Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o impacto social em decorrência do aumento do salário mínimo.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Reflexão sobre o impacto social em decorrência do aumento do salário mínimo.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2000 - Página 23272
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, PROXIMIDADE, ENCERRAMENTO, PRAZO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, EXERCICIO FINANCEIRO SEGUINTE, INEXISTENCIA, ACORDO, CONGRESSO NACIONAL, BUSCA, FONTE, FINANCIAMENTO, AUMENTO, SALARIO MINIMO.
  • SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUTORIDADE, EXECUTIVO, EMPENHO, FINANCIAMENTO, AUMENTO, SALARIO MINIMO, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, TRABALHADOR, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a atualização do salário mínimo, elevando-o a um valor próximo a US$100, é um desafio que se impõe a todos nós, homens e mulheres que se empenham na defesa cotidiana do interesse público. Encontrar uma forma viável de estabelecer um salário-referência que busque minimamente reduzir o distanciamento social entre partes da população brasileira é o mais singelo dos atos que podemos cometer se desejamos efetivamente alterar, de forma eficaz, o quadro de iniqüidades e desigualdades que prevalece para grande parcela da sociedade brasileira.

Durante boa parte deste ano, a cena pública brasileira foi ocupada por discursos infindos em torno da fixação de uma remuneração básica que respeite o trabalhador e suas premências. Contudo, e a despeito de posicionamentos muitas vezes convergentes vindos de conservadores e progressistas, não conseguimos fazer a matéria prosperar e finalmente estabelecer um novo mínimo menos indigno.

Tudo esbarra na recorrente cantilena dispensada pela sensibilidade embrutecida dos responsáveis pela política econômica do País, aí incluído, naturalmente, o Presidente da República. O fato é que estamos a pouco mais de duas semanas do encerramento da sessão legislativa e, portanto, do prazo final para a aprovação do orçamento do próximo exercício e de concreto, ainda não se tomou uma decisão.

Ainda na semana passada (domingo, 19), entrevistado na Cidade do Panamá, o Presidente da República proferiu uma declaração no melhor estilo “isso não é comigo, mas contem com todo o meu apoio, se alguém aí resolver o problema”. Sua Excelência, possuído pelo vivo interesse nas questões que afetam os segmentos mais frágeis da sociedade brasileira, exibiu-se como um precoce e lamentável lame-duck - para utilizar a consagrada expressão adotada pelos norte-americanos para identificar o político em fim de carreira.

Isso porque talvez precise utilizar todo o seu tempo, energia e “charme pessoal” para incensar os seus íntimos na criação da ONG FHC, base que pretende usar - anunciam alguns colunistas - para transformá-lo em um grande consultor e conferencista internacional. Na nova condição, seguramente não terá Sua Excelência que se preocupar com o salário mínimo, com a remuneração do trabalhador brasileiro.

Mas para o resto de nós, que prosseguimos na planície, na luta e na labuta diária e temos plena consciência das responsabilidades públicas que pesam sobre os ombros dos representantes populares, fixar o salário mínimo em um patamar equivalente ou próximo dos US$100 é um objetivo claro e alcançável, que devemos perseguir às últimas conseqüências.

Com freqüência lemos e ouvimos opiniões que procuram condenar e mesmo vetar o irrisório aumento de 20 pontos percentuais no salário mínimo vigente, sob o argumento de que um reajuste dessa ordem vai comprometer ainda mais as contas públicas. Aliás, são os mesmos defensores da transferência anual, sem questionamento, de bilhões de dólares para os credores da dívida pública. Exatamente aqueles que preconizam a manutenção das taxas de juros em patamares escandalosamente elevados. Os mesmos que têm a pachorra de achar banal o socorro estatal a bancos privados e similares.

Há meses atrás, quando discutíamos um acordo sobre os salários do Presidente da República, de nós Senadores, dos Deputados Federais e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, fiz as contas e mostrei aqui que passaríamos a receber, por mês, 76,15 vezes mais que o trabalhador brasileiro: são R$11,5 mil contra R$151. Não há qualificação intelectual, notório saber, competência profissional que admita e justifique um abismo salarial dessa proporção. É simplesmente vergonhoso um país resignar-se a tamanha distorção!

