Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio à decisão da extinção das emendas individuais para consolidação do novo valor do salário mínimo. Propostas para melhoria da justiça social no Brasil.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. ORÇAMENTO. REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Apoio à decisão da extinção das emendas individuais para consolidação do novo valor do salário mínimo. Propostas para melhoria da justiça social no Brasil.
Aparteantes
Carlos Bezerra.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2000 - Página 23322
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. ORÇAMENTO. REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEFINIÇÃO, VALOR, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, EXPECTATIVA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • APOIO, DECISÃO, GOVERNO, EXTINÇÃO, EMENDA INDIVIDUAL, CONGRESSISTA, ORÇAMENTO, OBJETIVO, COBERTURA, DEFICIT, AUMENTO, SALARIO MINIMO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • APREENSÃO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, AREA, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, COMBATE, FOME, MISERIA, DESNUTRIÇÃO.
  • EXPECTATIVA, AUMENTO, INVESTIMENTO, ORÇAMENTO, PRODUÇÃO, AGRICULTURA, INDUSTRIA, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, REFORMA TRIBUTARIA, MELHORIA, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS.

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            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação manifestada aqui pelo Senador Roberto Freire foi a mesma que nos levou, hoje, a alinhavar este pequeno pronunciamento: a questão social em nosso País.

            Em princípio, escrevi, Sr. Presidente, que a definição do salário mínimo em R$180,00, resultado do esforço conjunto do Congresso Nacional e do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, sem dúvida, representa uma conquista importante para o conjunto dos trabalhadores brasileiros. A medida terá efeitos imediatos na economia e certamente vai colaborar no processo de retomada do crescimento, a partir do incremento da renda da população. Estou certo de que, vigendo esse salário, os supermercados e os shoppings estarão mais cheios, e o povo, indiscutivelmente, em grande parte, melhor alimentado.

            No noticiário do início da tarde, tomamos conhecimento da reação de um elevado número de Parlamentares contra a decisão de extinção das emendas pessoais - cujo montante chega a R$1,6 bilhão - para cobrir, junto à Previdência, o gasto que o aumento do salário mínimo para R$180,00 vai acarretar.

            Não refuto uma observação sequer do Senador Roberto Freire sobre as emendas pessoais. No entanto, devo dizer que grande parte dessas emendas tem trazido resultados principalmente para as pequenas comunidades, que, muitas vezes, não têm recursos para a construção de uma creche ou de um sistema sanitário, para aquisição de veículos usados para buscar estudantes na zona rural. São essas emendas que vêm acudindo grande parte das Prefeituras do País.

            S. Exª tem razão. Quero que uma minoria constitua as exceções que trazem o seu protesto - que até eu endossaria -, porque não podemos permitir que o Parlamentar apresente uma emenda destinada a um Município, para dela tirar proveito eleitoral. Estou muito à vontade para dizer isso, Sr. Presidente, porque, durante os três ou quatro primeiros anos nesta Casa, as minhas emendas se destinavam aos 15 Municípios mais pobres do meu Estado e, muitas vezes, eu me limitava, simplesmente, a comunicar ao prefeito aquela iniciativa pessoal.

            De forma que quero manifestar a V. Exª e aos Srs. Senadores que estou absolutamente de acordo que se lance mão da nossa prerrogativa das emendas pessoais para que se consolide o salário mínimo de R$ 180,00.

            Mas, Sr. Presidente, as nossas preocupações não ficam restritas a R$ 173,00 ou R$ 180,00, porque não é um salário mínimo de R$ 180,00 que vai solucionar os problemas sociais do nosso país. Entendo que R$ 180,00 não são suficientes para uma família, neste país, viver com dignidade.

            O que nos preocupa são justamente aqueles milhares de brasileiros que não têm salário, que estão desempregados ou subempregados e que dependem da ação imediata do governo para se verem livres do drama da fome e da miséria.

            Se, por um lado, festejamos o aumento de 20% no valor do salário mínimo, por outro lado ficamos extremamente preocupados com os cortes em gastos sociais anunciados pelo governo no Orçamento de 2001. Ficamos em alerta porque são esses recursos que garantem sobrevida àqueles que nada têm, que nada possuem, que dependem, por exemplo, da cesta básica para se alimentar.

