Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à mudança de posição do Presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao salário mínimo e ao pagamento da dívida externa brasileira.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à mudança de posição do Presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao salário mínimo e ao pagamento da dívida externa brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2000 - Página 23262
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, DEMOCRACIA, BRASIL.
  • ANALISE, POLITICA SALARIAL, PROVOCAÇÃO, VIOLENCIA.
  • CONTRADIÇÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EPOCA, EXERCICIO, MANDATO PARLAMENTAR, RELAÇÃO, POLITICA SALARIAL, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, CORRUPÇÃO, FAVORECIMENTO, BANCOS.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os 20 minutos de ontem passaram muito rapidamente para que eu pudesse abordar algumas questões que me preocupam cada vez mais. Não direi que sic vos non vobis porque realmente, pelo contrário, nada que faço aqui interessará.

Estou terminando meu primeiro e último mandato recebido do povo e pretendo cumpri-lo até o final. Agradeço a confiança em mim depositada, mas não pretendo dar seqüência à minha vida pública nem tentar a reeleição. No entanto, isso pouco importa.

Atualmente, no Brasil, com algumas óbvias mudanças, a nossa tenra democracia está cada vez mais desmoralizada. Cada vez mais o povo percebe que o dito sistema democrático não passa de uma promessa irrealizada. A democracia é tão antiga quanto difícil de ser concretizada.

Percebemos, com tristeza, que reduziram o verdadeiro conteúdo da democracia, uma democracia de distribuição de renda, uma democracia do poder, do saber, do conhecimento, da técnica, uma democracia habitacional, uma democracia da comida, uma democracia que resulte - como eu dizia há 30 anos - de uma ação em que três porções fundamentais da sociedade sejam satisfeitas.

A sociedade precisa satisfazer o estômago e suas necessidades - a necessidade da reposição da energia que mantém a vida humana. A sociedade precisa satisfazer a fome do estômago, a fome da cabeça - a curiosidade humana - e a fome do sexo, destruindo e derrubando tabus e restrições.

Não acredito na proposição de Freud, segundo a qual, por meio da restrição, da inibição e da insatisfação sexual, existe um processo de sublimação e de civilização. Na minha opinião, o processo civilizatório é sempre um processo de ampliação da liberdade e não um processo feito por meio de inibições, restrições, tabus e preconceitos.

Percebo agora que o PSDB, os seus aliados e o atual Governo desistiram completamente de uma “re-reeleição”, tendo desacoroçoado também em relação ao êxito na próxima eleição. Sabendo-se perdido e justamente perdido em termos eleitorais também, o Governo, poderia ter convocado as equipes que foram aprendendo ao longo de seus erros, desde 28 de fevereiro de 1986, quando o Plano Cruzado foi baixado - este plano deu certo. Três meses depois, o Ministro Dilson Funaro foi à televisão dizer que o combate à inflação que aquele plano trouxera e prometera já concederia três exceções: o preço da carne, do leite e das autopeças não poderiam continuar congelados.

Parece que o único objetivo desses planos, desde o Plano Cruzado I - não tenho tempo para falar de todos -, é a vitória política, a eleição de 23 governadores. Jamais algum político, por mais esperto, inteligente e simpático que fosse, conseguiu tamanha vitória. O Plano Real teve as suas novas engrenagens, a sua corda, o seu timing, as suas espertezas, as suas malandragens e as suas âncoras, feitas obviamente de material não-corrosivo e que deveriam apodrecer - como ocorreu com todas elas. Logo que lançaram essas âncoras, ainda no tempo do Presidente Itamar Franco, tive oportunidade de dizer que o “navio Brasil” brevemente estaria ancorado no fundo do mar.

Hoje, o Governo não procura remendar o Plano Real nem dar outro nome a esse seu filho, que se mostrou um jovem desregrado e um adulto dotado das mais perversas qualidades.

Agora, vêm aqueles sociais-democratas, que, em relação à política salarial e ao salário mínimo, ficam procurando de onde vêm os recursos para chegar tal salário a míseros R$180,00. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) já se pronunciou, concordando com os cálculos e o nível que o Dieese aponta: aproximadamente R$1.000,00 mensais. É com a CNBB que concordo plenamente.

