Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO EX-DEPUTADO, EX-SENADOR E EX-MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, GUIDO FERNANDO MONDIM.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO EX-DEPUTADO, EX-SENADOR E EX-MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, GUIDO FERNANDO MONDIM.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2000 - Página 23030
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, GUIDO MONDIN, EX-DEPUTADO, EX SENADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), EX MINISTRO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ELOGIO, BIOGRAFIA, ATUAÇÃO, POLITICA, ARTES PLASTICAS, ESPORTE.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, familiares do nosso querido Guido Mondin, sua prezada filha, distintos convidados que nos honram com suas presenças, prezados colegas, Senadoras e Senadores, senhoras e senhores, Comemora-se hoje, nesta quarta quinta-feira do mês de novembro, o Dia de Ação de Graças. Entre 1959 e 1975, todo ano, nesta mesma data, um Senador gaúcho vinha a esta tribuna para falar de oração, de fraternidade, de respeito.

Aquele Senador se chamava Guido Fernando Mondin.

Hoje, justamente neste ano 2000, que é considerado o Ano Internacional da Ação de Graças pela Organização das Nações Unidas, aqui estamos reunidos para homenagear Guido Fernando Mondin, homem de profunda convicção ética, moral, cultural, artística e religiosa.

Aqui estamos, não só para relembrar sua longa e frutífera dedicação à Política, mas também a sua ainda mais intensa e demorada dedicação à Arte.

Se dissermos que esse homem se dividiu apenas entre a Política e a Arte, atividades aparentemente tão díspares, estaremos falando apenas parte da verdade.

Guido Mondin era um homem múltiplo e durante sua longa e movimentada existência envolveu-se em inúmeras atividades. Foi escoteiro, atleta, líder classista, incentivador de blocos carnavalescos, folclorista, industrial, historiador, escritor, poeta e, no fim de sua vida profissional, chegou a Ministro do Tribunal de Contas da União.

Desde pequeno, Guido Mondin mostrou forte talento para as Artes Plásticas. Aos seis anos, foi encaminhado pelo pai para ser aprendiz do pintor Benjamim Pesset. Ao longo de todo o curso primário, sempre foi o primeiro aluno da turma e era encarregado de fazer os desenhos para ornamentação da escola nos dias de festa.

Guido Mondin jamais deixou de estudar Artes Plásticas com grandes mestres. Sempre lutou por aperfeiçoar-se, mesmo depois de adulto e até mesmo quando já ocupava a vaga no Senado da República. Além de Benjamim Pesset, foi discípulo de Vicente Gervásio, Judith Fortes, Dário Mecati e Oswaldo Teixeira.

Autor de milhares de telas, muitas delas de alta qualidade, ilustrou publicações que ele mesmo escreveu, como um notável calendário publicado por ocasião do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha.

Senhoras e Senhores, o que mais impressiona na história de Guido Mondin -- que faleceu em maio deste ano, pouco depois de ter completado 88 anos -- é exatamente a sua multiplicidade de interesses.

Quando jovem, além das Artes Plásticas, Guido Mondin interessava-se muito por esportes. Praticou remo, voleibol, futebol e ciclismo. Como remador e ciclista, conquistou muitas medalhas.

Aliás, foi pelo ciclismo que ele veio a conhecer um dos maiores políticos brasileiros de todos os tempos: Getúlio Vargas. Guido Mondin secretariava o Clube Ciclista Riograndense quando Getúlio Vargas fez uma visita a São Leopoldo, centro da região de colonização alemã.

O adolescente Guido Mondin solicitou uma audiência ao Presidente para lhe propor a constituição de uma guarda de honra de ciclistas, para acompanhá-lo na viagem de ida e volta entre Porto Alegre e São Leopoldo. Aceito o pedido, os jovens fizeram, então, o penoso percurso de 60 quilômetros escoltando o Presidente.

Seu primeiro contato com a Política deu-se em 1958, quando, aos 15 anos, passou a freqüentar as reuniões do Partido Libertador. Foi por essa época que se definiu profissionalmente, optando por cursar prática contábil no Instituto Israel Torres Barcellos. Seguiu assim o caminho percorrido por seu pai, também chamado Guido Mondin, contabilista, economista, que em 1935 lançou o livro Elementos de Contabilidade Rural.

