Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ausência de decisão política para enfrentar os efeitos da seca.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Ausência de decisão política para enfrentar os efeitos da seca.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2000 - Página 23155
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ANUNCIO, SECA, ESTADO DE SERGIPE (SE), GRAVIDADE, HISTORIA, BRASIL, AUSENCIA, SOLUÇÃO, INFRAESTRUTURA, COMBATE, CALAMIDADE PUBLICA, INEFICACIA, MEDIDA DE EMERGENCIA.
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, MARCO ANTONIO VILLA, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), ANALISE, FALTA, DECISÃO, POLITICA, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPLEMENTAÇÃO, PLANO NACIONAL, SOLUÇÃO, SECA.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da Oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, têm-se tornado manchete repetitiva nos jornais de Sergipe, meu Estados, notícias alarmantes sobre a chegada da seca em nosso sertão e todo o rastro de dor que costuma acompanhá-la: a fome, a sede, os saques, a perda de safra, o desespero do nosso sertanejo. E a solução proposta para esse drama?

Vendo as famigeradas frentes de emergência, além do abastecimento urgente de água e de alimentos para os sertanejos carentes, às vésperas da virada do milênio, é triste e frustrante constatar, no que diz respeito à forma de assistência do nosso semi-árido, que pouquíssimo se mudou em profundidade desde o século XIX, há cem anos.

Se ocultássemos as datas, não veríamos distinção entre o teor das matérias dos jornais nordestinos de hoje e os órgãos de imprensa da região dos últimos meses de 1899, demonstrando um misto de absoluta incompetência e fria indiferença dos governos brasileiros ao longo do século que se extingue quanto às questões que angustiam o povo dos nossos sertões.

O que é inaceitável, ao se verificar que inúmeros povos do mundo árido e semi-árido, pobres ou ricos, já transformaram as seqüelas da seca em problemas de um passado distante, com seus povos atualmente desfrutando da prosperidade de grandes produtores de alimento.

A diferença básica é que esses outros povos construíram infra-estruturas permanentes para conviver normalmente com as estiagens, da mesma forma que os habitantes do hemisfério Norte aprenderam a conviver com seus invernos glaciais, enquanto aqui nossos Governos, tais como avestruzes, preferem enfrentar as secas com medidas paliativas e emergenciais, como se elas fossem desastres imprevisíveis da natureza.

O imortal Euclides da Cunha, que, além de ser um dos maiores escritores da língua portuguesa, era um competentíssimo engenheiro, profundo estudioso dos nossos sertões, tinha uma noção precisa sobre o fenômeno das secas e não só o diagnosticava com absoluta perfeição, como apresentava, há cerca de 100 anos, soluções que estariam plenamente atuais nesses umbrais do século XXI. Em seu livro Contrastes e Confrontos, escrito em 1907, não só defendia toda uma estratégia integrada de forma permanente do Governo para o enfrentamento adequado da seca, como insistia que esse fenômeno natural do nosso semi-árido é “o único fato de toda a nossa vida nacional ao qual se possa aplicar o princípio da precisão”. O grande mestre lembrava aos incautos governantes que a seca “só nos impressiona quando aparece; é uma eterna e monótona novidade”. Em resumo, Euclides da Cunha defendia para a região, já àquela época, obras de acumulação de água, açudagem, irrigação, perfuração de poços, plantio de árvores adaptadas ao clima quente e a própria transposição das águas do rio São Francisco, o chamado rio da unidade nacional. Ainda que àquela época o rio São Francisco não havia sido submetido à cruel degradação ecológica que o desfiguraria, sobretudo nesses últimos 50 anos.

No seu conjunto, eram soluções abrangentes não muito diferentes daquelas que seriam implementadas por outras nações ao longo do século XX com tal sucesso que as transformariam nos pólos de excelência da produção de alimentos do mundo moderno como o oeste americano, a Índia, a China e tantos outros.

