Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise na segurança pública no Brasil e a incapacidade do Estado de combater a escalada criminal

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão sobre a crise na segurança pública no Brasil e a incapacidade do Estado de combater a escalada criminal
Aparteantes
Carlos Wilson, Heloísa Helena, Leomar Quintanilha, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2000 - Página 23121
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, INCAPACIDADE, ESTADO, COMBATE, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME, GARANTIA, SEGURANÇA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Henrique Loyola, Srª Senadora Heloisa Helena, Srs. Senadores, na época da Assembléia Nacional Constituinte, nós, os seus integrantes, tivemos muito cuidado com o tema que hoje está mais atual do que nunca: segurança pública.

Àquela altura, a preocupação era que se definisse de quem era a responsabilidade por um assunto de extrema importância. E, ao longo dos meses em que os trabalhos se desenvolveram, chegamos a esta conclusão que está posta no art. 144:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

            O que tem acontecido no País ao longo desse tempo? V. Exª sabe, Sr. Presidente, porque acompanha de algum tempo, assim como os demais colegas, que tenho muito cuidado quando venho à tribuna do Senado. Acho que aqui não deve ser o palco para que as pessoas tratem de problemas que não sejam de altíssima relevância.

Ainda há pouco, quando aqui chegava, ouvi parte do discurso do eminente Senador Carlos Wilson, que volta ao Senado, retemperado dos embates políticos. S. Exª, mostrando o problema do setor alcooleiro, de uma matriz energética não poluente, falava sobre a criação de uma agência para regular essa matéria. Ainda há pouco V. Exª e eu assistimos ao eminente Senador Nabor Júnior tratar de um assunto gravíssimo, que é o da reeleição. Espero que este meu pronunciamento sobre segurança pública se inclua entre as duas manifestações anteriores, ou seja, com a mesma serenidade, mas mostrando a responsabilidade que grassa neste País.

O que temos visto, e os jornais a toda hora mostram - talvez para não abordar um assunto tão atual eu não tenha vindo à tribuna - é que há uma crise na segurança pública. Essa crise se alastra. Alguns dizem que a violência está sendo motivada pela falta de habitação, pela falta de comida, pela falta de escola, enfim, fatores que a meu ver compõem a violência, mas as suas raízes estão incrustadas numa profunda injustiça social. E daí decorre a seriedade desse problema.

O que é que temos visto? Ainda há pouco, lendo uma matéria que não diz respeito à segurança pública, mas que nos leva a uma meditação, os jornais noticiam que uma subprocuradora da Justiça Militar está sendo processada por estelionato.

Veja, Sr. Presidente, que essa é outra insegurança. Aquela insegurança decorrente da violência nas ruas começa a gerar, no raciocínio popular, a insegurança que o cidadão passa a ter porque já não acredita, inclusive, em quem comanda a seriedade do País.

Por outro lado, ouve-se que os Delegados de Polícia pretendem paralisar as suas atuações, porque a Corporação Civil está sendo desvirtuada, uma vez que querem pôr os civis na rua, como se isso não fosse apenas, segundo eles, problema da Polícia Militar.

O fato, Sr. Presidente, é que há uma eficiência, se não reduzida, muito pouca para enfrentar um problema terrível. Poucos, neste País, poderão dizer que, vivendo nas cidades grandes ou por elas passando, não tenham sido vítimas de um assalto, de uma inconveniência à luz do sol e passado as agruras do chamado crime. Eu próprio, Sr. Presidente, posso dizer que no Rio de Janeiro, por volta de 19 horas e, de outra vez, às 16 horas, fui assaltado em plena Avenida Copacabana. Logo, falo por experiência própria. E, se não fiz um outro comentário, é porque se aguarda que as autoridades responsáveis começassem a fazer um pouco do que é necessário. Notem que cada um vem com a sua plataforma de Governo e diz: "Vamos acabar com a violência". E, cada dia mais, o povo, sobretudo aquele povo miúdo que precisa andar de ônibus e de trem e que precisa transitar nas ruas, sente uma inquietação pessoal que já faz parte das suas preocupações, pois, cada vez mais - e é aí que está o problema -, o aumento do índice faz com que a criminalidade seja algo tão natural que, quando se volta para casa, se dão graças a Deus de voltar vivo, ainda que tenha sofrido um assalto.

