Pronunciamento de Ronaldo Cunha Lima em 22/11/2000
Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem à escritora Rachel de Queiróz pelo transcurso de seu nonagésimo aniversário de nascimento.
- Autor
- Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem à escritora Rachel de Queiróz pelo transcurso de seu nonagésimo aniversário de nascimento.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/11/2000 - Página 22846
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, RACHEL DE QUEIROZ, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE).
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, por ocasião do nonagésimo aniversário de Rachel de Queiroz, eu não poderia deixar de trazer a minha singela homenagem. Tenho certeza de que essa honra é muito mais minha do que propriamente dela.
Meus pares que estão discursando hoje - tenho certeza - já terão trazido ou trarão as principais informações a respeito da grande Rachel de Queiroz. Portanto, quero limitar esta minha fala à grande admiração pela autora de O Quinze, O Caçador de Tatu, Dora, Doralina, Caminho de Pedras, A Donzela e a Moura Torta, Memorial de Maria Moura, As Três Marias, entre outros.
Nela não admiro apenas a escritora. Aprecio, também, esse espírito humano que, com a sua sensibilidade feminina e mesmo relutando em se identificar com as causas do feminismo, tanto contribuiu para a emancipação da mulher brasileira. Louvo a Rachel-família, que tantas demonstrações de carinho dedica aos seus - e “seus” não são apenas os familiares; são também os escritores, os jornalistas, os intelectuais, os vaqueiros, enfim, todos que a cercam. Tenho orgulho da Rachel nordestina, que, tendo deixado o Ceará ainda na década de 30, mantém o coração em uma fazenda que se chama, simbolicamente, “Não Me Deixes”. No caso, nem Rachel deixou o Nordeste, nem este deixou de considerá-la como uma filha dileta. Por fim, sou fã de carteirinha da cronista, que, todas as semanas, nos alimenta com suas reflexões apaixonadas sobre a vida. Mas existe outra Rachel que merece minha admiração: a política, aquela que, sem nunca ter exercido cargos públicos, jamais esteve ausente da cena política brasileira.
E já que estou falando de tantos atributos dignos de serem admirados, creio que existe um, que é mestre, que é o principal: o “poder pessoal” de Rachel de Queiroz. Não me entendam mal. O poder dela não se confunde com força política de mandar ou desmandar em administrações públicas. Não é um poder econômico, de fazer ou desfazer em fábricas, indústrias ou fazendas. Não é, nem mesmo, um poder acadêmico, de ditar cânones sobre o que seja boa ou má literatura. É um poder que, eu diria, vem de berço, um poder que, nela, é natural. Foi essa força que fez com que aquela jovem (menos de vinte anos) escrevesse um romance “definitivo” na literatura brasileira. Ao escrever e editar O Quinze, Rachel inscreveu seu nome nas letras nacionais de modo indelével. Esse livro ter, hoje, mais de 60 edições, é um feito para qualquer escritor.
Pois esse mesmo magnetismo pessoal da nossa Rachel de Queiroz fez dela uma das mais cativantes cronistas deste País, fosse nas páginas de O Cruzeiro, seja nas páginas de O Estado de S.Paulo ou do Correio Braziliense. Então esse é um bendito poder. O mesmo que fez com que ela, passados mais de sessenta anos, lançasse uma obra espetacular como Memorial de Maria Moura, em 1992. Nesse meio houve vários romances vitoriosos, como João Miguel, Caminho de Pedras, As Três Marias, Dôra, Doralina. Sem falar nos volumes de crônica, reunindo sua produção jornalística, ou na produção para teatro. Mas tudo nela soa como natural, como se não fosse nada de extraordinário.
E foi com uma modéstia que lhe é peculiar que Rachel entrou, pioneiramente, para a Academia Brasileira de Letras, em 1973. Ao entrar para a ABL, simbolicamente, naqueles tempos duros, de discussões políticas abafadas, Rachel representou uma espécie de triunfo para nós brasileiros. E, mesmo que ela negasse qualquer teor de “conquista feminina” , por certo foi aplaudida como tal por todas as mulheres. Na época, foi suscitada uma discussão, aparentemente de natureza gramatical, que “impedia” a entrada de mulheres na Academia. Tratava-se da expressão “brasileiros natos”. Só podiam fazer parte da academia os “brasileiros natos”, assim, no masculino, plural. Mesmo que a Constituição em vigor vedasse discriminações de tal natureza, na ABL persistia o entendimento de que aquela expressão vedava a entrada de mulheres. Ora, ao revogar, em boa hora, tal cláusula, na letra e na prática, a questão deu ensejo a outras discussões, que nunca foram de natureza gramatical, a respeito das posições que podiam ser assumidas pelas mulheres.
Na esteira dessa conquista, de 70 para cá, muitas e muitas “cadeiras” em posições de poder foram assumidas pelas mulheres: cadeiras de executivas em grandes corporações industriais e financeiras, assentos no Congresso Nacional, em prefeituras, em um Estado e, agora, no Supremo. Que as mulheres reverenciem essa não-feminista, pelo tanto que ela contribuiu com o avanço na ocupação de espaços.
Não poderia encerrar esta modesta homenagem sem destacar Rachel de Queiroz como modelo de cidadã. Exatamente porque, quando se trata da cidadania, a liberdade é o que mais conta. Pois bem: Rachel jamais se deixou “amarrar” por nada. Mesmo que fosse a filiação a um partido que lutava pela liberdade. Deixou o PC, na década de 30, por não concordar com qualquer cerceamento a sua obra; lutou contra o Getúlio ditador; conspirou contra Jango; afastou-se dos militares quando a “linha dura” assumiu, e assumiu outras atitudes independentes e corajosas que tão bem representam as “rebeldias” cívicas de Rachel.
Hoje, aos noventa anos, continua sendo uma pessoa que, em sua simplicidade, traduzida em crônicas, continua a nos deliciar com o melhor da prosa brasileira, uma prosa que já foi chamada de “machadiana”, mas que eu ouso chamar de “racheliana”. Uma prosa, ao mesmo tempo, agradável de se ler e extremamente significativa, do ponto de vista político e ético.
Meus parabéns a Rachel. E meus parabéns a nós todos, por termos entre nós pessoa tão preciosa.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.
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