Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à atuação do Governo Federal na área sócio-econômica e de segurança pública.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à atuação do Governo Federal na área sócio-econômica e de segurança pública.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2000 - Página 23307
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, ELEIÇÃO MUNICIPAL, INICIATIVA, POPULAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, ZONA URBANA, ESPECIFICAÇÃO, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA JUDICIARIA, REFORMA POLITICA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, POLITICA DE TRANSPORTES, DESENVOLVIMENTO, INFRAESTRUTURA, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as eleições municipais foram, sem sombra de dúvida, um dos fatos marcantes deste ano não só pelo funcionamento do seu aparato eletrônico, que, salvo algumas denúncias isoladas de irregularidades, teve a aprovação do País, mas também por proporcionar uma reação popular à falta de iniciativas públicas que melhorem a qualidade de vida do cidadão, sobretudo, nos centros urbanos. O Brasil viveu, neste ano, um cenário frustrante no que diz respeito ao social. E, de certa forma, esse foi o recado das urnas.

            Se o resultado das eleições municipais foi positivo, no plano político houve um impasse com a paralisação do Congresso Nacional, provocada pelas divergências na base de apoio ao Governo. Também contribuiu para isso a insistência de setores desta mesma base de fazer avançar uma pseudo-reforma político-partidária, que só tem como finalidade inviabilizar a emergência do novo e perpetuar no poder as oligarquias representadas principalmente pelas grandes agremiações partidárias.

            Embora tenha aprovado propostas relevantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Emenda Constitucional da Saúde, a criação da Agência Nacional de Águas, o Congresso Nacional poderia estar encerrando a atual Sessão Legislativa com um desempenho bem melhor. É desolador, por exemplo, não termos votado matérias importantes como a Lei das Sociedades Anônimas; uma verdadeira reforma política; a reforma do Judiciário; a tão necessária regulamentação do sistema financeiro; a flexibilização do sigilo bancário para fins fiscais, matéria esta que, só agora, no final do ano, vai começar a tramitar nesta Casa; o projeto que combate a elisão fiscal; e as restrições ao uso de medidas provisórias.

            A reforma tributária merece uma reflexão à parte. Há seis anos, o Congresso espera que a sanha arrecadadora da equipe econômica se acalme para tirar a proposta do fundo das gavetas. É uma ganância desmedida por arrecadar, que, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, incluiu, nos últimos dois anos, quase dois milhões de trabalhadores, que eram isentos, entre os contribuintes do Imposto de Renda, por um motivo que tenho denunciado nesta Casa, que é a não correção da tabela de Imposto de Renda da pessoa física. Por essas e outras medidas, como o aumento da CPMF e da alíquota da Cofins, podemos perceber que o Governo não se convence da necessidade de modernizar o sistema tributário brasileiro.

            Por conta disso, o que se viu nesta Casa, de alguns anos para cá, foi a aprovação de remendos no caótico sistema tributário nacional, que tem um pé na década de 60 e outro na Constituição de 1988 e que acaba punindo o assalariado e onerando a cadeia produtiva, o que torna os produtos nacionais pouco competitivos diante dos nossos parceiros comerciais.

            A reforma política, Sr. Presidente, foi um factóide de ocasião. Não está claro nem para mim nem para a opinião pública se a base do Governo é a favor do voto distrital simples ou misto, se apóia o financiamento de campanha exclusivo ou adota uma proposta que inclua recursos privados. Não se definiu também se o parlamentarismo poderia ou não ser adotado a partir de 2006 e se é conveniente modificar o gravíssimo problema que existe de representação na Câmara dos Deputados, que deveria ser uma representação proporcional ao nosso povo. O fato é que o Governo jogou com sua base - isso está muito claro - para não promover uma verdadeira reforma política e usou as eventuais discussões sobre o assunto para gerar aquele “fato novo” capaz de desviar a atenção da mídia e da opinião pública quando entrava em pauta assuntos desagradáveis ao Poder.

            No que diz respeito ao social, há que se considerar avanços na área de Saúde, como a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e a expansão do programa Saúde na Família; na agricultura, com o Pronaf; na Educação, com o Fundef. No entanto, os problemas sociais ainda são gravíssimos no nosso País, principalmente no setor educacional, no qual os índices de analfabetismo são extremamente altos e é baixíssima a qualidade do ensino fundamental público e privado. E a recente pesquisa do MEC demonstra isso de forma cabal. Parece também que o Executivo ainda não se deu conta da necessidade de se olhar com atenção para o ensino de segundo grau. Esta é uma reflexão que temos que fazer: se estão aumentando as matrículas no primeiro grau, a pressão no segundo grau já está batendo nas portas das nossas escolas. Por fim, Sr. Presidente, o abandono das universidades públicas está a exigir um amplo debate nacional.