Nos períodos de carnaval, Guido Fernando Mondin organizava préstitos e dirigia cordões de clubes, além de planejar e executar carros alegóricos, fantasias e ornamentações que marcaram época.

Em 1933, já casado, passou a interessar-se ainda mais pela Política. Como se sabe, nos anos que sucederam a Revolução de 30, teve início intenso debate sobre a legislação social. Os trabalhadores se organizavam em sindicatos. Guido Mondin aderiu, então, à Ação Integralista Brasileira, cujo programa atraía grande parte de jovens no Rio Grande do Sul.

Com o advento do Estado Novo, extintos os partidos, Guido Mondin concentrou-se na sua formação intelectual. Formou-se em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1945.

Após a redemocratização do País, com o ressurgimento dos partidos políticos, Guido Fernando Mondin reencontrou-se com outra das suas mais fortes vocações. Filiou-se ao Partido de Representação Popular e, mesmo contra sua vontade, atendendo a insistentes pedidos de amigos, candidatou-se à Assembléia Nacional Constituinte, não conseguindo ser eleito.

Nas primeiras eleições municipais que vieram a seguir, mesmo sendo porto-alegrense, Guido Mondin foi lançado candidato a Prefeito de Caxias do Sul.

Sua campanha foi memorável. Usou inúmeros recursos de propaganda desconhecidos na época, como projeções de caricaturas nas paredes dos edifícios; alto-falantes em aviões teco-teco; comícios ambulantes em que se fazia seguir de viaturas, antecipando as carreatas de hoje; e também o uso pioneiro das emissoras de rádio. Não foi grande a sua votação. Em Porto Alegre e em Caxias, não ganhou as eleições.

Em outubro de 1948, com 35 anos, assumiu, pela primeira vez, um cargo público: tomou posse como suplente na Assembléia Legislativa. Apesar de sua marcante atuação, em especial nas Comissões de Obras Públicas e Agricultura, preferiu voltar à atividade empresarial. Quis dedicar-se à instalação de uma indústria em Caxias do Sul.

Eleito Deputado Estadual, exerceu o cargo entre 1951 e 1955, ano em que foi eleito, numa coligação partidária, Vice-Prefeito de Caxias do Sul. Em duas oportunidades assumiu a prefeitura. Em 1956, esteve na Câmara dos Deputados exercendo um curto mandato, já que era o primeiro suplente.

Em 1958, candidatou-se ao Senado pelo Partido de Representação Popular, numa coligação litigiosa com o Partido Trabalhista Brasileiro. Fazendo uso de sua grande habilidade, conseguiu aparar as arestas e remover as antigas animosidades entre as duas agremiações. Foi eleito ao cabo de uma memorável campanha de nove meses de duração, tendo pronunciado mais de 1.500 discursos.

Foi uma eleição de impacto no Rio Grande do Sul. Nesse momento, o Governador eleito foi Leonel Brizola. E Leonel Brizola, do PTB, fazia uma aliança com o PRP, dando a vaga que era de Alberto Pasqualini aqui no Senado a Guido Mondin, obtendo uma vitória estrondosa e completamente inesperada, porque eram forças diferentes que se uniam e conseguiam a vitória.

É interessante notar que naquele pleito foi registrado o menor índice de abstenção da história política do Rio Grande do Sul. Reparem como incendiou a emoção aquele debate, aquela luta inesperada de forças diferentes que se uniam, que se integravam. O menor índice de abstenção até hoje em todas as eleições do Rio Grande do Sul foi o registrado no pleito em que Guido Mondin foi eleito Senador da República. Compareceram para votar um milhão duzentas e quatorze mil pessoas, de um total de um milhão duzentos e setenta e quatro mil pessoas aptas a votar. A abstenção foi de apenas 4,7%.