            Estou de acordo com as observações feitas pelo respeitável colega Roberto Freire em relação à cesta básica. Entretanto, vivemos em um cenário cruel, mas real, em que milhares e milhares de famílias, já desprovidas de força para o trabalho, não têm o que comer, não têm onde morar.

            A sociedade tem, por intermédio do poder público, que assumir essas questões. Há anos era a Sociedade São Vicente de Paula que distribuía alimentos e remédios, prestando ajuda aos que mais necessitam em centenas e centenas de municípios; eram os clubes de serviço e as igrejas, principalmente os espíritas, prestando ajuda àqueles que realmente dela precisam. Mas em um determinado momento, o poder público federal, estadual e municipal entenderam que precisavam e precisam assumir essa responsabilidade. É claro, pois temos de sair dessa situação.

            Sr. Presidente, vou tecer mais algumas considerações.

            Cerca de trinta e dois milhões de pessoas defrontam-se diariamente com o problema da fome no Brasil, número equivalente ao de toda a população de um país como a Argentina. Os números atualizados do IPEA apontam ainda a existência de cerca de 21 milhões de brasileiros vivendo em estado de indigência relativa. O percentual de pessoas que passam fome em nosso país é muito superior ao índice considerado tolerável pela Organização Mundial de Saúde, que é de 3%.

            O Brasil continua sendo um dos países mais injustos do mundo. Se tivesse um nível de desigualdade parecido com a média mundial, nosso país, com a renda per capita que possui, deveria ter apenas 10% de pobres em sua população. A realidade é bem outra: cerca de 30%.

            Um estudo realizado pelo Banco Mundial mostra que os brasileiros com idade entre 5 e 17 anos representam 57% dos pobres de nosso país, embora correspondam apenas a 41% da nossa população.

            A pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância revela que o Brasil tem hoje pelo menos 50 mil crianças e adolescentes pobres que vivem e trabalham em depósitos de lixo a céu aberto, os chamados lixões. É uma situação dramática e inaceitável.

            A desnutrição é considerada pelo Unicef uma das piores conseqüências da pobreza. Ela é uma “emergência silenciosa”, que ocorre e persiste independentemente de guerras, de catástrofes ou de períodos de extrema escassez de alimentos. Sua persistência tem profundas e assustadoras implicações para a criança, para a sociedade e para o futuro da humanidade. A desnutrição atinge principalmente os fetos em período de desenvolvimento, as crianças até os três anos de idade e as mulheres, especificamente nos períodos antes e durante a gravidez e enquanto estão amamentando os seus filhos.

            Crianças desnutridas freqüentemente sofrem a perda de capacidades mentais preciosas, adoecem constantemente e tornam-se muito mais propensas a morrer de doenças comuns na infância. As que sobrevivem podem crescer com incapacitações físicas e mentais permanentes.

            A desnutrição, Sr. Presidente, está envolvida em mais de 50% dos casos de morte de crianças em todo o mundo. Nos países em desenvolvimento a desnutrição é um dos fatores responsáveis por mais da metade dos quase 12 milhões de mortes anuais de menores de 5 anos.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Brasil tem condições de modificar esse cenário, construindo a verdadeira justiça social, se colocarmos em prática projetos criativos e eficientes, se garantirmos os recursos sociais necessários, se fiscalizarmos corretamente a sua aplicação evitando os desvios e a corrupção e se quisermos realmente acabar com a marginalidade.

            O que não é mais suportável é saber que, dos cerca de 70 milhões de trabalhadores brasileiros, 37 milhões têm renda mensal inferior a R$408,00 e que apenas 10% da população concentram 47% da renda nacional. Em um país cuja economia produz anualmente perto de US$1 trilhão em bens e serviços e se posiciona como a oitava economia do mundo não se admite a falta de uma política efetiva de combate à exclusão social.

            O país precisa investir mais na modernização de nossa infra-estrutura global para podermos ampliar o mercado interno e dinamizar a produção agrícola e industrial.

            Na agricultura, por exemplo, as possibilidades brasileiras são simplesmente gigantescas, tão grandes ou maiores do que as americanas. Na indústria, temos todas as condições de aumentar muito mais os ganhos de produtividade, a qualidade dos nossos produtos, que já alcançam graus elevados de competitividade no mercado internacional, e dimensionar o nosso avanço tecnológico.

