Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Presta homenagens pelo transcurso do centenário de nascimento do ex-Senador Milton Campos.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Presta homenagens pelo transcurso do centenário de nascimento do ex-Senador Milton Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23501
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MILTON CAMPOS, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EX MINISTRO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a destinação da Hora do Expediente da sessão de hoje para comemorar o centenário do nascimento de Milton Campos, atendendo requerimento subscrito pelo ilustre Senador de Minas Gerais Francelino Pereira e por diversos outros Srs. Senadores, representa homenagem justíssima que o Senado Federal presta a um homem que, por todos os seus atributos, só pode ser qualificado como excepcional, segundo o unânime depoimento de tantos quantos com ele conviveram, entre os quais muitas personalidades de grande relevo na vida nacional do século que ora expira.

            Embora tenha se tornado mais conhecido por sua atividade política, Milton Campos exerceu seus notáveis dotes intelectuais e sua capacidade de realização em múltiplas atividades. Além de político, foi advogado, jornalista, professor, escritor e acadêmico.

            Acima e além de sua capacidade intelectual e da importância dos cargos que exerceu, no entanto, o legado mais marcante deixado por Milton Campos foi a retidão absoluta de seu caráter e suas excelsas qualidades morais.

            No exercício da função pública, por exemplo, cumpria os mandatos políticos que lhe eram atribuídos como quem dá conta, exata e precisa, de um dever. Simplesmente um dever que "não lhe trazia vantagens e nem mesmo prazer ou ufania lhe dava". Foi Deputado Estadual, Deputado Federal Constituinte, Governador do seu Estado e Ministro da Justiça. Em qualquer posição era sempre o mesmo homem. Segundo o depoimento daqueles que lhe foram próximos, nem percebia ou prestava atenção no fato de que era um homem importante, desempenhando altos cargos. Era absolutamente despido de vaidade. O Professor Hélio de Almeida Brum afirma que “tão sem vaidade e com tanta naturalidade se conduzia sempre, que nem parecia assim proceder por modéstia. Sim, pode-se afirmar que ele conseguia nem parecer modesto.”

            Nas mais elevadas funções, no Executivo ou no Legislativo, parecia sequer se aperceber da posição que ocupava, fazendo apenas questão de exercer as tarefas dos encargos com rigor e exação exemplares. Milton Campos era não apenas culto, erudito, sapiente, experimentado. Nem era apenas um homem de caráter ilibado e raríssimo espírito público. Muitas vezes, ao falar-se de personagens em posições eminentes, corre-se o risco de cometer algum excesso. No caso de Milton Campos, contudo, pode-se afirmar, sem receio de qualquer exagero, que se tratava de um homem verdadeiramente nobre, portador de uma nobreza e grandeza de alma, de uma sensibilidade de espírito e de sentimentos que honram o ser humano e que fazem com que outros homens ainda acreditem na humanidade.

            Apesar de seu comportamento sensível, retraído, parecendo tímido até, guiava sua conduta por princípios morais e ideológicos inflexíveis. Era escravo das normas e dos preceitos que reputava essenciais à convivência social e à imagem das pessoas, bem como ao exemplo que se julgava na obrigação de deixar à mocidade. No que tange a essas normas e a esses preceitos, não cedia um milímetro sequer. Mas exercia sua retidão moral com tamanha cortesia, com tamanha brandura e tamanha caridade que a ninguém parecia intransigente e a ninguém inferiorizava ou magoava. Era como se pedisse desculpas por ser exemplar.

            A vocação para a vida pública de Milton Campos encontrou um primeiro e importante estímulo quando ele ainda contava 10 anos incompletos. Nessa época, empolgou-se com a Campanha Civilista, repercussão do lançamento de Rui Barbosa à Presidência da República, em oposição à candidatura de Hermes da Fonseca. Ao ingressar na Faculdade de Direito, em 1918, passou a integrar a geração de intelectuais que eclodia em Minas Gerais àquele tempo. Nessa fase acadêmica, estabeleceu sólidos laços com jovens mineiros que iriam se destacar no mundo político ou intelectual, como Gustavo Capanema, Ciro dos Anjos, Afonso Arinos de Melo Franco, Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade, entre muitos outros.

            De seus estudos literários, guardou Milton Campos forte influência de Montaigne e Anatole France, de quem recitava trechos inteiros. Do primeiro, recolheu o gosto de alcançar o objetivo pelo caminho mais curto, com as palavras à mão, escolhendo as que melhor expressassem seu pensamento. Do último, o humanismo, a ironia, a busca da harmonia, a rebeldia escrupulosa e inteligente.

            Fiel à sua vocação antioligárquica, apoiou a Aliança Liberal e solidarizou-se com a Revolução de 30. Nomeado Advogado Geral do Estado com apenas 32 anos de idade, integrou o Conselho Consultivo do Estado e foi eleito para a Assembléia Estadual de Minas dois anos mais tarde, sendo relator do anteprojeto da Constituição Mineira promulgada em 1935.