Interessante é que, se retrocedermos no tempo a 130 anos passados, à seca de 1877, a mais devastadora da história, responsável pela morte de mais de 500 mil nordestinos, o equivalente a mais de 5% da população brasileira de então - a maior hecatombe da nossa história -, vamos ler sugestões parecidas no relatório da comissão nomeada pelo Imperador para diagnosticar a tragédia. Indo mais além, chegando-se ao Brasil Colônia, à seca de 1794, que dizimou 1/3 da população da província de Pernambuco, vamos constatar que os métodos emergenciais usados para enfrentar a seca não diferiam muito dos métodos primitivos usados em nossos sertões dos dias de hoje.

Seria interessante conhecermos em detalhes a verdadeira incúria administrativa e política que marca a trágica história das nossas secas no livro, lançado na semana passada, no Salão Negro do Senado, Vida e Morte no Sertão, de um autor cearense, Marco Antônio Villa.

É verdade que nós, políticos nordestinos, não temos razões para nos orgulhar do retrato em preto e branco ali traçado, um retrato fiel do papel melancólico que temos desempenhado pela nossa omissão e, às vezes, subserviência, ante o imperador, ante presidentes e ditadores que, ao longo destes últimos 150 anos, com raríssimas exceções, têm tratado os nordestinos como verdadeiros párias no estabelecimento das prioridades nacionais.

Trago essas questões pertinentes ao Nordeste brasileiro, Sr. Presidente, para reflexão nossa e deste augusto Plenário, no apagar do milênio, com a plena consciência de que, se não nos convencermos de que não há problema mais grave na realidade nacional do que as profundas desigualdades regionais, que já sendo as maiores do mundo moderno, tendem a se acentuar, se persistirmos em nos omitir, corremos o risco de, no decorrer do próximo século, vermos cindida a unidade nacional, o maior legado que nossos ancestrais nos transferiram. Não há mais espaço para mantermos dois países dentro de uma mesma nação. Ou, na antológica definição de que nos fala Edmar Bacha, a manutenção de uma Belíndia, uma Bélgica desenvolvida no Sul-Sudeste, ao lado de uma Índia miserável no Nordeste.

Até porque temos um pleno conhecimento técnico e os meios de superarmos esse status quo infame, que agride nossos brios cristãos e de brasilidade.

Só nos falta, Sr. Presidente, a firme decisão política. A mudança desse contexto é a missão indelegável que nos cabe neste momento.

A questão crucial que se coloca é: considerando que o modo de se conviver com as secas, em sua grande maioria, já era conhecido pelos técnicos e políticos brasileiros há pelo menos 130 anos; considerando que as secas vêm provocando, ao longo dos 500 anos da nossa história, uma ininterrupta sangria nos cofres públicos; considerando que as secas promovem ciclicamente uma trilha de horror, provocando a miserabilidade de dezenas de milhões de sertanejos e a morte impiedosa de milhões de nordestinos; considerando que as secas são fenômenos perfeitamente previsíveis; considerando que está provado, por vários exemplos no mundo, que as regiões semi-áridas são economicamente viáveis; por que não se implementa uma infra-estrutura permanente que possibilite a extirpação da miséria do Nordeste e lhe dê condições de alcançar o pleno desenvolvimento auto-sustentável? Por que nossos sertanejos continuam a ser tratados como uma sub-raça, a quem, no máximo, nossa fria tecnocracia admite - depois de enormes pressões, é verdade! - lhes mandar as vergonhosas e inúteis esmolas das frentes de emergência, mas lhes nega peremptoriamente conceder um plano mínimo de obras, que lhes permita conviver digna e economicamente com as secas?

Para se ter uma idéia do verdadeiro genocídio que se tem abatido sobre os nordestinos, recentes pesquisas extremamente conservadoras dão conta de que nos últimos 150 anos as secas foram responsáveis no mínimo pela morte de 3 milhões de nordestinos.

Repito, Srªs e Srs. Senadores, três milhões de nordestinos foram mortos pelas secas. Isso sem incluir as dezenas de milhares de retirantes que morreram anonimamente nos seringais da Amazônia, para onde foram levados amontoados promiscuamente como gado, tangidos nos vagões dos trens destinados ao transporte de animais e, tempos depois, nos primeiros desumanos “paus de arara”. Convém ressaltar que dezenas de milhões de outros não morreram, no mesmo período, porque emigraram, numa das maiores diásporas da história, que levou os nossos melhores braços para construir o progresso de outras terras, desde a Amazônia ao desenvolvimento do Sul-Sudeste e, mais recentemente, a pujante nova fronteira agrícola do Centro-Oeste.