Guido Mondin exerceu seu primeiro mandato como Senador entre 1959 e 1967. Extintos os partidos pelo Regime Militar, em 1966, filiou-se à Arena. Naquele mesmo ano obteve sua segunda eleição para o Senado - àquela época havia a fórmula da sublegenda. Concorreram com ele Mário Mondino e esta figura extraordinária de Synval Guazelli, hoje Deputado Federal do Rio Grande do Sul, uma das figuras mais dignas, mais brilhantes e mais extraordinárias da vida pública do Rio Grande do Sul e do Brasil. Aproveito esta oportunidade em que estou aqui saudando Guido Mondin e vendo a figura de Synval Guazelli, para levar a ele todo o apreço, todo o afeto, toda a admiração do Rio Grande do Sul. Mais ainda quando, atravessando dificuldades na sua saúde física, está presente na dignidade do seu caráter e na vibração total do seu intelecto, honrando o Rio Grande do Sul e o Brasil. Muito obrigado, meu irmão Synval Guazelli. (Palmas)

Interessante que Guido Mondin foi eleito Senador pelo PTB e PRP. Mais da metade do Rio Grande do Sul votou nele em 1958. Veio a Revolução, o golpe de Estado - prefiro falar em golpe -, e Guido Mondin, com as forças a que pertencia, integrou-se à Arena.

Em 1966, voltou a ser candidato, agora pela Arena, com todas as forças contrárias à sua primeira eleição. Derrotou um dos homens mais dignos da história do Rio Grande do Sul: Siegfried Heuser. Guido Mondin foi eleito por todo o Rio Grande do Sul. Em 1958, o PDT e o PRP, as forças progressistas, votaram nele. Todos os que não tinham votado nele em 1958 o elegeram em 1966.

O interessante - isso ficou marcado de forma indelével na sua personalidade e na história do Rio Grande do Sul - é que Guido Mondin foi eleito e se identificou com as forças que o elegeram. Em 1964, S. Exª, com todo o grupo que ele representava, filiou-se à Arena. No entanto, em nenhum momento, desta tribuna, lá do Rio Grande do Sul ou nos vários artigos que escreveu em jornais do Brasil e do Rio Grande do Sul, dirigiu uma palavra de ofensa, de ataque, ao Brizola, ao PTB, às forças que o elegeram.

Quando foi candidato pela segunda vez, pelo outro lado, quando o nosso presidente, o nosso líder Siegfried Heuser era candidato do MDB ao Senado da República e ele candidato da Arena, houve um longo debate, um grande debate e, em nenhum momento, Guido Mondin disse uma palavra que o atingisse. E, naquela hora, a coisa mais fácil que tinha era ofender o Brizola, o PTB, o MDB. Isso era o normal, era o que ganhava manchete e ele não disse uma palavra. Fez sua campanha, defendeu suas idéias, seus princípios, sua doutrina e suas teses, mas não se aproveitou da situação. O MDB estava no chão, o Brizola estava exilado e ele poderia ganhar as manchetes pois era o herói. Ele não fez isso, manteve-se inflexível em sua dignidade.

No trágico 64, lembro-me das vezes em que nós, ainda antes de os partidos serem extintos, viemos a Brasília procurar saída, luzes para ver o que estava acontecendo. Pessoas eram presas, outras cassadas, outras desapareciam e não sabíamos o que fazer, o que seria de nós. Viemos aqui e Guido Mondin, um homem com prestígio, com liderança, com uma credibilidade enorme no Congresso Nacional, no Senado e no Governo, era o homem que nos dava apoio e nunca teve medo nem vergonha. Pelo contrário, ele e o Britto Velho, Deputado Federal, levaram-nos a várias repartições e a vários ministérios. O Aldo Fagundes, que está aqui, hoje Ministro do Superior Tribunal Militar, o Siegfried Heuser e eu vínhamos a Brasília alucinados, porque, baseadas nos atos institucionais que haviam sido baixados no Rio Grande do Sul, eram feitas demissões em massa, sem nenhuma explicação, nada.

Cidadãos dignos, com 30 anos de vida pública, de repente, eram demitidos. Foi Guido Mondin e foi Britto Velho que nos levaram ao gabinete do Ministro da Justiça Milton Campos. Fomos a ele, e contamos o que estava ocorrendo. Britto Velho, mais revoltado, disse que não era para isso que eles haviam feito a Revolução. Mondin pediu calma para que pudessem equacionar a questão. Milton Campos nos disse que naquele dia mesmo eles iriam resolver a questão. Às 19 horas, na Voz do Brasil, foi anunciado um ato complementar que hoje pode parecer ridículo, mas, à época, foi fundamental.

Segundo esse ato, ninguém poderia ser demitido sem que, primeiro, houvesse uma denúncia dizendo do que ele estava sendo acusado; segundo, que fosse constituída uma comissão imparcial no local para fazer o julgamento; terceiro, que ele tivesse amplo direito para argumentar e apresentar sua defesa, para que, por fim, fosse tirada uma conclusão.

