Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para as pretensões de nova reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Críticas à política econômica do governo

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Alerta para as pretensões de nova reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Críticas à política econômica do governo
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2000 - Página 23186
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, COLEÇÃO, DISCURSO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODO, EXERCICIO, MANDATO, SENADOR, PROXIMIDADE, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • COMENTARIO, APREENSÃO, PERIGO, POSSIBILIDADE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, ALTERNATIVA, PROMOÇÃO, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUMENTO, AVALIAÇÃO, PAIS.

           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveitando a oportunidade de falar após o nobre Senador José Fogaça, quero expressar a minha admiração pelo trabalho que acaba de apresentar. S. Exª realmente trouxe luzes novas e detectou elementos que nos ajudam a compreender e a decifrar um pouco os hieróglifos de nossa sociedade latino-americana.

           Eu iria abordar ligeiramente o assunto, não desse aspecto, mas de um outro ângulo. Chamei algumas vezes o Presidente Fernando Henrique Cardoso de “Fujinando”, porque considero que parece muito e em muitas coisas com o ex-Presidente Alberto Fujimori, do Peru, que está fugido no Japão.

           Gostaria de alertar alguém que me escuta dos perigos da “re-reeleição”. O dia em que começaram a tratar da reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ouvi alguém dizer que aquela não era uma reeleição, mas uma “reindicação”, e que a reeleição então seria a próxima, a “re-reeleição” da qual se valeu o Sr. Fujimori - e não deu certo, obviamente, porque ele não pôde gozar as delícias do poder, que ele, de qualquer forma, já usurpara, quando pelo menos de sua primeira reeleição.

Eu, que sou um leitor contumaz e incansável de Sua Excelência, o Presidente da República, posso dizer hoje que já li, reli e tresli todas as suas obras, todos os seus livros. Portanto, foi com grata satisfação, que recebi este pequeno exemplar de A outra face do Presidente - Discursos de Fernando Henrique no Senado, organizado por B. Calheiros Bomfim, uma coletânea excelente. Eu conhecia muito pouco de seus discursos. Já havia lido uma publicação do próprio Senado, em que alguns discursos proferidos por Sua Excelência nesta Casa estavam transcritos, mas essa seleção é realmente preciosa, e eu gostaria de congratular-me com o seu organizador.

A propósito, quero dizer que esses discursos de Sua Excelência não podem ser acoimados por aqueles que nunca leram nada ou quase nada dele e gostam de dizer que eu extraio algumas velharias, algumas antigüidades já esquecidas por ele, que também aconselhou que todos esquecessem, arquivassem aqueles conhecimentos. Mas ele continua a publicar novas edições. Não deveria fazê-lo. No dia em que eu ou qualquer outro autor perceber que as suas idéias já perderam o vigor, já estão prescritas e não prestam para nada, a não ser para os arquivos mortos, obviamente não deixarei que essas obras continuem a ser editadas.

Continuando, Sr. Presidente, ao ler esses trechos de discursos, percebo muitos deles tão próximos ao pensamento do PT, muitos deles tão próximos àquilo que ainda penso e continuo a pensar! Mas não posso, obviamente, comparar a minha medíocre passagem por este mundo com a elevada, narcísica e iluminada vida de Sua Majestade, o Presidente Fernando Henrique Cardoso - expressão que não é produto da minha parca imaginação, mas o título de um livro publicado por um inglês cujo nome não me lembro agora e que foi cônsul no Brasil por algumas décadas: Sua Majestade, o Presidente do Brasil. A referida obra mostra que realmente existe não na fulanização, mas, nas nossas instituições, uma semelhança muito grande entre a Presidência do Brasil e a estrutura do Império britânico.

Tenho uma preocupação que aprofundei à medida que me lembrava do Presidente Alberto Fujimori: onde será que Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, nesse seu caminho tão plano - e, por ser plano, talvez escorregadio -, tem encontrado a casca de banana que o tem levado dos passos verticais para a horizontalidade da queda? Onde será? Por que será? Que forças são essas que cortaram uma estrada tão bem traçada, tão respeitosa e respeitável?

Não tenho ainda a resposta completa para essa minha inquietação. Mas uma coisa eu sei: há muito tempo - e foram cerca de 20 dias antes de ser deflagrado o Plano Cruzado, o chamado Cruzado Um -, em duas páginas do Jornal dos Economistas, fiz algumas previsões e, ao acompanhar o processo, não tive dúvida alguma de que não tinha sido injusto quando falei que os economistas brasileiros, esses tecnocratas, na realidade ajudaram a mudar o nome da economia política, que nasceu e se desenvolveu na Inglaterra, para uma tal de “Economics”, para fingir que o que eles fazem não é político! Retiraram o adjetivo “político” da economia, para que ela parecesse coisa séria, ciência exata, e não uma economia política. Esse tema economia política, aliás, foi cunhado e impresso pela primeira vez por um francês que escreveu um livro de economia em versos, em vez da aridez da matemática e do inglês, o latim moderno.

Srs. Senadores, o que me preocupa é que todos esses planos foram montados, arquitetados e cronometrados, o timing foi obtido e conseguido para que aqueles planos de combate à inflação fizessem com que a inflação zero ou próxima de zero durasse até as próximas eleições. Foi assim que o Plano Cruzado I elegeu 23 Governadores. Qual político no Brasil já conseguiu eleger 23 Governadores? Nenhum jamais conseguiu tal feito, e os economistas conseguiram! Foram eles que arquitetaram um plano e calçaram esse plano com “cruzadinhos” e outros artifícios, até que a vitória nas eleições - que era o seu objetivo principal e não declarado - fosse alcançada.

