Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de posicionamento da comunidade internacional em repúdio ao tratamento violento dispensado às mulheres no Afeganistão

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Necessidade de posicionamento da comunidade internacional em repúdio ao tratamento violento dispensado às mulheres no Afeganistão
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2000 - Página 23128
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, DIVULGAÇÃO, INTERNET, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MULHER, PAIS ESTRANGEIRO, AFEGANISTÃO, VITIMA, VIOLENCIA, DISCRIMINAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEMONSTRAÇÃO, BRASIL, MUNDO, POSIÇÃO, PROTESTO, PERSEGUIÇÃO, RELIGIÃO, GRUPO, TERRORISTA, PAIS ESTRANGEIRO, AFEGANISTÃO, VIOLENCIA, DIREITOS HUMANOS, DISCRIMINAÇÃO, MULHER.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna um assunto que julgo de interesse nacional, que está aguardando decisão do Governo brasileiro e que hoje faz parte do verdadeiro mural da Humanidade, que é a Internet, que o tem colocado com muita freqüência nos acessos dos internautas. Refiro-me à situação de violência em que vivem as mulheres do Afeganistão.

            Muitos dos caros Pares aqui presentes, com certeza, já terão ouvido falar, por intermédio da imprensa ou da Internet, a respeito da brutal violência de que têm sido vítimas as mulheres no Afeganistão. Em um tempo no qual a violência, difundida nefastamente nos quatro cantos do mundo, torna-se, paradoxalmente, cada vez mais assustadora e banalizada, uma denúncia como essa, transmitida exaustivamente pela rede mundial de computadores e pela mídia falada e escrita, corre o risco de ser vista como mais uma entre tantas.

Felizmente, muitos de nós ainda não estão de todo entorpecidos; ainda mantêm a capacidade do espanto, da indignação, da revolta frente à truculência, ao desmando e à ausência do estado de direito. É precisamente o repúdio aos atos criminosos, à humilhação, à violenta e ignominiosa discriminação imposta ao sexo feminino no Afeganistão pela Milícia Fundamentalista Islâmica Taliban que quero hoje manifestar.

            Citarei algumas frases colocadas via Internet, que mostram claramente o diagnóstico da forma como vivem hoje as mulheres no Afeganistão:

1. É absolutamente proibido às mulheres qualquer tipo de trabalho fora de casa, incluindo professoras, médicas, enfermeiras, engenheiras, etc.

2. É proibido às mulheres andar nas ruas sem a companhia de um mahram (pai, irmão ou marido).

3. É proibido falar com vendedores homens.

4. É proibido ser tratada por médicos homens.

5. É proibido o estudo em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional.

6. É obrigatório o uso do véu completo (Burqa) que cobre a mulher dos pés à cabeça.

7. É permitido chicotear, bater ou agredir verbalmente as mulheres que não estiverem usando as roupas adequadas (Burqa) ou que estejam agindo em discordância com o que o Taliban quer, ou ainda que estejam sem o seu mahram, que é o parente do sexo masculino.

8. É permitido chicotear mulheres em público se não estiverem com seus calcanhares cobertos.

9. É permitido jogar pedras publicamente em mulheres que tenham tido sexo fora do casamento.

10. É proibido qualquer tipo de maquiagem (muitas mulheres tiveram os dedos cortados por pintar as unhas).

11. É proibido falar ou apertar a mão de estranhos.

12. É proibido à mulher rir alto.

13. É proibido usar saltos altos que possam produzir sons enquanto andam, já que é proibido a qualquer homem ouvir os passos de uma mulher.

14. A mulher não pode usar táxi sem a companhia de um parente do sexo masculino.

15. É proibida a presença de mulheres em rádios, televisão ou qualquer outro meio de comunicação.

16. É proibido às mulheres qualquer tipo de esporte ou mesmo entrar em clubes e locais esportivos.

17. É proibido às mulheres andar de bicicleta ou motocicleta, mesmo com seus mahrams.

            18. É proibido o uso de roupas coloridas ou, em suas palavras, “que tenham cores sexualmente atrativas”.

