Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagens à Zumbi dos Palmares e ao marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Homenagens à Zumbi dos Palmares e ao marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2000 - Página 22926
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, LIDER, OPOSIÇÃO, ESCRAVATURA, REGISTRO, CRIAÇÃO, FERIADO CIVIL, COMEMORAÇÃO, DIA, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO.
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, EXCLUSÃO, NEGRO, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, ACESSO, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROIBIÇÃO, EXIGENCIA, PADRÃO, PESSOA FISICA, SELEÇÃO, PESSOAL, OBJETIVO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO.
  • HOMENAGEM, JOÃO CANDIDO, VULTO HISTORICO, ALMIRANTE, NEGRO, LIDER, REVOLTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REIVINDICAÇÃO, MARINHEIRO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sessão de hoje, a Hora do Expediente foi destinada a prestar justa homenagem à grande escritora Rachel de Queiroz.

Junto com a Senadora Heloisa Helena e outros Senadores, havia encaminhado à Mesa Diretora do Senado um requerimento, para, na data de hoje, fazer uma homenagem a um brasileiro já falecido e pouco conhecido pela sociedade brasileira, que foi o grande marinheiro João Cândido, o grande herói da Revolta da Chibata, conhecido por nós como o Almirante Negro.

Como não consegui a primeira hora da sessão para esse fim, vou aproveitar o meu tempo aqui na tribuna para fazer o que considero uma justa homenagem a esse grande brasileiro.

Quero também aproveitar esta semana, que é consagrada à consciência negra, para homenagear o grande brasileiro Zumbi dos Palmares. Aliás, no Estado do Rio de Janeiro, conseguimos uma grande vitória: o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, passa a ser feriado na cidade do Rio de Janeiro. Apesar da resistência do Prefeito, que vetou a lei aprovada na Câmara Municipal, o processo foi para o Supremo Tribunal Federal, onde ganhamos. Portanto, foi uma grande vitória da comunidade afro do Rio de Janeiro.

Vou, então, render homenagem a esses dois heróis brasileiros e prestar um serviço à causa da liberdade do nosso povo.

Zumbi dos Palmares, assassinado em 20 de novembro de 1695, teve sua cabeça exposta nas ruas do Recife, provavelmente para pôr fim à lenda de sua imortalidade. Hoje, figura no rol dos heróis nacionais, o que faz dele, a rigor, um imortal. No entanto, o seu ideal de liberdade e igualdade entre as raças ainda não foi atingido.

É válido lembrar que Zumbi foi educado por um sacerdote, por quem foi batizado com o nome de Francisco. Falava latim, foi coroinha e poderia ter optado por uma vida tranqüila, sob a influência dos ensinamentos católicos. Mas, ao completar 15 anos, fugiu para o Quilombo dos Palmares, já organizado e estruturado por Ganga-Zumba, seu tio. Anos mais tarde, destituiu o tio do cargo para assumir o comando.

O fato de Palmares abrigar negros, brancos e índios cansados e oprimidos pela sociedade colonial faz dele um símbolo de democracia, de efetiva interação entre as raças. Nossa sociedade ainda não conquistou tal respeito pelas diferenças entre raças e culturas. Negros e índios encontram-se hoje na posição de excluídos, isso para falar apenas de discriminação racial, pois mulheres e idosos também sofrem um processo latente de exclusão.

Apesar de o Brasil concentrar hoje a maior população negra fora da África, verificamos que o racismo por aqui se tornou “sistema centenário de discriminação”, de marginalização. Os negros continuam a ocupar o nível mais baixo da pirâmide social, onde as estatísticas apontam os menores índices de escolaridade e de rendimento e maior índice de desemprego.

Com base no documento apresentado pela ex-Deputada estadual, pelo PT da Bahia, Professora Maria José, na Conferência Mundial de Combate ao Racismo, destaco o veto presidencial à educação de jovens e adultos e o desestímulo à educação infantil no âmbito da lei que regulamenta o Fundef. O veto pode representar uma concepção educacional do Governo, mas pode também constituir uma atualização da legislação brasileira que negava aos negros o acesso à educação, como ocorreu durante todo o Brasil Colônia e o Brasil Império.