Essa é que deveria ser a nossa meta para resolvermos parte dos problemas que aí estão, como a agressividade, os crimes, a violência, a insatisfação e a fome. Mil reais por mês! Garanto que as perturbações que viessem, que decorressem desse reajuste salarial, não seriam maiores do que a guerra e a revolução a que estamos assistindo e a que já nos acostumamos. Estamos calejados com essa agressividade fantástica. Perdemos a capacidade de nos emocionar e de reagir, de nos solidarizar com o próximo, nesse sistema que afirma que o mercado é justo, que dá a cada um o que é seu, que paga e remunera de acordo com a contribuição de cada um para a sociedade. Esse é o sistema do egoísmo, das decisões individuais, peremptórias. Jeremy Bentham, um dos fundadores desse sistema, dizia: “Eu sou tudo e, diante do meu eu, o resto do mundo não vale nada”.

Esta é a filosofia do mercado: quando esse mercado, que diz ser justo, remunera com míseros 70 dólares, ou menos do que isso, milhões de seres humanos no Brasil que não chegam sequer a ganhar um salário mínimo, é óbvio que se sou tudo e valho apenas 50 a 70 dólares, então, o outro que não sou eu, que não vale nada diante do meu eu, obviamente não vale sequer os 50 ou 70 dólares que pagam pela minha vida e pelo meu trabalho. Logo, posso retirar aquela vida por um tênis, por qualquer 10 ou 20 reais.

E estamos ensinando algo completamente deturpador em relação ao que existe de humano ou deveria existir dentro de nós. É uma pedagogia completamente enlouquecida, desumana, bruta, covarde esta que o sistema cria e instila. Destrói as famílias, destrói os valores e coloca uma televisão endinheirada e amoral.

Não posso me deter por muito tempo, mas apenas pinçarei alguns tópicos que nos levam à descrença. Por exemplo, em 1983, quando o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso era Senador, ele se orgulha e se orgulhou, até no discurso com o qual se despediu desta Casa, de ter se oposto ao Decreto n.º 2.024, um decreto dos militares, que determinava que os reajustes de salários deveriam ser de 80%, e não de 100% da inflação do período anterior. O Decreto n.º 2.024, que esta Casa e o Congresso rejeitou, preconizava uma perda constante de 20% do salário. Os reajustes corresponderiam a 80% da inflação do período anterior. E hoje temos 80% de diferença, de perda, de corrosão do salário. E Sua Excelência que considerava 20% pouco, no tempo dos militares, pensa agora que 80% é mais do que razoável; é aquilo que a socialdemocracia quer e deseja. Dessa forma, a desmoralização, a desesperança têm que acompanhar essas promessas feitas, única e exclusivamente, para chegar lá, para vencer as eleições.

Aqui, em seus discursos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso tece invejáveis críticas ao FMI. Ele utiliza toda a sua capacidade crítica para mostrar que o FMI está nos monitorizando, nos governando, que deixamos de ser um país soberano; que o reajuste de salário, o enxugamento da máquina, a dispensa de funcionários e o equilíbrio orçamentário, determinados pelo FMI, tornam a vida impossível de continuidade.

Vejamos o que diz S. Exª, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a respeito do FMI: “Nós, aqui no Brasil, sentindo todos que o ponto de ruptura está à vista...” - O ponto de ruptura está à vista”!

Isso em 1983! Então para vermos o ponto de ruptura, devemos olhar para trás hoje obviamente, porque não se encontra mais na nossa frente. Ou, então, o milagre da paciência, o milagre do comodismo, o milagre da mídia, que hipnotiza. Deve ter acontecido algum milagre para que o povo, que havia chegado já ao ponto de ruptura, há 17 anos, de acordo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda continue esperando não sei o quê.

“(...) sentindo todos que o ponto de ruptura está à vista, não podemos moralmente deixar de fazer enorme esforço para mostrar aos banqueiros e ao Fundo que já chegamos a um ponto em que não é possível mais aceitar o gênero de medidas que estão sendo suscitadas, senão pelos técnicos do Fundo, talvez até pelo açodamento - e uso a palavra, agora, em sentido e para pessoas diferentes daquelas às quais se referiu o Presidente da República, pelo açodamento com que os responsáveis pela nossa condução econômico-financeira, ajustam a economia apertando parafusos ali onde a rosca já está espanada, ali onde já não há mais nenhuma possibilidade de apertá-los;(...)”