            Caminhamos para um cenário de caos urbano, com a falta de políticas de infra-estrutura voltadas para o desenvolvimento ordenado das nossas áreas urbanas. Essas áreas, que concentram hoje, segundo o censo do IBGE que começa a ser divulgado, mais de 80% da nossa população, tornam-se espaços onde cresce a violência, em decorrência, entre outros fatores, das injustiças sociais, oferecendo ao cidadão cada vez menos condições de levar uma vida com um mínimo de conforto e dignidade.

            Não é mais possível que o Governo continue adiando a apresentação ao Congresso Nacional e à sociedade de uma política que defina um marco regulatório e a titularidade dos serviços de saneamento básico para o País. Enfim, o setor precisa de regras claras que abram caminho para os investimentos públicos e privados. Digo isso no momento em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Unicef vêm a público divulgar que 63,5 milhões, dos aproximadamente 160 milhões de brasileiros, não são atendidos por rede coletora de esgotos. Os números revelam a precariedade de um serviço básico que reclama investimentos da ordem de R$44 bilhões para a próxima década, mas que receberá, no próximo ano, conforme já antecipou o Governo Federal, apenas R$2,5 bilhões, condicionados aos famosos cortes orçamentários. Os presumíveis recursos para 2001, portanto, multiplicados por dez, atingem pouco mais que a metade do valor necessário, citado no início de meu pronunciamento.

            A desordem nos transportes e no trânsito das nossas cidades caminha na direção do insuportável. Diante da inexistência de uma política para o setor, torna-se cada vez mais oneroso para o Estado e penoso e inseguro para o cidadão utilizar os meios de transporte público, principalmente nas capitais e nos grandes aglomerados urbanos.

            Da mesma maneira, preocupa-nos a falta de uma política nacional de segurança pública. Há cerca de seis meses, o Governo divulgou um conjunto de medidas que parecia ter sido concebido para o curto, médio e longo prazos, em parceria com os Governos estaduais, no intuito de melhorar a segurança em nossas cidades, combater o crime organizado e o narcotráfico.

            A verdade, Sr. Presidente, é que o País não logrou, desde o lançamento do programa, qualquer resultado significativo. E pior: o que se pode compreender, pelo noticiário e pelas estatísticas, é que as autoridades estaduais e federais vão perdendo o controle sobre a criminalidade, sobretudo nas periferias das grandes cidades brasileiras.

            A economia apresentou avanços, de certa forma beneficiada pela flutuação cambial que tantos transtornos havia gerado para o nosso povo em 1999. O País encerrará o ano com inflação em baixa, com o mercado de trabalho em tímida recuperação, a renda parando de cair e as contas públicas gerando resultados, se não satisfatórios, pelo menos animadores. É importante ressaltar ainda que a execução orçamentária deste ano produzirá um considerável superávit primário.

            Em que pese ter vacilado na questão dos juros, é importante dizer que reconhecemos que o Banco Central tomou medidas relevantes. Avançou na redução do depósito compulsório e estudou com profundidade a composição do custo do dinheiro na rede bancária comercial, mas pecou - e é bom registrar - quando não aproveitou os momentos de calmaria para baixar mais um pouco a taxa Selic, que é mantida congelada em 16,5% desde julho. Isso pode ser mais um elemento a contribuir com as dificuldades que enfrentaremos para crescer no ano que vem, já que está muito claro para todos nós que teremos pela frente um cenário internacional imprevisível e desfavorável.

            É bem verdade que o Governo vai colher este ano bons resultados em setores importantes da economia, como o têxtil, o de calçados, de eletrodomésticos e automobilístico. Mas a política de comércio exterior revelou-se, no mínimo, insuficiente. Mesmo com o crescimento das exportações, fruto em grande parte da mudança no câmbio, foram contrariadas as previsões de que haveria, no fim do ano, um superávit comercial de aproximadamente R$5 bilhões, anunciado amplamente pelo Governo, no início deste ano.

            Todas as projeções indicam que, ao invés do prometido resultado positivo, a balança comercial fechará no vermelho, visto que até novembro deste ano apresentou um déficit acumulado da ordem de R$310 milhões. Esse quadro demonstra o equívoco do Governo, que passa a impressão de acreditar ser mais fácil não ter políticas efetivas e duradouras, apostando que eventuais oportunidades de mercado surjam para resolver os nossos problemas de caixa. Não é assim que essa questão funciona no mundo e muito menos o será no Brasil.

            Temos pela frente percalços que não podem ser desprezados. A situação da Argentina é um deles. Os acontecimentos relativos àquele importante parceiro comercial devem servir-nos de exemplo. O desequilíbrio nas contas externas, particularmente na balança comercial, deve ser enfrentado com firmeza pelo Governo brasileiro.

            Não há mais, Sr. Presidente, a ilusão de registrar no ano que vem, crescimento de 5% do Produto Interno Bruto, resultado que seguramente proporcionaria considerável redução no nível de desemprego em nosso País. Pelas projeções de analistas e declarações de próprios integrantes da equipe econômica do Governo, cresceremos algo entre 3% e 4%, em 2001, o que resultará numa oferta limitada de postos de trabalho. Isso sem perder de vista que vamos fechar o ano com aproximadamente 8% a 9% da População Economicamente Ativa (PEA) desempregada. Um índice que, na Região Metropolitana de São Paulo, chega a 17,3%.