Ora, conviver com a violência como ela se fosse uma coisa natural, Sr. Presidente, é inconcebível! Não dá para imaginar que aquele texto constitucional que reli ainda há pouco, segundo o qual a segurança é dever do Estado e direito do cidadão, seja apenas uma letra morta. Aliás, o nosso texto constitucional, Sr. Presidente, tem sido transformado, de vez em quando, em um canteiro de obras e, à medida em que isso é feito, retira-se do povo a sua maior garantia, que é a garantia cunhada, inscrita, registrada na nossa Lei Maior.

Tenho aqui um dado terrível, Sr. Presidente: a maior taxa de criminalidade mundial que se têm notícia hoje é a do Brasil. É a maior do mundo! Não vou revelar nome de nenhuma cidade para não citar essa ou aquela polícia, mas o maior índice, a maior taxa de criminalidade do mundo pertence a nós. Então veja V. Exª, Sr. Presidente, que o povo, o cidadão comum que paga os seus impostos hoje deve estar raciocinando que, em nome de uma segurança que precisa ser feita, obrigatoriamente realizada, temos a insegurança. A insegurança se tornou, infelizmente, um índice para dar ao Brasil o lugar de primeiro lugar no pódio do despoliciamento e da insegurança.

Ora, Sr. Presidente, não há como crescermos na área do turismo se não oferecermos segurança pessoal aos turistas. Se observarmos o que vem acontecendo nas grandes cidades, notaremos que, de vez em quando, um turista afirma que, por ter sido assaltado, não voltará mais ao Brasil. Portanto, o que poderia ser propaganda fantástica pelas belezas que tem o Sul, o Nordeste - esse é infinitamente mais belo do que essas repúblicas que fazem propaganda, um marketing fantástico de seu turismo -, torna-se em propaganda negativa. As nossas regiões estão sofrendo a agrura dessa chamada violência que resulta na insegurança. O turismo começa a ter esse conceito.

Há algum tempo, estive em São José da Costa Rica, um país que tem três milhões e quinhentos mil habitantes. Pois bem, anualmente três milhões e quinhentos mil turistas ali vão para conhecer parques temáticos, já que é muito reduzida a floresta primária - o que eles têm é floresta secundária. No entanto, temos a Amazônia com a sua pujança, toda ela de floresta primária, tropical; temos o Pantanal do Mato Grosso; o Nordeste, como dizia ainda há pouco; mas o nosso número de turistas é incompatível com a riqueza e com aquilo que poderíamos proporcionar.

Logo, quando se trata de um problema desta natureza, de segurança, inquieto-me pensando na geração que vem aí. V. Exª e a Casa vêm acompanhando a cada dia os assaltos mais rocambolescos, assaltos que a nossa mocidade não seria capaz de imaginar a não ser naqueles filmes em que se fazia um assalto devidamente planejado a uma casa. As coisas hoje estão difíceis! Assaltam-se prédios inteiros, apartamentos de cima até embaixo. Ninguém pode dizer que há controle, eficiência; ninguém pode acalmar e convencer o povo em relação àquilo que sente na pele. E aí é que reside o meu inconformismo, Sr. Presidente.

            É por isso que dizia, ao ocupar a tribuna esta manhã - e o faço sempre com escassez de atitudes não apenas para não desgastar a imagem de quem sabe que não deve usá-la todos os dias, mas também para não cansar os Colegas -, que um assunto desta natureza, segurança pública, deve mexer com todos nós, porque a responsabilidade passa a ser nossa quando nos omitimos denunciar, reclamar e ficamos apenas na contemplação do que se passa, como se isso não tivesse nada a ver conosco.

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Tanto isso é verdade que aproveito a oportunidade para me honrar com o aparte que me pede o Senador Carlos Wilson.

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) - Senador Bernardo Cabral, desculpe a ousadia de pedir este aparte. É sempre um privilégio muito grande ouvir V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado a V. Exª.