            Com o golpe do Estado Novo, em 1937, retornou à advocacia. Nesse período, foi um dos fundadores da Ordem dos Advogados de Minas Gerais e da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais, onde foi professor de política, disciplina de seu particular agrado, por conta da vocação doutrinária de que era portador. Deputado Constituinte em 1946, teve papel saliente na Comissão do Poder Judiciário, contribuindo para a redação dos artigos que definiram os direitos e as garantias individuais e que limitaram a intervenção do Estado no domínio econômico.

            Lançado ao Governo de Minas pela UDN, na condição de candidato de sacrifício, para enfrentar a máquina eleitoral do PSD, acabou vitorioso e assumiu o cargo em 19 de março de 1947. No secretariado que compôs, destacavam-se nomes como Pedro Aleixo (Interior), José de Magalhães Pinto (Finanças), Abgar Renault (Educação) e Américo René Gianetti (Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho).

            Em seu discurso de posse, declarou, “O Governo, que ora se inicia, procurará ser modesto, como convém à República, e austero, como é do gosto dos mineiros.”

            Milton Campos foi um liberal, na melhor acepção da palavra. Entre diversos episódios que bem evidenciam sua justeza conceitual e senso de ironia, relatados por Abgar Renault no prefácio de sua obra “Compromisso Democrático”, encontramos os seguintes.

            Comunicado de que certo deputado se desfizera em ataques ao seu Governo, especialmente ao Governador, retrucou, impassível: “É natural. Muitas vezes eu mesmo tenho dificuldades em apoiar este Governo”. Noutra oportunidade, recebendo notícia de que um seu correligionário havia atacado o Governo, ponderou, com tranqüilidade: “Falar mal do Governo é tão bom que não é justo que só os inimigos gozem desse privilégio. Deixem o deputado continuar as suas objurgatórias. É um direito que lhe assiste.”

            Afirmações como essas dão bem uma medida do espírito profundamente democrático e conciliador de Milton Campos, sempre aberto às críticas e aos questionamentos. Também reafirmando os compromissos do nosso homenageado com a democracia, o Prof. Carlos Horta Pereira, da UFMG, insere no "Ideário de Milton Campos", publicado na Revista Brasileira de Estudos Políticos: "...O regime democrático não é um privilégio dos povos mais avançados na civilização; ele é sobretudo o regime que conduz os povos jovens aos grandes destinos, com que sonham."

            Seu Governo, no entanto, não se restringiu ao plano político. Foi pleno de realizações, tendo implementado um Plano de Recuperação Econômica do Estado, criado a Universidade Rural de Viçosa e a Escola Média de Agricultura.

            Com a vitória do Movimento Militar de 1964, que havia apoiado, Milton Campos foi convidado para ser o Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, de quem recebeu a incumbência de ajudar a restabelecer a ordem jurídica do País. Pressionado pelo Ministro da Guerra, por recusar aprovação e andamento a medidas que o novo regime considerava imprescindíveis, mas que julgava inconstitucionais, redargüiu: “Meu papel no Ministério da Justiça é fazer cumprir a Constituição.” De sua gestão no Ministério resultaram, entre outras, a Lei do Inquilinato, a Lei da Remessa de Lucros, a Lei reguladora da ação popular, a Lei que estruturou a Justiça Federal de primeira instância, o Código Eleitoral e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Advindo o endurecimento do regime e a promulgação do Ato Institucional nº 2, Milton Campos apresentou seu pedido de demissão.

            Saindo do Ministério, foi, pela terceira vez, convidado para integrar o Supremo Tribunal Federal. Escrupuloso, não aceitou, pois, quando Ministro, encaminhara a reforma que aumentou o número de cargos do Supremo. Retornou, assim, a sua cadeira no Senado. Quando da eleição indireta de Emílio Garrastazu Médici, Milton Campos não compareceu. É que, embora considerasse correto o impedimento do Presidente Costa e Silva por motivo de saúde, discordava de sua destituição, lembrando que a Constituição previa sua sucessão pelo vice-presidente. Por essa razão, divergira do AI-5 e, mais ainda, do AI-12 e de tudo o que lhe seguiu.

            Em seu derradeiro período nesta Casa Legislativa, exerceu a Presidência da Comissão de Constituição e Justiça e foi membro da Comissão de Relações Exteriores.

            As marcas que caracterizaram a atuação de Milton Campos em 35 anos de vida pública foram qualidades raras, como desambição e coerência.

            Nos seus estudos de Direito e, mais tarde, nos embates parlamentares e nos cargos executivos - aponta o Professor Hélio Brum -, Milton Campos herdou de Rui uma concepção de poder liberal. Não o liberalismo “das frases sonoras” que disfarçavam o conteúdo demagógico. Tampouco o liberalismo de fundo romântico. Mas o liberalismo que tem na sua profunda convicção democrática o poder de limitar e controlar o poder desabusado.

            O encerramento da “era das tiranias” tem conduzido à redescoberta das virtudes do pluralismo político. Neste momento, nada mais oportuno do que resgatar a memória, as idéias e o exemplo de Milton Campos, que soube extrair de sua vivência e de sua vasta cultura as lições para uma vida política de elevado padrão ético.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo14/28/243:59



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23501