Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio ao assassinato do sindicalista rural José Dutra da Costa, do município de Rondon do Pará. Debate sobre o reajuste do salário mínimo, a propósito dos recursos orçamentários destinados ao pagamento da dívida pública.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA SALARIAL.:
  • Repúdio ao assassinato do sindicalista rural José Dutra da Costa, do município de Rondon do Pará. Debate sobre o reajuste do salário mínimo, a propósito dos recursos orçamentários destinados ao pagamento da dívida pública.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2000 - Página 23135
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • REPUDIO, HOMICIDIO, JOSE DUTRA DA COSTA, SINDICALISTA, RESPONSAVEL, ORGANIZAÇÃO, APOIO, LUTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, OCUPAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, MUNICIPIO, RONDON DO PARA (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, IMPUNIDADE, FALTA, DECISÃO, NATUREZA POLITICA, GOVERNO, EFETIVAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS, RESULTADO, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, MANUTENÇÃO, FAMILIA, TRABALHADOR, PAIS, REFERENCIA, SUPERIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA EXTERNA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna hoje dois assuntos correlatos que dizem respeito à questão da terra. Em primeiro lugar, quero lamentar que os crimes de encomenda relacionados à questão agrária em nosso País ainda são uma enorme realidade. A TV Globo noticiou recentemente o assassinato de duas lideranças sindicais, ocorridas no Paraná e em Minas Gerais. Não sei por que o Estado do Pará não recebe o mesmo tratamento.

Na noite do último dia 21, por volta das 19h30, o sindicalista José Dutra da Costa, conhecido também pelo apelido de “Dezin”, que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Rondon do Pará, na região sudeste do meu Estado, foi brutalmente assassinado em uma emboscada preparada por dois pistoleiros, às proximidades da sua residência. Embora tenha tentado reagir à agressão, o sindicalista não teve chance de defesa e foi sumariamente executado com três tiros de revólver calibre 38. Um dos pistoleiros, provavelmente aquele que intermediou o trabalho, conseguiu fugir do local. O outro, porém, foi agarrado por populares que correram para local ao ouvirem os tiros, e só não foi justiçado ainda no meio da rua devido à intervenção de policiais militares que o retiraram das mãos dos populares. Trata-se de Welington de Jesus Silva, de 20 anos - imagine, um pistoleiro com 20 anos de idade -, contratado na Bahia por R$ 2 mil por um primo chamado Igor.

Dezinho tinha 43 anos, era casado com Maria José Dias da Costa e era pai de quatro filhos. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará por seis anos e atualmente ocupava o cargo de diretor de política agrária do Sindicato e membro do Regional Sudeste da Fetagri. Era um dos sindicalistas mais combativos do sul e sudeste do Pará. Sempre organizou e apoiou a luta dos trabalhadores rurais sem terra de Rondon na ocupação de latifúndios improdutivos.

Por causa de seu envolvimento corajoso na luta pela reforma agrária, sempre foi perseguido e ameaçado de morte por fazendeiros da região. Por várias vezes tentaram matá-lo. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) há mais de cinco anos já vinha colocando o nome do sindicalista na lista dos ameaçados de morte, tendo mais de uma vez sido solicitadas garantias de vida à Secretaria de Defesa Social do Estado do Pará, sem que tenham sido atendidas as solicitações.

No ano passado circulou uma lista de marcados para morrer na região e o nome de Dezinho estava entre os nomes. Da lista já foram assassinados, entre o ano passado e este ano: Euclides Paulo, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas; Agripino de Souza, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá e, agora, Dezinho, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará.

Ultimamente, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, juntamente com outros dirigentes sindicais de trabalhadores rurais, estava prestando apoio aos colonos que ocupam a Fazenda Tulipa Negra, de propriedade da família Lopes. Por conta disso, as suspeitas recaem sobre pessoas ligadas aos proprietários dessa fazenda, além de outros fazendeiros da região apontados pela CPT como envolvidos em crimes de encomenda contra trabalhadores rurais.