Não dá para calcular hoje o que isso representou na época porque estamos vivendo uma democracia aberta, livre, onde qualquer cidadão entra na Justiça para pleitear seus direitos. Hoje, não é possível imaginar o terror da noite negra que estávamos vivendo.

Esse ato, essa decisão do grande Ministro Milton Campos, surgiu a partir do encontro havido entre o Ministro, Aldo Fagundes, Siegfried Heuser e eu. Fomos ao Deputado e ao nosso querido Senador e eles nos levaram a essa decisão que resolveu a questão. Todas as demissões feitas até então foram anuladas. Quem quisesse demitir tinha que fazer uma denúncia e o denunciado tinha o direito de defesa.

Nunca me esqueço, Brasília era o caos. O movimento eclodiu no dia 1º de abril de 1964. Creio que chegamos aqui entre o dia 7 e o dia 9 de abril de 1964. Havia pessoas presas e caminhões por todos os lados. Não se sabia o que fazer. O ambiente era de terror, nunca esquecerei. O Aldo Fagundes, que está ali, se fechar os olhos deve se lembrar dessas imagens até hoje. O movimento de 1964 eclodiu no dia 1º de abril. Ninguém sabia o que iria acontecer, mas de repente aconteceu. Quando aconteceu, não pegou o Senador Guido Mondin, pegou o pintor Guido Mondin fazendo uma enorme, uma brilhante exposição, onde o encontramos.

Não consigo me esquecer desses momentos. Naquela nossa tensão, aquele homem realmente múltiplo estava ali na sua faceta de artista. Ele nos dizia: “Calma! Nós vamos resolver.” Na mesma hora, telefonou para Britto Velho, que ficou de telefonar para Milton Campos e marcar uma reunião. Feito isso, ele nos disse: “Agora vocês vão ver a minha exposição.” E saía a mostrar a beleza dos quadros, descrevendo-os. Lá para tantas, Aldo Fagundes, Siegfried Heuser e eu nos esquecemos do que estava acontecendo, pois ele tinha a grandeza de ver, apesar daquilo que estava ocorrendo, a beleza que só os artistas conseguem ver. Ele conservou a alma indelével das pessoas puras que, no meio do caos, conseguem conservar sua integridade.

Guido Mondin era fantástico! Eu era seu amigo pessoal. Ele foi Vice-Prefeito de Caxias, minha terra, de onde saiu para ser Senador. Perguntei-lhe: “Guido, como tu podes olhar para essas pinturas diante do que está acontecendo lá fora?” Ele respondeu: “Meu filho, sei o que está acontecendo lá fora. Sou daqueles que estão se esforçando para diminuir o impacto. Quando perdermos a capacidade de olhar a beleza, quando perdermos a capacidade de olhar em torno de si a beleza de uma flor, a beleza de um crepúsculo, é porque estamos muito mal.”

Na verdade, durante todo aquele período, Guido Mondin foi um daqueles homens que fez a intermediação, ajudando as pessoas, colaborando para que aqueles anos de chumbo não atingissem tanto tantas pessoas. Muitas delas devem, praticamente, a sua vida e o que não sofreram à figura de Guido Mondin.

Quando Guido Mondin julgava que se aposentaria para se dedicar exclusivamente à pintura, teve que enfrentar um novo desafio no serviço público: foi indicado Ministro do Tribunal de Contas da União. Permaneceu naquela Casa até 1982, quando foi aposentado compulsoriamente por ter alcançado 70 anos. Foi Vice-Presidente do Tribunal de Contas da União em 1977 e Presidente no ano seguinte.

Senhoras e senhores, resumidamente, muito resumidamente, eis aqui a vida desse brilhante Senador gaúcho, que tanto engrandeceu o seu Estado e o Brasil como político, como artista, como homem público.

Gostaria de citar, nesse meu pronunciamento, ainda que rapidamente, algumas palavras de Guido Mondin. Escolhi para isso dois pequenos trechos do discurso com que ele se despediu do Tribunal de Contas da União. Percebe-se no texto que ele está um pouco contrariado por ter sido mandado para casa, pela aposentadoria compulsória. Isso fica bem claro no seu texto. Mas Guido Mondin deixa entrever que só na arte encontraria uma meta para trabalhar e viver produtivamente os anos que lhe restavam.