            As previsões mais otimistas levam a crer que haverá melhorias na oferta de emprego a partir do segundo trimestre de 2001, ou seja, daqui a quase cinco meses. O cenário, no entanto, poderia até ser de maior otimismo se o setor que mais emprega, a construção civil, desse sinais de aquecimento para o início do próximo ano. Ao contrário, esse setor vive à míngua em termos de políticas públicas.

            O próprio Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconheceu, em recente entrevista, que para enfrentar a onda de estabilidade no mundo e crescer, o Brasil precisa adotar uma agenda microeconômica, com a aprovação da reforma tributária, da Lei das Sociedades Anônimas e de medidas que reduzam o custo do capital, o custo do dinheiro em nosso País, Sr. Presidente. Seriam iniciativas que reforçariam a nossa economia para enfrentar um cenário internacional nebuloso, com as incertezas argentinas, a alta do preço do petróleo e principalmente - aqui grifo - um mercado financeiro mundial retraído em função do previsto menor crescimento da economia americana.

            O aumento brusco do preço do petróleo no mercado internacional, é importante registrar, está interferindo negativamente no resultado da balança comercial brasileira. Mas, se olharmos com um pouco mais de atenção os produtos que estão sendo importados pelo nosso País, vamos nos deparar, Sr. Presidente, com enormes obstáculos nos chamados bens intermediários.

            Fabricamos e montamos automóveis, aviões, eletrodomésticos, entre outros produtos, e somos obrigados a importar alguns bens, principalmente eletrônicos, que já poderiam estar sendo fabricados no País, não fosse o imobilismo que toma conta dos responsáveis pela política de desenvolvimento econômico do Brasil. Acredito que seria uma demonstração de maturidade debruçarmo-nos sobre a formulação de uma política industrial, não aquela política industrial do passado, do período de substituição de importações - ninguém está falando nisso! -, mas uma política industrial contemporânea que substitua significativamente essas importações de bens que poderiam muito bem estar sendo produzidos no nosso próprio País.

            Sr. Presidente, mesmo liderando um Partido de oposição nesta Casa, quero aqui fazer uma crítica construtiva, afirmando que é inadiável que o Governo volte a governar. O Executivo precisa sair da inércia, com propostas efetivas de políticas públicas, priorizando a área social. Neste momento, a impressão crescente na opinião pública é que o Governo está na defensiva, acomodado em cima de conquistas do passado.

            O resultado da eleição municipal, insisto, deixou claro que a estabilidade da moeda não é suficiente. O cidadão, na minha opinião, diz com clareza que não abre mão de uma moeda forte, de um real forte, pois é uma conquista, inclusive porque ele quer, a partir daí, colocar na mesa as suas reivindicações e negociá-las com o Governo.

            No próximo ano não teremos eleições. Assim, estamos diante de uma excelente oportunidade para o Governo tomar a iniciativa de apresentar ao País uma agenda de compromissos com o desenvolvimento interno. O Governo deve estar atento para não incorrer no erro de, mais adiante, acomodado como está atualmente, ser obrigado a recorrer a medidas reativas, em função de fatos consumados que, muitas vezes, esbarram no velho populismo fiscal do nosso País.

            O Executivo, Sr. Presidente, na nossa opinião, precisa enxergar as prioridades do País e adotar uma agenda de reformas. Eu diria assim, de uma nova geração de reformas. Vamos colocar que a primeira geração foram essas reformas feitas até agora. O Governo precisa adotar uma nova geração de reformas, reformas essas agora mais ligadas à microeconomia, dando ênfase, volto a frisar, à lei das sociedades anônimas, à reforma tributária, entre outras que já citei neste pronunciamento. Precisa, Sr. Presidente, de decisões que reduzam o custo do capital, para que tenha crédito a custo adequado no nosso País, além de uma política industrial, como citei anteriormente, que diminua a nossa dependência de bens intermediários que oneram as nossas contas externas, a nossa balança comercial e aumenta a vulnerabilidade do País neste contexto que estamos vivendo no mundo.

            O País reclama medidas urgentes que dêem impulso às políticas sociais, sobretudo para estancar a decadência da qualidade de vida das populações das nossas cidades. Quem anda pelos centros urbanos do nosso País enxerga a real situação do nosso povo. Talvez seja um pouco difícil enxergá-la dos palácios de Brasília, mas quem anda pelos centros urbanos, repito, enxerga essa crise social. Se medidas não forem adotadas, Sr. Presidente, continuaremos assistindo, em 2001, a um Governo em estado de letargia, arrastando-se sem rumo e gastando suas poucas energias para resolver, como no presente, as crises cíclicas de uma base política extremamente heterogênea.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


            Modelo15/6/248:48



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2000 - Página 23307