            Como ele conseguiu apertar tanto essa rosca espanada até chegar a este ponto em que nos encontramos hoje? Como ele conseguiu ser tão cordato com o FMI que aqui ele profliga e acusa de estar tornando a vida impossível, de estar espanando a nossa rosca, ele, que elevou a dívida externa aos píncaros de US$160 bilhões e a dívida interna a cerca de US$560 bilhões? Jogando todo o serviço e todo o custo FHC nas costas do povo cansado, do povo que era uma rosca espanada já naquela ocasião.

E aqui ele diz o seguinte: “O FMI não pode esperar receber.”

Não é o PT que quer dar o calote, é o Presidente Fernando Henrique Cardoso que propõe aqui o calote da dívida externa. Vou ler: “(...) sem negociar, sem levar, com vontade e política firme aos banqueiros internacionais e ao Fundo, a decisão do País, que é a decisão não de dizer “não pagarei”, mas sim “não posso pagar(...)”. Se, naquela ocasião, disse que não podíamos pagar a dívida que era de aproximadamente US$80 bilhões. E agora? “Não podemos pagar”, devemos dizer ao Fundo Monetário Internacional diz o hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso. “E nenhuma palavra responsável da Oposição foi dita aqui ou fora daqui, no sentido do “não pagarei”, mas todos nós dissemos e diremos: não podemos pagar e não vamos pagar.” Entretanto, 17 anos depois, estamos pagando como nunca!

Por isso e outras razões, o invejável Mário Covas disse que o PSDB de hoje é o antiPSDB. Quem me dera que o PSDB de hoje ainda fosse o Partido da coragem e das bandeiras postas à frente da sociedade, enfincadas no futuro saudável e claro deste País.

“Pagaremos negociando. Chamemos de moratória. Não vamos ter medo de palavra. Dentro de poucos meses, será o Governo que virá aqui justificar por que deixou de pagar.” Ele propõe, com outro nome, que não paguemos ou que façamos uma moratória. Hoje não há moratória nem lembrança de moratória, não tem coragem para dizer: não pago, não posso pagar. Paga, sim, religiosamente. E nós é que somos os pagadores. Todos sabemos disso.

Aos funcionários públicos e trabalhadores ele votou um arrocho de 20%, uma reposição 20% abaixo da inflação e hoje ele deve 80% de inflação não-reposta.

Em relação às empresas estatais, o que Sua Excelência escreveu como Senador não tenho tempo e fico até com pena de repetir. Em tão pouco tempo houve algum arco-íris sob o qual passou ele e muita gente para que sucedesse com o País o que está acontecendo. Pagamos e estamos pagando. Tancredo Neves dizia: “Não admitirei pagar com a fome do povo a dívida externa brasileira”. Estamos pagando com sangue, com fome, com desemprego, com 30 bilhões só para sustentar os bancos e os banqueiros, que quebraram depois de ser o setor mais lucrativo do País. Estamos pagando o preço dos aposentados empobrecidos, da terceira idade desvalida, desguarnecida, abandonada. Estamos pagando o preço de vinte anos perdidos neste País. A década anterior foi perdida e, depois de dez anos dessa política neoliberal e dita socialdemocrata, estamos marcando passo, tentando subir por uma ladeira ensaboada.

A redução do chamado custo Brasil - que chamo de custo FHC -, que, na realidade, significa não apenas o downsizing, a reengenharia e outras palavras que querem dourar a pílula, mas significa isso que já sabia e que está escrito aqui.

Diz ele: “Diz S. Exª, o Senador Roberto Campos, que o caminho realista para combater o desemprego é diminuir os subsídios ao capital e tornar mais atraente e menos onerosa a contratação da mão-de-obra."

Ou seja, reduzir salários, acabar com o décimo terceiro, acabar com as férias, acabar com feriados e dias santos, acabar com o auxílio maternidade e com a licença para o cônjuge acompanhar a mulher parturiente.

Supõe-se que mais atraente e menos onerosa significa ‘salários mais baixos’. Vale a frase citada por S. Exª de Carlos Lacerda: ‘- Matava imparcialmente' os pobres de fome, os ricos, de raiva. Tirar o subsídio do capital e, ainda mais, diminuir os salários é matar os pobres de fome, e os ricos de raiva.