            É válido lembrar que a Constituição Federal, no seu art. 208, inciso I, estabelece:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria;"

            Segundo a professora, os negros são condenados à ignorância, excluídos da educação infantil e impedidos de ter acesso ao ensino fundamental com o veto presidencial, pois dados do IBGE, de 1996, revelam que são 36 milhões de brasileiros da população economicamente ativa que não alcançaram oito anos de estudos, sendo a maioria composta de negros.

Maria José enfatiza que “tem sido uma estratégia da elite dominante manter analfabetas largas parcelas da população. Antes, dava-se a interdição dos corpos do acesso aos locais de estudo - mulheres, negros e índios eram proibidos de ingressar nas salas de aula, quando não se recorria à proibição direta”.

O fato de a nossa televisão e o livro didático não apresentarem personagens negros só vem confirmar a depreciação da raça. Quando os personagens existem, estão sempre em situação de inferioridade.

Mas não podemos falar em combater o racismo sem resolver questões ligadas à terra, à distribuição de renda, ao mercado de trabalho, sem melhorar a saúde, a educação, a previdência, a moradia. Para se combater o racismo é preciso dizer não à dívida com o FMI, a fim de que haja um melhor redirecionamento dos gastos públicos. É preciso que a solução de nossas mazelas sociais ganhe prioridade. Enfim, combater o racismo é, por assim dizer, combater o capitalismo, combater a política neoliberal do Governo FHC; é garantir condições iguais e dignas para todos sem distinções.

Não se põe fim ao racismo com projetos e leis, mas precisamos definir a questão da propriedade territorial dos remanescentes dos quilombos; precisamos definir políticas efetivas para o desenvolvimento da comunidade negra.

Na última semana, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou projeto de minha autoria que proíbe a expressão “boa aparência” nos anúncios de seleção de pessoal. Tal propositura, inspirada em lei de iniciativa da Deputada Distrital Maria José Maninha, tem por principal objetivo impedir que o preconceito seja um critério de admissão ao emprego. Isto porque a exigência de boa aparência é um conceito subjetivo que, na prática, exclui os afro-descendentes.

Para concluir, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, precisamos alterar a realidade da população negra e dos demais marginalizados; precisamos atender às suas necessidades básicas imediatas. A responsabilidade é de todos, e o Poder Legislativo ocupa papel de destaque na luta por uma sociedade justa e igualitária.

Sr. Presidente, passarei a fazer agora algumas considerações, nesta pequena homenagem que presto ao grande brasileiro a que me referi no início de minha intervenção, o almirante negro João Cândido.

Quero saudar os noventa anos da Revolta da Chibata e homenagear o marinheiro João Cândido, que, mais tarde, ficou conhecido como “O Almirante Negro”, líder daquele movimento. Nesse sentido, pretendo explicar por que e como ocorreu essa revolta; qual a importância dos seus líderes; e, por fim, abordar a influência desse acontecimento para as lutas populares no Brasil.

Inicialmente, destaco que a Marinha de Guerra, no início deste século, exercia sua hierarquia de forma brutal, o que mais nos faz lembrar das práticas escravocratas. Com isso, o castigo corporal, abolido na Marinha inglesa em 1881, continuava sendo aplicado pelos oficiais da esquadra brasileira. Segundo eles, “para corrigir os marinheiros que não cumpriam suas tarefas a contento”. A abolição da escravatura completava somente 22 anos em 1910, e alguns marinheiros tinham sido escravos. Como exemplo, temos o depoimento de um oficial da arma, publicado no livro “Política Versus Marinha”, de 1911. Para ele, “o maior problema da Armada estava na cor dos marinheiros”. Em sua estimativa, “50% dos marinheiros eram negros, 30% mulatos, 10% caboclos e 10% brancos ou quase brancos”. Com isso, fica claro o sentido racista e desumano do uso da chibata para punir os marinheiros.

Ressalto, também, o fato de que os salários dos marinheiros eram baixos e a jornada de trabalho estafante - isso não só no Brasil, mas na maioria das esquadras do mundo.

Um segundo aspecto, Sras e Srs. Senadores, que influenciou os marinheiros naquele período foi a história da revolta dos marinheiros russos do encouraçado Potemkim, em 1905, que havia ultrapassado mares e era reproduzida aos marinheiros em vários portos do mundo. A história do Potemkim revelou os meios pelos quais os marinheiros brasileiros podiam conquistar melhores condições de trabalho e salário.