Esse assassinato, que avilta a sociedade brasileira e demonstra a fragilidade da nossa Justiça, é, na verdade, resultado da impunidade e da falta de decisão política deste Governo em, efetiva e definitivamente, promover uma política séria de reforma agrária em nosso País!

Por isso mesmo, cabe-nos perguntar: até quando nossos companheiros trabalhadores rurais terão que pagar com a própria vida o preço da luta por um pedaço de chão para poder plantar e criar seus filhos?

Não se trata, Sr. Presidente, apenas de mais um crime contra trabalhadores rurais. Na verdade, esse crime, além da tragédia social que encerra, expõe ainda a tragédia pessoal de um homem que teve a vida interrompida de modo brutal. Dezin era um homem simples, ligado à família e ao apoio aos homens e mulheres do campo que, assim como ele, sonham com uma melhor qualidade de vida a partir daquilo que possam produzir no meio rural. Pessoa de expressiva solidez de caráter e convicção dos seus ideais, José Dutra não se intimidava com as ameaças que constantemente recebia e, muitas vezes, ignorava o risco de vida que sua atuação sindical lhe impunha. Talvez por isso tenha se tornado alvo da ira e da ganância dos grandes latifundiários da região em que atuava.

Neste exato momento, várias lideranças políticas, religiosas e do movimento social organizado ligadas à Fetagri, CNBB, MST, partidos políticos etc., estão no Município de Rondon do Pará para prestar solidariedade à família de Dezin e aos demais trabalhadores rurais daquela região. Essas lideranças, entre as quais representantes do meu Partido, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), estarão ali também para acompanhar o curso das investigações policiais, de modo a que se chegue, no menor espaço de tempo possível, à identificação e prisão dos mandantes desse crime.

Faço questão, portanto, de registrar desta tribuna o meu mais veemente repúdio a esse crime. Solidarizo-me, em meu nome pessoal e do meu Partido, o PSB, com os familiares do companheiro Dezin, os membros da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará e demais trabalhadores rurais daquela região, somando a minha voz ao clamor por justiça e pela urgência em se definir uma ação concreta de reforma agrária neste País que atenda aos reais interesses dos trabalhadores e inverta essa ordem desumana de concentração de grandes áreas de terra nas mãos de um número reduzido de megalatifundiários.

Sr. Presidente, quero lamentar que a falta de uma solução para a questão da reforma agrária e da luta pela terra se dê razão da omissão do Governo Federal. O Governo não atende à demanda da nossa população.

Tenho amizade pessoal com o Ministro Raul Jungmann. Tenho estado com S. Exª permanentemente para reivindicar o atendimento da necessidade de trabalhadores rurais, mas creio que S. Exª tem muitas dificuldades no que se refere basicamente à estrutura do órgão fundiário, aos recursos destinados ao órgão fundiário e a sua total e absoluta falta de condição de atender às necessidades do povo brasileiro nessa questão. O orçamento do Ministério da Reforma Agrária para o ano 2001 está previsto em menos de R$ 2 bilhões. É absolutamente insignificante diante das nossas necessidades. Há muita propaganda no rádio, na televisão, nas entrevistas de algumas autoridades sobre a quantidade de famílias assentadas.

Revela-se o desejo do Ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, e do próprio Ministro Raul Jungmann de universalizar a energia, de levar energia elétrica a todos esses assentamentos, mas não vejo ação desse Ministérios no sentido de fazer uma verdadeira reforma agrária, de dar terra a quem dela precisa para trabalhar e dar condições de permanência nela. Em sua grande maioria, os assentamentos estão sem estradas, sem sequer os atendimentos normais do Ministério, como ajuda de fomento, de alimentação, de moradia a essas famílias.