            Meus Deus! Alguns ricos só podem é morrer de rir numa hora dessa. É o que deve acontecer, por exemplo, com seu primeiro filho, que, naquela ocasião, era casado com a D. Ana Lúcia Magalhães Pinto, Diretora do Banco Nacional, e que recebeu R$10 bilhões.

De modo que alguns, que receberam essas importâncias especialmente dirigidas a eles, obviamente não estão morrendo de raiva; estão morrendo de rir.

“Some-se à já mencionada corrupção - nas variadas formas...”

Aqui não estão explícitas, por exemplo, novas formas, neoformas de corrupção. Por que R$200 mil para deputados, quando se poderia comprar aqueles pobres deputados talvez com a quinta parte disso? Foram R$200 mil para cada um para que a reeleição fosse aprovada.

Então, diz ele:

“Some-se à já mencionada corrupção - nas variadas formas, desde as 'mordomias' até os crimes 'de colarinho branco', e tem-se um quadro sombrio do 'outro Brasil'. Há desgoverno no Estado e anomia na sociedade.”

Parece até que estamos diante de alguém que resolveu se penitenciar, se auto-acusar, fazer uma confissão pública do desgoverno que existe no Estado e da anomia na sociedade. A anomia do mercado está no livro O Suicídio, de Emile Durkheim, que trata do suicídio anômico e define a anomia. O suicídio anômico é próprio daqueles que estão no mercado, daqueles que têm a liberdade total de agir. Esse é o suicídio específico do grupo protegido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. A anomia é resultante do desgoverno. Há desgoverno no Estado e anomia na sociedade. A anomia da sociedade é, obviamente, a contraface do desgoverno desse Estado. "Já pagamos uma enorme cota de sacrifícios nos últimos dois anos. Sacrifícios no Front interno, graças às obsoletas diretrizes do FMI."

Parece que o Senhor Fernando Henrique Cardoso mandou recauchutar, renovar, remodelar essas obsoletas diretrizes do FMI, as mesmas a que Sua Excelência obedece. "Sacrifícios no Front externo, pelo rigoroso pagamento de juros exorbitantes".

No ano passado, foram R$151 bilhões entre os internos e os externos.

Quem me dera ter mais energia e ser jovem e fagueiro como Sua Excelência o Presidente da República, que, com toda razão, é narcisista. Já li quatro vezes e ouvi três o Presidente da República confessar que é narcisista. Quem diz é Sua Excelência que conhece a si próprio. Não posso contraditar Sua Excelência, Sua Majestade, o Presidente da República.

Pois bem, Sua Excelência diz: "Mas, de qualquer maneira, fui aposentado aos 37 anos, não tenho muita autoridade" - confessa - para castigar os aposentados, para não pagar os 28.8% e dizer que pagou. Os 28.8% que iriam equilibrar a situação dos civis com a dos militares, Sua Excelência diz que pagou mas não é verdade. Alguns receberam apenas 7% dos 28.8%. Mas Sua Excelência está aposentado e não tem mais compromisso com a terceira idade. Aliás, penso que não chegou lá; tem apenas 69 anos de idade, está muito jovem, muito bem maquiado e não chegou ainda à terceira idade. De modo que então não tem nada com isso, com os seus futuros colegas da terceira idade, os aposentados. Sua Excelência se aposentou com 37, por isso está com essa mocidade toda e tantos anos de aposentadoria. Mas aqueles que aposentaram com a idade legal, esses, sim, estão penando nessa situação. Mas já não se lembra também disso e nem desses. Agora não pode aumentar o salário mínimo, diz Sua Excelência. Antigamente, ele sabia disto. Não se podia aumentar o salário mínimo porque os Municípios pequenos não podiam agüentar essa despesa extra com os servidores públicos, que, recebendo menos de um salário, passariam a receber um salário inteiro. Então, não podemos aumentar o salário porque os Municípios quebram; não podemos aumentar o salário porque a inflação volta.