Agora, para encurtar a conversa, o Real consegue um milagre: pela primeira vez no Brasil, consegue eleger e reeleger um Presidente da República, e com a maioria nas Casas do Congresso.

Eles não são engenheiros, tecnocratas, economistas e economicistas; são politiqueiros. O que eles fazem é principalmente, ou quase exclusivamente, política. E, para fazer política, eles passam de certos ensinamentos, certas práticas, para práticas opostas, inversas. Prova disso, por exemplo, são as declarações do Sr. Camdessus, hoje Assessor do Vaticano para a Dívida Externa, feitas quando era Diretor-Gerente do Fundo Monetário Internacional. Disse ele que “as mazelas pelas quais passava a economia brasileira eram devidas à reeleição de Fernando Henrique Cardoso”. E que “no Brasil houve atraso em relação a medidas que deveriam ter sido tomadas muito antes - por exemplo, a desvalorização cambial -, mas que foram adiadas, proteladas, para que Fernando Henrique ganhasse e vencesse a sua reeleição”. Isso quem diz é o Camdessus, ex-Diretor-Gerente do FMI.

Eu receava que o próximo Presidente fosse um daqueles que, durante muito tempo, encomendariam e preparariam planos e combateriam a inflação até que vencessem os pleitos, as eleições e a reeleição. Agora eles sabem que vão perder a próxima eleição! A prova de que sabem é que, agora, ao invés de chamarem o Bacha e outros especialistas no timing, na cronometragem e no rearranjo dessa engenharia, estão preparando a retirada. Sabem que não vencerão as próximas eleições e, portanto, não estão preparando um novo plano para uma provável “re-reeleição” - o que não deu certo para o Sr. Fujimori, exemplo saudável para todos nós e calmante também. Tirou-me um peso das costas ver o Sr. Alberto Fujimori não conseguir exercer o mandato ganho numa “re-reeleição”.

Como quem vê a barba do vizinho pegar fogo põe as suas de molho, talvez o exemplo de Alberto Fujimori espante, exorcize para sempre o fantasma da ambição que leva à “re-reeleição”.

Agora eles querem preparar a casa para o próximo hóspede, preparar as medidas. E podemos ver que o interesse partidário sobrepuja as necessidades nacionais, o interesse da Nação. Quem diz que essa é uma medida que costuma ocorrer é o próprio Fernando Henrique Cardoso.

Por exemplo, se vencer as próximas eleições, o Lula não poderá substituir os Presidentes do Banco Central, que adquiriram a tal da independência e terão mandato de dez anos. Dessa forma, o Governo de Lula não poderá mexer no Banco Central. O Governo atual, de Fernando Henrique Cardoso, projetará para o futuro e engessará as medidas que o próximo Presidente poderia tomar, medidas discordantes daquelas que estão em prática.

“A Nação exige que o atual Governo limite a negociação ao seu período de mandato, deixando ao futuro Governo a responsabilidade de escolher o que melhor convier ao País”. Este é um conselho dado pelo ex-Senador Fernando Henrique Cardoso ao País!

A Nação deve exigir que este Governo também faça isso, que não possa nomear Presidentes de Banco Central e de Banco do Brasil etc além do período do seu mandato, deixando - como diz o ex-Senador Fernando Henrique Cardoso - “ao futuro Governo a responsabilidade de escolher o que melhor convier ao País”.

Estão sendo tomadas medidas em nome de um Orçamento Plurianual, medidas que impõem aquilo que Fernando Henrique Cardoso, pelo menos por duas vezes, escreveu como motivo para que sejam impossíveis de ser aplicadas: equilíbrio orçamentário e pagamento da dívida externa, página 242 do livro “As Idéias e Seu Lugar”, de sua autoria.

Se formos engessados por medidas de longo prazo, por compromissos que deverão ser cumpridos sob o comando e o domínio do PSDB e de seus aliados, mas que vão vigorar durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o próximo Presidente da República encontrará um Brasil totalmente engessado, manietado. Se Fernando Henrique Cardoso tem razão, o Brasil transferido junto com a faixa presidencial será um país impossível de ser administrado.

Está na página 242 do livro de Fernando Henrique Cardoso:

“Já que mencionei a inflação, é obvio que, a partir da perspectiva que adotei, as políticas do estilo característico do Fundo Monetário Internacional, do gênero “controle da base monetária” - arrocho salarial - equilíbrio orçamentário” são insuficientes, pois não enfrentam a questão principal que é o endividamento interligado externo e interno do Estado e propõem o impossível: que se pague a dívida e, ao mesmo tempo, que se equilibre o Orçamento.”

E a dívida que será passada para a responsabilidade do próximo Presidente é uma dívida muito maior que aquela que existia e que, de acordo com Fernando Henrique Cardoso, tornava impossível a administração do Brasil.

Disse ainda Fernando Henrique Cardoso:

“Não estou defendendo a inflação, mas digo que não podemos ter como obsessão o nível zero de inflação. Nossa obsessão tem que ser outra: o nível de pleno emprego; e outra mais: a capacidade do País de criar esperança para suas populações mais pobres.”

Conselhos do Senador Fernando Henrique Cardoso: “A inflação não deve ser uma obsessão, mas sim o pleno emprego”, diz ele, que elevou o desemprego, em nome do combate à inflação, ao mais alto nível que a economia brasileira conheceu em toda sua história e vai passar ao próximo Governo uma inflação que ameaça voltar, porque as âncoras enferrujaram, e o mais alto nível de desemprego que conhecemos.

Portanto, basta ler para perceber que, agora, não há outro plano para administrar a economia brasileira, suas contradições, seus problemas. Agora, o que existe é um plano para impedir que o próximo Presidente eleito governe.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2000 - Página 23186