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) - Passei quatro meses afastado desta Casa, como candidato a prefeito da Cidade de Recife. E uma das coisas de que mais senti falta - confesso com muito orgulho - foi o fato de não ouvir o Senador Bernardo Cabral. S. Exª é uma aula de vida. Não tive o privilégio de ser seu colega na Constituinte. Fui Deputado Federal durante doze anos, mas, justamente no momento da Assembléia Nacional Constituinte, saí para ocupar o cargo honroso de Vice-Governador do Estado de Pernambuco.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Quem sentiu a ausência fomos nós.

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) - Perdi o privilégio da convivência com o Senador Bernardo Cabral na Câmara dos Deputados, mas, graças ao apoio do povo de Pernambuco, tenho a sorte de tê-lo como Colega. E, durante esses quatro meses, senti a falta dos discursos de S. Exª, da posição política, da sua inteligência. S. Exª hoje, nesta sexta-feira, mais uma vez, brinda esta Casa, o povo brasileiro com um belo discurso, falando daquilo que é uma das maiores preocupações da população brasileira. Hoje, qualquer pesquisa de opinião mostra que o povo brasileiro preocupa-se mais com a questão da segurança pública do que com o desemprego, como seria normal em um país civilizado. Temos uma das maiores taxas de desemprego do mundo, mas nem por isso o povo tem o desemprego como sua maior preocupação. A segurança hoje, em qualquer pesquisa que se faça, é sempre o item mais citado em relação às preocupações que o povo tem. Fui candidato, neste último pleito, a Prefeito de Recife e, andando pela cidade, senti a preocupação do povo com a questão da segurança. A Unesco classificou Recife - digo isso com muita tristeza - como uma das cidades mais violentas do mundo, uma das duas cidades mais violentas do Brasil. No meio da campanha, surgiu a greve da Polícia Militar do Estado de Pernambuco. Quando fui Governador - e digo isso com muito orgulho - a Polícia Militar de Pernambuco era considerada a melhor do Brasil. Ela não mudou. O que, na verdade, mudou foi o tratamento dado à segurança pública neste País. Como um soldado da Polícia Militar pode ter um soldo de R$70,00?! Qual a segurança que esse soldado pode dar a uma população ganhando uns míseros R$70,00 de soldo por mês? Veio a greve, e muita gente não reconheceu que esse direito legítimo, que é o direito de greve, pode ser exercido pelos policiais militares. A Polícia Militar, num ato de muita sensibilidade, depois de uma negociação intermediada por alguns Deputados e algumas lideranças sindicais, suspendeu a greve. Mas isso tudo mostra o quadro de insegurança que tomou conta do País. E V. Exª, Senador Bernardo Cabral, demostra, hoje, com o costumeiro brilho, a preocupação com a questão da segurança. O Governo Federal anunciou um pacote, que não resultou em nada, que era apenas uma jogada de marketing para sensibilizar a população, uma população angustiada com a falta de segurança. E, o que é pior, o turismo, que poderia servir de potencial para diminuir a miséria do nosso povo, cada dia mais, como disse V. Exª, é prejudicado com essa falta de segurança. Por isso, Senador Bernardo Cabral, não consegui vencer a eleição para Prefeito da Cidade do Recife e estou voltando ao Senado, para ter o privilégio de sempre ouvir as considerações, as ponderações, as aulas dadas por V. Exª. Mais uma vez, receba meus parabéns pelo oportuno pronunciamento que faz.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Carlos Wilson, vou lhe revelar uma história da época da Assembléia Nacional Constituinte. Um belo dia, como acontecia quase que diariamente, eu estava no gabinete do Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o nosso comum amigo, o saudoso Deputado Ulysses Guimarães, e V. Exª chegava ao seu gabinete. E, a sua saída, Ulysses, que lhe tinha uma grande devoção, considerava-o como uma espécie de filho, fez esta confissão: “Este rapaz, o Carlos, é um dos melhores Governadores do Brasil.” E Ulysses tinha razão. V. Exª relembra um fato para a Casa - e é bom que fique registrado - que, no seu Governo, houve uma espécie de referência altamente elogiosa a esse Estado do Nordeste.