           Certo dia, fiz um pronunciamento retroativo ao ano de 1500, mostrando as sucessivas mentiras que usaram para justificar a impossibilidade de aumentar os salários. De onde virá o dinheiro? Do mesmo lugar de onde vieram, por exemplo, os R$30 bilhões para o Proer financiar banqueiros falidos. Se faliram, e o mercado é sábio, diz Milton Friedman, não é possível tentar ressuscitá-los. Não é possível soerguer aqueles que a lâmina justa do mercado decepou. Percebemos que há uma bancocracia no poder. Na hora em que o imperialismo, como diria o Senhor Fernando Henrique Cardoso - ou o capitalismo financeiro em sua fase final, senil, -, está mostrando sua incompatibilidade, sua impossibilidade de coexistir, de continuar vivendo nesta sociedade moderna e quebram em todas as partes do mundo. O que vemos é que este Governo teima em fornecer uma UTI mais que dispendiosa aos bancos quebrados.

           Esse FMI”, de acordo com ele, “cristaliza não o bom senso, mas os interesses do sistema capitalista internacional. Interesses são interesses. Não quero nem julgá-los se são bons ou maus”, dizia Sua Excelência. “A pergunta é outra: me servem ou não servem? Atendem-nos ou não nos atendem? E freqüentemente - e nesses casos é que denunciamos - parece-nos, a nós do PMDB, que não nos servem nem nos atendem”. Esse FMI, que não nos serve nem nos atende, ainda continua sendo o orientador de todas as decisões importantes neste País.

           A parte do lobo a Constituição já assegura ao FMI no seu art. 166, § 3º. Não temos, pois, o poder - nem a Comissão de Orçamento, nem ninguém - de mexer na parcela destinada a pagar os banqueiros nacionais e internacionais. A nossa Constituição Federal já incorpora essa servidão. Desse modo, é natural.

           Depois de mostrar que esses sacrifícios existem aqui dentro e lá fora, diz Sua Excelência, no dia 16/05/1984: “Chegou a hora de dar um basta a tudo isto.” É de se indagar: esta valentia era só para levar um grupo à Presidência da República? Todas as palavras apodreceram? Perderam a validade? Prescreveram como uma droga com data marcada? Será que tudo perdeu a validade? Tudo se tornou obsoleto no mundo dessa modernidade vergonhosa?

           “A chamada política de reajuste de nossas economias, na linha do receituário do FMI, limita gastos públicos, diminui investimentos, baixa o nível real dos salários e, no caso brasileiro, sequer controla a inflação”.

           Ele, na sua autocrítica e na sua declaração de mea culpa, está ficando sozinho, como o outro, há pouco na Presidência, o outro Fernando, o campeão dos aplausos e do prestígio eleitoral, que dizia: “Não me abandonem; não me deixem só.” Naquele tempo, apenas 13% teimavam em não enxergar o que está ocorrendo neste País.

           Por tudo isso, percebe-se que os relojoeiros, isto é, aqueles que aprenderam, de acordo com o Professor Edmar Bacha, com os erros praticados desde 28 de fevereiro de 1986 e com os sucessivos cruzados e reais, não estão mais querendo reativar a economia. Inventaram um novo nome e novas âncoras - desenferrujar âncoras. Eles estão tranqüilos, porque pretendem engessar o País. Perdida a eleição, eles querem recuperar o prestígio político durante o mandato do próximo Presidente e tornar verdadeira aquela frase: “Depois de mim virá quem de mim bom fará”. Então, o Lula, por exemplo, se for eleito, terá que ser tão ruim que tornará este Governo bom, saudoso, saudável. Por isso, eles estão engessando. Se eles conseguirem, por exemplo, engessar o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores, se eles conseguirem engessar a diretoria autônoma do Banco do Brasil, se eles conseguirem engessar e governar, fazer com que a sombra de seu Governo se projete no futuro, então aí teremos um Governo engessado, amarrado, fadado ao insucesso.

           Eu gostaria que os Partidos de Oposição, especialmente o meu Partido, prestassem um pouco de atenção nesta percepção que tive e que também o Presidente Fernando Henrique Cardoso tinha. O Governo, muitas vezes, transforma a alegria da posse do Presidente da Oposição em algo parecido com uma Quarta-Feira de Cinzas, com uma data lúgubre, triste, não merecedora de qualquer comemoração.

           Tenho receio de que muitas administrações do meu Partido, do PT, estejam hoje percebendo que isso está acontecendo e que caíram em uma esparrela, qual seja, a de que a vitória do meu Partido possa ser transformada por eles - Maquiáveis - em uma vitória de Pirro.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2000 - Página 23262