            A outra questão, Sr. Presidente, está ligada diretamente ao conhecimento e ao progresso científico e refere-se particularmente aos investimentos urgentes que precisam ser feitos em ciência, tecnologia e educação, que serão as determinantes mais importantes no século XXI. Lamentavelmente, o Brasil investe pouco nas três áreas e essa política precisa ser revista.

            Para termos uma idéia do esforço que necessitamos fazer para superar as deficiências nesses três pontos, basta lembrar que investimos apenas R$565,00 anualmente por aluno matriculado da primeira à oitava séries do primeiro grau nas escolas públicas. Assim, em termos globais, o total de todo dinheiro disponível para a educação não ultrapassa 4,8% do Produto Interno Bruto. Por sua vez, em relação à ciência e à tecnologia, o quadro é ainda mais preocupante porque só gastamos 1,2% do nosso PIB, ao mesmo tempo em que a Europa e os Estados Unidos gastam 3%.

            Sr. Presidente, temos que começar a escrever um novo capítulo de nossa história. Precisamos estar prontos para realizarmos, em médio prazo, o nosso grande sonho e o nosso grande projeto de ser uma Nação de primeira linha na América e no resto do mundo.

            Sabemos perfeitamente que realizar esse projeto é um gigantesco desafio, mas o povo brasileiro é portador de uma capacidade impressionante para superar as adversidades e de uma criatividade sem limites. Nenhum outro povo consegue se igualar a nós nesses campos, e esse capital é extremamente valioso no mundo em que vivemos.

            A economia globalizada exige enormes sacrifícios da sociedade e dos sistemas econômicos. Nesta economia instável e geradora de crises, inegavelmente a criatividade de um povo aparece como um grande capital. Se o Governo quiser utilizar esse potencial criativo de nossa gente, com certeza vamos superar as dificuldades da era presente e construir uma Nação próspera e, sobretudo, justa.

            Para empreendermos essa jornada, torna-se imprescindível resgatar no Orçamento os recursos sociais necessários para combater a miséria e devolver a dignidade a milhares de brasileiros.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso é homem sensível para com as questões do povo mais pobre, tem-se empenhado para diminuir as nossas desigualdades e certamente haverá de rever essas decisões de cortes nos gastos sociais que nada servem ao País.

            Ao invés de se mirar nos gráficos e nas pranchetas dos acadêmicos de plantão, o Presidente da República certamente vai preferir se influenciar pela realidade que vem das ruas e dos campos de um País que ainda tem uma enorme dívida social para ser resgatada.

            Para isso, torna-se imprescindível manter os gastos sociais orçamentários, compreendendo-se que esses recursos representam, na verdade, um investimento na vida e no bem-estar de nosso povo.

            Se encontramos fontes para garantir um salário mínimo de R$180, naturalmente vamos encontrar fontes para garantir as dotações orçamentárias necessárias à política social que o Governo vem desenvolvendo em nosso País.

            O Sr. Carlos Bezerra (PMDB - MT) - Senador Iris Rezende, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Com muita honra, concedo um aparte ao nosso grande Senador Carlos Bezerra, digno representante do Estado de Mato Grosso.

            O Sr. Carlos Bezerra (PMDB - MT) - Senador Iris Rezende, estou acompanhando com atenção o pronunciamento de V. Exª, principalmente quando fala das emendas para atender aos municípios brasileiros e na questão da subnutrição no Brasil. A FAO diz que o Brasil precisa de cem milhões de toneladas de grãos para alimentar a nossa população. Estamos patinando nos oitenta milhões de toneladas e vendemos a metade dessa produção. Por aí V. Exª pode imaginar quanta gente está passando fome no Brasil. Mas o ponto principal que quero destacar é a questão do atendimento aos municípios com verbas federais. Esse é um dos processos nefastos deste País. Essa centralização dos recursos em Brasília tem que acabar. Estamos falhando com a Nação, com o País. Quando digo nós, refiro-me a quase todos os partidos, inclusive o nosso Partido, o nosso querido PMDB. Este é um dos maiores problemas do Brasil: a centralização de recursos. Trata-se de um país de dimensão continental, cujos municípios contam recursos do Governo Federal, sessenta por cento E os municípios ficam de “pires na mão”, passando toda a espécie de privação e necessidade.

            O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - São 65%.