19. É proibida a participação de mulheres em festividades.

20. As mulheres estão proibidas de lavar roupas nos rios ou locais públicos.

21. Todos os lugares com a palavra “mulher” devem ser mudadas, como, por exemplo: “o jardim da mulher” deve passar a se chamar “jardim da primavera”.

22. As mulheres são proibidas de aparecer nas varandas de suas casas.

23. Todas as janelas devem ser pintadas de modo que as mulheres não sejam vistas dentro de casa por quem estiver fora.

24. Os alfaiates são proibidos de costurar roupas para mulheres.

25. Mulheres são proibidas de usar os banheiros públicos (a maioria não tem banheiro em casa).

26. Ônibus públicos são divididos em dois tipos: para homens e mulheres. Os dois não podem viajar em um mesmo ônibus.

27. É proibido o uso de calças compridas, mesmo debaixo do véu.

28. Mulheres não podem se deixar fotografar ou filmar.

E assim por diante, Sr. Presidente. Essa é a situação em que vivem, hoje, as mulheres no Afeganistão, em uma sociedade que não separa o que é Igreja e o que é governo. Trata-se de uma situação dramática, e as palavras são poucas para expressar esse grito de violência e essa onda incapazes de chegarem à compreensão da sociedade ocidental.

Desde que tomou o poder no Afeganistão, no dia 27 de setembro de 1996, a Milícia Ultra-Fundamentalista Islâmica Taliban mergulhou o país em um estado de trevas, em uma espécie de apartheid de gênero, como vem sendo denominado, instalando uma verdadeira guerra santa contra as mulheres, vistas por eles como seres subumanos.

Banidas do mercado de trabalho, privadas do direito de ir e vir, do direito à educação, à saúde, ao lazer e à justiça, as mulheres e as meninas foram destituídas de todos os direitos humanos básicos. Ademais, a milícia radical muçulmana dos Talibans ordenou, em julho último, que todas as Organizações Não-Governamentais que prestavam trabalho de ajuda humanitária no Afeganistão dispensassem as mulheres de seus quadros, sob pena de banimento.

Obrigadas a vestir o burqa, vestimenta que as cobre dos pés à cabeça, inclusive o rosto, mantido oculto por sob um tecido telado, as mulheres podem ser espancadas, privada ou publicamente, por razões disciplinares, pelos motivos mais reles, como, por exemplo, o ruído dos seus sapatos ao andarem, por não estarem adequadamente vestidas, por falarem com estranhos, pela elevação da voz ao falarem ou por andarem na rua sem um mahram (pai, irmão ou marido).

            Os homens têm poder de vida ou morte sobre suas parentes do sexo feminino, particularmente sobre suas esposas. Além disso, a palavra de um homem não pode ser contestada por uma mulher.

Segundo relatos e notícias veiculadas pela mídia, uma mulher foi espancada até a morte por um grupo furioso de populares fundamentalitas simplesmente por ter exposto seu braço acidentalmente enquanto dirigia seu carro. Nada é mais ultrajante, nenhum relato poderia ser mais contundente do que as fotografias de mulheres e crianças mutiladas pelo fanatismo religioso dos homens sob o regime do Taliban.

O lamentável é que, até a tomada de poder pelo grupo terrorista afegão, as mulheres gozavam de relativa liberdade para trabalhar, vestir-se, dirigir e aparecer em público sozinhas. O terrível retrocesso imposto à sociedade, principalmente às mulheres, tem gerado numerosos casos de depressão e suicídio, cujos índices não são revelados.

A música, a TV e o cinema ocidentais estão proibidos e, embora os extremistas talibans tenham reaberto a Galeria Nacional de Artes, sediada na capital, Cabul, retiraram dela todas as obras que representavam pessoas e animais, por considerarem-nas ofensivas às suas crenças religiosas. Não consideram, contudo, ofensivos os verdadeiros espetáculos que são as execuções públicas das penas impostas aos cidadãos, as quais incluem cenas de apedrejamento, amputações, espancamento e mutilações. A milícia extremista taliban, que controla atualmente 90% do Afeganistão, é produto da guerra civil iniciada após a retirada soviética do país. Financiados por grupos de fundamentalistas islâmicos e pelos recursos gerados pelo cultivo e a venda de papoula, usada na produção de ópio, o ultraconservador governo do Afeganistão também reprime severamente a liberdade religiosa.