Devo dizer, e não tome isso como uma restrição, mas como um conforto interior para mim: ainda bem que V. Exª não ganhou a eleição para Prefeito da Capital de Pernambuco, a bela cidade do Recife, porque, assim, V. Exª volta para o Senado. E o que seria uma lacuna difícil de ser preenchida está novamente robustecida pela volta do nosso Senador Carlos Wilson. Um nordestino como V. Exª, José Américo, dizia que “voltar era uma forma de renascer e que ninguém se perdia no caminho da volta”. Veja como S. Exª voltou, Sr. Presidente, cônscio da sua responsabilidade. O que S. Exª acaba de relatar na greve da Polícia Militar no seu Estado - e sem dúvida nenhuma fator fundamental para a derrota dos que estavam à frente dos Estados e Municípios - é um ponto a ser considerado também nesta Casa, porque, no passado, a greve sempre foi uma reivindicação legítima do operário pela melhoria do seu salário. Hoje, ele não pode nem imaginar em fazer greve, se não para garantir o seu emprego. E aí também é uma forma de violência, da insegurança que campeia no País.

De modo que, se este meu pronunciamento não tivesse nenhum brilho - e às vezes ele é tão esmaecido -, as palavras do nosso Governador de ontem e Senador de hoje dariam a ele o colorido que faltava.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Bernardo Cabral, permite-me V. Exª um aparte? 

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Veja que, quando falo em colorido, Senador Carlos Wilson, é porque estou vendo à minha frente o Senador Tião Viana, que me pede um aparte. Será mais um para completar o meu pronunciamento. Ouço V. Exª, Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Bernardo Cabral, tenho pouco a acrescentar ao pronunciamento de V. Exª e ao aparte do Senador Carlos Wilson, mas gostaria de participar desse debate, reconhecendo em V. Exª a figura pública lapidada na forma e no conteúdo, Colega que tanto nos ensina no Congresso Nacional. Reputo o tema violência e segurança do maior interesse e talvez prioritário na agenda nacional. Ontem, soube da invasão com granadas dentro de um quartel da Polícia Militar no Rio de Janeiro e fiquei extremamente preocupado. Estamos silenciosos diante de uma guerra civil não declarada e não reconhecida como oficial. É preciso medida de inteligência, medida de prioridade e uma grande reunião da sociedade brasileira para encontrar caminhos, do simples ao inteligente, do objetivo ao complexo, para construção de um novo modelo de segurança social. Todos os dias a imprensa mundial registra a violência que paira no Oriente Médio e que atemoriza a todos, mas as mortes não passam de 400. Enquanto isso, em São Paulo são registrados 5.700 assassinatos por ano. E isso representa apenas mais uma preocupação para aqueles que trabalham com os indicadores sociais. O pronunciamento de V. Exª abrange o que o Brasil precisa fazer de imediato: rever as ações e construir modelos com resultados melhores. Algumas experiência são boas, como muito bem citou o Senador Carlos Wilson. No Acre, temos a alegria também de ver uma Polícia Militar sendo reconstruída; todos os órgãos de segurança tentando trabalhar em conjunto; a redução de 40% no número de mortes por crimes violentos no primeiro ano do Governo Jorge Viana; o fim das invasões de redações de jornais por grupos de justiceiros para agredir jornalistas; o aparecimento de corpos flutuando em riachos em torno da cidade, assassinados pelo esquadrão da morte. Tudo isso conseguimos implementar, freiando e diminuindo profundamente a violência no primeiro ano de Governo. E o resultado é que essa ação de força, empreendida de forma constitucional pelo Governador e pelas instituições públicas, tem implicado riscos, como ameaças de morte ao Governador Jorge Viana. Esse não é o primeiro episódio que ocorre no Acre. O ex-Governador Edmundo Pinto, que rompia um modelo político equivocado na época e propunha um novo modelo, foi assassinado no Hotel Della Volpe, em São Paulo, em 1990. E, até hoje, esse crime não foi elucidado. O sindicalista e ambientalista Chico Mendes, um dos heróis da humanidade, também foi assassinado porque rompia com um ciclo político, com um modelo de estruturação da sociedade. O Governo Jorge Viana significa a ruptura de um modelo já esgotado no Acre, um Estado que já estava basicamente privatizado pela corrupção, pelo crime organizado e pelo narcotráfico. Lamentavelmente, havia influência desses setores no poder. E essa ruptura implica risco. Penso que a tese de revisão do modelo de segurança e suas organizações é um alento e uma esperança muito grande para o povo do Acre. Espero que a inteligência do Governo brasileiro acompanhe o seu pronunciamento a fim de que ele possa trazer a contribuição devida. No último concurso que houve para a Polícia Militar do Acre, 75% dos aprovados, segundo informações que me chegaram, tinham curso superior. Isso é um alento. É preciso que as academias de polícia funcionem Brasil afora e que a prioridade seja o aparelhamento dessas academias. Não vamos aceitar críticas às vezes injustas, como aquela feita à Polícia Federal no caso do Juiz Nicolau. Sabemos que as melhores polícias do mundo procuram assassinos às vezes por 40 anos, como no caso de alguns carrascos nazistas que estão foragidos até hoje. Penso que temos que reunir esta visão de inteligência: aparelhamento, melhores condições de trabalho e melhor utilização dos recursos públicos. Dessa forma vamos ter uma revisão desse conceito tão amplo que V. Exª aborda e que o Brasil precisa ouvir e aplicar. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Sr. Presidente, ainda há pouco eu dizia que cada um de nós já havia sentido na pele o problema da violência. Nem o Senador Tião Viana, irmão do Governador Jorge Viana, ou o Governador Jorge Viana, irmão do Senador Tião Viana, traz o exemplo do que acontece com o Chefe do Executivo acreano.

