Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Analise do movimento dos trabalhadores sem-terra no País. (como líder)

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Analise do movimento dos trabalhadores sem-terra no País. (como líder)
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2000 - Página 23352
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • ANALISE, MOVIMENTO TRABALHISTA, POLITICA SALARIAL, BRASIL, OMISSÃO, REFORMA AGRARIA, PROVOCAÇÃO, CRISE, AGRICULTURA, CAPITALISMO.
  • ELOGIO, INTEGRIDADE, LUTA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, DOCUMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo fazer hoje um discurso preventivo. Penso que vai ficar muito claro por que este meu pronunciamento tem esse sentido.

           A valorosa imprensa brasileira possui em seus quadros jornalistas do mais alto nível. Tem, até mesmo, alguém que considero um gênio e que acaba de lançar um livro chamado Mar Negro. Esse jornalista, Sr. Mauro Santayana, não tem sequer o curso primário. Esse fato só indica a precariedade e os limites do nosso sistema de ensino. Como uma pessoa como Mauro Santayana um dia na vida chega a recusar o cargo de Ministro das Relações Exteriores, que lhe foi oferecido por um dos Presidentes. Ele é gênio. Mauro Santayana é gênio.

           Mas, do outro lado, existem centenas de focas, seguidos de paparazzi, fotógrafos vagabundos, que, sem saber o que fazer e como escrever, ficam azucrinando a vida das pessoas.

           Agora, já começaram; só porque disse, um dia, que ia doar cerca de 400 hectares de terra para o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Noam Chomsky, um dos maiores pensadores do mundo, afirma que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra é o mais importante movimento social das Américas. Eu já estava convencido disso e já havia escrito coisas parecidas muito antes de ler Noam Chomsky.

           De novo, as classes dirigentes, as elites deste país, a burguesia burra, teima em acabar dando com os burros n’água, fazendo coisas contraproducentes, que revertem, logo em seguida, contra seus próprios interesses. Estou cansado de ver e perceber isso.

           Agora, por exemplo, estamos apoiando um salário miserável que está sendo imposto a nós, com argumentos capengas, como, por exemplo, que estourará a Previdência. É o que dizem alguns mentirosos e medrosos.

            Não se poderia esperar mais daqueles a quem Rubens Ricupero chamou “bandidos”. Sim; Rubens Ricupero, uma pessoa muito admirável a quem sempre presto minhas homenagens, comprovou-me que o capitalismo não suporta a verdade. Por isso, todas as elaborações teóricas, seja no campo da política, seja no da economia ou de outras ciências sociais, constituem ideologias, mentiras bem fabricadas, inteligentes, mas essencialmente mentirosas, porque o capitalismo não suporta a verdade. Por isso, quando o Ministro Rubens Ricupero disse ao jornalista Carlos Monforte que “eles são todos bandidos”, uma semana depois ninguém conseguia recuperá-lo, e S. Sª foi demitido do Governo; demitido porque deixou escapar, pelas antenas parabólicas, uma verdade: “Eles são todos bandidos. Não é Monforte?”

            Sr. Presidente, Srª Senadora, Srs. Senadores, tenho pouco tempo e o assunto é longo. Assim, em relação a essa questão do salário, devo lembrar que o Brasil é um país dirigido por uma elite tão medíocre, tão tapada, que nunca percebeu que, ao expulsar os trabalhadores que faziam o movimento dos sem-terra nos anos 60, iriam, obviamente, empurrá-los para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, onde eles se tornariam milhões de favelados sem ideologia, sem comida, sem esperança, fazendo deste Brasil de hoje o resultado inexorável do que aconteceu já há muitos anos: uma formação deformada.

            Certo dia, talvez para provocar meus amigos de Paracatu, que são quase todos fazendeiros, disse-lhes, em discurso que fiz quando empossado na Academia de Letras, que, ao se recusarem a ceder um alqueire de terra para a reforma agrária, colheriam como resultado essa crise da agricultura; crise que empobrece fazendeiros, agricultores, mostrando, por fim, que o General Golbery do Couto e Silva tinha razão: a deusa grega da distribuição da renda é a mesma deusa da destruição. Ou se distribui, ou se é destruído!

