Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a exclusão de milhões de trabalhadores brasileiros da cobertura do sistema previdenciário, sugerindo campanha para aumentar a adesão à Previdência.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Preocupação com a exclusão de milhões de trabalhadores brasileiros da cobertura do sistema previdenciário, sugerindo campanha para aumentar a adesão à Previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2000 - Página 23175
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, NUMERO, TRABALHADOR, ECONOMIA INFORMAL, AUSENCIA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, APREENSÃO, FUTURO, EXCLUSÃO, BENEFICIO, APOSENTADORIA, DEPENDENCIA, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL, IDOSO, AUMENTO, DEFICIT, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS).
  • DEFESA, CAMPANHA, ESCLARECIMENTOS, TRABALHADOR, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, PREVIDENCIA SOCIAL, REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE LONDRINA, ESTADO DO PARANA (PR), DIVULGAÇÃO, PROBLEMA, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, AUTORIDADE, SOCIEDADE CIVIL.
  • REGISTRO, PROGRAMA, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, ENTIDADE, OBJETIVO, INSCRIÇÃO, TRABALHADOR, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Sr. Senadores, um desastre social está ocorrendo no Brasil, desastre insuficientemente notado: a exclusão da maioria dos trabalhadores de qualquer cobertura previdenciária. A falta de informação, as dificuldades burocráticas, a escassez de empregos com carteira assinada estão deixando dezenas de milhões de brasileiros fora do Regime Geral de Previdência Social. Em sua grande maioria, são trabalhadores e trabalhadoras pobres.

Sim, essa triste realidade castiga principalmente os mais pobres. Ao se aproximarem da idade da aposentaria, ao verem começar a se reduzir e se esgotar sua energia, sua vitalidade, alguns trabalhadores descobrem que não terão condições de provar o mínimo de dez anos de contribuição ao INSS e não terão acesso à aposentadoria. Como nos últimos anos aumentou muito a proporção dos trabalhadores sem carteira assinada, a tendência é de que, no futuro, esse desastre se agrave e se transforme em verdadeira catástrofe social.

A Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio - Pnad -, realizada em 1988 pelo IBGE, revela que apenas 39% das pessoas com renda de um salário mínimo têm cobertura da Previdência. Já entre os que têm renda superior a 20 salários mínimos, a cobertura chega a 84%. Veja-se que, nessa faixa mais alta, podem estar incluídos assalariados, autônomos, setor privado, setor público e mesmo empregadores. Na faixa mais baixa, estão, com certeza, assalariados sem carteira assinada e pequenos autônomos. De qualquer forma, essa estatística caracteriza bem a vulnerabilidade do trabalhador mais pobre, sua situação mais frágil, seu futuro mais desassistido e sombrio.

Os números mais gerais, abrangendo toda a população, são igualmente impressionantes. Recentemente, o próprio INSS divulgou um quadro altamente preocupante: 38,7 milhões de trabalhadores do setor privado estão sem cobertura da Previdência Social, o que corresponde a 59,1% desse universo, praticamente 60%. Seis entre dez trabalhadores brasileiros deveriam, mas não têm cobertura previdenciária. Trata-se de uma situação presente dramática e de uma previsão trágica para o futuro.

Esse gigantesco contingente desprotegido terá de recorrer a uma das seguintes soluções, todas frágeis ou improváveis: poupança própria acumulada - sorte de poucos; apoio da família - apenas uma possibilidade; previdência privada - privilégio das faixas salariais melhores; ou esquemas assistenciais precários - nem sempre disponíveis.

A sociedade brasileira e o Poder Público ainda podem reagir contra esse estado de coisas. É preciso dar informação a essa massa sem cobertura previdenciária. É urgente facilitar-lhe o acesso ao sistema.

Sr. Presidente, a mera divulgação desse triste quadro já é um serviço que se presta. É o que fez a Folha de Londrina recentemente, em 29 de outubro, publicando uma excelente reportagem que ocupou quatro páginas de uma edição de domingo, com entrevistas com gente que sofre o problema na carne. Está desenhado um painel assustador de desassistência e desemprego.

A matéria do jornalista Lino Ramos, intitulada “Mãe recorre a Nossa Senhora para manter os filhos”, publicada no jornal Folha de Londrina, traz foto da família e diz: “Viúva, Maria Aparecida Bigetti sustenta três excepcionais com pensão de R$132,87”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o quadro não é apenas melancólico, mas vergonhoso.