Há alguns dias, ao chegar ao edifício onde está localizado o nosso apartamento funcional e, por coincidência, o Senador Tião Viana mora na mesma prumada, os funcionários me passaram a seguinte informação: “O Senador Tião Viana está hoje altamente preocupado porque o seu irmão foi ameaçado de morte, e o pistoleiro chegou a colocar à frente da filha menor do Governador uma arma; só não a matou porque devia uma fineza ao médico Tião Viana, irmão do Governador”.

Veja, Sr. Presidente, que coisa absurdamente inimaginável! Um Governador e um Senador, da mesma família, que prestam serviços à Nação, vendo-se ameaçados pela truculência e pela violência.

Outro dia, emprestei-lhe a minha solidariedade. Não revelei o episódio, porque achei que não deveria fazê-lo. Hoje, sim, estamos tratando do problema da segurança; e parta de onde partir, qualquer que seja o local, o incremento, a sua ascensão é infinitamente maior do que qualquer pessoa ou qualquer cassandra poderia fazer há alguns anos.

Senador Tião Viana, V. Exª sentiu o problema na pele; e só quem conhece as agruras de uma situação como essa pode falar sobre elas. Digo sempre: as pessoas falam muito da nossa região, da Amazônia; falam dos Municípios distantes, da sua beleza, mas porque leram a respeito nos livros. Com a sola dos pés, não chegaram lá. Portanto, não conhecem, na sua totalidade, qual é o valor da referência. Mas quando se sente, como V. Exª sentiu, o que é a insegurança; quando alguém, pistoleiro, saia de onde sair, aponta o revólver para a filha menor de um Governador e recua, é porque a sua consciência - e a consciência, Senador Tião Viana, é o filho bastardo do crime com tudo aquilo que a ele está revelado - o impediu de praticar o crime. E, naquele instante, o pistoleiro deve ter sentido que, por alguma circunstância um tempo atrás, lhe devia esse favor. Talvez lhe tivesse salvado a vida.

Veja, Sr. Presidente, que tipos de coincidências vão tomando conta do País! Cada um de nós já sentiu na pele esse drama. E quando não se sente na pele o drama, sente-se a vergonha por que passou o Senador Carlos Wilson, quando alguém lhe disse que a sua cidade era violentíssima, com um dos mais altos índices de criminalidade do País. Isso faz com que não nos sintamos bem na condição de brasileiro, como se fosse uma vergonha a nossa nacionalidade. Por isso, devemos combater a violência e enfrentá-la, principalmente os que desertam, os que fogem e os que se acomodam. Digo pior, Sr. Presidente, os que se acocoram perante uma realidade dessa são tão criminosos, tão partícipes e tão co-autores quanto aqueles que estão na militância do crime.