            Já agora estão por aí soltando foguetes por causa desses míseros R$180,00 - e o social democrata Fernando Henrique Cardoso queria que não passassem de poucos R$170,00. Vejam bem, Excelências, o que acontece? E friso que não sou eu quem o está dizendo - por causa disso já briguei, em 1970, com um amigo meu. No livro intitulado Capitalism since 1945, Philip Armstrong et alii afirmam “que os aumentos de salário são a causa imediata das renovações”. Assim, o critério para a renovação capitalista das máquinas velhas não é o de estar a máquina fisicamente ultrapassada. A maior parte da maquinaria é retirada de uso muito antes de ter se desgastado. O que esses três professores ingleses estão dizendo é que só o salário elevado leva os capitalistas a substituírem máquinas velhas por máquinas novas, uma vez que as inovações tecnológicas só ocorrem onde o custo da mão-da-obra é elevado. Destarte, os empresários são obrigados a comprar máquinas novas para economizar o fator caro: mão-de-obra, força de trabalho. É por isso que o Japão atingiu uma renda per capita de US$39 mil. Os sindicatos lá surgiram em 1914; não os de Febraban ou Fiesp, mas os dos trabalhadores, marxistas, haja vista que o marxismo despontou naquele país em 1880.

            Essas conquistas do salário, esses aumentos do salário é que levam uma economia capitalista a se dinamizar, a incorporar inovações tecnológicas constantes, a sucatear o equipamento industrial velho, ainda que servível. Contudo, há uma obsolescência tecnológica que sucateia o capital, obrigando os industriais a adquirirem e porem em prática uma nova geração de equipamentos.

            O Brasil, durante décadas, em virtude dessa burrice, desse individualismo, desse egoísmo, preferiu uma outra opção, a opção burra: preservar o trabalhador como escravo, com salários em nível de fome, pensando que assim aumentaria seus lucros. De repente, porém, com a competição externa, obviamente, os capitalistas que dormiam sobre as tecnologias antigas, que não fizeram os investimentos inovadores, pagando ninharia, tuta-e-meia aos seus trabalhadores, foram arrasados, sucateados pela concorrência internacional. E não havia outro jeito, pois durante décadas eles não inovaram, preferiram pagar um salário mínimo miserável, que não os obrigava a se moverem. Se o salário fosse mais elevado, eles, capitalistas, para aumentarem os seus lucros, estariam adquirindo tecnologias novas.

            O salário baixo atrai o capital estrangeiro; o salário baixo congela a tecnologia. Foi isto que aconteceu com a economia brasileira. Pagamos um preço altíssimo.

            De outra parte, temos ainda, no campo, 30% da população economicamente ativa do Brasil - os Estados Unidos têm 2,5% apenas. Então, só porque foram obrigados a assinar carteiras de trabalho, foram obrigados a expulsar os trabalhadores de suas terras, criando os bóias-frias, só porque tiveram que fazer recolhimentos à Previdência, os fazendeiros brasileiros incorporaram tecnologias novas, compraram tratores, “tratoraram” a população para os grandes centros, para as favelas, onde os conflitos mudaram de forma. Agora são 130 assaltos a ônibus, por mês, em São Paulo, Capital. Então, são esses números fantásticos que vemos todo dia pela televisão, com crimes, assaltos a bancos, a pessoas, a casas; homens-aranha subindo pelas paredes, pessoas se transformando em verdadeiros monstros. Isso não se produz assim do nada, ex nihil.

            Para concluir, digo que a vida está ficando difícil. Já foram lá em casa duas revistas para fotografar a minha casa e publicar em duas páginas dessa tal de Veja, essa revista mafiosa, e uma outra na primeira página interna de uma revista da Globo. A minha casa.

            Agora, porque falei outro dia, desta tribuna, que o meu pai abriu mão de uma herança enorme para os seus 17 irmãos e eu estou abrindo mão também... e foi no dia em que falaram que a fazenda do Presidente FHC era um símbolo igual à Bandeira Nacional. Meu Deus! Ali em Serra Bonita, em Buritis. Meu pai tinha lá, e deixou para nós, 2.024 hectares de terra. Recebi agora a escritura e doarei 400 hectares meus que recebi de herança. Em vez de solicitar auxílio do Exército para proteger minha propriedade, pois não tenho poder para tanto, e de fazer loucuras - porque entendo que isso é loucura -, abrirei as porteiras para que os trabalhadores possam ir até lá com as suas enxadas lavrar a escritura definitiva daquela terra. Essa lavratura só pode ocorrer mediante trabalho humano e não por meio de conversa fiada ou “nhenhenhém”.

