Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o uso da Internet, mais precisamente o uso do correio eletrônico.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Reflexão sobre o uso da Internet, mais precisamente o uso do correio eletrônico.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2000 - Página 23445
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, MODERNIZAÇÃO, CORRESPONDENCIA, MUNDO, AUMENTO, MENSAGEM (MSG), PROCESSO ELETRONICO, OBJETIVO, COMUNICAÇÕES, INTERESSE PARTICULAR, DIVULGAÇÃO, CONHECIMENTO, COMERCIO, QUESTIONAMENTO, ETICA, LEGALIDADE, ACESSO, CADASTRO, REGISTRO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PROTEÇÃO, USUARIO, INTERNET.
  • QUESTIONAMENTO, VIOLAÇÃO, DIREITOS, PRIVACIDADE, CAIXA POSTAL, INFORMATICA, EMPREGADO, EMPRESA.
  • QUESTIONAMENTO, PERDA, RECURSOS, AUMENTO, LIXO, PORNOGRAFIA, MENSAGEM (MSG), PROCESSO ELETRONICO, RISCOS, DANOS, SISTEMA DE COMPUTADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora aparentemente prosaico, quero trazer hoje à discussão um assunto que assume cada vez mais relevância em nossos dias: a comunicação por intermédio da Internet, mais precisamente o uso do correio eletrônico. Trata-se de evitar que as muitas vantagens trazidas por esse mecanismo sejam obnubiladas pelo seu mau uso.

            Para se ter uma idéia do volume dessas correspondências, em 1999 foram trocadas 600 milhões de mensagens em todo o planeta. Obviamente que isso significa uma ampliação em grande escala das comunicações pessoais, até então restritas às cartas, telefonemas, fax e telegramas, sem o inconveniente de cada um desses meios: cartas são de demorado envio; telefonemas a longa distância são dispendiosos; fax ocupa muito tempo no envio (além de tarifa telefônica) e telegramas são excessivamente curtos.

            Eis que vem o correio eletrônico, em que o usuário pode escrever uma mensagem do tamanho que desejar, enviá-la em instantes, para qualquer lugar do mundo ao custo do impulso de um telefonema local.

            Se essas vantagens fossem empregadas meramente para as relações interpessoais, entre amigos ou entre parceiros, tudo bem! No início, ainda na década de 70, prestava-se à comunicação entre cientistas e comunidade acadêmica, em geral. Não tardou para que esse potencial de acesso direto às pessoas fosse descoberto e utilizado pelas grandes empresas. Uma das empresas de maior valor no mercado mundial (a Amazon), está centrada no comércio eletrônico, que utiliza o e-mail como forma de contato com os consumidores.

            Obviamente que não vamos questionar a legitimidade de uma empresa querer se comunicar com seus potenciais clientes pelo correio eletrônico. A questão ética e legal surge no modo como as empresas têm acesso aos e-mails dessas pessoas. No Brasil, mesmo que ainda seja pequeno o número de usuários, existe uma empresa que oferece à venda um cadastro com 2,2 milhões de endereços eletrônicos. Aqui entram os questionamentos: como essa empresa obteve esses endereços? E o pior: o dono desse endereço autorizou ser “vendido” em um cadastro? Muito provavelmente, não.

            Sei que o Congresso Nacional não tem estado alheio a esta questão e já existem pelo menos três projetos de lei propondo sanções para quem utilizar indevidamente os endereços de usuários do correio eletrônico. Mas pode ser que, mesmo aprovadas, seja difícil fazer cumprir tais leis. Pode ser que a auto-regulamentação venha a ser o melhor meio. Nos Estados Unidos, a Meca dos usuários de e-mails, já existem selos conferidos a empresas que se comprometem a fazer um uso seguro dos dados de seus clientes. Mas não tem sido fácil chegar a essa solução negociada. Milhares de processos já abarrotam a Justiça americana com casos de invasão de privacidade de usuários da Internet.

            Uma pesquisa autorizada aponta que 9 em cada 10 usuários de correio eletrônico, recebem por semana, pelo menos, uma mensagem indesejada, enviada por empresas ou por particulares. São, além de anúncios, disseminação de “correntes eletrônicas” e assemelhados. Para alcançar os destinatários, os responsáveis por malas diretas digitais invadem a vida das pessoas sem pedir licença. E não é difícil saber porque fazem isso: ampliação do mercado e economia de escala nos gastos com publicidade. Por exemplo, uma campanha publicitária pela Internet custa pelo menos 10% do preço de uma campanha convencional com folhetos impressos. Além disso, pode ser montada e enviada em cinco dias; ao passo que a convencional demora, pelo menos, um mês. Por outro lado, as respostas às campanhas eletrônicas são de até 40% contra 0,5% de retorno a cartas comerciais enviadas pelo correio convencional.