Peço desculpas a V. Exª por ter ultrapassado o tempo. V. Exª, com a elegância que lhe é nata, Senador Loyola, não me adverte para que eu saia da Tribuna, mas a minha responsabilidade pessoal o dita dessa maneira. Eu o faço, mas deixo registrado que esta Nação precisa enfrentar a violência, porque senão nos transformaremos no que se dizia no passado: em cubatas africanas, onde ninguém sabe quem manda e muito menos quem obedece.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me concede um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Com muita honra, ouço V. Exª.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Senador Bernardo Cabral, eu gostaria de tecer alguns comentários a respeito do assunto antes de V. Exª encerrar as considerações oportunas, cônscias e inteligentes que traz a esta Casa. Elas se revelam efetivamente uma preocupação nacional, em face da banalização do crime em nosso País, em face da dimensão que ele tem tomado, comprometendo as diversas ações da sociedade. O processo tem experimentado algumas alterações, porque, antes, o bandido se limitava a surrupiar o bem material; e, hoje, nota-se, num crescente preocupante, o seu desejo de fazer justiça, por se sentir injustiçado. O desejo não apenas de levar o bem material da pessoa, mas também de maltratá-la e, muitas vezes, de matá-la. Preocupa-me, eminente Senador Bernardo Cabral, essa escalada da violência, que se parece muito com o que está ocorrendo na Colômbia, onde o narcotráfico financia uma guerrilha, financia uma força paramilitar, financia a desobediência civil e se estabelece como uma força, como se fosse o próprio Estado. Tenho muito receio de que, se essa escalada de violência continuar no País, como está, sem providências urgentes e severas a serem tomadas - como o alerta que V. Exª faz -, o Brasil corra o risco de ficar, a exemplo da Colômbia, refém do crime. É preciso que incitemos o Estado, as forças responsáveis em dotar a segurança ao cidadão, para que não permitam que isso aconteça, para que a segurança retorne ao nosso País; e a população possa viver com tranqüilidade, produzir os frutos do seu trabalho e viver como as pessoas normais devem viver: num clima de paz e harmonia, com a segurança que o cidadão deve ter, patrocinada, principalmente, pelo Estado. Cumprimento V. Exª pelo seu brilhante pronunciamento, pela gravidade da situação que revela e pelas propostas e sugestões que apresenta na busca da solução dessa que, seguramente, é a principal preocupação atual do povo brasileiro.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Leomar Quintanilha, V. Exª registra a circunstância atual mais palpável de todas. Antigamente, havia apenas a forma de surrupiar, sem que se chegasse ao crime. Em verdade, havia o furto. A diferença entre o furto e o roubo é que, quando há furto, não há violência. Mas, hoje, já não se sabe mais se se trata realmente de roubo, porque a violência deixou de levar a matéria, que seria o produto do crime, para entrar no homicídio.

Hoje, pela manhã, os canais de televisão noticiavam que uma senhora foi assaltada dentro da sua casa, quando estava em companhia da filha de 16 anos. Os ladrões queriam levar a filha; e ela, aos prantos, pedia que levassem tudo, menos a menina. Agarrou-se à filha, impedindo que a levassem. Eles, então, mataram a pobre senhora e se retiraram.

Aí está, Sr. Presidente, o que quero dizer: a morte pela morte.

As Farc, que são as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que há 40 anos criam problemas na Colômbia - e V. Exª o disse bem: associado ao narcotráfico, hoje já com a guerrilha - alastram a violência para a nossa vizinhança, uma vez que somos um País limítrofe com aquele nosso país irmão. Sabemos o que vai acontecer daqui a alguns dias. E há realmente uma enorme escalada da violência, como disse V. Exª.

Sr. Presidente, eu não queria dizer, e até o final me mantive sem revelar, mas eu tive um irmão que, com 27 anos de idade, foi brutalmente assassinado. Então, quem sente na pele, como disse há pouco, quem sabe a dor da perda de um parente vitimado pela violência é que pode falar com conhecimento de causa.

Se nós, mais uma vez, Sr. Presidente, não nos dermos conta de que isso vai - e nós nem sabemos como começou quanto mais como terminará -, a cada dia, se exacerbando, e, daqui a pouco, vamos sair do que está havendo hoje, a chamada “guerrilha urbana” - porque aquilo que o Senador Tião Viana lembrava, se jogarmos granada nos quartéis, passa a ser uma guerra civil disfarçada pelo lado oblíquo.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Sr. Presidente, por ser um homem objetivo, eu não poderia encerrar esse meu discurso, com a aquiescência de V. Exª, sem ouvir a Senadora Heloísa Helena, Líder da Oposição no Senado Federal.