Vale aqui um termo de comparação. Três milhões de mortos equivalem à metade dos judeus incinerados nos fornos crematórios alemães na 2ª Guerra Mundial, fato que estarreceu a humanidade, provocando a repulsa de todo o mundo civilizado. Paradoxalmente, dentro do nosso País, tais cifras estarrecedoras são apenas adendos estatísticos, manejados com frieza cirúrgica pelos nossos soberbos tecnocratas sob a cruel indiferença da nossa classe dirigente.

           Mas voltemos a nossa questão inicial: por que nada se faz de permanente em favor dos sertanejos nordestinos - e permanente é o que queremos -, para interrompermos esse circo de horror que se repete ao longo da nossa história? Por que, nessa virada de milênio, quando se ingressa na civilização do conhecimento, com todo o arsenal tecnológico à nossa disposição, nada de novo teríamos a apresentar a nossos antepassados de 200 anos atrás sobre os métodos de enfrentamento das secas?

           A resposta poderia ser resumida em apenas três palavras: falta de decisão política!

           Vejamos três exemplos emblemáticos da forma omissa, para dizer o mínimo, como nossos dirigentes têm tratado o Nordeste ao longo desse último século e meio.

           Comecemos pelo nosso piedoso Imperador Pedro II. Em plena seca de 1877, a mais dantesca que nos atingiu, enquanto centenas de milhares de sertanejos morriam de fome e sede, causando movimentos de solidariedade no mundo inteiro, Sua Majestade desfrutava de um badalado deleite intelectual ao lado de sábios da Europa distante. Mais recentemente, em pleno chamado milagre do regime militar, o poderoso General Presidente Médici visitou o Nordeste mergulhado em mais uma grande seca. Conta-se que o duro ditador chegou a chorar emocionado com a miséria que constatou, mas seu gesto de solidariedade parou aí. Enquanto Sua Excelência enxugava suas nobres lágrimas, assinava um decreto retirando 25% dos subsídios da região para construir a Transamazônica. Note-se que naquela fase do proclamado Brasil Grande, havia recursos abundantes para obras faraônicas por este Brasil afora. Mas, ainda assim, não se impediu de se desviar do modo insensível os minguados fundos destinados ao Nordeste para uma obra cujo esforço de execução deveria ser partilhado por todos os brasileiros e não apenas pelos mais pobres.

           Finalmente, é oportuno analisar o que ocorre no Governo atual, à frente do qual está um dos Presidentes mais cultos da nossa história. Mais do que isso, um cidadão que marcou sua rica biografia por uma luta em prol da construção de uma sociedade mais justa, não apenas como político. O renomado sociólogo Fernando Henrique Cardoso galvanizou minha geração pelas teses humanistas expostas brilhantemente em seus livros. Daí por que os corações nordestinos se encheram de esperança quando o intelectual idealista assumiu o Governo. Enfim, havia a firme esperança de que, pelo menos no fim do milênio, as teses de combate às desigualdades prevaleceriam e, evidentemente, ao Nordeste, que abriga mais de 50% da miséria absoluta nacional, seria dada a sonhada prioridade.

           Essa era a fé que se acendia nos sofridos corações dos nordestinos. Mas, já ressabiados com tantas decepções de promessas e juramentos descumpridos, no fundo se perguntavam: será que esse novo Presidente será um grande político, um verdadeiro líder, um estadista que planeja para as próximas gerações ou será apenas um político menor, que se preocupa tão-somente com as próximas eleições?

           O que esperamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com essa nova seca que assola o Nordeste, especialmente o meu Estado, é que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, possa implementar um plano nacional para uma convivência tranqüila com a seca, como já fizeram outros países do mundo civilizado. 

           O Sr. Edson Lobão (PFL - MA) - V. Exª me concede um aparte?

           A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Pois não, Senador Edison Lobão.