Disse Guido Mondin:

A vida é uma somatória de experiências e uma experiência assaz perturbadora é a do homem que, recolhendo-se em si mesmo e, refletindo, constata que ainda tem presentes as mesmas energias e estímulos que o impulsionaram aos vinte, aos trinta, aos cinqüenta anos, presentes estão as mesmas vibrações e os mesmos sonhos, mas está convencionado em artigos e parágrafos de que nada adiantam. Use-os noutros misteres se tanto é possível e não mais naquela ação que porventura terá tanto amado e muito ainda teria a dar. Num mundo de pragmatismos, simulações, dissimulações e convencionalismos, sei que é temerário abrir o coração, mas este é um temor que nunca tive, até porque sei que, sob a máscara imposta nas competições da vida, sempre ocultam-se sentimentos ansiando por desnudar-se.

E, quase ao fim de seu discurso, pronuncia uma frase brilhante:

Dispo a toga de juiz e, porque é preciso prosseguir, troco-a pela bata de pintor. A toga tem prazo; a bata é inaposentável.

            Era isso o que ele queria dizer. Era isso o que ele fez durante toda a sua vida.

Tenho um carinho muito especial pela figura de Guido Mondin, pela sua dignidade, seu caráter, pelo homem de fé que era. Nas reuniões do grupo cristão, ele, o Aldo e tantos, durante todos os anos da sua vida, aqui em Brasília, todas as semanas, reuniam-se para meditar, para refletir, para discutir, para encontrar um mundo melhor.

Guido Mondin era isso, não importava o cargo em que estava - Prefeito, Ministro, Deputado, Presidente do Tribunal de Contas, Senador da República -, ele era o mesmo na sua grandiosidade, na sua simplicidade, na sua maneira de ser. Era um homem puro, integral, sabedor da sua capacidade, mas compenetrado humildemente no seu compromisso com o mundo que o cercava.

Ah, meus irmãos, se este Senado estivesse cheio de Guidos Mondin na sua vida e na sua história, os Guidos Mondin e os Albertos Pasqualini. Ah, se a vida pública estivesse cheia de Guidos Mondin, dos que semearam amor, dos que semearam a paz, dos que semearam a beleza, dos que semearam as idéias, dos que fizeram o bem. Tenho a convicção absoluta de que não se encontrará ninguém neste País que tenha uma vírgula contra Guido Mondin.

Até hoje, os funcionários do Senado falam com carinho e com respeito daquela figura simpática, daquele sorriso aberto, que cumprimentava a todos, que apertava a mão. Muitos o procuravam para se aconselhar e tinham, no Senador, um conselheiro e um amigo. Nunca se queixou nas horas amargas. Sempre esteve presente nas horas difíceis.

Os seus amigos de caminhada, os que iniciaram com ele, desde Caxias, homens que se identificaram com suas idéias, Alberto Hoffmann Bernardino Ponte, tantas e tantas pessoas, os que foram do PTB e estiveram junto com ele, como o próprio Dr. Brizola, em qualquer referência que fazem a Guido Mondin, fazem-na com amor, com carinho, com respeito e com afeto.

Não que ele fosse um homem que se adaptasse ao sabor dos acontecimentos. Guido Mondin era o mesmo Guido Mondin na campanha ao lado de Brizola, em 1958, e em 1966, na Arena, candidato. Ele não mudava suas idéias, seus princípios e a sua filosofia.

Basta ler os seus pronunciamentos: ele nunca foi um fanático da Esquerda, que buscava qualquer tipo de mudança radical antes do Movimento de 1964, mas também nunca aplaudiu nem defendeu os excessos praticados posteriormente. Ele sempre foi o mesmo, e sempre encontrou tempo para fazer aquilo de que gostava.

Quantos de nós levam a sério o escoteirismo? Nunca me esqueço de que morreu meu filho de 10 anos num acidente de carro na estrada de Porto Alegre para Osório, num sábado, às duas horas da tarde, e os carros não paravam. Foram os escoteiros que, do alto do morro, viram, vieram correndo e prestaram socorro. Isso num País como o nosso, em que temos medo da droga e dos descaminhos pelos quais estão seguindo nossa mocidade! Pois bem, naquela época, ele liderou, em âmbito nacional, o movimento dos escoteiros.