Na região de Tucuruí, no Pará, existem mais de 20 vistorias realizadas pelo Incra e deveriam ser iniciados processos de desapropriação, mas estes estão praticamente paralisados. Alguns trabalhadores estão nesses acampamentos há mais de um ano. Vistorias foram realizadas de julho a dezembro do ano passado e não tiveram prosseguimento, para que esses trabalhadores pudessem trabalhar, produzir, plantar.

É de certa forma incoerente ouvir um Ministro falar em distribuição de energia, quando não se regulariza a situação das centenas de famílias que estão acampadas à beira de terras que já foram negociadas com o Governo. Os donos dessas terras já as abandonaram e estão apenas esperando a decisão do Ministério de efetivar a regularização da desapropriação. E esses trabalhadores continuam acampados por mais de um ano.

Outros trabalhadores que chegaram a ter concretizada a desapropriação não receberam ajuda. Não há um serviço de demarcação e divisão dos lotes. Somos nós, políticos - Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Prefeitos -, que temos de contratar topógrafos e deslocar pessoas, com nossos próprios recursos ou com ajuda de Prefeitos ou de Deputados Estaduais, para fazer a divisão dos lotes desses assentamentos. Fica nas nossas costas, nós que vivemos perto do povo, a obrigação de conseguir a escola e que o Prefeito tenha a boa vontade de deslocar professores para essas áreas, para que os filhos desses colonos possam estudar. Isso nos assentamentos em que os colonos têm acesso a nós, ou que o Prefeito tenha boa vontade com eles. Mas, na maioria, eles estão completamente abandonados.

E é isto que gera o conflito, a violência: há os que já foram de certa forma atendidos, ou os que estão acampados à beira de uma propriedade na expectativa de ocupá-la, ou os que já estão assentados mas sem condição alguma. Porém, ainda existem milhares de outras pessoas que não têm nada, num Brasil cuja economia cresce muito abaixo da necessidade e do seu próprio crescimento populacional. Muitas pessoas estão na expectativa de receber uma porção de terra, não têm oportunidade de trabalho, e quando localizam latifúndios improdutivos tentam ocupá-lo. Aí surge o conflito entre o grande ou o médio proprietário e o colono, gerando sempre morte, como é o caso que trago hoje a esta tribuna. É vergonhoso e lamentável que um País como o Brasil viva essa situação.

Estou observando a discussão sobre o salário mínimo e é impressionante o conformismo dos trabalhadores, Senadora Heloisa Helena. Como os trabalhadores brasileiros são conformados, pacatos! Vejo Deputados Federais fazerem uma caminhada de São Paulo até Brasília, num esforço extraordinário, para conseguir o quê? Para conseguir um salário de R$ 180, como se isso significasse alguma mudança. Fazem esse sacrifício enorme, aparecendo, de certa forma, para a mídia como heróis de alguma modificação, para ganhar um salário mínimo de R$ 180, quando os trabalhadores brasileiros deveriam entender que a Constituição da República do Brasil lhes garante um salário mínimo de pelo menos R$ 1 mil. E o Congresso Nacional fica a discutir de onde vai tirar o dinheiro para se pagar um aumento de R$ 29 no salário mínimo, que hoje é R$ 151. E se discute quebra de sigilo bancário - que apoiamos - e uma série de coisas. E o Presidente Fernando Henrique, como sempre, usando uma espécie de chantagem com o Congresso Nacional, tenta impor o desconto da Previdência na aposentadoria dos inativos como condição para pagar um salário mínimo de R$ 180.

O que acho mais interessante de tudo isso - e aí também entro na questão da reforma agrária - é que não se discute o fundamental, o essencial: enquanto o Congresso inteiro está trabalhando, centenas de trabalhadores vêm a pé de São Paulo a Brasília, inclusive acompanhados de dois Deputados Federais, para conseguir R$ 2,8 bilhões, que é o que vai custar os R$ 29 de aumento do salário mínimo. No entanto, não se questiona que, enquanto o Ministério da Reforma Agrária tem cerca de R$ 1,8 bilhão para fazer reforma agrária no Brasil, o Orçamento de 2001 destina R$ 140 bilhões ao serviço das dívidas externa e interna brasileira. É isso que me espanta.