            A principal dificuldade, pois, é esta: estabelecer padrões éticos que protejam o direito à privacidade, sem inviabilizar a utilização comercial dos dados das pessoas. Esse é um ponto sobre o qual podemos nos debruçar.

            A outra questão candente no uso do correio eletrônico diz respeito à proteção da privacidade de seus usuários. Nossa Constituição consagra, no art. 5º, Inciso XII, o direito à inviolabilidade do sigilo da correspondência das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. A exceção fica para as hipóteses em que a lei permitir o acesso a tais correspondências para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

            Mas não é assim que pensam grandes corporações, onde se localizam mais de 60% dos usuários do correio eletrônico. Alegando que os equipamentos de informática são para uso da empresa ou da instituição, estabelecem controles ou espionagem sobre as mensagens trocadas por seus empregados.

            Ocorre que o correio eletrônico eqüivale a uma caixa postal privada, acessada mediante uma senha; não se compara a um quadro de avisos público de uma empresa, ao qual todos têm acesso. Portanto, qualquer “bisbilhotice” de empresas ou instituições públicas no correio de seus funcionários atenta contra os direitos civis. Mas, infelizmente, não há meios de impedir essa invasão. E creio que essa é uma questão a ser enfrentada por nós.

            Mas, além do abuso dos anunciantes, vendedores de cadastros e de empresas, há também o abuso de usuários comuns, que enviam mensagens do tipo “pedido de socorro para uma menina com câncer” e outros nesse estilo, na maior parte, falsas. Como resultado, inundam as caixas de correio dos usuários, causando desconforto e fazendo com que percam um tempo precioso descartando esse lixo epistolar.

            Mas o risco pode ir além, pois as mensagens podem levar embutidas alguns vírus letais para os programas dos usuários, como ocorreu recentemente com o tal do “I Love You”, que se espalhou pelo mundo todo em menos de 24 horas e trouxe enormes prejuízos a diversas empresas e ameaçou comprometer a segurança de algumas corporações.

            Vou mencionar agora outro efeito - esse, sutilmente danoso: o envio de e-mails com conteúdo pornográfico (fotos, filmetes, piadas obscenas) em que, protegidos pelo anonimato, invasores da privacidade espalham sua “verborréia” pelos correios eletrônicos de conhecidos e desconhecidos.

            E, ainda nessa linha de invasão, que dizer do chamado “assédio eletrônico” em que, igualmente protegidos pelo anonimato, usuários perpetram invasões da privacidade dos outros, causando desconforto e insegurança?

            Não poderia deixar de citar como um dos males derivados desse fenômeno, o empobrecimento da linguagem escrita. No passado, o gênero epistolar fez uma carreira gloriosa, como no caso de São Paulo, com suas cartas de catequização; em passado menos remoto, tivemos a publicação de cartas como forma de biografia literária de pessoas famosas, e assim por diante. Pois, hoje, com as facilidades do correio eletrônico, de elaborar e enviar uma mensagem em segundos, assistimos à decadência do gênero epistolar. Trata-se de mensagens elaboradas sem a observância de regras mínimas de português, sem uso de maiúsculas, com uma pontuação deficiente, às vezes sem o uso de acentuação adequada (por não ser aceita em determinados casos), enfim, uma pauperização de nossa língua, que é tão rica.

            No caso dos chats, que são as “conversas virtuais”, está sendo criada uma outra linguagem, mais econômica, para acelerar as comunicações. É claro que o uso de códigos particulares não chega a ameaçar a estabilidade lingüística. A linguagem dos usuários de radioamador, cheias de códigos particulares, nunca trouxe qualquer prejuízo a nossa querida língua. Mas esse contato, por escrito, pode acarretar alguns prejuízos para a formação lingüística dos seus jovens usuários. Prejuízos cuja dimensão ainda não é possível aquilatar.

            Pois bem, termino esta fala sem chegar a uma conclusão sobre o assunto. Desejo apenas colocar o tema em discussão para que nós, do Senado, possamos nos debruçar sobre a questão e fornecer nossa contribuição.

            Creio que a contribuição mais significativa virá da discussão de uma nova ética derivada das comunicações por meio do correio eletrônico. Nesse caso, nosso papel, mais que normativo, é de apoio a um debate mais profundo na sociedade. E não podemos ser “atropelados pela realidade”. Devemos fazer com que essa discussão, que se dá principalmente no campo ético, encontre amparo entre nós e que o Senado sirva como foro para mudar essa realidade.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo18/16/245:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2000 - Página 23445