Tenho uma amizade, um carinho muito especial por Guido Mondin. Guardo na minha casa o quadro que ele pintou especialmente para mim, nesses últimos tempos, retratando uma casa da colônia italiana, algo que me emociona muito. Lá estão a mamma, o forno de fazer pão em casa, as galinhas voando, o velho pappa amassando a uva para fazer o vinho, o riacho, com as crianças brincando. Ele descreveu de uma maneira emocionante o quadro da mocidade dele, da minha mocidade, da região onde nós nascemos.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB - DF) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concedo o aparte a V. Exª com o maior prazer.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB - DF) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. Fiquei na dúvida se deveria interromper um discurso que nasce da emoção de V. Exª, do seu coração, e que trouxe mais do que o silêncio a este plenário: trouxe a saudade de Guido Mondin. É como se ele próprio estivesse aqui, neste instante, nos ouvindo. Claro que, se ele estivesse aqui, o silêncio não seria total. Ele tinha uma energia, movimentava os braços, falava sempre apaixonadamente. Ele estaria, portanto, reagindo. Mas, sentindo o clima deste Plenário, pode-se sentir também a sua reação em espírito. V. Exª, como gaúcho - assim como o Senador Fogaça, que vai lhe suceder na tribuna -, traz a homenagem do Rio Grande do Sul, mas que é a homenagem do Brasil a esse grande brasileiro. O Senador Guido Mondin, sempre que me encontrava, repetia uma frase: “Nós, gaúchos, somos adúlteros. Temos duas grandes paixões: o Rio Grande do Sul e Brasília”. Brasília foi a sua terra de opção. Depois que deixou o Senado - jamais deixou a vida pública -, depois que deixou as suas funções públicas, continuou vivendo em Brasília. Neste plenário, há inúmeros amigos e familiares. Está aqui até um bisneto seu, que talvez ainda não consiga compreender a grandeza desta homenagem, que ficará na história, ficará nos Anais desta Casa, para que Guido Mondin sirva de exemplo, o exemplo que construiu com sua própria vida. Há um episódio, Senador Pedro Simon, muito interessante, entre tantos outros que retratam a personalidade, a solidariedade, a generosidade de Guido Mondin. Há muitos anos, um velho radialista de Brasília conseguiu uma concessão de rádio e, pobre, não tinha como montar sua rádio. Precisava de um sócio que, pelo menos, fosse uma pessoa conhecida, acreditada, respeitada. E foi Guido Mondin quem se associou a Mário Garófalo, para a criação da Super Rádio Brasília FM, que passou a ser uma referência da cidade, de bom gosto, de cultura, que, aliás, é uma das marcas da vida múltipla e completa deste grande brasileiro Guido Mondin. Quero registrar, pedindo desculpas a V. Exª por interromper uma oração tão bonita, tão cheia de emoção, a homenagem que todos nós de Brasília - seus habitantes, os pioneiros, o Senador Valmir Amaral e eu - fazemos a Guido Mondin, a nossa saudade e a certeza de que a sua presença, o seu exemplo, os seus gestos, a sua energia estarão sempre entre nós.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, prezado Líder. Quero confessar que V. Exª tem razão: ao final, com toda a saudade e com todo o carinho que o Dr. Guido Mondin tinha pelo Rio Grande, apesar de ele, o Aldo Fagundes e os gaúchos que moram aqui, semanalmente, irem à Estância Gaúcha comer um churrasco e, muitas vezes, vestir o seu traje gauchesco, Guido Mondin era um apaixonado por Brasília. Quando o visitei na sua casa, perto da W-3, ele falou sobre a serenidade, a tranqüilidade da cidade. Disse: “Vem cá, Simon!” E me levou ao pátio dele: “Olhe! Onde você encontra isso? Estamos no centro, e enxergamos o céu 360º”. V. Exª tem razão, ele era um apaixonado por Brasília, embora não esquecesse o Rio Grande.

A última frase dele é esta: “Dispo a toga de juiz e, porque é preciso prosseguir, troco-a pela bata de pintor. A toga tem prazo, a bata é inaposentável”.

A morte nos chama, mas a recordação, a história, esta nem a morte nos afasta. A vida, o sentimento, a obra de Guido Mondin estão aqui nesta Casa, estão na memória de milhões de brasileiros.

Muito obrigado.

            (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2000 - Página 23030