Ouço a Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Bernardo Cabral, eu pretendia aparteá-lo no início do seu pronunciamento. Mas questões outras obrigaram-me a me ausentar, e somente agora tenho a oportunidade de fazê-lo. Em primeiro lugar, agradeço a solidariedade prestada por V. Exª ao Governador Jorge Viana, ao nosso companheiro, Senador Tião Viana e a todas as forças democráticas do Acre, que têm enfrentado muitas adversidades na tentativa de construir uma nova forma de governar naquele Estado. Portanto, eu não poderia deixar de compartilhar com algumas preocupações formuladas por V. Exª. Eu sei - e V. Exª várias vezes já ocupou a tribuna com esse tema, que é extremamente complexo, especialmente em um País de tanta pobreza, de indigência, de miserabilidade e desemprego crescentes -, que não são apenas esses fatores que se relacionam diretamente com a violência. Mas a pobreza e a miserabilidade crescente é um instrumento importante, quase que fundamental, para impulsionar a violência no nosso País.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - São componentes da violência sim.

A Srª. Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Às vezes fico me perguntando o que sobra para certas pessoas e determinadas famílias? O que sobra para uma criança que está jogada nas ruas? Passar o dia inteiro em um sinal tentando vender um confeito, uma bala, para ganhar uma moeda, ou ela ser seduzida pelo narcotráfico e pelo crime organizado? O que é melhor para essa criança numa sociedade tão individualista, tão consumista como a nossa? O que sobra para um pai e uma mãe de família, com vários filhos, morando sob uma “cidade de lona” numa favela? Eu sempre tento me colocar nos seus lugares. Apesar de eu ter nascido em uma família miserável, mesmo com a nossa miserabilidade crescente, nenhum de nós foi parar nas teias do narcotráfico, nem na da corrupção e nem na do crime organizado. Existem exceções espalhadas aqui e ali. Mas a vida dessas pessoas é muito difícil no seu cotidiano. Imaginem o que significa para um pai ou para uma mãe buscar emprego todos os dias! Ou tentar trazer o pão para a mesa de seu lar! Certa vez, o nobre Senador Pedro Simon disse, nesta Casa, algo que pode ter chocado a muitos, mas que, naquele momento, foi a expressão da sua verdade. S. Exª teve a audácia - audácia do ponto de vista positivo de um homem de extrema maturidade que já foi Governador de Estado e que está em outro mandato de Senador - de dizer, em um aparte, quando discutíamos a questão da precarização e da miserabilidade crescente, que se visse o seu filho chorando de fome, ele iria na padaria da esquina e roubaria o pão para alimentá-lo. Quem disse isso não foi alguém de temperamento explosivo como o meu, quem o disse não foi uma pessoa que faz discursos demagógicos e sim uma pessoa com a maturidade que a própria vida lhe conferiu. S. Exª disse algo que, realmente, todos nós sentimos profundamente. Senador Bernardo Cabral, mexer na questão da violência sem mexer na social, penso ser extremamente injusto com a realidade objetiva existente em nosso País. Alguns podem dizer: E quanto àqueles que entram em um cinema com uma metralhadora e assassinam várias pessoas? Ou como aquela carta, há poucos dias publicada na Folha de S. Paulo, sobre uma família sentida, machucada e dolorida pelo assassinato de um menino - filho de classe média - que comprou uma metralhadora em uma oficina e assassinou várias pessoas? Eu também sei o que é a dor de perder uma pessoa porque tive um irmão mais velho do que eu assassinado covardemente, de uma forma extremamente violenta. Sei também do que algumas pessoas neste País são capazes de fazer. No entanto, tratar a questão da violência sem mexer com a questão social é extremamente injusto com milhares de pessoas que estão sendo jogadas na marginalidade, que estão sendo instrumentos do crime organizado como último refúgio. Há um outro aspecto de fundamental importância - V. Exª já falou a esse respeito em outras oportunidades nesta Casa. Refiro-me à questão da impunidade, que é um instrumento fundamental para continuar fomentando a violência. Não me refiro à impunidade do pobre, porque