É exatamente essa distorção que nós podemos e devemos começar a corrigir elevando o salário mínimo, piso de referência remuneratória para o País, a fim de que gradualmente possamos atingir uma escala diferencial razoável entre os distintos níveis salariais.

Depois, sem muito esforço, é possível aduzir uma série de argumentos que justificam, do ponto de vista social, econômico, político e até mesmo tributário, a majoração do mínimo. E não é preciso que fiquemos restritos às imediatas implicações de promoção social, que se refletem na pronta elevação da qualidade de vida de expressivo contingente da população. A Economia ensina que qualquer incremento de renda segue preferencialmente um desses dois caminhos: consumo ou poupança. Ambos impulsionam o crescimento.

Como sabemos, a injeção de novos recursos na economia tem um poder multiplicador formidável que, em um modelo tributário minimamente organizado e adequado, vai finalmente elevar a arrecadação e ampliar, portanto, o poder de ação, especialmente social, do Estado.

Esses reflexos têm maior repercussão e são ainda mais positivos justamente naquelas áreas menos providas de recursos, nas unidades que abrigam as populações mais pobres da Federação. Para essas populações, um pequeno incremento de renda tem um significado que, em muitas ocasiões, chega a ser superestimado pela ingenuidade dos próprios beneficiários.

Em meu Estado, o Pará, por exemplo, de acordo com estimativa do IBGE, quase um quarto da população economicamente ativa recebe até um salário mínimo, o que representa mais de 350 mil trabalhadores, com atividades concentradas especialmente na indústria e nos serviços.

E é duro verificar que o paraense que vive com um salário mínimo utiliza 72% de seu ingresso mensal na cesta básica. O que sobra para habitação, educação, saúde, higiene, vestuário? Nada! E com nada sobrevive um expressivo número de brasileiros. Precisamos dar um basta a essa constrangedora situação. Temos que reverter esse quadro de miséria e realizar logo a inclusão e promoção social, tão caras e recorrentes no discurso, incapazes de materialização na prática.

Vistos todos esses motivos - e poderia aqui elencar tantos outros -, é que apelo à sensibilidade de V. Exªs, Srªs. e Srs. Senadores, e também à de nossos colegas da Câmara dos Deputados, mas sobretudo à das autoridades do Poder Executivo para que juntos possamos promover esse modesto reajuste, elevando minimamente o salário mínimo e afastando da miséria milhões de brasileiros que se vêem condenados a sobreviver entre sobras e migalhas, não raro dependentes da bondade e do humor alheios.

A discussão sobre as fontes de recursos para financiar esse aumento, que inclusive o Presidente da República faz questão de lavar as mãos, se dá de forma errada, especialmente quando se prende “ao impacto nas contas públicas” - ótica imposta pelo FMI - e não na ótica dos reflexos sociais e econômicos do ponto de vista do desenvolvimento e de dinamização da economia.

Se as reflexões de dessem considerando os impactos sociais, os cálculos deveriam ser feitos partindo dos seguintes números: segundo a Fundação Getúlio Vargas, 29.3% da população brasileira está abaixo da linha de pobreza. São 46.4 milhões de brasileiros que têm como renda mensal menos de R$76,00. Com o salário mínimo passando para R$180,00, 2.75 milhões de brasileiros, o equivalente a quase 6% da população, sairão da linha da pobreza. Esse aumento do salário mínimo terá um impacto mais significativos para cerca de 7 milhões de crianças. Também os idosos, que representam 56% dos que ganham salário mínimo no País, serão grandemente beneficiados. Vejam, Srªs. e Srs. Senadores, que apesar de um ganho muito significativo, isso ainda é muito pouco.

A questão então é de prioridade do governo. O impacto nas contas públicas pode ser resolvido de outra forma. O combate à sonegação é uma delas. Ocorre que o nosso Presidente governa para fora e não na ótica dos brasileiros. Não é à toa que sua popularidade permanece há muito tempo em patamares muito baixo.

Sr. Presidente, quando se nega uma remuneração justa ao trabalhador nega-se simultaneamente as condições mínimas para a vida digna. Sem garantir uma vida digna a todos os seus cidadãos, o que poderá um Estado esperar e exigir em contrapartida? Evidentemente que nada! É por esse caminho que nos joga a tergiversação do Governo Fernando Henrique Cardoso, constrangendo e diminuindo o âmbito da cidadania e amesquinhando a Nação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2000 - Página 23272