Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aspectos do projeto aprovado hoje na Comissão de Assuntos Econômicos que institui a nova Lei de Informática, que no entendimento de S.Exa. pode causar enormes prejuízos à Zona Franca de Manaus

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Aspectos do projeto aprovado hoje na Comissão de Assuntos Econômicos que institui a nova Lei de Informática, que no entendimento de S.Exa. pode causar enormes prejuízos à Zona Franca de Manaus
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2000 - Página 23219
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, INSUCESSO, BANCADA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), REFERENCIA, LEI DE INFORMATICA, PREJUIZO, ZONA FRANCA, CAPITAL DE ESTADO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AMBITO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CRITICA, CONCESSÃO, INCENTIVO, EMPRESA MULTINACIONAL.
  • REGISTRO, PROPOSTA, LEI DE INFORMATICA, BANCADA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), CRITICA, POSIÇÃO, LIDERANÇA, GOVERNO, LOBBY, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), EXPECTATIVA, ORADOR, DISCUSSÃO, PLENARIO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ROGERIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, FISICO, PROFESSOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, SETOR, INFORMATICA, SUSPEIÇÃO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), FAVORECIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos, a Bancada do Amazonas travou uma verdadeira batalha em derredor da Lei de Informática. Alguns aspectos foram tratados e quero deixar registrado nos Anais desta Casa, para quem amanhã fizer história, o que foi aquela reunião.

Trago aqui, Sr. Presidente, a nossa Constituição. Com ela quero lembrar o que a História registra quanto aos 300 lacedemônios. Há, nas suas páginas, o feito heróico desses 300 homens em defesa da pátria, que foi durante algum tempo - lembro-me da época em que estudava História da Civilização - festejado pela humanidade. Todos nós, estudantes e professores, lembrávamos que o feito heróico dos 300 lacedemônios teria de ser sempre recordado por quem já travou um combate. E foi exatamente no local do combate, à entrada das Termópilas, que se ergueu um monumento onde se abriu uma inscrição do poeta Sinómidas, vertida para o latim por Cícero, e que chegou até nós com esta tradução: “Transeunte, dize a Esparta que tu nos viste aqui caídos por termos acatado as leis santas da pátria”. É este o resumo do feito heróico: caíram, tombaram, mas respeitaram as leis santas da pátria.

Hoje, Sr. Presidente, na Comissão de Assuntos Econômicos a lei santa da pátria, que é a nossa Constituição, foi amplamente desrespeitada. E não somos 300 lacedemônios, apenas os três Senadores que representamos o nosso Estado, o Estado do Amazonas, empunhamos a bandeira de defesa da Lei de Informática, de que todos necessitamos, mas sem que isso crie prejuízos à Zona Franca de Manaus.

Fiz questão, Sr. Presidente, de mostrar um dado fantástico. Todas as portarias ministeriais - na hierarquia legal, abaixo de lei ordinária, lei complementar, quanto mais da Constituição - vêm permitindo que se concedam benefícios às gigantes multinacionais. E relacionei a IBM, a Solectra, segunda maior empresa de componentes eletrônicos do mundo, e a GMK. Conseqüentemente, abri a Constituição e mostrei que, infelizmente, essa forma de legislar ultrapassava e pisoteava o Texto Constitucional.

Quem convive com ele sabe que temos 232 artigos que constam da parte permanente. Entre o art. 233 e o 250, temos parte das chamadas Disposições Gerais. E, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, temos 74 artigos. Fiz o seguinte desafio - que confirmo desta tribuna - a qualquer constitucionalista: que me aponte, nesta Constituição, um dispositivo sobre incentivos fiscais setoriais. Não existe, Sr. Presidente. O que se fala e o que se quer são incentivos para corrigir desigualdades regionais, mas não para se tomar como premissa que se concedem incentivos fiscais a determinado setor. E aqui quero me referir ao setor de informática e das empresas de que falei.

Sr. Presidente, V. Exª foi constituinte, brigou por alguns dispositivos, e vários deles foram acolhidos por mim, na qualidade de Relator-Geral. O art. 41 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - falo, Sr. Presidente, porque isto precisa ficar registrado nos Anais - diz o seguinte:

Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

Veja V. Exª que a Constituição de 1988 usou o verbo reavaliar, dizendo que os Poderes Executivos reavaliariam os incentivos fiscais de natureza setorial - isso em 1988 -, desde que houvesse legislação. E, logo no § 1º, declara:

§1º Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.

A Constituição é de 1988, os dois anos já se passaram, e não havia essa Lei de Incentivos Fiscais beneficiando as grandes empresas. Ou seja, se dois anos depois essa lei não existia, ela não poderia ser criada como foi. E ainda pior, ao arrepio constitucional. Temos, portanto, uma lei que durou nove anos e, durante esse período - trago um quadro para ficar registrado no Senado Federal -, não se logrou implantar no País um parque produtor de componentes eletrônicos, semicondutores, partes e peças. Além disso, ao cabo desses nove anos, tivemos um déficit na balança comercial no setor eletroeletrônico de US$6,7 bilhões, em 1999. As importações de componentes eletrônicos, em 1999, foram da ordem de US$9,8 bilhões; semicondutores, US$3,2 bilhões. Houve uma renúncia fiscal expressiva e com forte predominância para os empreendimentos instalados nas regiões mais desenvolvidas do País.