Talvez os trabalhadores não tenham conhecimento desse fato, mas me espanta que Deputados Federais façam essa caminhada, apresentem-se como heróis da mudança. O próprio PFL, no Congresso Nacional, vem batendo na tecla dos R$1 80, como se isso fosse uma grande coisa. Isso para mim não significa nada. Um aumento de R$ 29 no salário mínimo é algo irrisório, e R$ 180 não dá para manter família alguma neste País.

No entanto, esquecem-se do fundamental. O Presidente da República está pagando hoje 16,5% ao ano sobre os títulos da dívida pública, sobre a captação do Governo, sobre a rolagem da dívida. Numa inflação de 6% em média, o Governo paga 16,5%. Ninguém questiona que um ponto percentual a menos seria o suficiente para se obter os R$ 2,8 bilhões necessários ao pagamento do salário mínimo. Um ponto, aliás, meio ponto. Um ponto já daria para aumentar para R$ 200,00 o salário mínimo. Entretanto, ninguém questiona, ninguém apresenta isso como solução. Eu não compreendo por que não se discute a questão da nossa dívida. Por que os Congressistas e o povo brasileiro aceitam que o Governo destine para o pagamento da dívida, no Orçamento de 2001, R$ 140 bilhões, enquanto que para a reforma agrária são destinados apenas R$ 2 bilhões, ou seja, setenta vezes menos, e nessa discussão do aumento do salário mínimo seria preciso apenas R$ 2,8 bilhões para se pagar R$ 29,00 a mais? Enquanto são destinados R$ 20 bilhões para as Forças Armadas, R$ 15 bilhões para a Educação, R$ 24 bilhões para a Saúde, para o pagamento dos juros da dívida externa são destinados R$ 140 bilhões. E aí não se faz reforma agrária, não se age como deveria agir e as mortes continuam ocorrendo. O confronto entre o proprietário e o trabalhador rural continua se dando porque o Governo não cumpre a sua parte; a parte de intervir, de agir, de atender a demanda dos trabalhadores. É absolutamente possível atender a demanda, as necessidades dos nossos trabalhadores, pois há tanta terra em nosso País.

Encerro o meu pronunciamento lamentando mais uma morte de um pai de família, entre tantas outras que têm ocorrido no nosso Brasil, por absoluta incapacidade política do Governo Federal e, de certa forma, também, por falta de ação do Congresso Nacional que aceita um Orçamento absolutamente esdrúxulo, como é o Orçamento da República do Brasil, que passa pela aprovação dos Srs. Parlamentares. Diga-se de passagem - e eu repito, aqui, e tenho dito várias vezes - que a Constituição brasileira é a única Constituição do mundo que não permite que o Congresso Nacional mexa nos recursos destinados ao serviço da dívida. Há uma cláusula na nossa Constituição que proíbe remanejar qualquer recurso destinado ao serviço da dívida.

Eu quero anunciar que na segunda-feira estarei apresentando um Projeto de Lei ao Congresso Nacional no sentido de acabar com a grilagem de terras promovida por cartórios e grileiros inescrupulosos, especificamente o caso da CR Almeida, do Sr. Cecílio Moraes do Rego Almeida, que se diz, hoje, dono de uma área de 7 milhões de hectares de terras no Estado do Pará, e o caso do Sr. Carlos Medeiros, que é um fantasma que tem registrado nos cartórios públicos do meu Estado mais de 3 milhões de hectares de terra. Trago um projeto de lei minuciosamente estudado, que pretende mudar essa realidade e impedir o roubo e a falcatrua perpetrada por grileiros e por donos de cartórios inescrupulosos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2000 - Página 23135