           O Sr. Edson Lobão (PFL - MA) - Senadora Maria do Carmo, as lamúrias do povo nordestino, que neste momento são transmitidas por V. Exª, são verdadeiras e não são novas, em verdade existem há séculos. Todo relato que faz V. Exª já demonstra isso. Houve momentos em que de fato pareceu que o Governo Federal desejou implantar uma política mais firme, mais direta, mais efetiva no sentido de minorar essa situação dos nordestinos. Recordo que, quando cheguei à Câmara dos Deputado, por volta de 1979, juntei-me ao Deputado Manoel Novais, um baiano, que fora o responsável pela criação da Companhia Vale do São Francisco, a Codesvaf, e juntos resolvemos fazer um diagnóstico completo das dificuldades e das mazelas que tanto prejudicavam, como ainda hoje prejudicam, o Nordeste brasileiro. Fizemos um simpósio, ouvimos todos os governadores do Nordeste, ouvimos ministros, sociólogos, cientistas; eu, que fora designado relator, ao final elaborei e procurei ser sucinto - e o levamos ao então Senhor Presidente da República, Sr. João Baptista Figueiredo. Havia 28 solicitações ao Governo Federal em caráter de urgência e de médio prazo. Dizíamos que, se essas 28 solicitações fossem atendidas, não se salvaria o Nordeste por inteiro, mas muito se mudaria na face calcinada daquelas terras tão sofridas. O Presidente, emocionado, no Palácio do Planalto, veio às lágrimas e determinou que, das 28 solicitações - e Sua Excelência teve a paciência de ouvi-las uma a uma - pelo menos 22 fossem implementadas prontamente pelo seu Governo. Sabe V. Exª quantas o foram? Nenhuma. Nenhuma delas foi cumprida pelos Ministros de Sua Excelência. Não se diga que o Presidente da República fazia apenas uma cena, não fazia. Sua Excelência não estava apenas encenando, mas sofrendo pelo povo nordestino naquele momento. Mas parece-me que há uma máquina demoníaca no Governo Federal, na Esplanada dos Ministérios, sejam quais forem os ministros, que não permite uma tomada de solução no sentido de resolver tais problemas. Virgilio Tavora, que foi Deputado, Governador, Ministro do Interior e Senador da República, era um bravo lutador por essa causa, tendo lutado dia e noite durante anos por uma solução para o Nordeste e também não conseguiu êxito. Penso que só com a mão de Deus conseguiremos. Quando Deus resolver retirar os hebreus do Egito, incumbiu Moisés dessa tarefa e teve que lançar as dez pragas sobre o Egito, ele próprio, Deus, mandava as pragas e fazia com que o monarca não cumprisse a ordem de retirar os hebreus. Tenho, portanto, a impressão de que o sofrimento do Nordeste está um pouco parecido com isso. Por mais que se faça, por mais que se reclame, por mais que estejamos aqui todos os dias - e V. Exª é uma palavra firme nesse sentido - a bradar pelo Nordeste, não avançamos quase nada. Em muitos momentos e em muitos lugares, nem sequer água há para beber. E agora se fala em transposição de águas do rio São Francisco, e muitos dizem que isso não significa nada, apenas 3% das águas atuais do São Francisco, que nenhum mal ou dano causaria, mas há também aqueles que acham que males imensos poderão sobrevir se essas águas forem transpostas. O fato é que estamos sempre diante de dificuldades cada vez maiores e de soluções cada vez mais distantes. Cumprimento V. Exª pela disposição de vir aqui lutar por seu povo, lutar pela sua gente, pelo pedaço do Nordeste, que é também meu, sofrido o meu tanto quanto o de V. Exª, mas, quem sabe, um dia, Deus vai apiedar-se de nós também.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Edison Lobão, e incorporo-o ao meu pronunciamento. Acredito que temos de somar forças, a fim de lutarmos contra essa situação. Temos exemplos pontuais, no mundo inteiro e em vários Estados do Nordeste, de projetos que estão ajudando os sertanejos a conviver com as secas. E é por projetos como esses que acredito devemos lutar e batalhar.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2000 - Página 23155