Duvido que V. Exª, Sr. Presidente Nabor Júnior, me aponte um empreendimento, em qualquer setor, que tenha se instalado no seu Estado do Acre com essa renúncia fiscal.

E mais: não se cumpriu o § 4º do art. 218 da Constituição Federal. E o que é grave - e para isto tenho chamado a atenção - é que esse setor é dominado por grandes empresas globalizadas, controladas por capital externo; e, face à expressiva importação de componentes, torna-se difícil a valorização aduaneira. Em conseqüência, abre-se inclusive a possibilidade de remessa de divisas para o exterior.

Penso que essa hipótese, Sr. Presidente, merecia uma análise e um monitoramento há muito tempo. Quais eram as nossas propostas? A nossa premissa básica, Sr. Presidente, é de que é inquestionável a necessidade de lei específica para a Política Nacional de Informática e Automação, mas é preciso que se criem alguns aperfeiçoamentos. Por exemplo, a definição dos bens a serem incentivados; a redução gradual do déficit da balança comercial de cada empresa beneficiária; o aumento gradativo do valor adicionado no País para todas as empresas beneficiárias; os incentivos fiscais prioritariamente para as empresas produtoras no País de componentes eletrônicos e semicondutores, não ignorando a necessidade de economia básica; e - o que me parece prioritário, Sr. Presidente - os incentivos fiscais para correção das desigualdades regionais no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Ora, Sr. Presidente, nós, Senadores que representamos o Amazonas e que defendemos a Zona Franca de Manaus, só queremos o cumprimento do Texto Constitucional. Não se pretende posição hegemônica ou exclusivista. Não temos a intenção de buscar um privilégio em detrimento de outros Estados igualmente menos desenvolvidos, de regiões empobrecidas, como o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. O que queremos é a competitividade nos setores já instalados na Zona Franca de Manaus.

Sr. Presidente, quero dar conhecimento aos eminentes colegas Senadores, uma vez que nem todos são integrantes da Comissão de Assuntos Econômicos - por sinal, hoje tivemos a Presidência serena do eminente Senador Bello Parga e a relatoria não menos serena do Senador Ney Suassuna, que, na sua condição de Presidente, resolveu chamar a si a responsabilidade de relatar -, de que esgotamos todas as possibilidade, até o dia de hoje, de um acordo. E esta é a motivação da minha presença na tribuna: o Governo ou alguns de seus componentes - excluo até o Presidente da República, que pode estar fora destas tratativas - chegaram hoje à Comissão de Assuntos Econômicos com o nítido propósito de não fazer acordo algum, de não aceitar emenda alguma. Portanto, passariam um rolo compressor por cima de quaisquer argumentos expendidos pelos Senadores. Nesse ponto, veio o quase milagre: com o Senador Bello Parga conduzindo sem precipitação os trabalhos, ouvindo os argumentos - fui o primeiro orador e posso dar o meu testemunho -, sem esporear os que estavam na tribuna cobrando-lhes rapidez, pudemos emitir os conceitos constitucionais, e os meus dois outros colegas de tribuna puderam emitir as suas análises, compatíveis à parte que lhes coube. E o resultado é que algumas emendas, se não quase todas, foram acolhidas, a exceção de uma que considerávamos danosa à Zona Franca de Manaus.

No entanto, a Oposição, alguns outros colegas e eu tivemos a oportunidade de declarar que reveríamos qualquer outra posição no plenário do Senado, por meio da renovação de novas emendas, para que a discussão se estabelecesse aqui, até porque sabemos todos que, na Comissão de Assuntos Econômicos, são proferidos o parecer e o voto técnico e, neste plenário, o voto político. Tanto isso é verdade que, para se compor uma comissão técnica, quem faz a indicação é o Líder do partido. Conseqüentemente, é a sua orientação que prevalece na Comissão, sob pena de esse colega indicado pela liderança ser substituído. Portanto, o voto na Comissão é praticamente uma orientação de liderança. No plenário, é diferente: o Senador é dono do seu mandato e, portanto, pode divergir por uma questão de consenso e pedir ao seu Líder que o libere. Em não se tratando de assunto do programa partidário, está o Senador livre para o seu voto.

Foi por essa razão que, de logo, alguns colegas, declinando o seu voto, fizeram questão de declarar que votariam e apresentariam emenda melhorando a matéria para um novo estudo.

Faço questão, Sr. Presidente, de ler da tribuna do Senado - já o fiz no meio de meus colegas integrantes da Comissão de Assuntos Econômicos - artigo de autoria de um físico conhecido e respeitado no País, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas, que todos nós conhecemos, Prof. Rogério Cézar de Cerqueira Leite, dado à lume na Folha de S. Paulo, com o título Galináceos e Maracutaias.