Nesse sentido, os marinheiros se organizavam em comitês de base para preparar a “conspiração”. Eles alugaram um andar inteiro de um prédio na vila Rio Barbosa, que ficava em frente a uma delegacia de polícia. Outros comitês foram organizados nos locais de moradia dos marinheiros. Já na Inglaterra havia comitês nos quartos dos marinheiros brasileiros, que lá permaneceram por dois anos, enquanto aguardavam a conclusão de seus navios. Isso não impediu que mantivessem contato com os comitês existentes aqui no Brasil. Com disciplina e organização, esses marinheiros conseguiam criar as condições necessárias ao levante, sendo que os oficiais da época não acreditavam que os marinheiros tivessem capacidade de levar a efeito qualquer movimento de reivindicação.

Partindo dessa conjuntura de exploração, maus tratos e baixos salários dos marinheiros da esquadra brasileira, houve, na noite do dia 22 de novembro de 1910, a Revolta. Os marinheiros assumiram o controle dos mais importantes navios da Marinha de Guerra nacional, ou seja, os encouraçados Minas Gerais, São Paulo e mais outros de menor porte. Eles prenderam e expulsaram os oficiais que estavam a bordo, como também mataram alguns desses que ofereceram resistência armada ao movimento.

Os revoltosos exigiam a abolição dos castigos corporais e o aumento do soldo, ameaçando bombardear a cidade. Pressionado pelo Congresso Nacional e temendo pela sorte da cidade, o Presidente Hermes da Fonseca cedeu às pressões: aboliu os castigos e anistiou os revoltosos. A anistia foi a solução pensada pelos senadores, sendo Rui Barbosa o principal articulador para o desfecho da Revolta. No dia 24 de novembro de 1910, a anistia foi aprovada no Senado e referendada pelo Presidente da República no dia seguinte. No dia 26 de novembro, enfim, os marinheiros entregaram os navios e retornaram à legalidade.

Porém, depois de alguns dias, o Presidente da República baixou um decreto excluindo os revoltosos dos quadros da Marinha de Guerra por atos indisciplinares. No mês de dezembro daquele ano, vários marinheiros foram presos e expulsos da Marinha.

Muitos revoltosos morreram na prisão da Ilha das Cobras. Nove foram fuzilados durante a viagem que conduzia 105 desterrados para a Amazônia. João Cândido sobreviveu à Ilha das Cobras e foi internado no hospital dos alienados. Todos foram absolvidos, em novembro de 1912.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, João Cândido foi aclamado herói e almirante da esquadra amotinada, pelas qualidades apresentadas durante a revolta, principalmente pela liderança que exercia junto aos marinheiros e pela forma como havia conduzido os grandes encouraçados, evitando excessos dos marinheiros.

Alguns jornais da época destacavam a destreza de João Cândido, dizendo que: “ele não precisou de cursos escolares, de viagens às capitais européias e aos salões elegantes do mundo para manobrar com habilidade aqueles modernos vasos de guerra”.

Esses fatos podem ser destacados como os mais significantes da história da Revolta da Chibata e da participação de João Cândido. História que sempre será relembrada e, quase sempre, com polêmica. O movimento negro coloca João Cândido ao lado de outros mártires representantes da luta contra o racismo. “O Almirante Negro”, como ficou conhecido, foi o líder da resistência contra os castigos corporais aplicados pelos oficiais brancos contra os marinheiros negros daquela época.

Sabemos que a absolvição de João Cândido e de outros marinheiros da Revolta da Chibata não devolveu a vida aos que tombaram na luta por um tratamento compatível com a dignidade humana. Mas seu exemplo continua vivo e irá influenciar outras gerações de trabalhadores.

Sr. Presidente, só para concluir. No dia de hoje, 22 de novembro, quando homenageamos o Almirante Negro pelos 90 anos da Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro, neste momento, está sendo realizada uma marcha de três quilômetros, saindo do Monumento a Zumbi dos Palmares, na Praça XI de Julho, em direção à Praça XV, que foi o palco da Revolta da Chibata. Lá, por um decreto do Prefeito do Rio de Janeiro, aprovado na Câmara dos Vereadores, haverá uma praça destinada para se erguer um monumento ao Almirante Negro. Na tarde de hoje, será lançada a pedra fundamental do monumento em homenagem a João Cândido.

Viva João Cândido e a luta dos trabalhadores no Brasil.

Muito obrigado.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2000 - Página 22926