            Ainda há pouco ouvimos desta tribuna denúncias do Presidente da Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, de desvios que superam R$600 milhões em apenas uma instituição pública do País, a Sudam. Certamente, quanto maior a corrupção, maior a tragédia da miséria; quanto maior a conivência governamental, maior a injustiça social e mais perverso o drama que vivem os desassistidos no nosso País.

A Folha de Londrina agregou a essa matéria estatísticas relevantes, números sobre um universo humano que inclui gente que trabalha na informalidade, por salário ou por conta própria; gente do mundo rural ou do ambiente urbano; gente das capitais ou do interior; gente que vive “de bicos” ou que tem profissão reconhecida e prestigiada.

Por exemplo, no Brasil, dos 3,2 milhões de trabalhadores domésticos, dois milhões não têm carteira de trabalho assinada, ou seja, 63,8% - o que reduz enormemente o número de contribuintes do INSS, já que o não registrado nesse setor raramente filia-se à Previdência. É assustador verificar que 63,8% dos trabalhadores não possuem carteira assinada e, por isso, não podem receber a assistência previdenciária.

Em relação aos trabalhadores de vias públicas - camelôs, ambulantes -, 88,6% não contribuem para a Previdência. São números lamentáveis, pois todos os dias há pessoas que constatam estarem desprotegidas na velhice - e esse contingente, no futuro, crescerá mais e mais.

Sr. Presidente, é bom lembrar que a Previdência oferece o chamado Amparo Social, benefício muito restrito. A ele têm acesso apenas inválidos e idosos acima de 67 anos que sejam membros de famílias cuja renda mensal per capita seja menor do que ¼ do salário mínimo.

Seria catastrófico se crescentes multidões de idosos passassem, cada vez mais, a depender da assistência social da Previdência, porque o benefício é restrito e porque se trata de despesa para a qual não houve contribuição. Seria uma carga pesadíssima para a Previdência Social e para a sociedade. O Amparo Social existe para a exceção. A regra saudável, socialmente, é atrair os trabalhadores produtivos para o sistema.

A contribuição para o INSS é módica e, além disso, traz benefícios ao segurado mesmo antes da aposentadoria, como o auxílio-doença, o salário-maternidade e o auxílio-acidente. A solução desse gigantesco impasse é atrair o trabalhador, transformando-o de excluído em contribuinte. É interessante adotá-la não somente para evitar sofrimento humano, que é multiplicado por milhões, como para viabilizar as finanças da Previdência. A situação atual significa uma grande perda econômica para o sistema.

Apesar de a população economicamente ativa ter aumentado em cerca de dez milhões de trabalhadores na última década, o número de pessoas que contribuem para o sistema previdenciário público estacionou, segundo dados do IBGE. Assim, o sistema, por mês, arrecada R$4,4 bilhões e paga R$5,1 bilhões, o que significa um déficit de quase R$10 bilhões anualmente nas contas do INSS. A razão sempre suscitada para justificar o salário mínimo insuficiente e vergonhoso que se paga neste País é esse déficit de quase R$10 bilhões, com uma renúncia de cerca de R$8 bilhões. Obviamente, são excluídos milhões de brasileiros do sistema previdenciário, que não contribuem e que não se beneficiam, agravando a situação de déficit do caixa da Previdência Social no nosso País.

As políticas macroeconômicas recentes agravaram essa situação. A abertura descontrolada da economia colocou nosso mercado de trabalho face a face com as pressões esmagadoras da globalização. Tornou-se regra a falta de vagas para trabalhadores de baixa qualificação e até mesmo para os qualificados. Generalizou-se a terceirização.

O trabalhador levado à informalidade trabalhista tende a não se registrar no sistema previdenciário. Para superar isso, é preciso um grande esforço de informação e de conscientização. É bom lembrar que mesmo o trabalhador com carteira assinada pode ver-se sem cobertura previdenciária quando o empregador comete a fraude do não recolhimento das contribuições - não se trata de caso raro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sugiro ao Governo Federal que faça uma campanha de informação e de conscientização para agregar um número maior de contribuintes e, conseqüentemente, oferecer o atendimento de fundamental importância social a um maior número de trabalhadores brasileiros.

No que concerne às mudanças estruturais do mercado de trabalho nos últimos anos, existe a pressão da flexibilização das leis trabalhistas. No Brasil, há uma polêmica em andamento. Na visão sindicalista, já houve flexibilização excessiva, que teria incentivado a terceirização. Segundo a perspectiva dos empregadores, justamente a rigidez das leis trabalhistas desencoraja a contratação direta de trabalhadores.