            Estou fazendo o que a minha cabeça, na prática, me ensinou ao longo da minha vida. Há aproximadamente 60 anos, o meu trisavô tinha 480 mil hectares em Porangatu e em Uruaçu - era parte das terras que ele tinha. Ele transferiu-se para Paracatu e, então, um descendente seu, Sr. Pedro Salazar, pegou as procurações dos Almeida Magalhães, que são parentes nossos, da Senhora do Milton Campos, a D. Déa, que é parente nosso, do pessoal descendente do Desembargador Resende Costa, todos casados com irmãs das minhas avós. Então, pegou essas procurações todas e vendeu os nossos direitos de herança para um senhor chamado Belarmino Cruvinel, aqui de Goiás. Se ele vendeu, bem ou mal, isso está terminado. Então, eu não posso mais, do total dessas terras de 480 mil hectares, dar a parte que me caberia. Mas estou fazendo aqui agora.

            Então, peço desculpa por ser tão pouco - apenas 400 hectares -, mas não quero dar exemplo para ninguém. Não quero dar exemplo para o Senhor Presidente da República, que disse e escreveu várias vezes que era marxista, e agora desrespeita o trabalho do próximo. Essas terras em Buritis são encostadas nas augustas e intocáveis propriedades de Sua Majestade o Presidente da República, que lançou mão de forças do Exército e disse que essas terras adustas, essas terras miseráveis - não são miseráveis porque o trabalho humano abençoa tudo -, essas “terrinhas”, se transformaram, de acordo com o Sr. Nelson Jobim, Ministro nomeado por Sua Excelência para o Supremo Tribunal Federal, em um símbolo da pátria. Símbolo da pátria! É triste, isso é muito triste!

            De modo que então, ainda que fosse apenas para um confronto, nós, que pensamos tanto, durante tantos anos, de uma maneira muito semelhante, e agora, apenas para dar um exemplo a ele - e isto todos os meus alunos me ouviram falar a vida inteira: nunca fui guru de ninguém -, eu gostaria de ser guru neste caso: Vamos deixar disso, não vai trabalhar lá nada; você está com quase 70 anos, apesar da maquiagem, chegou a hora de deixar essas coisas, de colecionar terra, de colecionar dinheiro... Dinheiro não é merda, escreveu Marx em O Capital. Mas merda pode ser dinheiro. E Freud disse que “o dinheiro, o símbolo universal do dinheiro é merda”. E que “a merda e a sua coleção está ligada aos processos excretores, à fase anal”. Isso quem escreveu foi Freud.

            Vamos parar de juntar capim e de juntar excrescências no estômago e nas contas bancárias. Vamos parar com isso.

            Tenho dois irmãos que também são herdeiros, mas a minha irmã, por exemplo, sei que gostaria de doar sua parte, inclusive porque não deve precisar disso. O meu cunhado é Goés Monteiro, sobrinho do General Goés Monteiro, filho do Edgar Goés Monteiro, usineiros em Alagoas. Ele é neto do Osman Loureiro, professor e usineiro. Então, a minha irmã deve estar muito bem. Ela também poderia, se estivesse tão bem assim, abrir mão da parte dela, e aí seria maior o quinhão que nós poderíamos passar. Mas o meu está garantido. O meu direito de herança, logo que possível e desde que essa imprensa pare de me aborrecer, de me cobrar... Já foram até lá, querendo localizar. Falei com os repórteres, esses que pensam que são jornalistas: “Não adianta ir lá, porque vocês não vão encontrar”. Agora está aqui. Se quiserem, tem todas as divisas: são 2.024 hectares e 20 ares, tudo aqui. Fica num lugar chamado Cordas Grossas. Tem uma parte melhor, de cultura, com 122 hectares, e o restante, perfazendo os 2.024 hectares e 20 ares, contíguas a essas terras, distrito de Serra Bonita, no Município/Comarca de Buritis.

            Eu gostaria, Sr. Presidente, para terminar, de dar como lido o que não pude incluir agora na minha leitura, ou seja, este documento do MST, que é o único movimento social no Brasil hoje, infelizmente, a que não faço reparo.

            “Não perderam o conteúdo ideológico...”, porque, ao perder o conteúdo ideológico, a luta de classe se transforma nessa bagunça, nesse caos, nessa agressão sem sentido, roubando, matando para retirar um tênis, um sapato, por cinco reais, do próximo ou por um prato de comida.

            O MST, não! O MST continua com a sua integridade, com a sua compostura, com a sua vontade de encontrar um lugar onde possa ser útil à sociedade.

            O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Eminente Senador Lauro Campos, alguns outros Srs. Senadores me pediram que lhes assegurasse a palavra. Portanto, peço a V. Exª que não conceda apartes e que encerre.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Peço a V. Exª que considere como lido esta parte do meu pronunciamento que não posso, infelizmente, lê-lo.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

 

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SEGUE DISCURSO, NA ÍNTEGRA, E DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LAURO CAMPOS EM SEU PRONUNCIAMENTO:

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            Modelo15/4/246:52



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2000 - Página 23352