Com a instituição da Sharia, o código muçulmano tradicional de leis, os talibans pretendem impor, pela repressão e pelo terror, a limpeza do que acreditam ser “vícios” e “hábitos obscenos” introduzidos pelos comunistas e muçulmanos ocidentalizados. A interpretação do Corão dada pelos extremistas talibans não encontra respaldo sequer entre os teólogos do Irã, antes o mais rígido dos regimes islâmicos.

Apesar de afirmarem que seu objetivo é estabelecer o “mais puro Estado” islâmico do mundo, o país é acusado pelos Estados Unidos e pela ONU de manter ligações com o tráfico de drogas e de abrigar o terrorista saudita Osama Bin Laden, tido como responsável pelos atentados às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia.

Dados da ONU indicam que o Afeganistão responde atualmente por 75% da produção mundial de ópio. Além disso, o Órgão Internacional de Controle de Entorpecentes (OICE), com sede em Viena, que trata do consumo e tráfico de drogas no mundo, acusa, em seu relatório, o regime islâmico taliban do Afeganistão de desinteresse em acabar com o cultivo de ópio, uma vez que continua arrecadando impostos pela produção e pela elaboração da heroína. Em relatório divulgado pelo Departamento de Estado americano, o Paquistão e o Afeganistão foram apontados como eixos de apoio ao terrorismo internacional. O Afeganistão foi isolado pela comunidade internacional, e apenas três países reconhecem o governo dos talibans, que se autodenomina Emirado Islâmico do Afeganistão: o Paquistão, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

Em 15 de outubro de 1999, o Conselho de Segurança da ONU adotou resolução no sentido de bloquear todos os bens dos talibans no exterior e de proibir o trânsito de aviões do regime de Cabul em qualquer país do mundo. Tais sanções foram motivadas pela recusa dos talibans em entregar o terrorista saudita Osama Bin Laden. Em apoio à decisão do Conselho, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto nº 3.267/99 no mesmo sentido, assinalando, assim, a posição contrária do Governo brasileiro ao regime autoritário e fundamentalista taliban.

Srªs e Srs. Senadores, milhares de civis morreram em conflitos, desde o final da guerra fria, há dez anos, em lugares como Israel, Angola, Sudão, Kosovo, Sri Lanka, Ruanda, Bósnia, Colômbia, Afeganistão. As guerras mataram dois milhões de crianças, mutilaram seis milhões, deixaram um milhão de órfãos e doze milhões de refugiados, além de tirar 30 milhões de pessoas de suas casas, segundo a ONU.

Atualmente, o mundo assiste estarrecido à sucessão de episódios sangrentos que marcam a trágica disputa entre israelenses e palestinos.

No Afeganistão, reduzidas à humilhação do silêncio e do isolamento, meninas e mulheres aguardam um gesto, uma atitude, por parte da comunidade internacional, que venha emprestar-lhes não apenas solidariedade e apoio, mas o efetivo resgate de um mundo de véus e sombras, no qual impera o horror e a intolerância, no qual a liberdade foi cerceada, cessando-se todos os cantos, todas as opiniões livres.

O que estamos testemunhando, principalmente pela Rede Mundial de Computadores, em relação às mulheres do Afeganistão é um grito de socorro daquelas vítimas de um regime que não consegue separar governo de religião e que comete todo tipo de violência aos direitos humanos, à dignidade humana.

Espero, sinceramente, que este pronunciamento alcance mais um leque de solidariedade no nosso País e que encontre no Governo a capacidade de, no recurso da diplomacia brasileira, investir em uma posição mais aberta no cenário internacional em protesto e em busca de solução em favor das mulheres do Afeganistão.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2000 - Página 23128