Ele começa o artigo dizendo o seguinte:

A atual legislação para produção de computadores concede uma importante renúncia fiscal a “bens de informática e automação”. Isenções são terreno fértil para “cartórios”, principalmente quando concedidas individualmente a empresas, por solicitação específicas.

Esse foi sempre o argumento que usamos. Defendemos que incentivos fiscais devem ser aplicados nas regiões cujas desigualdades precisam ser analisadas com atenção pelo governo, a fim de que haja atrativo para aquelas empresas que não dispõem de incentivos, no Sul ou no Sudeste do País.

Em seguida, diz o articulista:

Por exemplo, a isenção para exportação de carne de galinha poderia especificar o produto como galináceos, ou simplesmente “galinha”. Como todos sabem o que é uma galinha, não há necessidade de concessões específicas para cada produtor. Se, entretanto, para a descrição do produto fosse escolhido o termo “galináceo” (galiformes, família que inclui galinhas, perus, pavões e faisões), haveria um espaço maior para formação de cartório, pois poderíamos esperar que” - e aí chamo à atenção - “a concessão de subsídios a esses produtos seria passível de interpretação, avaliação ou caracterização, caso a caso.

E, logo, conhecendo a natureza humana e a tradição brasileira do “jeitinho”, veríamos patos sendo classificados como galináceos, depois emas, papagaios e até urubus. E, enfim, haveria até concessões de subsídios à exportação de porcos que, ‘para fins exclusivos de exportação’, seriam caracterizados como galináceos.

Esse exemplo pode parecer prepóstero, grotesco mesmo. Não obstante, é exatamente o que está acontecendo com a atual lei de informática, e se, por analogia ou por outra razão qualquer, continuar a ocorrer, a renúncia fiscal poderá significar, em futuro imediato, uma perda de arrecadação de muitas dezenas de bilhões de reais.

            Neste ponto faço uma pausa, Sr. Presidente. Estamos notando que há uma grita, uma discussão, um desentendimento sobre de onde vão buscar os R$29 de aumento do salário mínimo. Mil dificuldades estão sendo postas. Estou notando que se argúi onde procurar os fundos. Ora, se essa renúncia é ilimitada e se aqui se fala em dezenas de bilhões de reais, acho já temos o fundo disponível para isso.

            Quero dar mais um exemplo e não vou nem abordar o problema automotivo, mas uma idéia do articulista: se colocarmos um microprocessador em uma balança, passa a ser um bem de automação.

O microprocessador produz automação da mesma maneira que um computador produz informática, mas os equipamentos que incluem microprocessadores não são bens de automação. Se tirarmos o microprocessador de uma balança, ela continua sendo uma balança. Então, uma balança com ou sem microprocessador não é bem de automação.

Vou finalizar, Sr. Presidente, lendo este período, porque ele obriga uma resposta do Ministério de Ciência e Tecnologia. Aliás, o seu quartel general estava hoje, a exceção do seu titular - que reputo homem de seriedade -, na Comissão de Assuntos Econômicos. E nem digo que era para exercer a chamada coação afetiva, ou o espremedor político, mas para dar o ar da sua graça à Comissão de Assuntos Econômicos. Pena que façam como na Copa do Mundo, só ali compareçam depois de muitos e muitos espaços, sobretudo na hora em que há interesse.

Observe, Sr. Presidente, o que diz o Professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico insuspeito, neste parágrafo:

O que permanece um mistério são as razões para a generosidade candente do Ministério da Ciência e Tecnologia, em sua gestão anterior [portanto, não se refere ao atual Ministro]. Aliás, diga-se de passagem, essa generosa equipe é a mesma que concedeu o privilégio de renúncia fiscal (Imposto de Renda) para aplicações em pesquisas e desenvolvimento a multinacionais do setor automobilístico e outras que, reconhecidamente, não contrataram nenhum pesquisador.

Sr. Presidente, comecei dizendo que os lacedemônios mereceram um monumento com versos de Simões, traduzidos por Cícero. Ele verteu do grego para o latim e lá ficou a expressão: “Transeunte, dize a Esparta que tu nos vistes aqui caído por respeitarmos as leis santas da pátria”.

Se algum dia, Sr. Presidente, alguém pensar que fui um dos integrantes que caí defendendo a Constituição, talvez não mereça nenhum monumento, mas, em compensação, serei mais lembrado do que aqueles que hoje lutaram para a derrubada dos nossos argumentos, porque ninguém sabe quais foram os assassinos daqueles trezentos lacedemônios. Não mereceram nenhuma placa, mas estão vivos.

Espero que este Texto Constitucional, Sr. Presidente, tão desrespeitado, seja pelo menos guardado pelo Supremo Tribunal Federal. No momento em que nós, amazonenses, formos prejudicados, se não houver até à sessão plenária uma composição que não nos abandone, nós procuraremos o manto protetor de quem é guardião da Constituição.

Anuncio, Sr. Presidente: vou voltar a esta tribuna todas às vezes em que se fizer necessário defender o meu Estado, independentemente de agradar a esta ou aquela autoridade, porque, acima de todas elas, está o povo do meu Estado, o povo do Amazonas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2000 - Página 23219