quanto outras. O Sr. Lalau é famoso. Algumas figuras da televisão são famosas. Portanto, a fama tem uma natureza ambígua e passageira.

Rachel está, a meu juízo, em uma instância que vai além da fama, até porque jamais se enganou com as ilusões da fama e jamais a cortejou. A fama, deusa caprichosa e ambígua, nem sempre defere os que a procuram e quanta vez vai encontrar caminhos absolutamente enigmáticos para descobrir pessoas.

Rachel atinge o que muito pouca gente na Literatura e em vida consegue atingir: a glória. A glória é a fama que não passa. A glória é a fama que se eterniza.

Por que essa mulher, sem ser polêmica, escreve um romance aos 15 anos no qual já abre uma perspectiva inteiramente nova? Por que essa mulher, sendo do patriarcado nordestino, afirma-se como mulher e, sendo do Partido Comunista, não abre mão das suas idéias políticas, mas exige a liberdade? Por que essa mulher é a primeira mulher na Academia Brasileira de Letras? Por que essa mulher, que sempre esteve ligada aos movimentos de avanço, ao ser a primeira mulher na Academia Brasileira de Letras, reconhecendo a luta feminista, admite que não está ali por causa da luta feminista, mas por gentileza dos amigos, até por modéstia? Porque essa mulher ultrapassa os caminhos da fama e, a meu juízo, entra, em vida, no que podemos chamar de os caminhos da glória. Quando o ser que mora numa figura de comunicação conhecida se iguala à obra dessa figura, há, então, aquele encontro raro e definitivo.

Conheço e conheci, ao longo da vida, muita gente que tem obra maravilhosa no campo da Música, da Literatura e das Artes Plásticas. Quantas pessoas - e essa é uma questão interessantíssima no campo das Artes -, como pessoas, estão à altura da própria obra? Há também - é claro - pessoas no campo artístico que, muitas vezes, são até superiores à própria obra. São pessoas que, por sua qualidade, ultrapassam o valor da obra. Raros, porém, têm um encontro tão preciso, tão perfeito, tão superposto entre pessoa e obra como Rachel. Essas pessoas, a meu juízo, são aquelas fadadas a atingir a glória.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) - Concedo o aparte a V. Exª, com muito prazer.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Senador Artur da Távola, tenho a mesma suspeição que V. Exª em relação à Rachel, porque também...

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) - V. Exª também a ama?

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Ia chegar a esse ponto.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) - Está desafiado para um duelo.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Penso que seria difícil V. Exª vencer. Tenho uma grande admiração, uma devoção, mas, sobretudo, uma grande relação de afeto que desemboca em um grande amor. Rachel é uma das maiores criaturas humanas que conheci. Ela é “santa de altar” na minha casa, na minha família e na minha vida. Tenho grande honra e alegria em ser seu confrade na Academia Brasileira de Letras. Ela é a grande escritora do romance nordestino. Sem ela, a história da Literatura brasileira teria um imenso vazio. Ela é uma trabalhadora da palavra, é uma trabalhadora constante. Podemos dizer que, durante os seus 90 anos, ela foi uma operária da arte de escrever. Como ninguém, Rachel conhece o segredo da transfiguração das palavras para eternizar instantes, momentos, emoções. Ao comemorarmos os seus 90 anos - e tenho-me associado a todas as homenagens que a ela são feitas -, penso que ela já é eterna. Mil anos de vida, um século de louvação de todos nós ainda seria muito pouco para dizer tudo que Rachel de Queiroz é para a inteligência e para a Literatura brasileira.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) - Muito obrigado, nobre Senador José Sarney. Tomo o aparte de V. Exª como fecho do meu discurso. Não poderá haver um fecho melhor do que as palavras verdadeiras de V. Exª, que muito bem a conhece e com ela convive há muitos anos.

Terminamos esta nossa homenagem aqui, pelo menos da parte do Plenário do Senado, enaltecendo uma característica de Rachel: em suma, ela é um ser abençoado. É o que o Senador José Sarney, em outras palavras, traduziu muito bem.

O que é a bênção senão um toque misterioso do dom? O que é o dom senão a presença misteriosa da divindade? E o que é o toque do dom senão algo que os cristãos descobriram há muito tempo e é uma imagem muito bonita, a gratuidade? Aqui estão pessoas que têm muitos dons, e estes são gratuitos, nascem com o ser. Rachel nasceu com esse dom e, como o pôs a serviço do seu País, por tudo isso, é imorredoura.

Fiquem as palavras do Senador José Sarney como as palavras finais do meu discurso!

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Temos que canonizá-la no Senado: Santa Rachel!

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) - Santa Rachel!

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2000 - Página 22844