           Sr. Presidente, é evidente que, para superar o problema da exclusão previdenciária, será necessário um enorme esforço. É preciso afastar o fantasma da insegurança na velhice, que hoje ronda a maioria dos trabalhadores brasileiros. Há que se fazer um mutirão que inclua Poder Público e sociedade, no sentido da informação, da conscientização, da doutrinação mesmo. É inadiável que se facilite o acesso do trabalhador à filiação previdenciária, que se desimpeçam os canais burocráticos.

           Para se ter uma idéia de como a formalização previdenciária é causa de aflição para o trabalhador, vale citar o caso de um Vereador de Londrina, mencionado na reportagem a que me referi. Aliás, quero aplaudir essa reportagem pelo seu conteúdo. Em quatro páginas do jornal, a reportagem faz um diagnóstico da crise da Previdência Social no nosso País, um diagnóstico de profundidade, alertando para a necessidade dessa conscientização que cabe ao Governo liderar. Esse Vereador de Londrina transformou seu gabinete, há sete anos, em uma espécie de pequeno escritório de auxílio à regulamentação da situação previdenciária de qualquer interessado. Em sete anos, doze mil pessoas foram lá atendidas, num movimento que atualmente atinge seiscentos atendimentos por mês.

           Imagine, Sr. Presidente, se todos os Vereadores deste País se dispusessem a realizar esse tipo de campanha de elucidação, de conscientização, auxiliando trabalhadores a regularizarem sua situação junto à Previdência Social, transformando-os de excluídos em contribuinte e beneficiários do sistema previdenciário brasileiro.

           Louvo também a atuação do Vereador Santa Rosa, de Londrina. A sua iniciativa deve servir de exemplo para que os vereadores brasileiros possam contribuir dessa forma, uma vez que são eles os líderes mais próximos da população no contato do dia-a-dia com os trabalhadores da sua cidade.

           É evidente, por esse exemplo de intermediação entre trabalhadores e INSS, ser necessário, no mesmo sentido, um vasto engajamento de sindicatos, prefeituras, empresas, organizações assistenciais, entidades profissionais, associações de bairro, clubes de serviço, órgãos estaduais, igrejas e comunidades, todos estendendo e ampliando, com sua atuação, o alcance da ação administrativa do INSS.

           Não tenho dúvida, Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, de que se esse mutirão de conscientização se efetivar neste País certamente o cenário será outro. A Previdência não terá o déficit que sustenta há tantos anos em função do crescimento dos contribuintes, e obviamente, milhares de trabalhadores serão atendidos, fato que não ocorre hoje porque são trabalhadores excluídos dos benefícios da Previdência Social no Brasil.

           É verdade que com algum atraso o Ministério da Previdência despertou para o problema. Por meio da Portaria nº 1.671, de 15 de fevereiro deste ano, o Ministério instituiu o Programa de Estabilidade Social, com a finalidade de ampliar o contingente de trabalhadores com acesso à cobertura dos benefícios da Previdência Social.

           Segundo o Programa, o INSS dedicar-se-á, mediante providências internas variadas, ao esforço que incluirá a simplificação do acesso do trabalhador no sistema, a interiorização da rede de atendimento, a produção de informações acessíveis, ações de orientação e também o que é extremamente louvável: a celebração de parcerias com entidades da sociedade civil, governos estaduais e municipais, visando incluí-los nessas ações e objetivando principalmente o processamento, por essas entidades de governos, de solicitações de inscrições de trabalhadores na Previdência Social.

           Sr. Presidente, estou apontando de maneira abreviada para uma chaga social que, se não assistida urgentemente, tende a se agravar. A exclusão de dezenas de milhões de trabalhadores do sistema previdenciário é, além de uma dor presente, um veneno de efeito retardado que agredirá o nosso futuro como sociedade. É problema que transcende a Previdência, envolvendo questões de política macroeconômica, pressões da globalização e as leis trabalhistas, que exigem, para a sua superação, um vasto engajamento de numerosos agentes sociais.

           O programa iniciado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social acena com alguma esperança. Já perdemos muitos anos enquanto o problema se avolumava. É preciso que as parcerias imaginadas pelo Programa de Estabilidade Social realmente se concretizem e se multipliquem. Devemos, nesta Casa, acompanhar a questão atentamente, medindo os resultados do programa e prontos a contribuir, se necessário, com novas medidas e soluções.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2000 - Página 23175