            O Sr. Carlos Bezerra (PMDB - MT) - São 65%, ajudou-me o Senador Gilberto Mestrinho. Falou-se há pouco em reforma tributária. Fiquei até animado: vamos discutir alguma coisa séria neste País, porque considero que esse é o maior e o mais sério problema do Brasil. Os municípios não estariam nessa penúria se a situação fosse diferente, se eles recebessem um volume maior de recursos. Falou-se na tal reforma tributária, mas ela virou uma piada. Fizeram um pacto: a União, os Estados e os Municípios ficam com o que têm; não vamos tirar nada de ninguém. Nossa reforma tributária virou piada e, mesmo assim, está engavetada. Então, o Presidente Fernando Henrique, que é sociólogo, que se apresenta ao mundo como homem moderno - já está na reta final do seu Governo - está devendo isso ao Brasil. E nós estamos, a grande maioria, a usar esse paternalismo para sobrevivência política, e não queremos mudar, não queremos reformar. No entanto, ainda haverá alguém neste País que vai pensar diferente, e este País vai mudar, com certeza, e vai caminhar para frente. Vamos conseguir descentralizar as ações, acabar com essa vergonha, pois esse é o maior mal do Brasil. Países do mundo, pequeníssimos, como a Suécia, a Suíça, a Itália, têm seus recursos descentralizados. O Brasil é o único País do mundo que centraliza tudo. Tem problemas sociais de toda a espécie, com trinta milhões de brasileiros vivendo em miséria absoluta, como afirmou V. Exª. Isso nos causa indignação, causa-nos espanto. No entanto, estamos assistindo a tudo isso de camarote, sem fazer as mudanças necessárias. Quero parabenizá-lo por levantar questão tão importante na tarde de hoje, dessa tribuna. Manifesto a minha solidariedade a um recurso de V. Exª. Quero ainda protestar por essa brutal centralização existente no Brasil. Muito obrigado, Senador Iris Rezende.

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, Senador Carlos Bezerra, pelo aparte. Permita-me incluí-lo no nosso pronunciamento, o que fará com que ele se torne um motivo maior para a apreciação daqueles que têm sobre os ombros a responsabilidade de decisão neste País.

            Concluindo, Sr. Presidente, Senador Carlos Bezerra, não faz muito tempo, desta tribuna, eu falava a respeito da propalada reforma tributária, chamando a atenção do Congresso Nacional porque se estava criando muita expectativa em torno dessa reforma. Assim aconteceu em relação à convocação da Assembléia Nacional Constituinte, porque o povo brasileiro, àquela época, pensava que, aprovada a nova Constituição, ninguém precisaria trabalhar mais. E foi uma decepção.

            Vem-se falando em reforma tributária e tenho advertido que o Governo Federal, os governos estaduais e também os governos municipais estão pensando em arrumar a sua vida com essa reforma. Estou de acordo com V. Exª: a legislação tributária vigente no País é, em grande parte, resquício do arbítrio, quando os ditadores faziam com que os governadores e os prefeitos viessem comer em suas mãos, buscando migalhas para que pudessem sobreviver e ninguém reagia. Nem um governador ou um prefeito, neste País, reagia àquele estado de coisas. E isso fica.

            Também estou de acordo com V. Exª em relação a outro ponto: temos que mudar, temos que estabelecer uma reforma tributária que dê condições ao Governo Federal, aos governos estaduais e aos municipais para que cada um assuma as suas responsabilidades, não as jogando nas costas dos outros. É necessário que se solucionem os problemas que afligem o nosso povo. Não podemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ficarmos aqui, Deputados e Senadores, de porta em porta de Ministério, buscando migalhas para que os prefeitos possam resolver os mínimos problemas. Hoje, o grande Senador, o grande Deputado não é aquele que apresenta o melhor projeto, não é aquele que estuda com mais profundidade os seus pareceres, mas é aquele que consegue o maior volume de recursos para os Municípios do seu Estado. Ai daquele que não conseguir algum recurso, porque, na época da eleição, não será nem recebido pelo povo!

            Temos que acabar com isso, temos que estabelecer a dignidade dos prefeitos, dos governadores, do Presidente da República. Precisamos ter coragem cívica e votar uma reforma tributária que dê solução, de uma vez por todas, aos problemas que afligem os Poderes Públicos deste País e, conseqüentemente, a sociedade brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo111/30/248:43



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2000 - Página 23322