o pobre, quando rouba ou mata, sabe que para ele está reservada a cadeia e as mais diversas formas de penúria, enquanto que para os grandes e os poderosos não! O mesmo ocorre com o narcotráfico. Sempre fico irritada quando se fala do narcotráfico. Tenho que ser sincera, Senador Bernardo Cabral, especialmente em relação à guerrilha na Colômbia. A situação do narcotráfico na Colômbia não depende da guerrilha. Em nosso País, qual a guerrilha que temos fomentando o narcotráfico, que é gigantesco? Não temos. No entanto, o narcotráfico age impunemente neste País porque tem a impunidade garantida pelas estruturas oficiais. A alta tecnologia existente permite que, através de um chip de um satélite, se identifique um pé de maconha. Imaginem plantações e plantações! Imaginem o que pode ser identificado usando essa alta tecnologia! Os céus e os mares do nosso País estão sendo cortados diariamente por embarcações e aeronaves clandestinas, ou por aeronaves pertencentes a personalidades políticas e econômicas do nosso País, carregadas de pasta-base da cocaína. Portanto, se o narcotráfico existe no nosso País, e existe impunemente e não tem guerrilha para dar-lhe sustentação, mas há o aparato - não tenho dúvidas - de ilustres personalidades da elite política e econômica do nosso País que lhe dá sustentação. Não temos guerrilha! E não são os pobres angolanos, favelados, que portam em seus intestinos capsulas de cocaína, que alastrarão a droga em nosso País! A pasta-base circula livremente, assim como os componentes químicos, e o aparato de segurança pública permite isso. Digo isso porque não há fórmula mágica para resolver a verdade, que é de alta complexidade. Imaginem uma estrutura poderosíssima, com raízes no aparato da segurança pública, no poder político e econômico! Não há fórmulas mágicas. Mas existem instrumentos concretos e eficazes para minimizar os efeitos do narcotráfico, esse problema terrível que destrói a juventude, a infância e a seduz de forma gigantesca. Agora, vincular o narcotráfico à guerrilha da Colômbia é algo extremamente injusto, porque o narcotráfico atua no Brasil livremente e não há guerrilha. O que temos chama-se impunidade; temos o poder político, o econômico e o aparato de segurança dando legitimidade a algo terrível. Sei que V. Exª compartilha comigo porque várias vezes, nesta Casa, falou, com indignação, em relação ao narcotráfico e à impunidade que impera em nosso País. Portanto, não poderia deixar de aparteá-lo, V. Exª que, várias vezes, já falou sobre isso e sobre a questão da segurança pública, que é algo extremamente complexo, e sobre a questão do empobrecimento da população, a cultura da violência estabelecida nas pessoas é algo muito complexo. São problemas que, de forma alguma, devem ser tratados individualmente, mesmo que não haja uma fórmula mágica para tentar minimizá-los. Agradeço a V. Exª a concessão do aparte, Senador Bernardo Cabral. Peço desculpas se me estendi demais.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senadora Heloísa Helena, peço a V. Exª que me dê um minuto de sua atenção.

Dos seis aos dez anos, período em que freqüentei o curso elementar, tive um professor chamado Vicente Blanco. Era um homem sábio. Concluiu seu curso de Filosofia em Coimbra e veio para a nossa pequena cidade. Semanalmente, ele nos ministrava aulas de português e filologia. Como bom filólogo, ele dizia: “Meus filhos, hoje vamos aprender pontuação. O ponto serve para dar seqüência ao período que se quer continuar. Usa-se a vírgula para intermediar o pensamento. O ponto-e-vírgula indica uma pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto final. Usa-se o ponto de exclamação quando se quer assinalar algo. O ponto de interrogação é usado nas orações interrogativas”. Aí, ele parava e dizia: “Mas tem o ponto final, que se usa quando não se tem mais nada a dizer”.

O aparte de V. Exª é o ponto final do meu pronunciamento. Não tenho mais nada a dizer, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Henrique Loyola) - A Mesa foi bastante condescendente com todos dada a profundidade do tema que foi tratado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2000 - Página 23121